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Novidades, oportunidades e cuidados a partir do acordo de bitributação Brasil e Suíça

Direto ao ponto: Acordo contra a bitributação entre Brasil e Suíça trouxe inúmeras modificações nas relações envolvendo tais países. Como principais novidades, a previsão expressa de tributação pelo Estado da Fonte (na maioria das vezes, o Brasil) sobre rendimentos decorrentes da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, a adoção de cláusula antiabuso subjetiva (cláusula de PPT), definição expressa de “fundo de pensão” para fins do tratado e isenção de IRRF sobre dividendos por ele recebidos e crédito fictício de imposto de renda sobre dividendos pagos por fonte brasileira como se tivessem sido tributados domesticamente por fonte suíça. Aumenta a segurança jurídica com a existência do referido acordo, num primeiro momento, desde que seus dispositivos sejam, de fato, observados pelas autoridades fiscais brasileiras. 

No dia 03 de maio de 2018 foi assinado o acordo contra a bitributação entre Brasil e Suíça (“Acordo”), que contém dispositivos inéditos quando comparado aos textos dos 33 acordos contra a bitributação celebrados até hoje pelo Brasil. 

Todavia, somente no dia 08 de junho de 2021 foi promulgado o decreto pelo Poder Executivo (Decreto nº 10.714/21) publicando o texto do Acordo que passa a produzir efeitos jurídicos a partir do ano seguinte de sua entrada em vigor (i.e., efeitos a partir de 2022 em diante). 

Dentre os principais pontos, chamam a atenção os seguintes: 

  1. Artigo 1 (2) – “Pessoas Visadas”: inclusão de entidades transparentes (“flow-through”) e veículo de investimento coletivo como pessoas visadas;
  2. Artigo 2 (1) – “Tributos Visados”: menção expressa de que a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) está abrangida nos tributos visados; 
  3. Artigo 3 (1) – “Definições”: definição do termo “fundo de pensão”, no item “j”, pela primeira vez em um acordo contra a bitributação celebrado pelo Brasil; 
  4. Artigo 4 – “Residente”: possibilidade de entidades como fundo de pensão e pessoas imunes ou isentas de imposto sobre a renda (organização religiosa, de caridade, cultural, etc.) serem residentes em um Estado Contratante;
  5. Artigo 5 (3) – “Estabelecimento Permanente”: prazo de 9 (nove) meses para caracterização de um canteiro de obra ou projeto de construção ser considerado Estabelecimento Permanente, e não de 12 meses (este último o padrão temporal sugerido pela OCDE);
  6. Artigo 9 – “Empresas Associadas”: ausência da cláusula de ajuste secundário para fins de preço de transferência disposto no Artigo 9, Parágrafo 2 da Convenção Modelo da OCDE, o que gera bitributação econômica em casos de ajustes primários para fins de transfer pricing em um dos países;
  7. Artigo 10 – “Dividendos”: participação societária mínima de 10% e minimum holding period de 1 ano para aplicação da alíquota de 10% sobre dividendos distribuídos aos sócios no parágrafo 2º, item “a”; e não-tributação pelo Estado de Fonte de dividendos pagos a fundos de pensões e a Banco Central do outro país no parágrafo 3º, item “a” e item “b”, respectivamente;
  8. Artigo 11 – Juros: tributação exclusiva no Estado do beneficiário efetivo dos juros quando para (a) fundo de pensão (parágrafo 3º, “a”); ou (b) Banco Central do Estado (parágrafo 3º, “b”);
  9. Protocolo – item 9: Juros sobre o Capital Próprio (“JCP”) qualificado como juros e ausência de limitações de estruturas financeiras potencialmente abusivas;
