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Os Limites para a Amortização Fiscal do Ágio na Atual Jurisprudência do CARF: Pragmatismo a partir do Empirismo

Leonardo Freitas de Moraes e Castro[1]
Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro[2]

I – Considerações Preliminares

Com o advento do art. 7º da Lei nº 9.532/97[3], redigido no contexto do Programa Nacional de Desestatização (“PND”), introduziu-se no sistema jurídico nacional a possibilidade de amortização fiscal (para o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – “IRPJ” e a Contribuição Social Sobre o Lucro – “CSSL”) do ágio fundamentado em rentabilidade futura[4] pago na aquisição de investimentos nos casos em que, posteriormente à compra dos ativos, investidora e investida passem a constituir uma mesma unidade jurídica, com a consequente absorção do patrimônio de uma pela outra[5].

Consoante vem entendendo a doutrina pátria[6], o escopo da introdução expressa da possibilidade de dedução dos valores pagos pela investidora a título de ágio foi o de incentivar a participação em certames licitatórios, condicionando-se a dedutibilidade, apenas, à reestruturação societária do grupo[7] (v.g. nos casos de fusão, cisão e incorporação), de maneira a relacionar, em um mesmo sujeito passivo, as despesas inerentes à aquisição de negócio com expectativa de rentabilidade e os lucros produzidos no âmbito do ativo adquirido (matching principle).

Debruçando-se sobre o tema, especialmente em virtude da proliferação de operações que envolviam o pagamento de ágio na aquisição de investimentos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), especialmente nos últimos cinco anos, publicou importantes decisões administrativas sobre a matéria, por meio das quais reexaminou – à luz do atual sistema jurídico tributário e societário[8], e das novas normas contábeis[9] – os requisitos para amortização fiscal do ágio em reorganizações societárias, bem como manifestou entendimento sobre os fatores considerados como indícios e provas de simulação, fraude e ilicitude neste tipo de operação.

Em que pese ao fato de estarmos inseridos em um ordenamento jurídico com fortes raízes romano-germânicas e não de commom law e, bem assim, o caráter inter partes das decisões proferidas – muitas delas ainda sujeitas a recurso em âmbito administrativo ou mesmo ao ajuizamento de eventual demanda judicial[10] – não restam dúvidas acerca da importância dos julgados do CARF para o balizamento do comportamento por parte dos contribuintes e, especialmente, para a formação de diretrizes seguras que possam nortear a liberdade econômica dos agentes, em atenção à segurança jurídica, cânone máximo do sistema jurídico[11].

Assim, constitui escopo primordial deste artigo elencar alguns dos julgados mais relevantes proferidos no âmbito do CARF[12] no que tange aos limites elencados ao aproveitamento fiscal do ágio, de maneira a identificar uma possível linha de análise firmada neste Tribunal Administrativo, para, em momento seguinte, apresentarmos nossas considerações e conclusões sobre o tema.

II. Principais Fundamentos das Autuações sobre a Amortização Fiscal de Ágio

Após uma detida análise comparativa das recentes decisões do CARF sobre amortização fiscal do ágio em reorganizações societárias, foi possível constatar traços comuns que fundamentam as autuações fiscais sobre o tema.

Neste ponto, as autoridades fiscais normalmente apontam problemas relacionados com: (i) laudo de avaliação (demonstrativo); (ii) fundamento econômico do ágio; (iii) utilização de empresas veículos (sociedades de propósito específico); (iv) transferência do ágio para terceiros; (v) adquirente estrangeiro; (vi) aquisição de empresa estrangeira com ágio; (vii) ágio intragrupo/interno; (viii) “ágio de si mesmo”, na acepção consagrada por Marco Aurélio Greco relativa à hipótese de downstream merger[13]; e (ix) ausência de “propósito negocial”; dentre outros.

Ademais, em razão das alegações feitas pelo Fisco Federal, a esmagadora maioria das autuações versando sobre a impossibilidade de amortização fiscal do ágio pago em reorganizações societárias culmina por exigir multa agravada de 150% do valor do crédito fiscal, em razão da utilização de meios artificiosos, fraudulentos, simulados ou dolosos para a geração desse ágio, além da usual multa de ofício.

Portanto, torna-se ainda mais relevante a observância dos critérios apontados pelo CARF sobre o tema, não apenas para evitar a invalidade da amortização do ágio pago, para fins de IRPJ e CSSL, mas também para evitar a multa qualificada de 150%[14] (em vez de 75%) por existência de dolo, fraude ou simulação por parte do contribuinte com o intuito de “retardar ou impedir o cumprimento da obrigação tributária”[15].

III. Análise dos Recentes Precedentes do CARF sobre a Amortização Fiscal do Ágio nas Reorganizações Societárias

A) “Caso Carrefour”[16](Acórdão nº 103.23-290 de 2007)

            Neste pioneiro julgado, o CARF, por maioria de votos, negou provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte por entender que a utilização de empresa veículo para incorporação do ágio foi realizada sem qualquer causalidade jurídica.

            Na hipótese, verifica-se que houve, inicialmente, a aquisição por empresa do Grupo Carrefour (Brepa Comércio e Participações Ltda. – “Brepa”) da participação societária dos antigos controladores de rede de supermercados brasileira (RDC Supermercados Ltda – “RDC”.) com o pagamento de ágio, fundamentado em rentabilidade futura. Alguns meses depois, constituiu-se a Rivierapar Participações Ltda. (“Rivierapar”), na qual a Brepa integralizou a sua participação na RDC adquirida com ágio, de modo que, no dia seguinte, pudesse haver a incorporação da Rivierapar pela RDC, transferindo-se o ágio pago para esta última.

            Com o ágio contabilizado na própria empresa adquirida, decidiu-se alienar os estabelecimentos de propriedade da RDC para o Carrefour Comércio e Indústria Ltda. (“Carrefour”), operação na qual haveria a apuração de ganho de capital. Contudo, tendo em vista a contabilização de ágio (artificial) na própria RDC, verificou-se uma significativa redução do ganho de capital, na medida em que já devidamente contabilizada, àquela altura, o referido ativo diferido (ágio) nas contas da RDC.

