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PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA: IMPACTOS NA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL E NOS VEÍCULOS DE INVESTIMENTOS

Direto ao ponto: A Proposta de Reforma do Imposto de Renda originalmente apresentada, na parte de tributação internacional, visa tributar (i) a alienação indireta de bens no Brasil; (ii) a variação cambial de investimento no exterior; (iii) lucros de filiais (branch tax); (iv) lucros de coligadas e controladas no exterior detidas por pessoa física; (v) transferências de participações societárias de empresas brasileiras para sociedades no exterior. Ademais, no que tange aos veículos de investimento, visa (i) equiparar o regime tributário da SCP ao sócio ostensivo; (ii) vedar a opção do Lucro Presumido por pessoa jurídica de direitos patrimoniais de autor, securitização e atividades imobiliárias; e (iii) estipular a devolução de capital a valor de mercado; entre outras medidas que vão onerar ainda mais a carga tributária do Imposto de Renda no Brasil. 

O Projeto de Lei 2.337/21 (“PL”) trouxe a proposta de reforma no Imposto de Renda (“IR”) e já vem causando intensos debates e grande insatisfação por parte dos contribuintes e especialistas em tributação. A rejeição do texto original do PL foi tanta que algumas semanas depois um projeto de lei substitutivo ao PL (“Substitutivo”) originalmente vislumbrado pelo Governo Federal foi apresentado pelo Legislativo. 

Neste artigo abordaremos de forma objetiva os principais pontos do PL com relação aos seus impactos (i) na tributação internacional – operações no exterior; e (ii) nos veículos de investimentos – operações realizadas por pessoas físicas e empresas familiares, majoritariamente. 

Na parte que cabe à reforma do IR relacionada à tributação internacional, destacamos o seguinte:

  1. Tributação da alienação indireta de bens localizados no Brasil por meio de sociedade no exterior 

Hoje, nos termos do art. 26 da Lei 10.833/03, os bens localizados no Brasil ainda que detidos por não residentes são tributados no Brasil pelo IR. No caso de alienação de sociedade no exterior, detida por não residente, que detenha participação societária em sociedade brasileira ou detenha bens no Brasil (imóveis), a regra atual não abarcaria esse ganho de capital indireto, visto que alienação de sociedade no exterior não é um “bem localizado no Brasil”. Existem decisões no CARF para casos de simulação nesse tipo de operação, determinando a tributação desse ganho de capital. 

PL: traz a regra para tributação de ganhos da alienação indireta decorrentes da transferência de ativos localizados no Brasil desde que (i) o valor de mercado dos ativos no país corresponder a 50% do valor de mercado da sociedade transferida no exterior; ou, (ii) o valor de mercado dos ativos brasileiros seja superior a USD 100 milhões. A responsabilidade solidária do procurador do alienante O ganho de capital indireto será proporcionalizado para o ativo brasileiro. 

  1. Tributação da variação cambial de investimento no exterior (OCI) sem step-up no custo 

Hoje discute-se a tributação da variação cambial de investimento, classificada contabilmente como Other Comprehensive Income (“OCI”), em razão do escopo limitado do art. 30 da MP 2.158-35/01, inclusive com precedente do STJ desfavorável ao contribuinte. Discute-se se essa variação cambial distorce a apuração dos ganhos ou perdas de capital apurados pela investidora, uma vez que não corresponde a um ganho ou perda obtido pela investida, que eventualmente merecesse compor o custo do investimento na apuração do ganho ou perda de capital auferido pela investidora.

PL: a proposta disciplina a variação cambial registrada na contabilidade sobre investimentos no exterior, já que a legislação atual não apresenta regra clara no que diz respeito aos efeitos dessa variação cambial na apuração do ganho ou perda na baixa da participação societária. Trata-se de uma correção cambial realizada pela investidora e não de um genuíno resultado de equivalência patrimonial sobre os ganhos e perdas efetivamente obtidos pela investida. Nesse contexto, a proposta prevê que a variação cambial de investimentos no exterior não deve integrar o custo do investimento no momento da apuração do ganho ou perda de capital.

  1. Branch tax (tributação de filiais brasileiras)

Hoje os lucros de filial brasileira de sociedade não residente não são tributados na fonte pelo IR no Brasil, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos EUA, em que o branch tax existe há tempos.  

PL: traz a previsão de que os lucros de filiais, sucursais, agências ou representações (rep offices) no Brasil, de pessoas jurídicas sediadas no exterior (matriz), serão considerados como automaticamente distribuídos da filial para a matriz na data de encerramento do período de apuração e, a partir de 2022, serão tributados pelo IR à alíquota de 20% na fonte. Essa regra, apesar de específica, impactaria empresas aéreas, alguns bancos e empresas regulamentadas que possuem historicamente filiais e sucursais no país. 

  1. Tributação automática anual de lucros de controladas estrangeiras detidas por pessoa física (CFC para indivíduos)

Hoje a Lei 12.973/14 somente determina a tributação automática de lucros de controladas e coligadas no exterior quando estas Controlled Foreign Corporations (“CFC”) são detidas por sócio pessoa jurídica residente no Brasil. Assim, sócio pessoa física que detenha participação societária no exterior não tributa os lucros dessa sociedade estrangeira anualmente, mas só quando distribuir os resultados por meio de dividendos ou alienar a participação societária (ganho de capital).

