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Empresas offshore em paraísos fiscais: mitos e verdades sobre estruturação internacional para pessoas físicas no exterior

Direto ao Ponto: O mito de se utilizar empresas offshore em jurisdições com baixa ou nula tributação (“paraísos fiscais”) reside no medo de se incorrer em ilícito tributário, regulatório e penal. Todavia, o mero uso de entidades (personificadas ou não) que desenvolvem suas atividades “offshore” (i.e., fora de seu território de constituição) e que sejam sediadas em países com regime de tributação favorecida (tributem a renda a menos de 17%) não constitui qualquer tipo de ilícito, desde que a referida participação societária seja devidamente declarada pela pessoa física na DIRPF (declaração de imposto de renda perante a Receita Federal do Brasil) e na DCBE (declaração regulatória perante o Banco Central do Brasil). Se a origem e destinação dos recursos aportados nos veículos offshore não é ilícita (i.e., não decorre de crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tráfico de armas e drogas, financiamento de terrorismo), não há qualquer vedação legal ou prejuízo à utilização desse tipo de estruturação internacional, sendo extremamente vantajosa para fins de planejamento patrimonial, sucessório e tributário quando devidamente assessorada por um advogado. 

Recentemente, em investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) encampado no projeto conhecido como “Pandora Papers”, a notícia de que o atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central do Brasil (BACEN), Roberto Campos Neto, possuem uma “empresa offshore em um paraíso fiscal” foi manchete de inúmeros veículos na mídia, figurando constantemente entre as principais notícias deste mês. Os mais leigos ficaram chocados e os oportunistas políticos ganharam uma chance de ouro para criticar, desestabilizar e linchar moralmente ambos os representantes do Poder Executivo.

Com isso, alegações equivocadas de condutas passíveis de penalização por consistirem em crime, bem como de violação do código de conduta da administração federal ganharam força na imprensa. Daí precisamente o momento mais que oportuno para desmistificar as figuras das “empresas offshore” e dos “paraísos fiscais” e explicar as devidas consequências jurídicas de cada uma delas para fins do Direito brasileiro.

Uma “empresa”, conforme definição do art. 966 do Código Civil brasileiro é uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Coloquialmente, contudo, o termo “empresa” é utilizado como sinônimo de “sociedade” ou “pessoa jurídica”, referindo-se à entidade e não à atividade por ela exercida. Assim, “empresa offshore” no contexto das estruturações internacionais realizadas pelas pessoas físicas (e também jurídicas) quer dizer, na maior parte das vezes, um “veículo” ou “entidade” offshore. Esse veículo pode ser uma sociedade (como, por exemplo, uma Limited Liability Company – LLC – similar a uma sociedade de responsabilidade limitada no Brasil) ou um ente não-personificado (como, por exemplo, uma Limited Liability Partnership – LLP – ou um Trust).

Assim, a “empresa” offshore é um veículo (com ou sem personalidade jurídica, mas sempre segregada da de seus sócios, no caso de uma LLC; ou de seus instituidores, no caso de LLP e Trust) que irá receber valores (normalmente em dinheiro, mas também em bens e direitos, como por exemplo, recebíveis, marcas, patentes, stock options, opções futuras etc.) para investir no exterior, regra geral. 

Já o significado do termo “offshore” quer dizer “fora ou longe do território”, ou seja, que não seja no território daquela jurisdição. “Shore” em inglês é “costa”, ou seja, a parte que divide o território de areia/terra do mar/oceano. Portanto, “offshore” é longe da costa, fora do território físico (“land”) de determinado país. Assim, operações offshore significam aquelas realizadas fora do local de constituição da pessoa jurídica ou residência da pessoa física. 

Por conseguinte, “empresa offshore” advém do fato da sociedade realizar suas atividades empresariais fora do país em que foi constituída. Não é, portanto, um tipo societário específico, mas sim uma entidade que pode adotar diversos tipos societários (Limitada, Sociedade Anônima, Simples, por Comandita, etc.), inclusive não-personificada (LLP, trust, etc.). Por exemplo, uma entidade constituída nos EUA que opera exclusivamente no Brasil é, por definição, um veículo offshore.

Normalmente as entidades offshore possuem a maior ou toda a parte de seus sócios ou instituidores pessoas físicas ou jurídicas não-residentes no país de constituição da sociedade. Ou seja, uma empresa offshore constituída nos EUA, no Estado de Delaware, normalmente é detida por sócios que não residem nos EUA. Isso, contudo, não é um requisito ou condição de constituição ou manutenção da entidade offshore, mas se relaciona mais com a questão tributária e de variação cambial do que propriamente de requisitos mandatórios de lei societária ou civil daquele país de constituição.