            Analisando as operações, bem como a exiguidade do ato de constituição e integralização das cotas da Rivierapar, entendeu o CARF que esta última sociedade, considerada empresa veículo, foi constituída pura e simplesmente para o fim de transferir o ágio pago para a RDC, permitindo, em operação posterior, a redução do ganho de capital que seria incidente na venda dos estabelecimentos para o Carrefour[17].

            Portanto, neste acórdão, decidiu-se que a criação de uma empresa veículo que viesse a ser incorporada por sua subsidiária no dia seguinte, com a única finalidade de permitir a transferência do ágio anteriormente pago em operação intragrupo, e sem qualquer outra causalidade jurídica, seria absolutamente artificial, impossibilitando-se, assim, o aproveitamento do ágio em tais hipóteses.

            Referido julgado, sendo um dos primeiros a tratar do tema, contribuiu para a formação de uma jurisprudência do CARF reticente em relação ao aproveitamento de ágio artificialmente criado dentro o mesmo grupo econômico (chamado de ágio de si mesmo pela jurisprudência do CARF, em conotação distinta daquela atribuída por Greco), bem como em relação às hipóteses de reestruturação intragrupo com a transferência do ágio.

B) “Caso Casa do Pão de Queijo” [18] (Acórdão n. 105-16.774 de 2007)

            Neste julgado, o CARF deu, por maioria de votos, provimento parcial quanto ao ágio na subscrição de ações admitindo a amortização para fins fiscais. Em brevíssima síntese, discute-se neste caso a possibilidade de amortização, após incorporação de suas controladoras pela CPQ Brasil S.A., (i) do ágio registrado com base na aquisição do controle de holding controladora do grupo Casa do Pão de Queijo (55,48% das cotas), bem como, após a transformação da controladora em sociedade anônima, (ii) do ágio adquirido com fundamento em rentabilidade futura das ações emitidas em aumento de capital pela holding controladora do Grupo Casa do Pão de Queijo pela sua nova controladora, que passaria a deter 59,14% das ações.

            A relevância do precedente, capitaneado pelo voto-vista do Conselheiro Roberto Bekierman, reside no entendimento firmado pelo CARF no sentido de admitir, na hipótese, a amortização de ágio resultante de subscrição de capital de sociedade pelo seu controlador, em operações em que haja o intuito de promover aumento de capital da controlada. Assim, entendeu pela (i) adequação do ato de subscrição de ações ao significado do termo “aquisição” para fins da legislação que rege a matéria, bem como pela (ii) possibilidade de transferência de ágio a terceira pessoa.

            No presente caso, havendo a efetiva aquisição da participação acionária da holding por sua controladora, ambas posteriormente incorporadas pela CPQ Brasil S.A., não haveria razão para vedar a apropriação do ágio na operação de subscrição, eis que se amoldaria, à perfeição, às hipóteses previstas em lei, consistindo em autêntica e idônea operação de aquisição originária de participação societária[19].

            Ademais, restou consignado que o ágio também poderá ser amortizado por terceira pessoa jurídica que incorporar a investidora que pagou o ágio e incorporou sua investida, em razão da ausência de vedação legal quanto a este ponto[20].

C) “Caso Libra” (Acórdão nº 101-96.724 de 2008)

            Neste precedente, o CARF, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte, mantendo o auto de infração lavrado. Dentre as principais questões abordadas estava a amortização de ágio interno, além da utilização de empresa veículo na operação.

Esta decisão utilizou como sua fundamentação a artificialidade da operação, ao enunciar que a reorganização societária, para ser legítima, deve decorrer de atos efetivamente existentes, e não apenas artificial e formalmente revelados em documentação ou na escrituração mercantil ou fiscal. E, no caso em análise, os conselheiros entenderam que os atos foram simulados, autorizando a glosa da amortização do ágio contabilizado.

Portanto, a efemeridade da duração da empresa veículo, somada à proximidade temporal dos atos societários e à ausência de comprovação de efetivo affectio societatis (i.e., ausência de causa do negócio jurídico “constituição de sociedade empresária”) foram os principais argumentos para a decisão contrária ao contribuinte[21].

D) “Caso Ficap” (Acórdão nº 105.17-219 de 2008)

            No conhecido “Caso Ficap”, a seu turno, o CARF, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte. Restaram analisadas pelo CARF, principalmente, (i) a possibilidade de aproveitamento de ágio interno, bem como (ii) a necessidade de comprovação do efetivo pagamento do ágio.

            Sobre a possibilidade de aproveitamento de ágio interno, o relator, no que foi seguido por seus pares, teve a ocasião de afirmar que somente se admite a figura do ágio quando estiverem envolvidas partes independentes não relacionadas (para garantir a formação de um preço justo dos ativos líquidos em apreço). Quanto a este ponto, transcreveu partes do Ofício-CIRCULAR/CVM/SNC/SEP n° 01/2007, apontando, expressamente, para o fato de que,do ponto de vista econômico, o registro do ágio somente seria concebível se realizada entre partes independentes, isto é, at arm’s length.

Sobre o segundo ponto, extrai-se do julgado o entendimento de que a ausência de efetivo pagamento do ágio inviabilizaria a sua amortização para fins fiscais, especialmente quando inexistente qualquer laudo de avaliação que lastreasse o montante contabilizado a título de ágio. Em outras palavras, restou nítida a interpretação, no referido julgado, de que o efetivo fluxo financeiro de recursos seria condição sine qua non para o aproveitamento do ágio para fins fiscais[22].

E) “Caso Center Automóveis” (Acórdão nº 1103-00.501 de 2011)

            No “Caso Center Automóveis”, o CARF, por unanimidade, negou provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte[23]. Tal como os demais casos, também se ocupou da análise da legitimidade de amortização do chamado ágio interno, além da possibilidade de utilização de empresas veículo para o aproveitamento do ativo diferido.

            O relator, conselheiro José Sérgio Gomes, no que foi acompanhado de seus pares, entendeu inviável a criação e apropriação de ágio em operações realizadas dentro de um mesmo grupo econômico e viabilizada pela constituição de empresa veículo, eis que inexistente qualquer substância econômica na operação, mesmo porque, segundo entendem, a aferição do valor do ativo não resultaria de um processo imparcial de valoração, de livre mercado e independência entre as companhias[24].

