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Reforma do IR mira os “super ricos” e promete discussões

Direto ao ponto: o Projeto de Lei (PL) 2337 traveste-se de Robin Hood ao prometer aumentar a taxação dos mais ricos para poder beneficiar milhões. O benefício destes decorre especialmente da redução do Imposto de Renda (IR) via correção de sua tabela de alíquotas. O arrocho vem numa série de dispositivos mirando negócios e investimentos, supostamente os dos mais abastados. A discussão já começou no Congresso, mas mesmo que o PL seja aprovado o Judiciário deve vir a ser chamado a avaliar a validade do pacote, eis que ele contém falhas técnicas importantes.

Apresentado como segunda parte de uma reforma tributária que prometia simplificar o ambiente de negócios e ser neutro em termos arrecadatórios, o PL 2337 vem sendo duramente criticado como exemplo de medidas que complicam e encarecem ainda mais a vida do contribuinte. 

Os autores do PL (o Ministério da Economia, em especial a Receita Federal) apontam para a necessidade de se atacar uma suposta benevolência da legislação fiscal com os mais ricos, em detrimento dos menos favorecidos. As medidas seriam forma clara de trazer mais justiça, equidade e progressividade ao sistema tributário. Para seus críticos, o projeto serviu de plataforma para um verdadeiro pacote de maldades por parte do fisco, com aumento de carga. O ex-secretário do Ministério da Economia Paulo Uebel resumiu o sentimento, ao comentar o fato de o sindicato dos auditores fiscais da Receita defender o PL: “é como a CUT apoiar a reforma trabalhista”. Uma guerra de narrativas foi instaurada e não houve arrefecimento nem com a proposta substitutiva, do relator do PL na Câmara, que apresentou substanciais alterações ao texto. 

A verdade é que o projeto tem chances de sequer ser aprovado, ou ficar quase irreconhecível como lei, a julgar pelo comportamento nas últimas semanas do próprio Executivo, que a cada declaração dilui as propostas. Ainda assim, os contribuintes devem ficar atentos a temas que, caso avancem, impactem notadamente sua situação. Essa recomendação interessa em especial aos contribuintes com maior renda e patrimônio, pois o governo declaradamente assume buscar alcançar “os extratos superiores de renda”.

Não há limite objetivo para separar o que seria uma “elite” dos contribuintes, eis que diferentes medidas alcançariam diferentes grupos, mas podemos a seguir resumir as propostas que prometem gerar maiores impactos – e identificar as discussões jurídicas a respeito de suas validades.

  1. Fundos fechados: tributação do estoque de resultados e instituição de come cotas anual

Esse tema parece ser uma obsessão do fisco. Em 2017 fora previsto pela Medida Provisória (MP) 806, assustando o mercado. Não foi aprovado pelo Congresso na ocasião. Voltou em 2018, no PL 10638, também sem avanços em Brasília. Chegou a ser listado pelo governo antecessor como uma das possíveis medidas geradoras de arrecadação caso a reforma da previdência não fosse concluída no início do mandato do Executivo atual. Agora, retorna camuflado no meio das maldades do PL 2337. De fato, nesse tópico, o PL 2337 é similar ao PL 10638, que por sua vez era praticamente idêntico à MP 806. 

Em resumo, pretende-se alterar de maneira profunda as regras gerais de tributação de aplicações em fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, criando uma ficção de disponibilização da renda.

Os fundos fechados, hoje tributados na figura do cotista apenas em eventos de realização de renda, como alienação, resgate, amortização ou liquidação de cotas, passariam a ser tributados anualmente pelo chamado come cotas (que pelo PL deixa de ser semestral onde já existente). Para além do fim do diferimento, que marca a essência desse tipo de estrutura, a partir de 2022, o PL prevê uma drástica tributação concentrada de todo resultado já acumulado no veículo. 

A justificativa declarada pelo Governo é a de reduzir a “distorção” existente entre aplicações em fundos de investimento aberto e fechados. A principal alteração é a sujeição destes ao regime de “come-cotas” já aplicado àqueles. Na ocasião da MP 806 e do PL 10638 já tinham sido excetuadas algumas espécies de fundos fechados (FII, FIDC, FIC-FIDC, FIA, FIP e FIC-FIA).

Contudo, assim como abordamos na ocasião da MP 806 e do PL 10638, a proposta possui alguns pontos controversos e que poderiam ser discutidos judicialmente, se convertidos em lei, especialmente (i) a aplicação do regime “come-cotas” ainda que inexista disponibilidade econômica ou jurídica da renda; (ii) o assombroso efeito retroativo, posto que a pretendida tributação capturaria a valorização das cotas ocorrida antes mesmo da vigência da norma; (iii) a ofensa à segurança jurídica; entre outros.

Felizmente, diferentemente do que ocorrera com a MP 806, o PL 2327 (tal qual o PL 10638) ainda não tem qualquer efeito, sendo provável que haja novidades durante o processo legislativo no Congresso. Contudo, dada a importância da matéria, os interessados devem buscar antecipar eventuais efeitos e ponderar quanto ao cabimento de medidas, como realocações de investimentos ou mesmo o questionamento judicial no tempo adequado.