  10. Artigo 12 – Royalties: ausência da cláusula anti-abuso para coibir pagamentos de royalties “excessivos”; 
  11. Protocolo – item 10: inclusão da remuneração pela “prestação de assistência técnica” expressamente como renda qualificada como “Royalties”;
  12. Artigo 13 – Remunerações por serviços técnicos: inovação por meio do dispositivo autônomo tratando da tributação de remuneração por serviços técnicos de forma cumulativa (Estados da Fonte e da Residência), algo inédito, sob alíquota reduzida de 10% (alíquota interna brasileira de IRRF para serviços técnicos pagos a jurisdição que não seja paraíso fiscal é de 15%) e que inclui contraprestação por qualquer serviço de natureza gerencial, técnica ou de consultoria, exceto se pagos a um empregado, por instituição educacional ou por pessoa física para fins de uso pessoal;
  13. Artigo 14 – Ganhos de Capital: previsão específica e inédita de que os ganhos de alienação de bens não tratados nos parágrafos do Artigo 14 serão tributados exclusivamente no Estado de Residência do alienante (parágrafo 6º);
  14. Ausência do Artigo tratando de “Professores e Pesquisadores” (usualmente Artigo 20 nos acordos celebrados pelo Brasil com outros países, por ex., Rússia);
  15. Artigo 22 – “Outros Rendimentos”: tributação de “outros rendimentos” somente do Estado de Residência, e não cumulativamente entre ambos os países como ocorre nos acordos anteriormente celebrados pelo Brasil;
  16. Artigo 23 – “Eliminação da Dupla Tributação”: Crédito fictício de imposto de renda sobre dividendos pagos por fonte brasileira como se tivessem sido tributados domesticamente por fonte suíça (parágrafo 2, “c”); e ausência de cláusula de crédito presumido – “matching credit”;
  17. Artigo 24 – “Não-Discriminação”: inexistência de menção expressa no Protocolo às cláusulas de tributação de controladas e coligadas (“CFC rules”) e de Subcapitalização (“Thin Capitalization”) como não-violadoras da não-discriminação como ocorreu, por ex., com os acordos com a Rússia e México), o que passa a ser implícito pelo conteúdo dos demais parágrafos desse artigo;
  18. Artigo 25 – “Procedimento Amigável”: previsão de prazo de 3 (três) anos contados da primeira notificação que resultar em uma tributação que destoe das disposições do Acordo para apresentação de Procedimento Amigável e ausência de cláusula de arbitragem tributária no Acordo;
  19. Artigo 26 – “Troca de Informações”: Protocolo (item 16) com inúmeros dispositivos relacionados à troca de informações estabelecida no Artigo 26;
  20. Artigo 27 – “Direito aos Benefícios”: existência de cláusula de teste de principal propósito (“Principal Purpose Test” – “PPT”) no parágrafo 1º; e existência de cláusula de limitação de benefícios (“LOB clause”) detalhada nos parágrafos 2º a 4º;
  21. Protocolo – item 5: permissão de ajuste correspondente de preço de transferência somente se for acordado no decorrer de um procedimento amigável; 
  22. Protocolo – item 8: cláusula de nação mais favorecida restrita: previsão de equiparação de tratamento fiscal mais benéfico (isenção ou redução de alíquota) futuro para Suíça relacionado a juros, royalties e serviços técnicos, se o Brasil assim o fizer com um país membro da OCDE após a data de assinatura do Acordo; e
  23. Protocolo – item 17: autorização expressa para que os Estados apliquem as disposições de sua legislação nacional visando combater a evasão e elisão fiscais, não obstante a celebração do Acordo.

