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Tributação do Home-Office Internacional: Riscos e Cuidados com o Trabalho/Lazer Pós-Pandemia

Direto ao ponto: O home office internacional para brasileiros que passem a trabalhar em outro país pode gerar um aumento de carga tributária a depender da regra de residência do país de destino, da existência de acordos contra a bitributação celebrado com o Brasil e do tipo de rendimento em questão. O mesmo vale para empresas multinacionais sediadas no Brasil que deverão ficar atentas quando pagarem salário de seus funcionários caso estes passem a ser residentes no exterior, gerando a necessidade de uma cautelosa análise em caso de migração do funcionário do Brasil para o exterior.

A pandemia do Corona vírus revolucionou a forma de trabalho tradicional de empresas e profissionais liberais, ruindo as amarras das instalações fixas como local de trabalho exclusivo. Com o isolamento e o lockdown, as pessoas físicas descobriram que trabalhar de casa – home office – se tornou uma opção viável e aceitável no mercado de trabalho. Graças a novas tecnologias e inovações na área de comunicações, executivos e seus times passaram a lidar com demandas do dia a dia da empresa de forma mais eficiente em termos de tempo, trânsito e falta de agenda entre os membros da equipe, afinal, todos possuem acesso a telefone celular durante o expediente de trabalho. Novas colaborações, internacionais, foram implementadas e, consequentemente, inovação empresarial por meio de novas ideias e novos processos ganharam força nas multinacionais. 

Para atrair e manter novos talentos, diversas multinacionais apostaram em expandir o modelo de home office, sobretudo para executivos e funcionários que tenham atuação internacional ou que costumavam viajar com frequência a trabalho. Essa nova tendência – que dificilmente sumirá – faz com que os profissionais consigam exercer atividades que lhes gere renda (como empregados, diretores ou freelancers) trabalhando em lugares paradisíacos, de qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, uma grande parte dos brasileiros migrou temporariamente para o México (país que, em função da COVID-19, flexibilizou a entrada de estrangeiros para fomentar o turismo nesse período de pandemia) para trabalhar enquanto aproveitam suas belíssimas praias nas horas vagas. Um sonho que parecia perfeito demais para a realidade, se certos cuidados não forem tomados. 

O exercício de atividades que geram renda para pessoas físicas em um país distinto daquele em que seu empregador seja residente, para fins fiscais, deve ser analisado com bastante cautela sob a ótica jurídica e fiscal. O mesmo vale para a pessoa jurídica empregadora quando passa a remunerar um profissional que deixou de ser residente no país no qual o era originalmente – no momento da contratação. 

Para os salários pagos internacionalmente, é necessário se fazer uma análise tributária segmentada em função da residência da pessoa física contratada: se residente no Brasil ou no exterior. 

Para os funcionários que, quando contratados por multinacional sediada no Brasil, eram domiciliados no Brasil (e, portanto, residentes), a consequência tributária dependerá se o país para o qual o funcionário emigrar para realizar seu home office possui acordo contra a bitributação celebrado com o Brasil. Atualmente, são 35 acordos internacionais vigentes e eficazes e, havendo acordo, a regra para a pessoa física adquirir residência no outro país é a de passar lá mais de 183 dias num período de 12 meses. 

A regra geral dos acordos internacionais prevê que os salários, os ordenados e outras remunerações similares, obtidas por pessoa residente em um Estado Contratante (Brasil), em razão de emprego, serão tributáveis apenas nesse Estado Contratante (Brasil), exceto se o trabalho for realizado no outro Estado Contratante (por ex., México). Se o trabalho é aí efetuado (México), as remunerações correspondentes são tributáveis nesse outro Estado (México).

Todavia, para os brasileiros que estão trabalhando de home office no México, o acordo Brasil-México (Decreto 6.000/06) garante que as pessoas físicas não se tornem residentes lá se não ultrapassarem o período de 183 dias descritos no Artigo 15 (que trata do “Trabalho com Vínculo Empregatício” ou “Serviços Pessoais Dependentes”). Isso porque a remuneração recebida por pessoa residente em um Estado Contratante (Brasil) relativamente a emprego exercido no outro Estado Contratante (México) será tributável somente no primeiro (Brasil), se o beneficiário permanecer no outro Estado Contratante (México) por um período não superior a 183 dias do ano civil em questão.

