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CVM e CARF mandam ótimas notícias para os FIIs

Direto ao ponto: para além da volatilidade e incertezas econômicas, o investimento em fundos imobiliários, cada vez mais conhecido e acessado pelo público, sofria com dois verdadeiros fantasmas de cunho regulatório e tributário: a suposta impossibilidade de distribuição de rendimentos acima do que seria o lucro “propriamente contábil” e a insegurança quanto ao conceito de sócio participante de empreendimento objeto de investimento. Recentemente, ambos os temas foram objeto de decisões celebradas pelos cotistas e administradores.

1º fantasma: decisão da CVM tenta brecar a distribuição de rendimentos com base no lucro caixa, mas é revogada após quatro meses

Em janeiro deste ano a Comissão de Valores Mobiliários (a CVM, “xerife” do mercado) surpreendeu todos ao decidir que fundos imobiliários precisariam pagar rendimentos aos cotistas com base no resultado contábil, e não no regime de caixa, como tradicionalmente ocorre. A decisão era específica para um dos maiores FIIs do mercado, com mais de meio milhão de investidores cotistas, mas seu raciocínio seria em tese aplicável a toda a indústria.

A interpretação da CVM, não unânime entre os que votaram, era de que os fundos imobiliários só poderiam distribuir rendimentos se estes estivessem contemporaneamente alicerçados em resultados contábeis. Em outras palavras, só a quantia expressamente identificada como lucro nos registros da contabilidade do fundo poderia ser distribuída a título de rendimento, ficando qualquer excesso inescapavelmente classificado como amortização. Isso desembocaria numa verdadeira catástrofe, pois a isenção tributária gozada virtualmente por todos os FIIs negociados abertamente está atrelada a rendimentos. Em outras palavras: a CVM estaria indicando que a isenção não seria sempre aplicável.

A decisão foi chocante para o mercado porque pela dinâmica de funcionamento dos FIIs o lucro de suas atividades está mais atrelado à disponibilidade de caixa do fundo, não coincidindo com o resultado indicado pela linguagem contábil. Pior ainda: como um ofício mais antigo da própria CVM dava fundamento para que os fundos distribuíssem resultados a partir do “lucro caixa”, a decisão representava uma insegurança enorme e o medo de uma dívida fiscal estar represada, mesmo sobre quem nem investidor mais era quando a decisão foi divulgada.

Os críticos foram rápidos a apontar as incoerências daquela posição com o que a própria lei fiscal determina (distribuir 95% do lucro) e o fato de o lucro contábil ser afetado por avaliações periódicas que mesmo quando indicam prejuízo não significam necessariamente falta de resultado, até porque o caixa está ali. Mas a principal crítica se referia ao fato de, justamente pelo desafio de a contabilidade se valer do regime de competência, a própria CVM ter há oito anos reconhecido como legitima a distribuição daquilo que passou a ser famoso como “lucro caixa”.

Enfim, em maio passado a CVM, por unanimidade, decidiu acatar os apelos do mercado e o recurso do FII diretamente afetado, tendo então revertido os efeitos daquela decisão, reconhecendo como legal a prática já consolidada – distribuição do lucro caixa. O veredicto unânime foi permitido porque ao mesmo tempo o autor do voto polêmico deixou a instituição, dois dos demais votantes, incluindo o presidente, mudaram de posição, sendo por fim acompanhados pelo diretor que fora voto vencido e por um novo que passou a integrar a CVM.

Alertou-se apenas para que os administradores tomem os devidos cuidados, especialmente informar investidores acaso as distribuições venham a superar o resultado contábil.

2º fantasma: CARF dá interpretação pró contribuinte a dispositivo legal que nega a participação de cotistas como sócios de empreendimentos investidos pelo FII

A segunda boa notícia vem da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – última instância de julgamento administrativo de processos de cunho tributário federal, da qual a União não pode recorrer quando derrotada.

Em um importante julgamento, a maioria dos conselheiros da 1ª Turma derrubaram uma cobrança da Receita Federal do Brasil, interpretando de forma favorável aos contribuintes dispositivo legal que atrelava a isenção fiscal do fundo a este não investir em empreendimentos imobiliários controlados por cotistas dele próprio (do fundo). 

Em regra, FIIs são condomínios de investimentos e tem seu patrimônio/portifólio não tributado. A tributação ocorre apenas na figura do cotista, quando em favor dele gerado o benefício (via de regra nas distribuições de resultados – exceto atendidas certas condições – e nas amortizações, liquidações, resgate e alienações). Mas, ao regulamentar a tributação desses fundos, o artigo 2º da Lei nº 9.779 impôs uma condição: para ser encarado como condomínio alheio à tributação, o FII não poderia investir “em empreendimento imobiliário que tenha como incorporador, construtor ou sócio, quotista que possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada, mais de 25% das quotas”. 