No que se refere ao termo “paraíso fiscal” gera, ainda, muita confusão para o público em geral. Em inglês, o termo é “tax haven” (refúgio; lugar seguro) e não “tax heaven” (céu; paraíso) e significa uma jurisdição (país ou dependência) com baixa ou nenhuma tributação sobre a renda, sobretudo para operações offshore, isto é, aquelas realizadas fora dos limites territoriais da referida jurisdição (os rendimentos chamados “extraterritoriais”). 

Daí porque os sócios ou instituidores das entidades offshore são, quase sempre, investidores estrangeiros – que não residem naquela jurisdição de constituição do veículo offshore: se o sócio/instituidor de uma LLP nos EUA for residente nos EUA, os rendimentos por ele recebidos seriam tributados nos EUA, em razão da residência das pessoas físicas. É crucial, portanto, para a eficiência tributária da estrutura offshore que (i) os rendimentos da LLC não sejam gerados dentro do território norte-americano (renda advinda de cliente localizado ou atividade desenvolvida fora dos EUA); e (ii) os sócios/instituidores da entidade offshore não residam naquela jurisdição (devem ter residência fora dos EUA).

Entre os principais centros offshore do mundo, encontram-se as famosas ilhas caribenhas como (i) Ilhas Cayman; (ii) Ilhas Virgens Britânicas – “BVI” (esta, a jurisdição escolhida para a sociedade constituída pelo Ministro Paulo Guedes); e (iii) Bahamas; bem como jurisdições na Europa (Mônaco; Liechtenstein; Chipre, Gibraltar) e na América Central, principalmente o Panamá (esta, a jurisdição escolhida pelo presidente do BACEN, Roberto Campos Neto). 

Aliás, o Panamá foi o vetor do escândalo conhecido como “Panama Papers” que expôs as estruturas offshore constituídas na referida jurisdição detidas por diversos chefes políticos e empresas multinacionais e que levaram a investigações criminais, sobretudo de corrupção, suborno, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, etc e transformada no filme de 2019 “A Lavanderia” (em inglês, “The Laundromat”), estrelado por Meryl Streep e Antonio Banderas.

Fato é que a definição do que se chama “paraíso fiscal” (termo coloquial que não encontra menção em lei), no Direito brasileiro, advém da Lei 9.430/96, que em seu artigo 24 traz o termo “país ou dependência com tributação favorecida” assim entendido o país que (i) não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 20% (que, conforme Portaria MF 488/2014 reduziu para 17% o referido percentual); e (ii) cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.

A regulamentação das jurisdições entendidas como “tributação favorecida” (i.e., “paraísos fiscais”) atualmente é feita pela Instrução Normativa RFB 1.037/2010, que lista (na chamada “blacklist” ou “lista negra”) em seu artigo 1º todos os países ou dependências assim consideradas nos incisos I a LXVIII (a numeração engana pois dos 68 incisos há 7 revogações ainda numeradas, totalizando 61 jurisdições efetivas). 

Ora, se o Poder Legislativo define em lei o que se chama informalmente de “paraíso fiscal” e o Poder Executivo enumera tais jurisdições por meio de instrução normativa, resta indagar quais são as consequências de se estruturar veículos offshore em “países com tributação favorecida” e, sobretudo, se isso seria ilícito, seja pela ótica fiscal ou criminal. 

Não há ilicitude em se transacionar com “paraísos fiscais”. Existem apenas consequências jurídicas, que devem ser observadas. Neste ponto, as consequências tributárias para qualquer operação realizada com “países com tributação favorecida” são as seguintes: 

Em primeiro lugar, conforme já abordado em artigo de nossa newsletter Tax&Ponto, a pessoa física que constituir uma pessoa jurídica no exterior, i.e., criar uma empresa offshore – seja em jurisdição considerada “paraíso fiscal” ou não – está obrigada a declarar essa participação societária em sua Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (“DIRPF”) na ficha “bens e direitos” no exato montante em Reais que foi utilizado como aporte de capital social no ano de constituição (para participação societária com valor superior a R$ 1.000). A partir do segundo ano, deverá manter declarada na DIRPF a participação (enquanto a detiver) a valor de custo (valor histórico) sem ter que atualizar pela variação cambial entre Reais e moeda estrangeira (Euro ou Dólar), tampouco fazendo valuation (laudo de avaliação) da entidade no exterior ou método de equivalência patrimonial para refletir os lucros gerados ou valorização de ativos no exterior. Para entidades não personificadas como os trusts, a complexidade na declaração é maior e dependerá de uma análise mais detalhada sobre a discricionariedade, irrevogabilidade, jurisdição do beneficiário e do settlor (quem institui o trust), entre outras importantes variáveis. 

