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STJ mantém ISS sobre armazenamento de carga: decisão pode afetar negócio de self-storage

Direto ao ponto: O STJ entendeu que incide ISS sobre armazenamento de carga em razão dessa atividade estar inserida no item 20.01 da Lista Anexa à LC 116/03 – “serviços portuários”, especialmente devido ao fato de a empresa ser a responsável pela organização, guarda e conservação de mercadorias em área alfandegada de acesso restrito, com diversas obrigações de fazer em tal relação contratual. Ficou afastando, assim, o entendimento de que essa atividade seria apenas locação de espaço físico, esta não sujeita ao ISS. A partir dessa decisão, as atividades de self-storage – que consistem essencialmente na cessão de espaço físico – poderão ser afetadas no que tange ao ISS.

Neste mês, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu, por unanimidade de votos, pela incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”) sobre a atividade de armazenagem (item 20.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 – “LC 116”), ao prover o Recurso Especial n. 1.805.317 interposto pelo município de Manaus/AM, reformando o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (“TJAM”).

Discute-se, no caso, se a atividade de armazenagem de carga em terminal portuário representaria uma obrigação de fazer – portanto, enquadrada como prestação de serviço – ou locação de bens (móveis ou imóveis), no caso, locação de espaço físico (área alfandegada) – o que afastaria seu enquadramento como serviço, conforme entendimento do Supremo Tribunal Feral firmado na Súmula Vinculante n. 31[1].

De acordo com o STJ, a atividade de armazenagem deve ser compreendida como prestação de serviço devido às suas características relacionadas à obrigação de fazer (guardar e conservar) e à responsabilidade civil (conta e risco da empresa que realiza o armazenamento).

Não obstante não tenha sido objeto da discussão, este julgado representa um importante direcionamento para a atividade de self-storage e armazenamento privado no que tange à discussão sobre a incidência do ISS nestas atividades.

O caso trata de empresa que opera terminal portuário recepcionando contêineres de mercadorias importadas e disponibiliza espaço físico para que fiquem alojadas até que ocorra o desembaraço aduaneiro feito pela Receita Federal.

Para o STJ, esse tipo de atividade não pode equiparada à mera locação, de modo a afastar a incidência do ISS. A fim de fundamentar sua decisão, o Ministro Gurgel de Faria, relator do caso, destacou que, de acordo com o artigo 1º da LC 116, o ISS tem como fato gerador a prestação de serviços previstos na lista anexa, cujo item 20.01 menciona expressamente a prestação de serviços portuários, dentre os quais encontra-se os de armazenagem de qualquer natureza.

Adicionalmente, destacou que, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, o verbo “armazenar” compreende os significados de “guardar” e “conservar”, o que está entre as atividades da empresa: guardar e conservar os contêineres de mercadorias que recebe na área de alfandega de sua responsabilidade.

Nesse sentido, mencionou que o TJAM identificou que aatividade do terminal da empresa consiste em realizar tarefas necessárias para o recebimento de contêineres de mercadorias e seu armazenamento até que a RFB processe o despacho aduaneiro. Além disso, ressaltou que o conceito de alfandegamento, previsto no artigo 2º da Portaria RFB n. 3518/2011, abrange a área administrada pela empresa e que referida Portaria exige requisitos técnicos (artigos 6º, 7º, 9º, 15 e 17) como restrição de acesso à área de armazenagem, organização dos tipos de cargas dentro do recinto para fins de segurança, cuidados de conservação com cargas especiais e permanente vigilância das mercadorias recebidas.

Diante dessas características, destacou que “para o adequado desempenho da atividade de armazenamento em área portuária alfandegada, a empresa autorizada para explorar o terminal portuário deve organizar as cargas recebidas em razão de sua natureza, conservar o seu estado em conformidade com os cuidados que elas exigem e guardar as mesmas sob sua vigilância, controlando por meio de monitoramento obrigatório o acesso de pessoas à área destinada para essa finalidade, sendo certo que todas essas ações encerram o cumprimento de obrigações de fazer, estando, assim, bem caracterizada a prestação de serviço tributável pelo imposto municipal.

Dessa forma, entendeu que essas ações precedentes ao despacho aduaneiro são relevantes para afastar o entendimento de que o armazenamento se assemelha com o instituto da locação de espaço físico.

Outro ponto relevante destacado está relacionado à responsabilidade civil das partes contratantes.

