Direto ao ponto: mudanças trazidas pela pandemia da COVID-19 com relação à prática de home office e à presença mais longa de funcionários em países em que não são residentes não trarão consequências tributárias no que tange à criação de um Estabelecimento Permanente (PE) ou aquisição de residência fiscal com base nos acordos internacionais contra a bitributação.
A pandemia da COVID-19 trouxe restrições aos trabalhadores transferidos para outras jurisdições que não a de sua residência fiscal, que passaram a trabalhar mais tempo em países de fonte dos rendimentos. Isso porque diversos funcionários de empresas multinacionais estão isolados no exterior em quarentena, hospedados em casas alugadas ou hotéis, alocados em projetos globais e, portanto, realizando trabalho remoto (home office).
Esse tema é de extrema importância pois em tese poderia impactar o direito dos países em tributar a renda daquela multinacional ou daquele empregado alocado no país fonte. Isso dependeria da (i) criação de um PE da multinacional e/ou (ii) da aquisição de residência fiscal do empregado. Em ambos os casos, não só uma oneração tributária ocorreria no país fonte como também obrigações acessórias de preenchimento de declarações, formulários e escrituração fiscal e bancária eventualmente surgiriam.
Todavia, é improvável que em razão da COVID-19 haja a criação de um PE no país fonte. Essa mudança temporária e excepcional na localização na qual os empregados exercem seu trabalho não cria um PE para a multinacional que transferiu ou alocou seu empregado no exterior. Da mesma forma, a conclusão temporária de contratos no hotel do empregado ou de agentes da multinacional em razão da COVID-19 não criará um PE para o negócio, assim como um canteiro de obra (PE de obra de construção) também não será considerado como não mais existindo se o trabalho for temporariamente interrompido devido à pandemia.
Em geral, o PE deve ter certos graus de permanência e estar à disposição da empresa estrangeira para que o local seja considerado um lugar fixo de negócios pelo qual a atividade empresarial da multinacional seja total ou parcialmente desenvolvida. Nesse sentido, o Artigo 5º (18) dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE explica que mesmo quando parte da atividade empresarial de uma multinacional seja desenvolvida num local tal qual a casa do empregado trabalhando de home office, isso não levaria à conclusão de que tal local está “à disposição da multinacional”, já que aquele local está sendo utilizado pelo indivíduo (empregado) que trabalha para a multinacional.
Para que o home office seja considerado “à disposição da multinacional” para criar um PE, deve ser utilizado de forma contínua para o desenvolvimento de uma atividade empresarial e a multinacional geralmente deve requerer ao indivíduo que utilize o local para desempenhar a atividade empresarial a seu mando, o que, no caso da COVID-19, sabe-se que não ocorreu.
O trabalho home office ou em hotéis forçado pela COVID-19 decorre de força maior (force majeure), e não de um requerimento ou solicitação por parte da multinacional. Ou seja, por se tratar de um acontecimento extraordinário e imposto por políticas governamentais para controlar a pandemia, o home office não cria um PE, já que (i) falta um grau suficiente de permanência e continuidade e (ii) a multinacional não tem acesso ou controle sobre o home office.
Com relação ao requerimento de presença mínima de um funcionário para ser considerado um “residente fiscal”, caso esse requerimento temporal seja, na legislação do país fonte, menor do que os aplicáveis pelos acordos internacionais, haveria a possibilidade de a quarentena gerar tributação e obrigações acessórias para o indivíduo no país no qual está alocado ou para o qual foi transferido. Todavia, com base na regra de desempate (tie breker rule) do artigo 4 dos acordos, é improvável que o indivíduo se torne residente fiscal no país de fonte.
Como, em regra, só o imposto de renda federal está coberto pelos acordos, e não tributos estaduais e municipais – ainda que incidam sobre a renda, como ocorre com os EUA (state income tax) –, para um empregado, diretor, prestador de serviço ou agente, a legislação doméstica é que poderia criar ônus fiscal para o indivíduo, não o acordo internacional. No entanto, muitos países já estão se manifestando no sentido de que a presença forçada em seus territórios em razão da COVID-19, decorrente de restrições de viagem, será desconsiderada para fins do cálculo do período mínimo necessário para se tornar residente fiscal, como ocorreu com a Irlanda.
Direto ao ponto: para fins do acordo internacional, a COVID-19 não gerará alterações no status de residência do indivíduo, alterando ou criando problema de dupla residência. A mudança temporária de local do CEO e de outros executivos é uma situação extraordinária e temporária em razão da pandemia e, portanto, não afetará a caracterização de residência fiscal, especialmente se a regra de desempate de residência fiscal (tie breaker rule) do artigo 4 dos acordos for aplicada. Do mesmo modo, dada a excepcionalidade da quarentena, funcionários presos no exterior dificilmente criariam um PE para sua empregadora no exterior.