Portanto, para que o residente no Brasil não tenha seu salário tributado no México é necessário que (i) ele não passe mais de 183 dias no México no decorrer do ano; e (ii) o salário seja pago por fonte brasileira (empresa sediada no Brasil). Tomadas essas cautelas, não haverá dupla tributação da renda do trabalhador brasileiro no México. Essa regra parece simples, contudo, na prática existem peculiaridades importantes que devem ser observadas. Uma delas é a forma de contagem dos dias: além dos dias úteis trabalhando, também são computados os dias de trabalho parcial, dias doente que não esteja trabalhando, férias e finais de semana e até escalas no país (a depender do tempo entre o pouso e o outro voo internacional).

Cautela adicional deve ser considerada quando o empregado tem família ou propriedade imobiliária no país em que está trabalho temporariamente de home office. As autoridades fiscais de diversos países têm questionado a residência em outros países (como, por ex., Suíça) para tributar o empregado de forma ilimitada em seu território e negando a residência prévia no exterior, resultando em bitributação da renda. Aliás, para profissionais expatriados que migrem do Brasil para a Suíça ou vice-versa, convém pontuar que o acordo internacional entre os dois países já se encontra vigente desde este ano.

A segunda situação consiste naquela em que os empregados internacionais contratados por empresa brasileira venham para o Brasil aqui residir, afinal, o Brasil também é visto como um destino paradisíaco para se trabalhar, sobretudo comparado com alguns países europeus de inverno rigoroso. Alguns brasileiros residindo no exterior retornaram ao Brasil durante a pandemia. O motivo para a migração para o Brasil de empregados internacionais pode ser de economizar custos (residindo com algum familiar em outro país), passar mais tempo próximo à família (que reside em outro país) ou apenas puro lazer visando mudança de ares. Nesses casos, se o não-residente que chegar ao Brasil ingressar com visto de trabalho permanente, já se torna residente no país mesmo antes de completar mais de 183 dias no território nacional. O mesmo vale para brasileiros que retornem ao Brasil com ânimo de aqui permanecer. 

Para as empresas brasileiras, também deve haver atenção redobrada: se o empregado passa a ser um não residente, ou seja, adquire residência no outro país (México, Suíça, Argentina) e há um acordo contra a bitributação em vigor, a tributação do salário a ser pago pela empresa brasileira não será mais feita de forma a aplicar a tabela progressiva do Imposto de Renda até 27,5% do salário, visto que isso só se aplica aos residentes no Brasil. 

Vale lembrar que o brasileiro que migre temporariamente para trabalhar de home office no exterior dificilmente entregará a Declaração de Saída Definitiva do País perante a Receita Federal do Brasil e, portanto, permanecerá como residente no Brasil nos 12 meses subsequentes à sua saída, devendo assim ser tributado. Há, ainda, a obrigação de Comunicação de Saída Definitiva a ser feita para as instituições financeiras, de forma que o tratamento fiscal e regulatório dado ao brasileiro que se torna residente em outro país possa ser feito de forma correta e comprovada. 

No caso de migrar para um país com o qual o Brasil celebrou acordo contra a bitributação, em regra, não haverá aumento da carga tributária: isso porque os acordos internacionais preveem o método do crédito (imputação) de forma que o Imposto de Renda Retido pago no Brasil será compensado com eventual imposto da mesma natureza cobrado no país em que ele se tornou residente (México, Suíça, Argentina). 

Para as pessoas físicas, ainda que não haja acordo contra a bitributação vigente com o outro país (por exemplo, EUA, Reino Unido e Alemanha), se houver reciprocidade de tratamento entre os países, será permitido o creditamento do Imposto de Renda recolhido no exterior com aquele devido em seu país de residência, evitando a dupla tributação da renda. 