            Entendemos oportuno salientar, todavia, que o conselheiro Marcos Takata proferiu voto-vista no caso, consignando o entendimento de que seria possível a existência de ágio interno (intragrupo) legítimo[25], desde que sua origem resulte de negócio provido de causa jurídica, hipótese esta distinta do chamado ágio sem causa, criado/fabricado ou artificial.

F) “Caso Santander”[26] (Acórdão n.º 1402-00.802 de 2011)

            No chamado “Caso Santander”, entenderam os julgadores à unanimidade de votos, anular o auto de infração, na medida em que teriam sido cumpridos os pressupostos básicos para o aproveitamento do ágio, quais sejam, (i) o efetivo pagamento do custo total da aquisição, (ii) a realização das operações originais entre partes não ligadas (inexistência de ágio interno), bem como (iii) a demonstração da lisura na avaliação da empresa adquirida, com fundamento em laudo econômico lastreado na expectativa de rentabilidade futura do investimento.

            Em relação aos dois primeiros aspectos ora apontados, destacaram os julgadores que as operações tendentes à compra do Banco Banespa pelo Banco Santander Hispano teriam nítido “propósito negocial”, sendo indiscutível o pagamento integral do preço na operação, realizada entre partes absolutamente independentes e em leilão público. Afirmam, neste ponto, que o sigilo das operações seria crucial para o sucesso da compra, razão pela qual uma análise do filme levaria à conclusão pela admissibilidade de transferência do ágio mediante conferência de ações à holding subsidiária, constituída no Brasil para o fim de possibilitar a amortização tributária do ágio.

            Entendeu-se, ainda, que seria necessário, como de fato ocorreu, a elaboração de laudo de avaliação, onde ficassem comprovados os fundamentos econômicos para a rentabilidade futura dos investimentos, documento este que inverteria o ônus da prova em desfavor da Administração Pública, que ficaria obrigada a demonstrar os vícios do documento, bem como eventual reenquadramento do ágio como decorrente de reavaliação de ativos pelo seu valor de mercado (intangíveis, fundo de comércio etc.).

            No presente julgado, deixaram claro, os eminentes julgadores, que (i) legítima a utilização de empresas veículo para o aproveitamento de ágio pago com fundamento em rentabilidade futura; (ii) necessária a demonstração do valor do ágio por meio de laudo de avaliação; (iii) importante atentar-se para o fundamento original do ágio e para as operações como um todo indissociável, verificando, assim, a causalidade jurídica e a inexistência de fabricação de ágio em reestruturações internas[27].

G) “Caso Cosern” (Acórdão nº 1402-00.993 de 2012)

            No tocante a este precedente, o CARF, por unanimidade de votos, também houve por bem dar provimento ao recurso voluntário do contribuinte, anulando o auto de infração. Os requisitos eleitos para a amortização do ágio para fins fiscais foram os mesmos do “Caso Santander” e, novamente, restou consignado entendimento de que não há espaço para a dedutibilidade de ágio artificial, cuja amortização é vedada para fins fiscais, o que não teria ocorrido in casu. Também a licitude da utilização de empresa veículo, desde que dessa utilização não tenha resultado aparecimento de novo ágio, seguiu o mesmo entendimento do acórdão supra.

De acordo com o voto vencedor (conselheiro Antônio Praga de Souza), uma vez que o arcabouço fático é semelhante ao decidido no “Caso Santander”, da relatoria do mesmo conselheiro, coube aplicar ao “Caso Cosern” as mesmas premissas e, portanto, mesma conclusão em favor do contribuinte, sem grandes diferenças no tocante ao fundamento jurídico do voto[28].

H) “Caso Gerdau” (Acórdão nº 1101-00.708 de 2012)

            Neste importante e recente julgado, o CARF, por maioria, deu provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte, apontando para (i) a licitude do ágio interno (intragrupo); (ii) a ausência de abuso de direito no planejamento tributário; bem como para a (iii) desnecessidade de motivação extrafiscal.

            No voto vencedor, proferido pelo conselheiro Carlos Eduardo Guerreiro, argumenta-se que o fundamento econômico das ações alienadas só pode ser atacado por expressa refutação do laudo de avaliação apresentado, mas não pelo argumento de que inexiste ingresso de recursos novos no grupo econômico. Assim, nas palavras do conselheiro, “não existe nenhuma restrição na legislação fiscal à operação dentro do grupo, de sorte que a alegação de que operações dentro do grupo não tem fundamento econômico viola a lei[29].

            Sobre a segunda questão analisada, restou consignado o entendimento de que “não há base no sistema jurídico brasileiro para o Fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito. O conceito de abuso de direito é louvável e aplicado pela Justiça para solução de alguns litígios. Não existe previsão do Fisco utilizar tal conceito para efetuar lançamentos de ofício, ao menos até os dias atuais. O lançamento é vinculado a lei, que não pode ser afastada sob alegações subjetivas de abuso de direito[30].

            Por fim, no que tange ao terceiro ponto analisado, reiterou-se que o fato de a conduta do contribuinte para reduzir sua carga tributária ser intencional não traz qualquer vício ao negócio jurídico, haja vista a legitimidade da economia fiscal.

            Como se sabe, o recente julgado alterou em grande medida os precedentes até então julgados pelo CARF, na medida em que adotou uma postura mais favorável ao contribuinte em relação aos ágios interno (diretamente) e fabricado internamente (indiretamente), reconhecendo, expressamente, a ausência de abuso de direito em operações intragrupo que gerem o aproveitamento de ágio, bem como a desnecessidade de motivação extrafiscal para a legitimidade do planejamento tributário[31].

