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Anistia de ativos no exterior: sigilo e eventual ressarcimento em discussão

Direto ao ponto: Em outubro deste ano completaremos cinco anos da chamada anistia de ativos no exterior, mas somente agora o Supremo Tribunal Federal (STF) sacramentou o sigilo das informações fiscais em favor dos contribuintes. Ainda que essa seja uma boa notícia, o quinto aniversário do programa não encerra em definitivo eventuais riscos aos envolvidos, mas certamente representa o termo final para qualquer pleito de ressarcimento que, em algumas hipóteses, cremos ser possível.

A legislação brasileira não proíbe a propriedade, pelos aqui residentes, de ativos no exterior. Contudo, há muito se obriga que tais proprietários informem suas posses às autoridades fiscais e cambiais nacionais. Em ambos os casos, a falha em informar tais bens e direitos pode impor multas ao faltante, bem como a presunção de falta de origem a justificar a cobrança de imposto de renda. Mais que tudo isso, o arcabouço jurídico brasileiro acaba por imputar crime (de evasão de divisas) àquele que deixa de devidamente declarar tais bens, ainda que qualquer imposto fosse efetivamente devido.

A piorar tal situação, a irregularidade sempre foi interpretada pelas cortes e doutrina penal como espécie de crime de conduta, para o qual a punibilidade não seria extinta pela correção da falha. Ou seja, diferentemente dos chamados crimes de resultado (sonegação, por exemplo), em que o bem cuja proteção é almejada pela lei (arrecadação, no exemplo) pode vir a ser restaurado posteriormente (via recolhimento), apagando a pretensão punitiva do Estado, a qualquer tempo (mesmo após o trânsito em julgado, conforme precedentes), o delito de deixar de informar os ativos no exterior seria espécie de falha que não seria apagada pela apresentação de tais dados em atraso.

Com isso, aqueles que deixavam de informar anualmente à Receita Federal (RFB) e ao Banco Central (Bacen) a propriedade de ativos no exterior, se viam num beco sem saída: se voluntariamente decidiam por confessar sua falha, assumiam o risco de vir a ser perseguidos pelas autoridades; mas manter o silêncio apenas perpetuava o risco, que a cada ano se renovava.

Para solucionar esse dilema, por lei, em 2016 foi criado o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que ganhou o apelido de anistia de bens no exterior. O legislador permitiu que proprietários de boa fé de ativos no exterior até então não declarados, com origem lícita e livre de quaisquer laços de exposição política, acertassem suas contas com o Estado brasileiro, resolvendo pendências cambiais e tributárias e obtendo a anistia, o perdão pelos tipos penais envolvidos. A condição: recolhimento, até 30 de outubro de 2016, de imposto e multa que totalizavam 30% do patrimônio regularizado. Em 2017, nova versão da anistia foi aberta, então com custo total de 35%. Em ambas, utilizou-se o “balcão único” da RFB para operacionalização do programa – a declaração (DERCAT) apresentada perante o ente servia para todos os efeitos almejados.

O julgamento do STF: sigilo conferido aos optantes é constitucional

Como forma de incentivar os contribuintes brasileiros a optar pela anistia, a lei previu que a declaração não poderia ser utilizada pelas autoridades brasileiras para eventuais cobranças ou perseguições correlatas.

Foi à época apresentada ação perante o STF requerendo que tal sigilo fosse reconhecido como inconstitucional. O autor da ação alegava que o sigilo configuraria excesso, em detrimento do Erário, da fiscalização que poderia interessar inclusive a outros entes federados, como Estados interessados em ativos decorrentes de sucessão e, portanto, passíveis do imposto a eles competente sobre tais fatos, ou mesmo Municípios no que se refere a ativos oriundos de rendimentos de serviços por eles tributados, por exemplo.

Finalmente, apenas neste início de 2021 a Suprema Corte analisou o caso, tendo decidido pela regularidade do sigilo. Contribuintes optantes da anistia respiraram aliviados, pois desde 2016 viviam sob receio de algum tipo de devassa sobre suas vidas, e não raro a evidenciação da origem dos ativos é tarefa hercúlea (e mudanças no posicionamento da RFB geraram mais insegurança sobre quem teria o ônus de tal prova – contribuinte ou autoridades).

De fato, desde 2016 houve diversos boatos de que o Fisco iria fazer uma auditoria completa nos contribuintes que aderiram à anistia, mas o número de procedimentos de fiscalização abertos é ínfimo dentro no universo de famílias afetadas e que normalmente possuíam alguma situação excepcional a justificá-los.

Há alguns meses houve também uma alteração nas orientações publicadas pelo Fisco em seu próprio site, o que levantou dúvidas sobre a necessidade de guarda de documentos que evidenciem a origem dos recursos declarados. Por isso, o contribuinte pode colecionar os melhores indícios disponíveis, mas sua eventual ausência jamais autorizaria as autoridades a presumir qualquer ilicitude. Caberia às autoridades o ônus dessa prova.

Embora positivo para o RERCT, o julgado do STF não impossibilita que a descoberta de evidências por outros meios autorize o início de cobranças por autoridades fiscais ou perseguições criminais. 

Ainda que seja defensável que o decurso de cinco anos (a se completarem em 30 de outubro próximo) implicaria na extinção de eventuais créditos tributários, conservadoramente não se deve afastar o risco de o início de tal prazo só poder ocorrer em data diferente do recolhimento da anistia, como o primeiro dia no exercício seguinte àquele em que o fisco poderia realizar uma cobrança ou a partir de quando desvendada eventual fraude.

Mas não somos alarmistas. Para a maioria dos declarantes, acreditamos encerrar neste 2021 o prazo para qualquer questionamento quanto à integridade do imposto pago e, portanto, quanto ao alcance da anistia.

Por fim, sabe-se que há uma “tese” sendo oferecida no mercado para se requerer o ressarcimento integral dos recolhimentos realizados, pois teriam supostamente ferido princípios tributários. O nosso posicionamento é cético quanto a tal suposta oportunidade e recomendamos extrema cautela quanto a sua adoção, porque não se tratava de uma lei meramente tributária, mas de uma complexa solução para exposições tributárias, cambiais e criminais, e de uma lei cuja adesão era voluntária. Acreditamos na prevalência da vontade do interessado, que na prática teria aceitado as regras do programa sem condições de agora as discutir.

Por outro lado, entendemos sim possível que se discuta um detalhe importante que diz respeito a interpretação daquelas regras: qual efetivamente teria sido a base de cálculo indicada pela lei, o patrimônio exato no dia 31 de dezembro de 2014 (cenário à época apelidado de “foto”) ou a soma de todos os ativos que já teriam sido detidos pelo optante durante o prazo de prescrição do tipo penal anistiado, ainda que não mais existentes (cenário “filme”)?

Cremos que aqueles que optaram pelo cenário “filme” em vez de “foto” poderiam requerer o ressarcimento parcial dos valores pagos (os que superarem a base conforme este último) por via judicial até 31 de outubro desse ano. Tal iniciativa não colocaria em risco a proteção dada pela lei, nem implicaria na assunção de quaisquer riscos incontrolados, sendo possível, por outro lado, a geração de relevante crédito.

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