Outro risco relevante diz respeito à caracterização de Estabelecimento Permanente da empresa no outro país em razão de seu diretor ou funcionário desempenhar funções em nome da empresa estrangeira no território em que desempenha seu home office internacional. Para maiores informações sobre esse tema, vide nosso artigo previamente publicado: https://bueno.tax/artigos/2020/04/os-efeitos-da-covid-19-nos-tratados-internacionais-estabelecimento-permanente-e-dupla-residencia-fiscal/ 

Por fim, existe também o risco de dupla residência fiscal da pessoa física em ambos os países, isto é, quando a pessoa física permanece residente no Brasil (por não ter entregue a Declaração de Saída Definitiva do País) e, simultaneamente, passa a ser residente no México (por ter ultrapassado o limite de 183 dias no território mexicano). Para os casos em que há acordo contra a bitributação em vigor, a chamada “regra de desempate” irá determinar se a pessoa física será residente, para fins do acordo, no Brasil ou no México, por exemplo, considerando os critérios estabelecidos no Artigo 4 do referido acordo, na seguinte ordem: 

  1. esta pessoa será considerada residente do Estado em que disponha de uma habitação permanente; se ela dispuser de uma habitação permanente em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual suas ligações pessoais e econômicas sejam mais estreitas (centro de interesses vitais);
  2. se o Estado em que essa pessoa tem o centro de seus interesses vitais não puder ser determinado, ou se ela não dispuser de uma habitação permanente em nenhum dos Estados, será considerada residente do Estado em que permanecer habitualmente;
  3. se permanecer habitualmente em ambos os Estados ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente do Estado de que for nacional; e
  4. se não for nacional de um dos Estados ou se, de acordo com a legislação de um dos Estados Contratantes, for nacional de ambos os Estados, as autoridades competentes dos Estados Contratantes resolverão a questão de comum acordo.

Outros aspectos de brasileiros passarem a trabalhar de home office no exterior ou de não-residentes migrarem para trabalhar no Brasil devem ser cuidadosamente analisados, tais como o aspecto de vistos para permanecer no país, o tipo de visto (trabalho permanente ou temporária, turismo, estudo, etc.) e aspectos trabalhistas e previdenciários, sobretudo questões envolvendo aposentadoria e planos de previdência privada, sua migração ou correspondência entre os países. 

Como se vê, o home office internacional que mescla trabalho e lazer veio para ficar e, apesar de tentador, exige uma análise jurídico-tributária extremamente cautelosa para evitar aumento de carga tributária e penalidades. Durante a pandemia, diversos países como Suíça, Áustria e Holanda celebraram procedimentos amigáveis com outros países sobre a tributação do trabalho de home office durante o período da pandemia de forma a neutralizar seus impactos tributários. Todavia, o alívio na tributação ou dupla tributação nesses casos de países europeus foram limitados no tempo, sobretudo durante o período de isolamento e lockdown decorrentes das restrições de viagens impostas pela COVID-19 e, quase todos, eram aplicáveis apenas para países fronteiriços, isto é, vizinhos. 

No caso do Brasil e de outros países latino-americanos, a situação não foi a mesma e, portanto, são necessários cuidados adicionais para o exercício do home office internacional quando se trata da tributação de brasileiros no exterior e da tributação por empresas brasileiras remunerando esses funcionários que se encontram fora do território nacional. Direto ao ponto: no caso de funcionário brasileiro, que receba salário pago por empresa sediada no Brasil, passar a trabalhar de home office fora do Brasil, deve ser feita uma análise tanto do empregado como do empregador com relação à entrega de obrigações acessórias no país (Declaração de Saída Definitiva e Comunicação de Saída Definitiva); tempo que passará no outro país (se mais de 183 dias no período de 12 meses), qual é esse país e se há acordo contra a bitributação ou reciprocidade de tratamento com o Brasil e quais tipos de rendimentos a pessoa física irá auferir enquanto estiver de home office internacional. Todas essas questões devem ser cuidadosamente analisadas pela pessoa física para evitar uma dupla tributação de sua renda.