IV. Síntese Evolutiva e Análise do Atual Entendimento do CARF a Respeito do Tema

            Como se viu, há inúmeros precedentes do CARF acerca da amortização fiscal do ágio produzidos, em especial, ao longo dos últimos cinco anos. Nesse sentido, muito embora não se possa dizer, nesse estágio, que o referido órgão judicante tenha consolidado, de forma unânime, um entendimento quanto aos requisitos necessários à autorização da dedutibilidade do referido ativo diferido, é certo que, com base nos julgados analisados, já se pode estruturar uma linha de raciocínio razoavelmente homogenia entre as câmaras e turmas ordinárias componentes das seções do CARF.

            Procuramos identificar, neste trabalho, o entendimento majoritário em relação a alguns aspectos que se tornaram recorrentes na análise de casos envolvendo a amortização fiscal do ágio, dentre os quais elencamos os seguintes:

  • a necessidade de laudo de avaliação demonstrando o valor atribuível ao ágio pago com fundamento em rentabilidade futura;
  • a demonstração da existência de fluxo financeiro na aquisição do investimento, inclusive no que toca ao ágio;
  • a plausibilidade de dedução fiscal do chamado ágio interno ou relativo a operações intragrupo;
  • os limites para a utilização de empresas veículos, bem como;
  • a verificação da possibilidade de dedução do ágio de si mesmo, assim entendido como aquele deduzido pela própria sociedade adquirida em uma incorporação às avessas.  

            No tocante à necessidade de laudo de avaliação, verifica-se que, muito embora sua necessidade não seja considerada condição sine qua non da dedutibilidade do ágio, praticamente a totalidade dos precedentes do CARF (em especial no que atine àqueles objeto de relato neste trabalho) fazem alusão ao laudo econômico como fundamento primordial na comprovação da coerência da qualificação do ágio com uma expectativa de rentabilidade futura do investimento adquirido.

            Sob esse prisma se, de um lado, o fato de inexistir laudo econômico no “Caso Ficap” contribuiu para a consideração da artificialidade do ágio, por outro lado, em recentíssimos casos como o Santander e o Gerdau a existência de laudo econômico elaborado por auditores independentes serviu ao propósito de inverter o ônus da prova em desfavor do Fisco[32], impondo a este o mister de desconstituir as bases econômicas que lastrearam a qualificação do ágio como decorrente de rentabilidade futura, não bastando a mera constatação de que os lucros não se verificaram, posteriormente[33].

            Em relação a este aspecto, aliás, não se pode olvidar a importância do entendimento destacado no “Caso Santander”, em especial, quanto à possibilidade de dedutibilidade integral do ágio pago, não havendo a necessidade de demonstração, no laudo de avaliação, da existência de outras espécies de ágio. Referido entendimento, por vias transversas, acabou por dirimir as dúvidas existentes quanto à necessidade de específico apontamento do impacto de determinados intangíveis (v.g. fundo de comércio) na aferição da rentabilidade futura, contribuindo para maior segurança jurídica aos contribuintes.

            No que atine à necessidade de fluxo econômico para pagamento do ágio a ser posteriormente amortizado, verifica-se que, muito embora tenha o CARF se posicionado pela possibilidade de contabilização do ágio pago em operações de subscrição de capital com a integralização de ações sem fluxo de dinheiro, disso não decorre a conclusão de que o referido órgão entende como desnecessário o efetivo pagamento do ágio (fluxo financeiro) na aquisição de participação societária.

            Isso porque, analisando-se as operações em que se entendeu pela possibilidade de amortização do ágio contabilizado a partir de operações de subscrição de capital, pode-se verificar um ponto em comum basilar, qual seja, a efetiva causalidade das operações, consistente na efetiva aquisição das participações societárias originárias. Analisa-se, assim, o filme das operações, em detrimento de sua foto, no momento da contabilização do ágio.

            Nesse sentido, cite-se o pioneiro “Caso Casa do Pão de Queijo”, em que a subscrição de novas ações em aumento de capital da controladora do grupo (anteriormente alienada a outro grupo econômico) foi efetivamente realizada, com o aumento da participação do grupo na investida[34] (CPQ do Brasil S.A.), com a posterior incorporação de sociedades.

            Entendimento similar sob o prisma jurídico, na medida em que fundado no filme ou causalidade jurídica das operações, apesar de distinto do ponto de vista fático, verificou-se no “Caso Santander”, no qual a subscrição de ações em holding brasileira foi feita pela controladora espanhola do Banco Santander mediante a conferência das ações anteriormente adquiridas junto ao BANESPA, operação na qual houve o pagamento do ágio pela sociedade brasileira na exata proporção em que anteriormente pago pela sociedade espanhola (chamada transferência de ágio).

            Em sentido contrário, no “Caso Ficap”, justamente por não haver o efetivo pagamento do ágio na operação inaugural, entendeu-se como ilegítima a dedutibilidade do referido custo, na medida em que, segundo se entendeu, referido valor seria artificial, não correspondendo a um custo efetivo. Assim, nesse julgado culminou-se por, ainda que por via indireta, eleger o “pagamento” como requisito para o aproveitamento de tal benefício fiscal, e não a aquisição de participação societária.

            No que tange à viabilidade do chamado ágio interno, ou oriundo de operações realizadas dentro de um mesmo grupo econômico (intragrupo), em que pese a impossibilidade de sua formação sob o prisma contábil[35], tal como desenvolvido nos casos Ficap e Center Automóveis, fato é que, juridicamente e sob o prisma tributário, doutrina[36] e CARF vêm admitindo a sua amortização fiscal, desde que os negócios jurídicos que tenham originado a sua criação sejam providos de causalidade jurídica[37].

            De fato, uma correta exegese dos julgados contrários ao contribuinte, nos quais restou afastada a possibilidade de aproveitamento do ágio interno, originário de operações intragrupo, permite concluir que tal aproveitamento restou afastado apenas nas hipóteses em que as operações foram artificiais, estruturadas para o único e exclusivo fim de produzir a criação de ágio, posteriormente dedutível para fins de IRPJ e CSSL. Inseridos neste rol, pois, estão os casos Carrefour, Ficap e Libra, e demais.

