Direto ao Ponto: o STJ entendeu, de forma surpreendente, que o Imposto sobre Serviços (“ISS”) incidente sobre execução de projetos de engenharia e inspeção de dutos é devido para o Município onde se localiza a filial do estabelecimento prestador (Macaé) e não no local onde efetivamente foram executados (Rio de Janeiro). Ao afirmar que os referidos serviços não constam da exceção da Lei Complementar 116/03 – “LC 116” – isto é, “local da execução”, entendeu o tribunal que o “estabelecimento prestador” não se verificou no local da prestação (mesmo com deslocamento de funcionários e equipamentos para o local da prestação) e sim no endereço de sua filial (Macaé). Chama atenção o entendimento mais formalista do STJ nesse caso, sobretudo levando-se em consideração que o estabelecimento prestador é aquele em que existe unidade profissional ou econômica, ainda que temporária, para a prestação dos serviços.
Em julgamento realizado em março de 2021 (AgInt 1.718.563 – RJ), o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) examinou a ação declaratória com pedido de repetição de indébito, na qual o contribuinte (“Prestador”) – pessoa jurídica dedicada “às atividades de avaliação, desenvolvimento e execução de projetos de engenharia especializada para indústria de exploração de petróleo e gás natural“, com estabelecimento filial no Município de Macaé/RJ, desejava ser declarada a inexistência de relação jurídica entre a empresa e o Município de Macaé a justificar a exigência do ISS indevidamente recolhido sobre os serviços desempenhados no Município de seu cliente/tomador (Rio de Janeiro).
Alega, portanto, que o ISS deve ser recolhido ao local onde foi efetivamente prestado o serviço (Rio de Janeiro), sendo este o “local do estabelecimento prestador” efetivamente considerado (Macaé).
Como fundamento, o contribuinte sustenta que, com base no REsp nº 1.117.121/SP, o STJ firmou o entendimento de que, a partir da LC 116/2003, tem-se as seguintes regras:
- regra geral: o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, compreendendo-se como tal o local onde a empresa que é o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas;
- regra secundária: na falta de estabelecimento do prestador, no local do domicílio do prestador. Assim, o imposto somente será devido no domicílio do prestador se no local onde o serviço for prestado não houver estabelecimento do prestador (sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação); e
- exceção: nas hipóteses previstas nos incisos do art. 3º da LC 116/2003, mesmo que não haja local do estabelecimento prestador, ou local do domicílio do prestador, o imposto será devido nos locais indicados nas regras de exceção (local da execução).
Ademais, destacou no julgamento do REsp 1.060.210/SC que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado (local da execução), ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo. Portanto, o Município competente para instituir e cobrar o ISS é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional.
Importante destacar que o recente acórdão sob análise afirma que o simples deslocamento de recursos humanos (mão de obra) e materiais (equipamentos) para a prestação de serviços no local da execução não impõe sujeição ativa à municipalidade de destino para a cobrança do tributo. Isto é, deslocar funcionários e equipamentos para o local da prestação do serviço não criaria um “estabelecimento prestador” nos termos do art. 4º da LC 116, sendo insuficientes para a caracterização de uma unidade profissional ou econômica, permanente ou temporária.
Como o caso em questão não se trata de serviços de construção civil ou das exceções previstas nos incisos do art. 3º do referido diploma legal (“regra 3 – exceção”) – que são as atividades taxativamente listadas como suficientes para originar a competência tributária para o Município onde efetivamente os serviços são prestados (“local da execução”) – entendeu o STJ que se deve adotar o critério do local do estabelecimento prestador do serviço, para a definição do Sujeito Ativo (Município competente) para cobrar o ISS, sendo o referido conceito de estabelecimento prestador definido na própria LC 116, em seu artigo 4º.
Diante do referido cenário jurídico, os Ministros da Segunda Turma do STJ negaram, por unanimidade, provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Relatora, Ministra Assusete Magalhães. Em seu voto, a Relatora destaca que o Município competente para exigir o pagamento de ISS é aquele em que o “serviço seja efetivamente prestado, desde que, no local, haja filial, escritório, núcleo, agência – a designação não importa – da empresa prestadora”.