Com relação ao Projeto BEPS em específico, pode-se afirmar que o texto do Acordo Brasil-Suíça não seguiu as recomendações do Projeto BEPS nos seguintes temas (Ações):

  1. Ação 2 (Procedimento Amigável como corolário da aplicação de acordos para os arranjos e entidades híbridas no Artigo 4);
  2. Ação 3 (ausência de menção expressa que as regras CFC não violam a não-discriminação do Artigo 24);
  3. Ação 4 (ausência de menção expressa que as regras de subcapitalização não violam a não-discriminação do Artigo 24);
  4. Ações 8-9-10 (não adoção das recomendações sobre preços de transferência, sobretudo, ausência do ajuste secundário automático no Artigo 9);
  5. Ação 7 (não expansão e atualização do conceito de Estabelecimento Permanente no Artigo 5);
  6. Ação 14 (não-inclusão de arbitragem tributária no Artigo 25, e escopo limitado do Procedimento Amigável); e
  7. Ação 15 (Instrumento Multilateral – “MLI” não assinado pelo Brasil, em contramão ao que a OCDE espera).

Contudo, é importante destacar que alguns pontos do Acordo Brasil-Suíça estão parcialmente em sintonia com recomendações do Projeto BEPS, notadamente:

  1. Ação 6: Abuso de Tratados endereçado no Artigo 27, com a cláusula extensa de limitação de benefícios (LOB) e inserção da cláusula de PPT; ausência de matching credit, e preâmbulo mencionando como objetivo evitar a dupla não tributação e abuso de tratados; previsão de aplicação de lei interna para combate de evasão e elisão fiscais sem ser considerado violação do Acordo;
  2. Ação 4: a dedução de juros segue relativamente os padrões mínimos sugeridos, quando o JCP passa a ser tratado como juros e não há isenção total – ausência de “double dip”);
  3. Ação 5: práticas danosas coibidas no Artigo 26 extremamente detalhado sobre troca de informações, porém, ausência de cláusula anti-abuso de royalties “excessivos”)

Ao adotar somente 3 das 15 Ações do BEPS, pode-se afirmar que o Acordo Brasil-Suíça dá indícios tímidos que o Brasil caminha ainda muito lentamente para uma maior adoção dos padrões da OCDE – sobretudo após seu pedido de ingresso em 2017. 

Especificamente na esfera tributária esperava-se que o Brasil, visando se tornar país-membro da OCDE, passasse a modificar seu comportamento em questões tributárias essenciais como (i) padrão arm’s length para regras de preço de transferência; e (ii) acordo contra a bitributação baseado na Convenção Modelo da OCDE.

É verdade que esses dois pontos sempre foram de ampla discordância entre Brasil a OCDE, todavia, se o objetivo do país é ingressar como membro da referida organização internacional, esperava-se mais em termos de harmonização com os dispositivos recomendados na Convenção Modelo da OCDE e em seus Comentários, sobretudo após o pedido formal feito pelo Brasil.

Portanto, uma harmonização total aos padrões da OCDE nos acordos contra a bitributação ainda está longe, sobretudo para temas como ajuste secundário de preço de transferência, arbitragem tributária, procedimento amigável contra a bitributação, tributação, não-tributação na fonte de serviços técnicos, assistência técnica e royalties e assinatura do MLI – que ainda são tabus para a Autoridade Fiscal Federal brasileira.

Para as empresas multinacionais suíças fazendo negócio no Brasil houve ganho de uma maior segurança jurídica com a celebração do Acordo, ao menos num primeiro momento. Os principais pontos de atenção são a existência de tributação dos serviços técnicos e assistência técnica a 10% quando pagos pelo Brasil e a existência de cláusulas antiabuso como a LOB e PPT, que deverão ser cuidadosamente observadas.

Para pessoas físicas com ativos na Suíça ou considerando emigrarem do Brasil para a Suíça, os ganhos de capital residuais, os rendimentos dos fundos de pensão e distribuição de dividendos de empresa brasileira para residente fiscal na Suíça são pontos de atenção para quem quer deixar o Brasil para residir na Suíça, seja como expatriado, aposentado ou para iniciar um novo empreendimento. 

Vale lembrar que a troca de informações fiscais entre os países ficou ainda mais intensificada a partir de agora e, mais ainda, a partir de 2022, razão pela qual informações sobre existência de ativos e tributos recolhidos em um ou outro Estado serão intercambiadas entre as Autoridades Fiscais com a ajuda das instituições bancárias, ainda mais à luz do FATCA (IGA). 

Todavia, a troca de informações fiscais entre os países já era feita antes da promulgação do Acordo neste ano de 2021. Isso porque, Brasil e Suíça celebraram acordo de troca de informações fiscais (“Tax Information Exchange Agreement” – “TIEA”) em 23 de novembro de 2015 e promulgado em 30.05.2019, por meio do Decreto nº 9.814/2019. Assim, desde 1º de janeiro de 2020, Brasil e Suíça podiam intercambiar informações relativas a todas as obrigações tributárias. Além da Suíça, o Brasil celebrou acordos para troca de informações com Argentina (com quem já tem acordo contra a bitributação), Estados Unidos, Jersey e Reino Unido. 

Direto ao ponto: Pessoas físicas migrando do Brasil para a Suíça ou vice-versa, sejam como expatriados, aposentados ou empreendedores devem se atentar para este acordo internacional recém-publicado. Existem oportunidades interessantes para redução da carga tributária envolvendo os países, mas ao mesmo tempo, se não tomados os devidos cuidados, a aplicação dos dispositivos do acordo contra a bitributação poderá ser negada, implicando em aumento de carga tributária nos investimentos e pagamentos entre os países. Para multinacionais, a grande preocupação reside na tributação de serviços técnicos e assistência técnica na fonte, o que diverge dos precedentes sobre o tema julgados pelo Superior Tribunal de Justiça até o momento, sendo necessárias adaptações para estruturas internacionais de empresas no Brasil envolvendo tais tipos de rendimentos com a Suíça.