            Em outros julgados, em especial no “Caso Santander” e “Caso Cosern”, restou expressamente admitida a possibilidade de contabilização de ágio em operações dentro de um mesmo grupo, desde que o ágio transferido no bojo de tais operações tenha rentabilidade futura e seja originário de operações legítimas, providas de causalidade e originárias de operações em que tenha havido o seu efetivo pagamento. É dizer, entendeu-se que a análise do chamado filme das transações substituiria uma aferição fria da fotografia da operação, desde que os negócios jurídicos, como um todo analisados, tenham o que chamaram de “propósito negocial”.

            É preciso notar, sob este prisma do ágio interno que, recentemente, foi proferido o acórdão que julgou o “Caso Gerdau”, no qual há uma nítida mudança de postura quanto à aferição da legitimidade do ágio em operações única e exclusivamente realizadas no bojo do mesmo grupo econômico. Referido precedente promove relevante alteração nos paradigmas até então levados em consideração pelo CARF, de maneira que não há como, no momento, definir-se se poderia ser considerado como uma autêntica mudança de postura, ou um simples caso isolado. Serve, no entanto, hoje como um precedente favorável e específico sobre o tema do ágio interno ou intragrupo.

            No que tange à utilização de empresa veículo na estruturação de operações com o aproveitamento de ágio, verifica-se dos julgados[38] uma forte postura do CARF caracterizada, especialmente, no julgamento recente do “Caso Santander”, no sentido de que seria lícita, desde que a sua inserção nos negócios jurídicos não tenha resultado no aparecimento de ágio artificial. Por conseguinte, a transferência de ágio entre empresas na ocorrência de fusão, cisão e incorporação restou consagrada inicialmente na decisão no “Caso Casa do Pão de Queijo”, bem como em outro recente julgado[39].

            Por fim, no que toca ao chamado ágio de si mesmo, assim denominado o ágio oriundo de operação de incorporação às avessas, na qual a sociedade adquirida, cujas ações foram compradas com o pagamento de ágio, incorpora a sua controladora, passando a amortizar o ágio derivado de sua própria aquisição[40], verifica-se que, de uma forma geral, o CARF não vem se posicionando de uma forma refratária à sua legitimidade, mesmo porque, como se sabe, a própria legislação a autoriza[41].

            De fato, muito embora, em vários julgados, o CARF faça a expressa menção à impossibilidade de apropriação do ágio de si mesmo, referido órgão, neste ponto, não se refere à expressão consagrada pela doutrina, oriunda das incorporações às avessas (downstream mergers), mas, de outra sorte, às hipóteses em que se verifica a artificialidade do ágio, ou, de acordo com os termos utilizados pela jurisprudência do CARF, a ausência de “propósito negocial” da reestruturação[42].

            Por fim, muito embora o “Caso Gerdau”, recentemente julgado, seja emblemático no sentido de apontar para uma ausência de completa harmonização de julgados no âmbito do CARF[43], pode-se afirmar que a jurisprudência atual aponta para a análise de determinados fatores para a definição da possibilidade (ou não) de dedutibilidade fiscal do ágio, dentre os quais se destacam essencialmente os seguintes:

  • a existência de laudo econômico fundamentado, apontando a existência de expectativa de rentabilidade futura, ainda que esta não venha a se realizar;
  • a comprovação do contraprestação que lastreie a aquisição real e efetiva (efetivo pagamento), ocorrido na operação originária (nos casos analisados houve troca de controle) que gerou, economicamente, o ágio apropriado, ainda que posteriormente haja a reorganização interna (incluindo-se a hipótese de incorporação às avessas) para o seu aproveitamento com empresas veículos (ágio interno); bem como;
  • a demonstração cabal do “propósito negocial”, ou, como preferimos dizer, da causalidade jurídica[44] das operações objeto de análise, demonstrando ausência de artificialidade (fraude ou simulação).

V. Conclusões e Exame Crítico dos Precedentes do CARF Relativos à Dedutibilidade Fiscal do Ágio

            Em síntese, entendemos importante destacar a evolução da discussão, bem como a pertinência jurídica das discussões travadas no âmbito do CARF, no que atine à temática da dedutibilidade fiscal do ágio, criada nos anos 90, até os dias de hoje, cerca de quinze anos depois. Consoante ora verificado, a jurisprudência do CARF, principalmente nos últimos cinco anos, vem estabelecendo uma linha de raciocínio no sentido de combater o uso indiscriminado do ágio em operações sem causalidade jurídica, criando parâmetros para a análise de sua artificialidade.

            Em relação aos pontos analisados, entendemos ter andado bem a jurisprudência administrativa, no que atine à exigência de fundamentação econômica do ágio pago em laudo, especificamente elaborado idoneamente para este fim. Sob esse prisma, muito embora haja quem entenda ser desnecessária a produção de laudo econômico, acreditamos ser este indispensável, na medida em que a legislação fiscal apenas admite a amortização fiscal do ágio pago com fundamento em rentabilidade futura, conceito este necessariamente atrelado às projeções econômicas, em especial do fluxo de caixa futuro das empresas, ainda que, na prática, tal rentabilidade acabe por não ocorrer.

            A necessidade de laudo econômico, assim, estaria intrinsecamente relacionada com o requisito para a amortização do ágio, bem como com a própria necessidade de combate à criação de ativos (v.g. ágio) absolutamente artificiais, em detrimento do Erário. Acrescente-se a isso, outrossim, a própria segurança jurídica dos contribuintes, que passam a ter no laudo econômico a confiança e o respaldo para a dedutibilidade do ágio, impedindo eventuais arbitrariedades, por vezes ocasionada no processo de fiscalização pela Receita Federal do Brasil.

            Nesse ponto, destaque-se, também, a menção do CARF à necessidade de demonstração do fluxo econômico nas operações originárias, de maneira a evitar a fabricação artificial de ágio dedutível.

            Além disso, também destacamos o importante avanço da jurisprudência do CARF em relação à utilização de empresas veículos, muitas vezes necessárias à finalização das próprias negociações entre as partes. É louvável a posição do órgão judicante, assim, no sentido de admitir, ab initio, a viabilidade de utilização das chamadas empresas de prateleira, na medida em que fazem parte indissociável de diversas operações societárias de fusão, cisão e incorporação no Brasil.

