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Imposto de renda brasileiro deixa de ser aceito como crédito nos EUA

Direto a ponto: depois de décadas de convivência relativamente pacífica, a aceitação do imposto de renda brasileiro (essencialmente na forma retido na fonte – IRRF, mas também o IRPJ e a CSLL) como crédito a ser descontado daquele imposto de renda devido por contribuintes americanos está em risco. Uma relativamente recente atualização das normas estrangeiras passou a considerar nosso IRRF como não dedutível como Foreign Tax Credit (FTC), em verdadeiro prejuízo aos negócios (de lá e daqui). De fato, a prevalecer a ameaça, as rentabilidades das entidades envolvidas ficariam extremamente diminuídas por uma verdadeira dupla tributação. Os interessados devem se debruçar sobre o tema, sob pena de em breve se virem limitados no que se refere ao acesso a fornecedores ou mesmo a sua atratividade para o mercado consumidor, dada a natural e inescapável consequência de aumento de preços ou espremimento de margens.

A lógica do FTC: eliminar a dupla tributação da renda, compensando o imposto pago em um país com o devido em outro

O pano de fundo é algo corriqueiro nos dias atuais: negócios expandem sua atuação a países diversos de sua base e passam a estar sujeitos a impostos em mais de uma jurisdição. Essencialmente, além de deverem imposto de renda ao país em que estabelecidos, começam a ser onerados pelo imposto de renda dos países fonte dos pagamentos. Exemplo típico: prestação de serviços de uma entidade norte americana a residentes brasileiros. Além do imposto de renda devido nos EUA, a prestadora sujeita-se ao imposto de renda que o Brasil tem o direito de cobrar como “fonte” dos rendimentos.

Como universalmente aceita-se que tanto o país sede do contribuinte como o país fonte dos rendimentos tem legitimidade para cobrar imposto de renda sobre tais resultados internacionais, surge inevitavelmente o desafio da dupla tributação. Em outras palavras: se nada for feito, a prestadora de serviços do exemplo terá uma carga tributária exagerada.

Esse problema costuma ter duas soluções típicas: (i) a assinatura entre os países envolvidos de tratados para evitar a dupla tributação, em que se define qual deles tem o poder de tributar aquela renda, ou, caso mais de um seja autorizado a tanto, é prevista a possibilidade de que o imposto pago em um país seja descontado daquele devido no outro; (ii) a previsão genérica de que, mesmo sem tratado, os pagamentos realizados em outras jurisdições representam crédito perante a autoridade fiscal local.

No caso de Brasil e EUA, como não existe um tratado contra dupla tributação, o imposto de renda pago em cada país acaba sendo descontado no outro pela segunda hipótese, normalmente alicerçada no que se convencionou chamar de princípio da reciprocidade, aplicado amplamente pelo Brasil e que, em outras palavras, poderia ser assim compreendido: meu país aceita como crédito o imposto pago no outro se este também aceitar o crédito na situação reversa (meu imposto gera crédito lá).

Dentro da normatização americana, ao crédito de imposto de renda estrangeiro dá-se o nome de Foreign Tax Credit (FTC), sendo sua função exatamente a eliminação da rejeitada dupla tributação internacional. Até recentemente ele estava sujeito a poucas condições, basicamente se tratar de tributo de competência federal, obrigatório e que onerasse efetivamente a renda (e não qualquer outra dimensão da atividade empresarial). 

Contudo, uma mudança nas regras americanas de creditamento tem gerado muita preocupação para empresas de lá que operam no Brasil, justamente o temor da bitributação. 

A novidade: regulação do FTC põe em xeque creditamento do imposto brasileiro

Desde dezembro último as exigências para compensação de impostos estrangeiros como FTC foram alteradas, tendo se definido que só passariam a serem aceitos os tributos cobrados por países com legislação tributária similar à americana. Na prática, a alteração perpetrada pelo Departamento do Tesouro Americano afeta em cheio o aproveitamento que contribuintes americanos teriam sobre o nosso Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). O efeito não é pequeno. Basta recordar que via de regra o IRRF é de 15% do valor remetido pela fonte brasileira, enquanto o imposto de renda corporativo americano é geralmente de 21%. 

Ou seja, se até então o resultado do empreendimento era onerado em 21% (15% no Brasil, via IRRF, e 6% nos EUA, após a dedução do FTC), a exposição passaria a ser de 36% (15% aqui e os 21% sem descontos lá). Abrupta e expressiva majoração superior a 70% do custo fiscal. Verdadeiro desastre!