Para o relator, na contratação do armazenamento não há a transferência da posse direta da área alfandegada, cujo acesso é restrito e, dessa forma, impede a cessão de espaço físico para o usuário, assim, o importador/exportador não a utiliza por sua conta e risco.

Assim, no armazenamento, qualquer dano causado à mercadoria armazenada é de responsabilidade da empresa que desenvolve a atividade, quem deverá indenizar o proprietário das mercadorias por falhas na armazenagem. Já na cessão de espaço físico, ainda que haja instalações próprias, eventuais danos em face do uso da posse direta, caberá ao próprio locatário suportá-los.

Dessa forma, diante das especificidades da atividade de armazenamento portuário, notadamente sobre a responsabilidade da empresa de guardar e conservar as mercadorias do importador até o despacho aduaneiro pela RFB, bem como por ser a área alfandegada de restrito acesso, o que impede o livre acesso do proprietário, o STJ entendeu que a atividade de armazenamento deve sim ser considerada como prestação de serviços e não mera cessão de espaço físico.

A partir então desse julgado, convém analisar como isso pode impactar a atividade de self-storage e de armazenamento privado.

Inicialmente, vale observar que na língua portuguesa self-storage deve ser entendido como “auto armazenagem”.

A atividade de self-storage consiste em uma pessoa (física ou jurídica) locar temporariamente espaços individuais para sua própria gestão na guarda e organização daquela “coisa” que será armazenada. Sua principal característica é que somente o cliente do espaço, quem aluga, tem acesso ao espaço de armazenagem, sendo exclusivamente sua responsabilidade a colocação, conservação e retirada dos bens no local de armazenagem. Assim, a empresa que loca o espaço e demais clientes não têm acesso à sua área de armazenagem, e não exerce atividades nesse espaço.

Nesse caso, portanto, o locatário é responsável pelo manuseio de seus objetos, sendo certo que em caso de dano no processo colocação, conservação e retirada é quem assume o prejuízo. Por outro lado, o local de armazenamento de um self-storage usualmente dispõe de monitoramento e limpeza das áreas comuns.

No armazenamento privado a essência é a mesma, o que muda é que o locatário dispõe de todo espaço para seu exclusivo uso e não de um espaço específico dentro de uma área geral compartilhada. Serviços de vigilância e limpeza também podem ser oferecidos ao locatário.

Feitas as considerações cabíveis, é possível perceber que, embora tenham a mesma essência (armazenamento de bens), a armazenagem portuária e o self-storage se distinguem para fins de incidência de ISS.

No self-storage (e no armazenamento privado) fica evidente o caráter de mera locação de espaço físico, sem que haja qualquer obrigação de fazer como atividade principal. Existem, contudo, obrigações de fazer acessórias e adicionais, opcionalmente contratáveis pelo cliente. Estes casos diferenciam-se do caso do STJ tanto na guarda e conserva dos bens móveis quanto na responsabilidade civil, por ser o locatário responsável pelo manuseio dos objetos e não a pessoa que cede o espaço físico mediante pagamento, sendo certo que o locador não tem que arcar com qualquer indenização.

Diante desse cenário, portanto, para as atividades de self-storage e armazenamento privado, não obstante  o julgado do STJ tratar da atividade de armazenamento de bens, é possível entender que devido às características muito específicas e regulamentação particular das atividades de armazenagem portuária, o entendimento sobre a incidência do ISS neste caso não se aplica automaticamente para as atividade de self-storage/armazenamento privado, pois nesta a natureza jurídica predominante é de locação de espaço físico (atividade-fim), sendo irrelevante a existência de atividades-meio adicionais e opcionais (limpeza, vigilância monitorada, etc.).

Direto ao ponto: Nas atividades de self-storage e armazenamento privado, o locatário é responsável pelo manuseio e conserva de seus objetos/mercadorias, sendo, além disso, a única pessoa com acesso ao local de depósito. Em face do entendimento do STJ de que a armazenagem portuária envolve necessariamente a guarda e conservação de área restrita operada pela empresa de armazenagem, estando listada expressamente na Lista Anexa da LC 116/03 como obrigação de fazer, incide o ISS sobre tais atividades. Contudo, como as atividades de self-storage e armazenamento privado fogem das características e da regulação específica da armazenagem portuária, pode-se concluir que tal decisão judicial não tem o condão de gerar a incidência do ISS sobre as atividades de armazenagem privadas, que representam essencialmente locação de espaço físico, sem obrigação de fazer autônoma pelo locador ao locatário.