            Em outras palavras, a praxe indica, como de fato entendeu o CARF, que a utilização de empresas veículos não constitui, de per se, fundamento para a desconsideração de operações, devendo-se analisar, de outra sorte, a própria causalidade jurídica das operações, bem como a existência de simulação no caso concreto.

            Nesse mesmo diapasão, também é de se destacar o entendimento do CARF no sentido de não vedar, a priori, o aproveitamento do chamado ágio interno, ou intragrupo, bem como do ágio de si mesmo (downstream merger).

            A este respeito, em que pese ao fato de se clamar pela inexistência de fundamento contábil para a amortização de ágio oriundo de relações entre partes relacionadas, no primeiro caso, aliado ao caráter preocupante da segunda hipótese (ágio de si mesmo), com base no preconizado pela doutrina já citada, fato é que não há qualquer fundamento jurídico para se negar a sua amortização nesses casos, desde que demonstrada a sua causalidade jurídica. Aliás, a amortização do ágio de si mesmo é expressamente prevista pelo 8º, b, da Lei n. 9.532/97.

            A nosso ver, ainda existem alguns aspectos, destacados nos precedentes do CARF analisados, que ainda podem ser aprimorados pela jurisprudência administrativa, sobretudo o tema do “ágio intragrupo/interno” e do “ágio de si mesmo”. Nesse esteio, muito embora esse órgão venha se manifestando no sentido de admitir o chamado ágio interno, em diversos julgados condicionou a sua dedutibilidade à realização da operação originária entre partes não relacionadas, da qual tenha surgido o ágio em seu aspecto econômico, resultando na própria troca de controle.

            Em primeiro lugar, há que se destacar que a causalidade jurídica das operações, ou o seu “propósito negocial”, fundamentos utilizados pelo CARF para a aferição dos casos concretos, ocorrem, por vezes, em hipóteses em que a transação seja feita entre partes relacionadas. Podemos citar, como exemplos, os casos de aumento de capital social com a emissão de novas ações com base em seu valor de mercado (art. 170, §1º, da Lei n. 6.404/76[45]), tal como determinado pela legislação societária para evitar a injusta diluição dos grupos de acionistas, e subscritas, v.g., pelo acionista controlador, ou nos casos de aquisição por acionistas de ações negociadas em bolsa.

            Nesses casos, em que pese à realização da transação originária entre partes relacionadas (controlador e controlada) não haveria que se falar em simulação ou ausência de causalidade jurídica, a priori. Nesse ponto, muito embora haja um importante precedente a respeito do tema (“Caso Casa do Pão de Queijo”), ainda não houve aprofundamento suficiente do CARF sobre o tema, o que indica a necessidade de se revisitar o tópico, de maneira a evitar a glosa de ágio juridicamente válido.

            Em segundo lugar, também descabida a menção, em diversos julgados, à necessidade de aquisição de controle. De fato, o nosso ordenamento jurídico determina o desdobramento do custo de aquisição não apenas nas hipóteses de controle (não necessariamente sua aquisição, como visto), mas, também, quando haja uma relação de coligação, verificada nos casos em que a investidora tenha influência significativa (Art. 243, da Lei nº 6.404/76) na investida. E isso por um motivo simples: o desdobramento do ágio inerente à aquisição da participação societária deverá ser feito sempre que as investidoras devam contabilizar o seu investimento com base no método de equivalência patrimonial, o que aponta, necessariamente, para o desdobramento também nos casos de aquisição de ações por acionistas minoritários com influência significativa.

            No que concerne a admissibilidade do “ágio de si mesmo”, resumimos nosso entendimento nas claras lições do conselheiro Marcos Takata, para quem:

“o fenômeno do ágio, conquanto gere efeito (eficácia) jurídico, é um fato econômico de eficácia jurídica, ao invés de um fato (lato sensu) jurídico (ou de simplesmente um efeito econômico e jurídico). Evidentemente esse fato econômico é, por sua vez, também efeito (é fato e também eficácia de outro fato) de um fato jurídico (lato sensu) e de outro fato econômico – aí mais negócio jurídico de relevância econômica do que fato econômico de relevância jurídica. Entretanto, exatamente por ser o ágio muito mais um fato econômico de eficácia jurídica, nem sempre o negocio jurídico irradia esse efeito (fato econômico). É quando se dá o ágio interno sem causa ou “artificial” (também chamado de ágio “de si mesmo”), em contraposição ao ágio interno com causa ou efetivo, conforme procuramos demonstrar. E é sob essa ótica “não parcelada” que apreciamos o ágio interno sob a esfera jurídico-tributária.”[46] (g.n.)

            À luz de todo o exposto, portanto, muito embora entendamos ainda haver espaços para evolução da jurisprudência do CARF quanto a determinados temas concernentes à amortização fiscal do ágio, acreditamos que as balizas desenvolvidas no âmbito do referido órgão judicante servem como importante norte para os contribuintes, colaborando, destarte, para alcançar a almejada segurança jurídica nas operações de reestruturação societária no direito pátrio, já havendo diretrizes suficientes atualmente.

Publicação original: Revista Dialética de Direito Tributário. , v.211, p.122 – 136, 2013.


[1] Doutorando em Direito Tributário Internacional pela Universiteit Leiden, Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, Master of Laws (LL.M.) in Taxation pela Georgetown University Law Center, Professor e Advogado em São Paulo.

[2] Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, Professor da Pós-graduação em Direito Tributário Empresarial da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap – São José dos Campos) e Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro.

[3] Art. 386 do Decreto n. 3.000/99 (“RIR/99”).

[4] Ressalte-se que a legislação fiscal (art. 20, caput, do Decreto-Lei nº 1.598/77) determina que os investimentos ajustados pelo Método de Equivalência Patrimonial (casos de investimentos em controladas e coligadas) deverão, sempre, ter o respectivo custo de aquisição desdobrado em duas subcontas, de modo a refletir: (i) o valor do investimento, calculado com base no patrimônio líquido da sociedade investida à época da aquisição, bem como (ii) o montante equivalente ao ágio ou deságio pago pelo investidor, referente, na forma do citado dispositivo, à diferença entre o custo efetivo de aquisição e o valor da participação no patrimônio líquido (vide SCHOUERI, Luís Eduardo. Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo: Dialética, 2012, p. 105).