Embora não conste do texto da norma (até porque isso não é comum nem condição de validade da regra), sua discussão no processo legislativo indica que o objetivo da norma era criar um obstáculo ao que poderia ocorrer não fosse de outra forma: uma concorrência predatória em que FIIs fossem utilizados para ter vantagem sobre pessoas jurídicas que exploram as mesmas atividades – como incorporadoras e locadores de imóveis. Assim, se a condição não for adimplida, o fundo perde sua natureza de veículo de investimento não tributado e seu patrimônio, rendas e receitas passam a estar sujeitos à tributação corporativa convencional, ou seja, passa a estar sujeito a IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

No caso, a RFB entendeu que o FII deveria ser tributado como pessoa jurídica porque adquirira imóveis e os locara de volta ao antigo proprietário, sendo este grupo empresarial varejista em que figurava como acionista pessoa também cotista do fundo. Ou seja, por mais que a compra e locação de imóveis seja operação algo comum (a ponto de ser reconhecível pela expressão sale and leaseback), o fato de haver suposta coincidência entre o cotista investidor do fundo e o alienante/locatário permitiria sujeitar o FII à tributação de acordo com aquela regra de proteção de mercado.

O caso é famoso não só porque é um dos poucos que interpreta o dispositivo, mas também porque envolve o bem sucedido empresário Abílio Diniz e o grupo varejista fundado por sua família (Grupo Pão de Açúcar – CBD, hoje já não mais sob sua gestão). O Fundo Península, que em sua fundação teve o empresário como único cotista e depois passou a ter a maior parte de suas cotas detidas por outra entidade dele mesmo, adquiriu a prazo dezenas de imóveis da varejista quando o empresário ainda figurava como um dos seus controladores. Assim, o fundo tem receitas decorrentes dos aluguéis recebidos.

Embora o empresário tenha passado a ter outros sócios na varejista (ocasião em que ocorreu a separação do negócio varejo da rentabilidade dos imóveis) – e depois deixou o grupo, o fisco pregava que a situação atraía o artigo 2º da Lei 9.779. Afinal, em última instancia, o beneficiário do fundo era também “sócio do empreendimento”. A principal questão a ser decidida pelo CARF era a extensão desse conceito, eis que o cotista aqui não estaria essencialmente incorrendo em nenhuma situação similar àquelas que se acredita tenham sido a fonte e fundamento da regra (a concorrência desleal via FIIs).

No CARF acabou prevalecendo o entendimento de que o objetivo da norma não era o de coibir casos como o do Península, eis que o fundo não estaria sendo usado como artefato para desequilibrar o mercado, não havendo qualquer prejuízo à exploração imobiliária por construtores e incorporadores. No voto vencedor fez-se questão de destacar que os imóveis já estavam prontos e que, portanto, a preocupação do dispositivo estava fora de lugar aqui, especialmente no que se refere às figuras de “incorporador” e “construtor”. Mas e a expressão “sócio (de empreendimento imobiliário)”?

Neste ponto, a posição vencedora aponta que os imóveis não teriam a locatária como sócia. Embora ela antes tivesse o papel de proprietária, passara à condição de mera locatária quando o FII entrou em cena. O empresário também estaria em outro nível, sendo mero sócio indireto, eis que a cotista com maior participação do FII era sociedade por ele controlada, o que bastaria para afastar a aplicação da regra. Por fim, a maioria dos votantes relembrou que não houve requalificação dos negócios pela fiscalização, de modo que eles deveriam ser aceitos como formalizados, o que indicaria que o papel do investidor era de mero beneficiário dos rendimentos, não propriamente de sócio do empreendimento imobiliário, eis que este papel demandaria alguma espécie de contribuição com bens ou serviços.

De fato, na estrutura o empresário meramente investira capital no fundo, recursos estes que permitiram a aquisição dos imóveis e a renda de aluguel. O fato de a alienante e locatária dos imóveis ter sido também investida do cotista não seria suficiente a permitir a aplicação da severa regra de tributação do fundo como pessoa jurídica, pois não se estaria diante de uma hipótese de desequilíbrio concorrencial.

Apesar de o caso não ser o único, havendo outros julgados negativos precedentes, comemora-se algum avanço pelo prevalecimento da interpretação de que não é qualquer participação que permitiria a rotulagem do investidor como “sócio do empreendimento imobiliário”, sob pena deste conceito se confundir com o de beneficiário final.


Direto ao ponto: investimentos são precificados baseados em sua capacidade de rendimento, e, portanto, são especialmente sensíveis ao grau de segurança das regras a que sujeitos. A incapacidade de se compreender variáveis essenciais da regulação e tributação de investimentos afeta sobremaneira o mercado. Assim, em ambos os casos aqui resumidos, os investidores têm bons motivos para comemorar. A reversão por unanimidade do julgado da CVM mostra-se extremamente saudável para expulsar uma interpretação algo drástica, eis que imporia tributação até agora não prevista a fatos futuros, além do reconhecimento de passivos históricos. Da mesma forma, o avanço no precedente da Península também permite um grau maior de segurança na estruturação de fundos e operações imobiliárias, eis que a aplicação a ferro e fogo do artigo 2º da lei 9.779 seria a diferença entre vida e morte para a rentabilidade do investidor.

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