O que está em jogo: custo nas operações comerciais com mercadorias bonificadas. Recentemente a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou Solução de Consulta (SC) equiparando mercadorias recebidas em bonificação a doações, de modo que o beneficiário (destinatário) deveria reconhecer uma receita equivalente ao valor de mercado desses bens, oferecendo-a na base de PIS/COFINS, ou sob a alíquota convencional (3,65% no cumulativo, ou 9,25% no não cumulativo), ou como hipótese de receita financeira (4,65%, apenas no não cumulativo), a depender da natureza da operação e da atividade da empresa. Mais que isso, a mesma SC impôs nova incidência das contribuições no caso de essas mercadorias serem vendidas (como sempre serão), e sem direito a crédito, pois não tratar-se-iam de mercadorias adquiridas com incidência de PIS/COFINS (por mais que a mesma SC a imponha), nem haveria revenda propriamente dita (pois não haveria uma venda na primeira operação, a permitir que uma revenda ocorra em seguida). Em especial, a RFB deu valor ao fato de as mercadorias bonificadas não terem sido entregues no mesmo documento de outras mercadorias transacionadas entre as mesmas partes.
Contudo, por óbvio não se trata de doações, pois não existe qualquer liberalidade do fornecedor, mas evidentemente de interesse comercial com cliente frequente (no caso da consulente, um supermercado). Conforme entrevista de nosso sócio Matheus Bueno ao Valor Econômico (acessível aqui), a RFB preferiu dar interpretação formal e restrita a um fenômeno econômico corriqueiro e que mereceria carga fiscal muito mais amena (computo das mercadorias bonificadas no estoque pelo custo médio, com incidência apenas na revenda e créditos naturalmente relacionados às entradas tributadas).
A quem interessa: atacadistas e varejistas, especialmente no regime não cumulativo. Considerando a relativa frequência com que mercadorias bonificadas são transacionadas entre fornecedores e revendedores, a SC tem potencial relevante de afetar o custo fiscal dessas operações, especialmente nos contribuintes sujeitos às alíquotas majoradas de PIS/COFINS.
Qual o valor envolvido: até 9,25% do valor da mercadoria recebida em bonificação. Não apenas operações futuras, mas também as realizadas nos últimos 60 meses ficam potencialmente sujeitas a questionamentos pelas autoridades, com eventuais lançamentos acrescidos de SELIC e multa de ofício de 75%.
O que deve ser feito: revisitar rotinas fiscais, antecipar discussão ou aguardar eventual lançamento para defender-se. Considerando o texto da SC, os fornecedores poderiam evitar a incidência em seus clientes (e estes poderiam orientar aqueles a assim proceder) se as mercadorias bonificadas fossem sempre entregues no mesmo documento fiscal daquelas efetivamente adquiridas e sujeitas ao PIS/COFINS nesse fornecimento. Alternativamente, os interessados podem conservadoramente levar a juízo antecipadamente o tema, pautados justamente na incoerência da SC e no fundamento econômico da operação (completamente díspare de mera doação). Por fim, a depender da materialidade do tema e do apetite de risco da empresa, é possível que se mantenham as rotinas atuais e eventual questionamento fiscal seja levado ao contencioso administrativo e/ou judicial, com os custos naturalmente envolvidos.