[5] Antes da edição do referido dispositivo legal, a amortização fiscal do ágio se limitava à composição do custo de aquisição do investimento para o fim específico de apuração do ganho de capital (Art. 33, do Decreto-Lei nº 1.598/77) na alienação da participação, sendo, até então, questionável o seu aproveitamento em operações societárias de fusão, cisão e incorporação.

[6] A este respeito, vide: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 770.

[7] Note-se que, sob a ótica contábil, independentemente da realização de um dos eventos societários mencionados, a sociedade investidora deverá promover a amortização contábil desse ágio, nos exatos termos do art. 14 da Instrução CVM 247/96.

[8] Leis nº 11.638/08 e 11.941/09.

[9] CPC nº 04 e nº 15.

[10] Como se sabe, vige no ordenamento jurídico pátrio, como cláusula pétrea, a inafastabilidade de controle de lesão ou ameaça de lesão a direito pelo Poder Judiciário, consoante se infere do art. 5º, XXXV, da CF: “Art. 5º (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (…).”

[11] “(…) os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança podem ser considerados elementos constitutivos de qualquer Estado de Direito” (CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Segurança Jurídica em Face da Alteração de Posicionamento dos Tribunais Superiores: Limites da Previsibilidade em Matéria Tributária, in Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 91. São Paulo: RT, 2010, p. 206.

[12] Note-se que não constitui pretensão deste artigo esgotar todos os julgados do CARF a respeito do tema, apenas buscar extrair uma linha de entendimento na apreciação dos precedentes. A título ilustrativo, mencionamos, aqui, outros recentes julgados de grande relevância envolvendo o tema da amortização fiscal do ágio, a saber: a) “Caso Tele Norte Leste” (Acórdão nº 1301-000.711); b) “Caso Vivo” (Acórdão n. 1101-00.35); “Caso Ale Combustiveis” (Acórdão n. 1201­00.54); d) “Caso Coinbra Frutesp” (Acórdão n. 101-96.12); e) “Caso DASA” (1402-00.342); f) “Caso Celpe” (Acórdão n. 1201-00.689);f) “Caso Camil” (Acórdão n. 1201-00.659), dentre outros.

[13] É preciso notar, inicialmente, que o chamado ágio de si mesmo, tal como conceituado por Marco Aurélio Greco em sua célebre obra a respeito do planejamento tributário, é absolutamente distinto daquele mencionado pelo CARF (ágio artificial), se relacionando, de outra sorte, com as hipóteses de downstream merger, nas quais há a incorporação da sociedade investidora pela investida, com a consequente dedução fiscal do ágio gerado pela sua própria rentabilidade futura (GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 359). No âmbito do CARF, ao contrário, o termo ágio de si mesmo adquire nova conotação, referindo-se às operações em que o ágio, economicamente inexistente, é gerado com finalidade meramente fiscal, isto é, de forma artificial.

[14] Art. 44, § 1º, da Lei nº 9.430/96 combinado com Art. 71 da Lei nº 4.502/64, apesar do último artigo utilizar “sonegação” e não “simulação” para a qualificadora da pena em dobro.

[15] DÓRIA, Antônio Sampaio Roberto. Elisão e evasão fiscal. 2ª ed. São Paulo: Bushatsky, 1997, pp. 62-63.

[16] Para um estudo mais aprofundado deste julgado vide: SANTOS, Celso Araújo. “Caso Carrefour: Utilização de Ágio na Aquisição de Participações Societárias”. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, pp. 315-326.

[17] De acordo com relator: “a empresa Rivierepar foi criada para servir ao propósito de transferir o ágio e a reserva de ágio para a RDC”. Da descrição dos fatos e elementos de prova constantes dos autos bem se percebe a ausência de qualquer propósito negocial ou societário na incorporação realizada, restando caracterizada a utilização da incorporada como mera “empresa veículo” para transferência do ágio para a incorporadora, apenas com o fim almejado de redução do ganho tributável resultante da venda dos estabelecimentos ao Carrefour” (pág. 12 do acórdão).

[18] Para um exame mais detido deste julgado, vide FERNANDES, Pedro Wehrs do Vale. “Caso Casa do Pão de Queijo: Amortização de Ágio Pago na Aquisição de Ações”. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, pp. 293-314.

[19]Com efeito, tenho para mim que a subscrição é sim uma forma de ‘aquisição’ de participação societária. A aquisição pode se dar em função de uma negociação primária, a subscrição, em que a subscritora se torna a primeira proprietária da ação, ou secundária, em que a propriedade é transmitida de um para outro acionista. A legislação que autoriza a amortização não distingue o tratamento a ser dado a uma ou outra situação” (pag. 38 do acórdão).

[20] “O legislador não estabeleceu ordem de seqüência dos atos que de incorporação, fusão ou cisão, não cabendo ao interprete vedar aquilo que a não proibiu” (…) Assim, se uma terceira pessoa incorpora a investidora que tenha absorvido patrimônio de sua investida, adquirido com ágio, poderá amortizar o ágio e deverá amortizar o deságio” (pág. 34 do acórdão).

[21] Destaca-se, nesse sentido, a seguinte passagem do voto da relatora Sandra Maria Faroni: “A sucessão dos atos, a proximidade temporal entre eles e a extinção da empresa por incorporação revelam que nunca houve a intenção real de constituir uma empresa (a ZBT, constituída em junho de 1998 e extinta em agosto de 1998) para efetivamente operar segundo seu objetivo social, mas sim de criar uma sociedade efêmera, de passagem, que possibilitasse um registro de ágio a ser amortizado por empresa do grupo” (pág. 17 do acórdão).

[22] “Verificando a situação fática da recorrente antes e depois da incorporação, verificamos que continua submetida ao mesmo controle acionário, tendo apenas feito uma reavaliação com base em rentabilidade futura dela mesmo e, se aceita a operação, usufruindo de um beneficio fiscal previsto apenas quando se, efetivamente, houvesse pagamento de ágio em operação de aquisição ou equivalente” (pág. 18 do acórdão).