Aqui tanto o Ministro da Economia como o presidente do BACEN cumpriram a regra e reportaram seus investimentos em sociedade offshore em suas DIRPFs, refletindo a participação em sociedade sediada, respectivamente, nas Ilhas Virgens Britânicas e no Panamá. Não houve, pois, qualquer ilícito tributário ou crime. Isto porque, a Lei nº 4.502/64, em seu artigo 71, define “Sonegação” como:

“toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária (i) da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias; ou (ii) das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente”.

Se há a declaração do ativo na DIRPF não se pode alegar falta de conhecimento da autoridade fazendária e, por óbvio, não se materializa a sonegação. E como os rendimentos no exterior são da empresa offshore, também não há omissão de rendimentos por parte da pessoa física residente no Brasil. 

Em segundo lugar, a existência de offshore em paraíso fiscal significa que será aplicada uma alíquota majorada de Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) – de 15% (regra geral) para 25% – sobre os pagamentos e remessas aos “paraísos fiscais”. Assim, contribuintes brasileiros deverão reter e recolher esses 25% caso efetuem pagamentos aos paraísos fiscais a título de juros, juros sobre o capital próprio, importação de serviços, preço decorrente de ganho de capital do não-residente, royalties e direitos de autor.

Por fim, existem outras implicações mais onerosas fiscalmente para transações internacionais com países ou dependências com tributação favorecida, mas a maior parte delas relacionada – sob o ponto de vista prático – a pessoas jurídicas (e não físicas) residentes no Brasil, quais sejam:

  1. Aplicação das regras de preço de transferência independentemente de as partes não serem relacionadas (i.e., ainda que não sejam “pessoas vinculadas” para fins do artigo 23 da Lei 9.430/96);
  2. Limitação de dedutibilidade de juros em caso de endividamento superior a 30% do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil;
  3. Requisitos adicionais para dedutibilidade de despesas referentes a pagamentos para tais jurisdições (identificação do “efetivo beneficiário”, comprovação de capacidade operacional do não-residente; comprovação documental da efetiva ocorrência da despesa); 
  4. Impossibilidade de pessoa jurídica brasileira consolidar seus resultados de suas coligadas e controladas no exterior, sujeição ao regime de competência ainda que o vínculo seja de coligação (e não controle) e impossibilidade de parcelamento em 8 vezes do IRPJ e CSLL sobre os resultados de controladas e de coligadas equiparadas a controladas. 

Sob a ótica regulatória, conforme também já explorado em nosso Tax&Ponto, sempre existe a obrigação de reporte dos bens e direitos, a valor de mercado, perante o BACEN, que é realizado atualmente por meio da Declaração de Capitais e Bens detidos no Exterior (“DCBE”), obrigatória para pessoas físicas ou jurídicas residentes ou no Brasil que detenham, no exterior, ativos que totalizem US$ 1 milhão ou mais em 31 de dezembro de cada ano-base. A DCBE é feita eletronicamente e as multas em caso de não declaração ou omissões variam de R$ 2,5 mil a R$ 250 mil, podendo ser aumentada em 50% em alguns casos previstos na legislação. 

O mesmo raciocínio da DIRPF vale para a DCBE: se houve declaração correta dos bens e direitos detidos no exterior pela pessoa física, não há que se falar em ilicitude, violação de lei ou omissão de informações patrimoniais, também para fins regulatórios.

Daí conclui-se: havendo transparência da pessoa física em declarar, para fins da Receita Federal do Brasil e do BACEN, seu patrimônio (bens e direitos) no exterior, da forma correta, não há que se temer constituir ou deter “empresas offshore em paraísos fiscais” – ou, de forma mais correta, “veículos ou entidades offshore em jurisdições com tributação favorecida”. Não havendo conduta para impedir ou retardar o conhecimento das autoridades sobre a existência de veículos offshore, não há o que se temer. 

Direto ao Ponto: O “mito” e temor do uso das empresas offshore em paraísos fiscais não reside (i) no fato da entidade ou veículo ser offshore; tampouco (ii) de tal veículo ou entidade estar localizado em um país ou dependência com regime de tributação favorecida. Há, contudo, a natural e necessária preocupação sobre a origem dos recursos aportados e na destinação dos referidos recursos que, se advindos ou direcionados para realização de atividades ilícitas (corrupção, suborno, tráfico de influência etc.), configurariam ilícitos e crimes, independentemente da jurisdição ou atuação territorial da entidade que os recebeu ou os aplicou. Uma vez declarada corretamente a participação societária na DIRPF e os bens e direitos na DCBE pela pessoa física e havendo origem lícita dos recursos utilizados na sua constituição, bem como a aplicação dos referidos recursos ser feita em objetos lícitos, não há o que se temer no uso de veículos offshores em BVI, Panamá e tantas outras jurisdições de baixa ou nula tributação. Pelo contrário: funcionam como excelentes opções para planejamento patrimonial, sucessório e tributário internacionalmente, sendo legítimo o seu uso desde que devidamente assessorado por advogado. 

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