  1. Tributação automática de sociedades offshore

Conforme detalhado no artigo do nosso sócio Leonardo Castro deste mesmo mês de julho, a proposta de reforma do IR pretende passar a tributar os indivíduos residentes fiscais do Brasil imediatamente quando sociedades offshore (não estabelecidas no país, mas em jurisdições tidas como privilegiadas do ponto de vista fiscal) apurarem lucro no exercício, independentemente de este vir a ser efetivamente deliberado e distribuído ao sócio como dividendo.

Hoje, a legislação somente determina essa tributação automática de lucros de controladas e coligadas no exterior quando tais entidades são detidas por pessoa jurídica residente no Brasil. Para sócios pessoas físicas, o investimento no exterior via sociedades offshore fica sujeito ao regime de caixa, como via de regra ocorre na tributação de indivíduos, ou seja, apenas quando distribuídos os resultados por meio de dividendos  – ou quando ocorra alienação da participação, ocasião em que é apurado eventual ganho de capital.

O PL rompe com a tradição de se apurar o IR de indivíduos conforme o regime de caixa e levanta riscos quanto à liquidez necessária para fazer frente ao imposto, o que por si pode demonstrar afronta ao princípio da capacidade contributiva, sem contar o fato de o PL também buscar abranger entidades não personificadas, como fundos de investimentos, trusts, foundations, etc., onde a distribuição de resultados nem sempre seria de controle do sócio brasileiro, e alcançar a renda ativa, em vez de somente a renda passiva, como costumam ser as regras internacionais no tema, posicionando o país mais uma vez fora de padrões e boas práticas de mercado.

  1. Fim da isenção de dividendos e de rendimentos de Fundos Imobiliários

A tributação de dividendos talvez seja o tema que mais alimenta a guerra de narrativas entre defensores e opositores do PL 2337. Se de um lado há inegável distância entre as alíquotas de IR de assalariados e a de sócios (isentos), de outro há o fato de o dividendo equivaler a um lucro já líquido de IRPJ/CSLL elevados, e de tantos outros tributos da sociedade investida. Por fim, ainda que haja redução da alíquota corporativa (originalmente de 5%, atualmente de 12,5%), os críticos recordam que o Brasil perde uma arrecadação hoje automática e imediata quando deixa para a sociedade o poder de diferir parte significativa do IR.

Acaso aprovada como atualmente proposta, a tributação de dividendos é criticável por não respeitar a isenção de dividendos hoje vigente, como bem explorado por nossa sócia Fernanda Lains em seu artigo deste mês. De fato, o PL 2337 contraria mesmo o bom senso ao permitir que, em casos extremos, o mesmo lucro seja tributado pelas alíquotas corporativas máximas de 34% e depois novamente pelos 20% propostos na figura do sócio, sem respeito aos princípios da anterioridade, irretroatividade e não confisco.

Quanto aos fundos imobiliários, por muitos vistos até hoje como espécie de fonte relativamente segura de renda previdenciária, a proposta de tributação dos rendimentos representa duro choque no mercado, com severo desincentivo à atividade imobiliária. Juridicamente, assim como em muitos outros temas do PL 2337, não existem, contudo, vícios passíveis de correção na proposta apresentada.

  1. Fim do Lucro Presumido para atividades patrimoniais e imobiliárias

O regime do Lucro Presumido é uma opção dada pelo legislador a milhões de empreendedores de pequenos e médios negócios. Em vez de recolher o IR sobre o lucro efetivo da operação, mantendo controle contábil completo, o contribuinte opta por pagar uma alíquota fixa sobre sua receita bruta, com menos obrigações acessórias, de modo que há uma facilitação no controle, estabilidade de arrecadação (mantida mesmo em períodos de prejuízo do negócio), mas uma potencial carga final global amenizada.

É comum famílias com algum volume de patrimônio em propriedades imobiliárias valerem-se de sociedades dedicadas à administração e exploração do próprio patrimônio, optando pelo uso do Lucro Presumido para tributar sua renda. Da mesma forma, não raro profissionais que possuem rendimentos decorrentes de direitos de autor, marca ou voz alocam em entidades jurídicas tais ativos para ali tributar o resultado de sua exploração, sem que isso implique qualquer forma de abuso ou fraude.

Conforme explicado por Leonardo Castro, o PL 2337 acaba com essa estrutura simples e legal de condução de negócios, obrigando os empreendedores a manterem escrituração comercial e sujeitarem suas empresas a carga mais elevada. Medida com evidente intuito arrecadatório. Se aprovada, a medida promete levantar diversas discussões em relação a contratos já em andamento.

Direto ao ponto: embora tenha sido apresentado como um projeto endereçando a complexidade do sistema tributário brasileiro e prometendo neutralidade na arrecadação, o PL 2337 vem sendo severamente criticado por incrementar a insegurança jurídica e impactar demasiada e negativamente a carga fiscal das empresas. Os indivíduos e famílias com maior patrimônio e renda tendem a ser alvos preferenciais das propostas arrecadatórias, eis que a lógica da redação original do projeto foca em minar a isenção de dividendos e o diferimento da tributação de fundos fechados, passando ainda pela limitação do uso do lucro presumido e pela incidência automática sobre lucros obtidos no exterior por estruturas de investimento ali estabelecidas, ainda que não haja efetiva disponibilidade econômica, como tradicionalmente se faz na apuração fiscal de indivíduos no país. Contudo, parte desses dispositivos, se convertidos em lei, podem ser questionados e afastados judicialmente, haja vista afronta a princípios gerais de tributação.