Direto ao ponto: Como tivemos a oportunidade de abordar no nosso último evento, a recente MP 1185 faz terra arrasada no tema subvenções para investimento. Se até agora boa parte dos contribuintes vinha conseguindo afastar a incidência de tributos federais sobre incentivos de ICMS, em alguns casos inclusive sem a obrigação de constituição de reserva de lucros, a nova norma, acaso aprovada, exigirá uma tributação pesada (43,25%!) e imediata para um eventual creditamento futuro e insuficiente (25% das despesas com amortização, depreciação ou exaustão). Ainda que seja saudável a pretensão de se jogar luz sobre benefícios gozados por apenas parte das empresas, e que o crédito fiscal previsto na MP seja permitido mesmo para entidades com prejuízo, além de se acabar com a vedação à distribuição de dividendos lastreados nos resultados obtidos por aqueles incentivos, podemos esperar mais debates entre contribuintes e fisco.
Histórico do tema subvenções e a isenção de IRPJ e CSLL
Em dois artigos, o primeiro de novembro de 2021 e o segundo de novembro de 2022, traçamos um resumo didático dos últimos quarenta anos de discussão do tema subvenções. Vale repeti-lo aqui:
- A ciência contábil há muito reconhece a realidade econômica de que governos podem incentivar empreendimentos por meio de reduções de tributos ou transferências patrimoniais, dando a ambos o nome de subvenções;
- As subvenções ganharam importância em termos tributários quando o Decreto-Lei 1.598, ainda em 1977, as dividiu entre as de custeio (mera transferência de vantagens ao particular, desvinculada a quaisquer contraprestações) e as para investimento (quando o benefício está atrelado e condicionado a investimentos do beneficiado, como a instalação de unidades fabris, geração de empregos, etc);
- Isso porque a mesma legislação original previu que apenas as subvenções para investimento seriam isentas do imposto de renda corporativo, e desde que refletidas em reservas de capital, cujo destino também ficava restrito, podendo tal saldo ser utilizado apenas para absorção de prejuízos ou incorporação ao capital social;
- Até então, os contribuintes normalmente debatiam o tema com a Receita Federal do Brasil a respeito da efetiva qualificação de incentivos de ICMS como subvenções para investimento, celeuma que não raro passava pela difícil tarefa de se ponderar a respeito do quão custosas seriam as contrapartidas por eles entregues em comparação ao incentivo gozado. O destino das reservas de capital também era objeto de disputas, assim como a configuração de tais resultados como base sujeita ao PIS e à COFINS;
- Com a padronização da contabilidade brasileira ao cenário internacional, deixou de existir a reserva de capital, tendo ela sido substituída por reserva de lucros, permanecendo de certa forma a mesma discussão a respeito da qualificação dos benefícios como renda e receita tributável;
- Em 2017, com a Lei Complementar 160 e um precedente importante do Superior Tribunal de Justiça, os regimes incentivados de ICMS passaram a ser amplamente entendidos como subvenções aptas a gozar da isenção de IRPJ e CSLL, seja pela expressa previsão normativa nesse sentido na LC 160 (que fora objeto de veto presidencial, oportunamente derrubado no Congresso), seja pela interpretação de que permitir a tributação federal de incentivos estaduais feriria o constitucional pacto federativo;
- Desde então, nota-se que a resistência do fisco federal, expressa em diversas Soluções de Consulta, centra-se na suposta necessidade de que os benefícios de ICMS tenham sido conferidos pelo Estado como instrumento de incentivo à implantação ou expansão de empreendimento em seus territórios;
- Com igual força, mas sentido contrário, temos decisões reconhecendo a inaplicabilidade do raciocínio do fisco federal, o que vem motivando contribuintes a nem sequer buscarem guarida judicial para assumirem isentos de IRPJ e CSLL seus respectivos resultados. Por vezes, tal conduta é igualmente aplicada na apuração das contribuições PIS/COFINS e alcança diferentes tipos de incentivos que não apenas os chamados créditos outorgados, objeto dos precedentes judiciais mais reiterados;
Ingressamos em 2023 com o tema subvenções se tornando onipresente nos debates sobre eficiência tributária. De um lado, ganhos relevantes a contribuintes. De outro, uma sede de arrecadação atiçada, especialmente na figura do atual Ministro da Fazenda, que chegou inclusive a equivocadamente se declarar vencedor da tese (aqui e aqui), antes mesmo de o Superior Tribunal de Justiça, responsável por julgar o tema, publicar a decisão com seus fundamentos.