PL: traz a tributação automática em 31.12 de cada ano dos lucros auferidos por CFC controladas por pessoas físicas, desde que localizadas em jurisdições de tributação favorecida ou com regimes fiscais privilegiados. A regra também abrange entidades não personificadas como fundos de investimentos, trusts, foundations etc. e alcança a renda ativa e não somente renda passiva, como ocorre na maior parte dos países com regras CFC (verdadeira regra antiabuso). 

  1. Contribuição de participação societária em empresas no exterior pelo valor de mercado

Hoje a participação societária (quotas ou ações) de sociedades brasileiras podem ser contribuídas a sociedades estrangeiras pelo custo (valor histórico, “valor de livros” ou valor da declaração de bens), possibilitando a integralização de capital e transferência de participação societária em operações internacionais sem a incidência imediata do IR sobre o ganho de capital correspondente à diferença com o valor de mercado.

PL: determina a obrigatoriedade de avaliação de bens e direitos pelo valor de mercado, de modo que a diferença entre o valor de mercado e o custo (valor histórico) será tributada pelo IR como ganho de capital da pessoa física ou jurídica que está transferindo/aportando a participação societária de empresa brasileira. Há, todavia, uma opção de diferimento do ganho em 5 anos (60 parcelas), mas a diferença negativa – isto é, perda ou desvalorização entre o valor de mercado e o valor de custo ou histórico, não será dedutível pelas pessoas físicas ou jurídicas. O instrumento para comprovar o valor de mercado é o laudo de avaliação. A ideia aqui é antecipar a tributação da renda capturada e evitar as operações de tax inversion ou flip em que a sociedade brasileira deixa de ser residente no país e passa a residir no exterior (também conhecida como reparenting). 

Com relação às mudanças aplicáveis aos veículos de investimento, o PL traz as seguintes mudanças:

  1. Obrigatoriedade do regime tributário da SCP igual ao do sócio ostensivo

Hoje é permitido que a Sociedade em Conta de Participação (“SCP”) opte por um regime de tributação do IR diferente daquele adotado pelo sócio ostensivo (e.g., Lucro Real, Presumido, Arbitrado, SIMPLES). 

O PL traz a obrigatoriedade de adoção do mesmo regime tributário adotado pelo sócio ostensivo, de forma que quando o sócio ostensivo fizer sua opção de regime de tributação do IR este será o mesmo para a SCP.

  1. Vedação ao Lucro Presumido por Pessoa Jurídica de direitos patrimoniais de autor, securitização e atividades imobiliárias

Hoje, o regime de tributação do IR pelo lucro presumido é permitido a sociedades que possua como objetivo social a exploração de direitos patrimoniais, securitização e atividades imobiliárias, bem como dispensa da escrituração comercial o contribuinte que mantiver Livro Caixa. 

O PL traz a obrigatoriedade de adoção do regime de lucro real as pessoas jurídicas que explorem atividades de securitização de créditos, atividades imobiliárias e direitos patrimoniais de autor, marca ou voz. Além disso, o contribuinte deverá manter escrituração comercial. 

  1. Devolução de capital a valor de mercado

Hoje, as sociedades brasileiras podem optar pela melhor forma de avaliação dos ativos transferidos em devolução de capital, isto é, valor de custo (valor contábil ou valor de livros) ou de mercado, nos termos do art. 22 da Lei 9.249/95. Essa regra garante a neutralidade das reorganizações societárias, sobretudo as reduções de capital, diferindo a tributação de potencial ganho de capital para o momento em que efetivamente houver realização da renda. 

O PL traz a obrigatoriedade de avaliação de bens e direitos por valor de mercado, proibindo a devolução por valor de custo. Assim, a diferença entre o custo e o valor de mercado será tributada como ganho de capital pela sociedade que está transferindo/devolvendo os bens e direitos. O instrumento para comprovar o valor de mercado é o laudo de avaliação. Importante apontar que a perda por Ajuste a Valor Justo (AVJ) não poderá ser computada como despesa dedutível para fins do IR da pessoa jurídica.

  1. Tributação automática anual de lucros de controladas estrangeiras de pessoa física (CFC para indivíduos)

Já tratada acima. Impacta também os veículos de investimentos de pessoas físicas, sobretudo sócios de start-ups e venture capital

Direto ao ponto: O PL Substitutivo fez as seguintes alterações à redação original do PL: retirou (i) tributação da alienação indireta de sociedades no exterior (ganho de capital indireto); (ii) obrigatoriedade do regime tributário da SCP ser o mesmo do sócio; (iii) tributação da variação cambial de investimento (OCI); (iv) tributação de lucros de CFC para sócio pessoa física. Todavia, muitas alterações e ajustes mostram-se necessários e ainda teremos novos capítulos por vir com relação à reforma do IR no Brasil. 

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