Neste ponto, o STJ ressalta que faz necessário diferenciar a expressão “estabelecimento prestador” e “estabelecimento do prestador”. Isso porque, a primeira expressão induz o local em que se dá efetivamente a prestação do serviço, independentemente do local físico em que esteja formalmente estabelecido o contribuinte. A segunda expressão remete ao estabelecimento formal (sede, filial etc.), que pode ou não coincidir com o local da efetiva prestação/execução do serviço.
Nos contratos anexados aos autos comprovou-se que os serviços consistiam em “inspeção de dutos”, serviço este que somente tem como ser executado nas bases de seus clientes, ou seja, nos Municípios fora do local da filial do contribuinte, localizada em Macaé. O fato de o estabelecimento prestador ter sido instalado de forma temporária na base dos clientes do contribuinte para que fosse possível a perfectibilização do serviço não foi examinado na decisão.
O caso em questão não diz respeito a serviços intelectuais, como consultoria ou assessoria, que podem ser prestados mediante simples deslocamento de funcionários. Pelo contrário, trata de serviços de perfuração e inspeção de dutos, que são serviços complexos, que demandam não somente uma expertise técnica, mas também a necessidade de utilização de equipamentos de grande porte para verificação em tempo real dos poços de petróleo e equipe técnica in loco para execução dos serviços. Não há como se imaginar uma perfuração de poços realizada à distância e tampouco não há como imaginarmos a necessidade de criação de um CNPJ novo para cada contrato firmado, sob pena de inviabilidade das atividades econômicas prestadas pela empresa.
Portanto, causa estranheza a decisão do STJ pois, se a instalação temporária de funcionários e materiais no local da prestação do serviço não origina um “estabelecimento prestador” por não constituir uma unidade econômica ou profissional, o que seria, então, um “estabelecimento prestador temporário”? Vale lembrar que o artigo 4º é expresso em definir como estabelecimento prestador o “local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário”.
Na decisão em comento, o STJ se apegou ao fato de que existe uma filial em Macaé, contrariando, inclusive, a dicção do próprio artigo 4º, que prescreve ser “irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação”.
Curiosa, portanto, a conclusão do STJ que se apega ao formalismo da existência de uma “filial” em Macaé para entender ser esta o “estabelecimento prestador” e não o “estabelecimento do prestador”. Se com a transferência de funcionários e materiais durante um período de 4 anos no local da prestação de serviços que, por sua natureza, necessitam de desempenho in loco (e não remoto) não se cria um “estabelecimento prestador temporário” para prestação de serviços, fica difícil entender o que então o criaria.
Por fim, considerando toda evolução da interpretação jurídica dos tribunais administrativos e judiciais em matéria tributária para uma exegese calcada na “prevalência da substância sobre a forma”, “visão do filme ao invés de foto” e análise da verdade material dos fatos jurídicos, parece-nos que a decisão do STJ foi formalista e literal, ao optar por caracterizar o estabelecimento prestador o local físico em que se situa a empresa sob a denominação de “filial”.
Direto ao ponto: O STJ entendeu que o estabelecimento prestador de serviços de avaliação e acompanhamento na perfuração e inspeção de dutos de petróleo e gás natural está localizado onde o “serviço seja efetivamente prestado, desde que, no local, haja filial, escritório, núcleo, agência – a designação não importa – da empresa prestadora”. Esse entendimento culminou na conclusão de que, independentemente de existirem funcionários e materiais transferidos para o local da prestação, durante um prazo temporal predeterminado, isso não seria suficiente para originar uma unidade econômica ou profissional fora do local de constituição do estabelecimento prestador, sendo assim, o Município onde consta o endereço da sede ou filial do estabelecimento prestador será, portanto, o sujeito ativo competente para instituir e cobrar o ISS.