Panorama prévio ao julgamento do Tema 1182 pelo STJ (2023)
Quando o STJ foi chamado a julgar no sistema de repetitivos a controvérsia, o que seu no chamado Tema 1182, diversas já eram as variáveis agregadas à tese por contribuintes e autoridades. Dessas novas frentes de argumentação, destacamos as seguintes:
a) Quanto à existência e destino das reservas de lucro de incentivo;
b) Quanto à natureza do incentivo de ICMS, se positivo (crédito outorgado pelo Estado ao contribuinte) ou negativo (todos os demais tipos de benefício, como redução de base de cálculo do imposto estadual, redução de alíquota, isenção, etc);
c) Se poderia o Estado, ao incentivar o contribuinte, impor à União uma vedação para alcançar o resultado dali decorrente por IRPJ/CSLL (isenção heterônoma);
d) Se os benefícios de ICMS merecem isenção de tributos federais sobre resultado quando o alvo daqueles primeiros é o consumidor final, não o comerciante.
Julgamento do Tema 1182: vitória dos contribuintes, com alguns limites
a) Quanto à existência e destino das reservas de lucro de incentivo:
Com o julgamento, em 2017, pelo STJ, de que as subvenções estaduais de ICMS não podem ser tributadas pelo fisco federal porque tal conduta afrontaria o pacto federativo, surgiu um flanco explorado pelos contribuintes: de que seria igualmente inconstitucional a exigência (pelo artigo 30 da Lei 12.973) de que tais resultados fossem destinados a reservas de lucro, assim como a condição de que, presentes tais reservas, fossem elas utilizáveis exclusivamente para capitalização ou absorção de prejuízos.
De fato, se levado a ferro e fogo o argumento de que fere a autonomia dos entes federados a tributação pela União federal de benefícios concedidos às custas dos cofres estaduais, não se poderia negar que a eventual inobservância da constituição e/ou destino da reserva não poderia ser suficiente a permitir uma tributação inconstitucional sob aquela ótica.
Quanto a esta questão, o que notamos é que por vezes os contribuintes possuem a reserva e a destinam apenas aos fins indicados pelo mencionado artigo 30, de modo que as decisões judiciais ali aplicáveis não se debruçam sobre o tema, porque desnecessário o seria. Existem precedentes que deram maior valor à condição da reserva, reputando-a condição legal para que o fisco federal deixe de exigir IRPJ/CSLL. Por outro lado, a tese permanecia com força, pois não haveria como o federalismo conviver com aquela condição, tal qual já afirmado pelo Judiciário.
No julgamento do tema 1182 o STJ parece ter se socorrido da velha solução salomônica: a reserva é necessária para garantir a isenção de IRPJ/CSLL, mas não sempre. Para os casos de créditos outorgados, a reserva é desnecessária, tal qual julgado em 2017. Para todos os outros tipos de benefício (redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, etc) o contribuinte deve constituir a reserva do art. 30 da Lei 12.973 (e obedecer a destinação dela ali indicada) para fazer jus a não incidência de IRPJ/CSLL.
b) Quanto à natureza do incentivo de ICMS, se positivo ou negativo:
O raciocínio por trás do veredicto do STJ foi o de só reconhecer o princípio do federalismo e afastar a tributação sem reserva se o benefício tiver efetivamente gerado, na cadeia toda do ICMS, menor arrecadação.
Não ganharam relevância, portanto, o fato de o contribuinte realmente experimentar ganho/economia de ICMS, não apenas quando beneficiado por créditos presumidos, mas também mesmo nos demais tipos de incentivo.
Também não foi dada importância ao fato de a cadeia de circulação de uma mercadoria poder facilmente percorrer mais de um Estado, de modo que a redução de base, de alíquota ou a isenção por um deles, embora não gere crédito ao elo seguinte, reduza sim a arrecadação, ao menos no Estado de origem.
Ou seja, prevaleceu a ótica da Procuradoria da Fazenda Nacional, tendo saído vencedor o argumento de que enquanto créditos outorgados de ICMS merecem ser considerados subvenções, isenções não, pois equivaleriam a um “crédito negativo”, incapaz de gerar resultados passíveis de serem alcançados pela não incidência dos tributos federais.
c) Pacto federativo x isenção heterônoma
A PGFN também lançara o argumento de que um benefício de ICMS não poderia trazer consigo uma isenção de IRPJ/CSLL porque tanto seria equivalente a permitir que Estados conferissem reduções de arrecadação federal, configurando espécie de isenção heterônoma, proibida com base no mesmo princípio do federalismo usado pelo STJ para não permitir a tributação federal de subvenções estaduais.
