Publicado originalmente em outubro/2017, por Matheus Bueno de Oliveira e Frederico Silva Bastos
A responsabilidade tributária de sócios por dívidas da pessoa jurídica é tema antigo e recorrente em questões administrativas e judiciais. Como regra geral, a legislação brasileira prevê a independência patrimonial das pessoas jurídicas. No entanto, em caráter de exceção, algumas poucas hipóteses autorizam a responsabilização solidária dos sócios por débitos tributários da sociedade.
Ocorre que, na prática, inúmeras vezes a responsabilização do sócio é exigida sem que uma das hipóteses específicas autorizadoras tenha efetivamente sido demonstrada pela administração tributária ao longo do devido processo administrativo.
De fato, não é incomum que, quando da inscrição de débito de sociedade em dívida ativa, os respectivos sócios acabem sendo indicados como corresponsáveis, cabendo, então, ao contribuinte o ônus de provar a não ocorrência das hipóteses de responsabilização (conforme vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça – “STJ”, ao impor ao particular a prova quanto a aplicabilidade do artigo 135 do CTN, ou a ausência de dissolução irregular da sociedade[1]).
Nesse contexto, em 2010, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) editou a Portaria nº 180, que estabeleceu requisitos que deveriam estar presentes na inscrição em dívida ativa para justificar a inclusão do sócio como corresponsável. Não obstante fosse uma tentativa de obstar abusos e inscrições aleatórias, a medida não encerrou as controvérsias sobre o tema, especialmente em relação a dissolução irregular.
Mais recentemente, em 19.09.2017, foi publicada a Portaria nº 948/2017 (“Portaria 948”) da PGFN, que dispõe sobre a regulamentação do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (“PARR”), cujo objeto específico é a apuração da responsabilidade de terceiros (sócios, por exemplo) pela dissolução irregular de pessoa jurídica.
O procedimento será instaurado pela própria PGFN contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar e deverá indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, tais como os elementos de fato hábeis a caracterizar tal situação e os fundamentos de direito que justificam a imputação da responsabilidade, dentre outros.
Observe-se que o interessado notificado da instauração do PARR poderá apresentar impugnação para demonstrar a inocorrência de dissolução irregular ou a ausência de responsabilidade pelas dívidas.
Ponto que merece destaque é o fato de a Portaria 948 determinar que a decisão da impugnação deverá conter motivação explícita, clara e congruente, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que amparam a conclusão adotada. Da decisão desfavorável, será facultado ao contribuinte a interposição de recurso administrativo.
Na hipótese de rejeição da impugnação ou do recurso administrativo, o terceiro será considerado responsável pelas dívidas da sociedade irregularmente dissolvida. Frise-se que o contribuinte responsabilizado ainda poderá contestar judicialmente a decisão.
A iniciativa da PGFN é louvável e seus potenciais efeitos merecem ser acompanhados com atenção em relação a questões como o redirecionamento da execução fiscal, assim como aos impactos da norma na atuação das autoridades fiscalizadoras.
Em especial, o procedimento previsto pelo PARR procura oferecer maior segurança jurídica e legitimidade ao reconhecimento de eventual responsabilização de terceiros. O desvio ou o não cumprimento do PARR, bem como das demais normas que regem o tema, podem ensejar a responsabilização do próprio Estado, por dano resultante da conduta do agente público.
Afinal, a indevida responsabilização de terceiros (i.e., sócios) pode ensejar danos concretos ao contribuinte, como os custos com a contratação de advogado, assistente técnico e perito, a realização de penhoras, o oferecimento de garantias e demais percalços decorrentes da inscrição do seu nome no CADIN, como o indeferimento da certidão negativa de débito fiscal, a suspensão do fornecimento de mercadorias por fornecedores, a recusa de crédito pelas instituições financeiras, a impossibilidade de participar de licitações etc.
Nesse sentido, tanto os danos patrimoniais, quanto os não patrimoniais (dano moral) decorrentes do exercício da indevida função fiscal devem ser ressarcidos na presença dos elementos essenciais da responsabilidade: conduta, dano e nexo de causalidade, conforme previsto no §6º do artigo 37 da Constituição Federal. Sobre essa possível indenização do Estado por danos tributários sofridos pelos contribuintes, destaca-se haver precedente do STJ reconhecendo seu cabimento em razão de ajuizamento indevido de execução fiscal[2].
[1] REsp 1.104.900/ES.
[2] REsp n.773.470/PR.