O problema reside numa distância entre os conceitos americanos e brasileiros para tributação. Há divergências em características fundamentais da tributação de pessoas jurídicas e de remessas ao exterior, especialmente no que se refere a fonte, realização, reconhecimento, preços de transferência e despesas dedutíveis. Por exemplo: enquanto nossa legislação impõe o IRRF sobre os valores brutos remetidos no Brasil para o beneficiário dos EUA (fonte financeira, de pagamento), as normas americanas perquirem sobre a fonte econômica do rendimento, buscando avaliar onde estaria a efetiva fonte de produção do rendimento. 

No direito brasileiro consideramos como tributos sobre a renda os que oneram o lucro das empresas, mas na prática a exigência do IRRF se dá sobre o pagamento bruto, sem desconto de custos e despesas da operação. Pela ótica do fisco norte-americano, tal encargo não poderia ser enquadrado como legítimo imposto de renda, mas um ônus sobre coisas diversas e distintas de lucro (receitas, transações, importações, ativos, capital ou patrimônio). No caso do IRPJ e da CSLL, embora haja efetivo desconto de custos da operação, as hipóteses de creditamento como FTC se refeririam a apuração dos chamados resultados CFC (Controlled Foreign Corporations), igualmente em xeque.

Alternativas: defesa do IRRF em transações específicas; mudança de estrutura; novo tratado internacional

No caso dos contribuintes brasileiros, espera-se uma possível rediscussão de preços com fornecedores americanos, pois as remessas a eles realizadas costumam ser oneradas pelo IRRF, agora não mais aceito como crédito. Se tais relações previrem cláusulas de reajustamento da base (gross up), ocorreria o inevitável aumento do custo para o negócio brasileiro. Para estes e para grupos multinacionais, dado o cenário colocado, espera-se que os afetados acabem por repassar ao mercado o custo majorado com tributos. Esta alternativa está naturalmente limitada pela posição de eventuais concorrentes de jurisdições não afetadas, capacidade de absorção dos novos preços etc.

Alternativamente, espera-se uma maior dedicação a avaliação de questões até hoje inaplicáveis, como se investigar se, pelos parâmetros americanos, a fonte de produção daquele rendimento sujeito ao IRRF estaria efetivamente no Brasil. Provavelmente, a defesa do IRRF como tributo passível de gerar FTC vai passar por um movimento em massa de representantes dos interessados perante o fisco americano – afinal, por lá a prática de lobby não é o tabu que vemos por aqui.

Enquanto eventuais adaptações para conciliar nosso sistema não venham, alguns cogitam reestruturar suas cadeias de comércio, eventualmente buscando novos fornecedores ou interpondo novos players. Aqui, contudo, vale o alerta que não basta a mera referência a países com tratados favoráveis. Os EUA tem especial experiência no combate a artificialidades e na identificação do real beneficiário de estruturas.

Por fim, a amarga novidade traz ainda mais impulso à demanda por um acordo de bitributação entre Brasil e EUA, eis que a eventual adesão do nosso país à OCDE ou a atualização de nossas regras de transfer pricing não seriam suficientes para encerrar a distância entre os conceitos básicos das legislações fiscais americana e brasileira. 

Dada a demora de qualquer negociação e implementação de um tratado, o que já está sendo observado é um movimento organizado do setor produtivo, especialmente multinacionais, perante as autoridades americanas, ao menos para postergação dos efeitos, eis que não apenas investimentos na economia real como mesmo no mercado financeiro seriam drasticamente impactados pela ausência de FTC. Dado o poder da economia americana e sua onipresença, mesmo inocentes contratações de bens digitais, royalties e serviços sofreriam expressivos impactos.
Direto a ponto: os efeitos práticos dos novos parâmetros quanto a aceitação do IRRF brasileiro como crédito a ser abatido do imposto de renda americano ainda estão sendo dimensionados. Contudo, dada a relevância e materialidade do tema, espera-se que as autoridades estrangeiras avaliem a situação de inúmeras corporações que possuem fontes de renda no Brasil. Se por um lado existe uma justificativa para que o crédito passe a ser condicionado a alguma sintonia entre a legislação do país fonte com a dos EUA, por outro não se pode negar os impactos severos que o imposto brasileiro poderia impor aos contribuintes, na contramão do que se esperaria de duas nações civilizadas e pró mercado. Por fim, as alternativas aventadas de interposição de entidades em jurisdições compatíveis com as novas regras américas hão de ser avaliadas com cuidado, eis que existem naturalmente normas coibindo o uso abusivo de tratados e buscando a correta identificação do real beneficiário econômico das transações.

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