Aqui, felizmente, o STJ enterrou por completo o argumento fiscal. De fato, não haveria como se considerar que subvenções de ICMS (estadual) trazem consigo uma isenção de IRPJ/CSLL (federal) porque o que elas trazem consigo é meramente um resultado positivo (lucro do contribuinte), equivalente ao tributo (ICMS) economizado.
Reconheceu-se que, se esse resultado é isento, tal decorre de uma expressa norma de IRPJ/CSLL, que não é de autoria dos Estados, mas de nosso Congresso brasileiro = conjunção da Lei 12.973 com a lei complementar 160.
d) Alvo e destino dos incentivos de ICMS
Como vimos, à medida que mais e mais contribuintes e setores se valeram da tese de que subvenções de ICMS geram resultados que são sempre isentos de IRPJ e CSLL, variantes da tese surgem e demandam posicionamento do judiciário.
Entre elas, podemos por fim destacar a que avalia se a eventual destinação da economia obtida com o ICMS é significante para a reflexa isenção dos resultados a tributos federais.
Nesse sentido, surgiu a oportuna questão: pode o contribuinte de ICMS se valer da isenção de IRPJ/CSLL, com base na tese de que se trata de subvenção merecedora do benefício, se o incentivo do tributo estadual estiver direcionado a seu cliente? Em outras palavras, existe espaço para a isenção federal se o resultado em questão estiver atrelado a uma economia de ICMS que, seja pela forma obtida (isenção, redução de base ou alíquota, créditos outorgados e outros), é repassada no preço das mercadorias, ou está explicitamente direcionada a privilegiar não o fornecedor (contribuinte de direito do imposto) mas seu cliente (contribuinte de fato)?
Quanto a essa variável, o tema 1182 do STJ nada acresceu.
Portanto, ainda não temos decisões dando importância ímpar ao destino do incentivo.
O que acreditamos: ainda que eventualmente existam condições na própria legislação estadual, ou sua exposição de motivos e tramitação perante a assembleia legislativa indiquem tal desejo, o fato de o benefício de ICMS impactar o preço e o mercado em que inserido o contribuinte parece ter menos importância para fins de isenção de IRPJ/CSLL do que para outras questões (como na exigência de prova de não repasse ou autorização do contribuinte de fato para ressarcimento do indébito estadual, tal qual imposto pelo artigo 166 do Código Tributário Nacional). Acaso se dê tal importância, seria efetivamente complexo e quiçá economicamente inviável se evidenciar que não teria havido o repasse, porque se os preços forem reduzidos haveria um natural obstáculo à criação de uma reserva de lucros equivalente. Por ora, esta é uma variável ainda pouco explorada, sendo de qualquer forma combatida pela ausência de tal condição na maioria dos incentivos estaduais.
Resumo pré MP 1185
Como se viu até aqui, nossa legislação tributária sempre previu que são isentos dos tributos corporativos sobre renda e lucro (IRPJ e CSLL) os resultados obtidos pelo gozo de benefícios fiscais, sendo estes primordialmente aqueles relativos a regimes diferenciados de ICMS concedidos pelos Estados como estímulo a empreendimentos privados.
Tendo em vista a histórica resistência do fisco federal em aceitar quaisquer incentivos de ICMS como subvenções isentas, os contribuintes vêm se socorrendo do Poder Judiciário, onde temos visto cada vez mais decisões reconhecendo seu direito.
Do julgamento do STJ, embora se possa entender tenha havido uma vitória dosc contribuintes, já foi possível identificar um espectro de risco nas situações em questão, variando de cenários de êxito provável (ou seja, isenção total de tributos federais, mesmo sem reserva de lucros constituída = “incentivos positivos”) até situações em que a economia do contribuinte, ao menos dos tributos federais, dependia de certas condições (reserva = “incentivos negativos”).
Em qualquer caso, os contribuintes contavam também com uma cômoda isenção de PIS/COFINS, há anos expressamente prevista em lei.
Mas aí veio a MP 1185.
MP 1185: incentivos tributados pela União imediatamente, com eventual crédito, mas tardio e insuficiente
Esqueçamos tudo que foi discutido nos últimos 40 anos. Se aprovada a MP 1185, o governo federal terá poderes para tributar por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS qualquer centavo obtido por contribuintes a título de incentivos estaduais de ICMS, seja de que natureza for.
Em primeiro lugar, a MP revoga as isenções de PIS/COFINS, de modo que os benefícios de ICMS serão onerados mensalmente pelas contribuições (9,25%). No passado, discutia-se se as subvenções para investimento seriam uma espécie de receita ou de redução de despesas, mas desde a Lei 11.638 o trânsito de tais valores por resultado era a regra, tanto que a posterior Lei 12.973 passou a tratar a reserva como de lucros, não de capital.
Contudo, as Leis 10.637 e 10.833, que regulam o PIS/COFINS, resolviam a controvérsia ao isentar as subvenções dos tributos federais sobre receita (ao menos as para investimento, permanecendo a discussão sobre quais mereceriam tal categoria, o que oportunamente havia sido resolvido, também a contento do contribuinte, pelo STJ ao julgar a equiparação colocada pela LC 160 – vide acima).
Se convertida a MP em lei, acabou. PIS e COFINS passariam a incidir sobre qualquer tipo de incentivo de ICMS registrado no resultado do contribuinte.
E quanto aos famigerados IRPJ/CSLL: sem surpresas, a MP determina sua incidência imediata ao reconhecimento do resultado do benefício de ICMS, na alíquota convencional de 34%. Somados ao PIS/COFINS, uma carga total de 43,25%, portanto.
Por meio da revogação do artigo 30 da Lei 12.973, que previa a isenção e a reserva, a MP 1185 ignora as décadas de decisões judiciais e o recente Tema 1182 e manda o contribuinte colocar na sua base fiscal o que lucra com benefícios estaduais.
(Aqui, uma pausa: a MP não mira apenas os incentivos de ICMS, mas quaisquer subvenções, o que poderia inclusive se referir a outros tributos, inclusive não estaduais, pretendendo dar mais publicidade aos tratamentos especiais gozados por alguns, mas todos sabemos onde está o objetivo do Executivo federal: arrecadação sobre benefícios estaduais de ICMS)
As contrapartidas (sim, há poucas, mas há) em favor dos contribuintes: depois de recolhidos os tributos federais e entregue a escrituração contábil fiscal (o que ocorre no ano seguinte ao dos resultados já onerados em 43,25%), o interessado poderá apresentar um pedido administrativo à Receita Federal do Brasil para que esta lhe conceda um crédito de IRPJ.
Ou seja, paga-se IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, mas o crédito é apenas daquele primeiro = recolhe-se 43,25% imediatamente para obter-se um crédito de 25% pós ECF e habilitação.
Mas, atenção: os créditos ficarão limitados às despesas de depreciação, amortização e exaustão dos ativos que foram resultado de investimentos em contrapartida às subvenções recebidas. Isso mesmo: ressuscitaram a antiga discussão que havia sido anulada pela LC 160 (distinção entre subvenções de investimento e para custeio).
Mais detalhes sórdidos: esses ativos geradores das despesas base do crédito presumido terão de estar atrelados a efetiva expansão ou instalação do empreendimento no território do Estado que concedeu o benefício de ICMS.
Ou seja, não basta aguardar a ECF ou a habilitação, há que se aguardar que os investimentos estejam aptos a qualificar-se como decorrentes de tal investimento e estejam já passíveis de serem reconhecidos no resultado da empresa (“despesados” via amortização, depreciação ou exaustão).
Para coroar a prova de obstáculos: o crédito deixaria de existir em 2028.
Traduzindo em números: na melhor das hipóteses, o contribuinte vai conseguir evidenciar sua instalação/expansão no Estado pertinente para reduzir seu ônus fiscal federal a 18,25% (43,25% menos o crédito de 25%) – reduzidos pelo custo temporal entre o recolhimento e o crédito parcelado na medida das despesas de realização contábil dos custos dos ativos envolvidos.
“Pelo menos” teremos a possibilidade de o crédito ser auferido mesmo se a empresa estiver em prejuízo e não haver limitação para pagamento de dividendos (de um resultado já diminuído em 43,25%, diga-se de passagem).
O que esperar?
Direto ao ponto: Se até agora estávamos vendo um esforço de contribuintes e seus auditores para chamar quaisquer benefícios de ICMS de subvenções para investimento passíveis de gerar resultado isento, a tendencia é que se evite tal reconhecimento. Afinal, qualquer centavo de receita ou lucro serão base de tributos federais. Uma possível ponderação a se fazer é se a mudança na rotina desses contribuintes não estaria fundada nas novas normas que voltam a exigir uma contrapartida do incentivo em investimentos para expansão ou implantação do empreendimento. Contribuintes com incentivos em andamento terão de avaliar sua situação dentro de um novo gradiente de riscos. Ao menos, o argumento de proteção ao pacto federativo segue idêntico para quem na atual jurisprudência do STJ qualifica-se como beneficiário de “incentivos positivos”. Espera-se muita resistência do Congresso no processo de conversão em Lei, ou novas batalhas no Judiciário.