[23] A ementa do acórdão é clara: “a geração de ágio de forma interna, ou seja, dentro do mesmo grupo econômico, sem a alteração do controle das sociedades envolvidas, sem qualquer desembolso e com a utilização de empresa inativa ou de curta duração (sociedade veículo) constitui prova da artificialidade do ágio e torna inválida sua amortização”.

[24] Pág. 11 do acórdão.

[25] Conforme entendimento veiculado em Memo da área técnica da Comissão de Valores Mobiliários no Processo Administrativo CVM nº RJ 2010/16665, tendo como recorrente a Mahle Metal Leve S.A.

[26] Para uma análise mais detida do caso, vide: MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. “Caso Santander: amortização fiscal do ágio com fundamento em rentabilidade futura pago por adquirente residente no exterior e sua internalização por transferência para empresa do mesmo grupo”, in Revista Direito Tributário Atual, vol. 27. São Paulo: Dialética: IBDT, 2012, pp. 232-268.

[27]Destaca-se, dentre os itens da conclusao, as seguintes passagens: “- que o procedimento adotado pelo Santander Hispano, qual seja, pagar o ágio original na aquisição do Banespa e ato contínuo, transferir este ágio para a Santander Holding, que a seguir foi incorporada pelo próprio Banespa, com vistas a valer-se do benefício fiscal, tem amparo nos art. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, normas instituídas justamente para estas situações de desestatização (…) – que a Fiscalização pretendeu negar o direito de amortização ao Santander Hispano, mas este efetivamente nada amortizou, sendo que em verdade, a empresa Espanhola se valeu de um procedimento que não tem vedação legal para criar uma holding no Brasil, e transferir a ela por meio da conferência das ações, o ágio pago na aquisição do Banespa;” (pág. 87 do acórdão).

[28] Pág. 13, 14 e 15 do acórdão.

[29] Pág. 66 do acórdão.

[30] Conforme consta na ementa do referido acórdão.

[31] Sobre o tema da ausência de motivação extrafiscal nos planejamentos tributários no vide nosso entendimento previamente manifestado em: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. “Análise da aplicação da teoria do substance over form aos planejamentos tributários no Brasil”. In Revista de Direito Tributário da APET n. 22, Sao Paulo, MP Editora: 2009, p. 35-56.

[32] Mencionem-se, também, dois julgados que não foram relatados aqui com maior minúcia, conhecidos como “Caso Coinbra Frutesp” (2007) e “Caso DASA” (2010), nos quais a importância de um laudo econômico também acabou por ser destacada (Vide Acórdãos n. 101-96.12 e n. 1402-00.342, respectivamente). Mais recentemente, o “Caso Camil” (2011) também ratificou essa importância, sob argumento de ausência de comprovação de despesa necessária na operação (Acórdão nº 140100.584).

[33] Em relação a este aspecto, vale citar o “Caso DASA”, não examinado em sua totalidade neste artigo, mas importante para se perquirir acerca da (des)necessidade de ocorrência dos lucros estimados o momento da aquisição. (Acórdão 1402-00.342 de 2010).

[34] Passou-se, como se viu, de 55% para 59% do capital, aproximadamente.

[35] COSTA JR. Jorge Vieira da; MARTINS, Eliseu. “Operações de combinação de negócios: a incorporação reversa com ágio gerado internamente (1ª parte)”. Boletim IOB – Temática contábil e balanços nº 27, ano XXXVIII, julho de 2004.

[36] Nesse sentido, sendo certo que, como afirma Ricardo Mariz de Oliveira, há inúmeras situações “em que se justifica ágio dentro de um grupo de empresas”, o que deve ser aferido pela fiscalização, em casos de ágio gerado intragrupo, é a causalidade das operações que geraram o nascimento do ágio, bem como a lisura do laudo de avaliação que embase o respectivo fundamento econômico. (OLIVEIRA, Ricardo Mariz. “Questões atuais sobre o ágio – ágio interno – rentabilidade futura e intangível – dedutibilidade das amortizações – as inter-relações entre a Contabilidade e o Direito”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.). Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011, p. 232)

[37] No mesmo sentido também entende SCHOEURI: “(…) a ocorrência de ágio em operações que envolvam empresas pertencentes ao mesmo grupo não é, em si, causa de se afastar o seu tratamento tributário. O ágio interno não é indício de simulação. Esta deve ser comprovada à luz do caso concreto, e somente em tais casos a reorganização pode ser desconsiderada.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. op.cit., p. 118-119).

[38] Há outros julgados nos quais o referido posicionamento também foi destacado, valendo a menção, neste ponto, a um precedente não mencionado neste, conhecido como “Caso Tele Norte Leste” (Acórdão nº 1301-000.711 de 2011).

[39] “Caso Vivo” (Acórdão nº 1101-00.354 de 2010).

[40] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 359.

[41] O mecanismo de apropriação do ágio, na hipótese de incorporação reversa ou às avessas (down stream merger) é expressamente assegurada pela legislação tributária no art. 8º, b, da Lei n. 9.532/97, não havendo, assim, qualquer ilegalidade a priori na referida operação.

[42] Esse entendimento do propósito negocial como requisito para a legitimidade das incorporações reversas já fora, inclusive, julgado em diversos casos envolvendo o aproveitamento de prejuízos fiscais de Imposto de IRPJ e de base negativa da CSSL[42], dos quais se extraem os seguintes indícios de simulação: se a incorporadora (i) adota a mesma denominação da incorporada; (ii) adota a mesma atividade da incorporada; (iii) funciona na mesma localidade e com os mesmos empregados da incorporada; (iv) incorporadora possui os mesmos diretores, gerentes e administradores da incorporada; (v) incorporada transfere suas mercadorias e seu estoque para a sede da incorporada; (vi) existência de mútuos em aberto entre incorporadora e incorporada, com juros abaixo do mercado ou sem quaisquer juros; dentre outros fatores. A respeito, vide: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. “Caso Grendene: Limites à Realocação da Renda entre Empresas do Grupo e Reflexões sobre Provas de Dolo, Fraude e Simulação no Planejamento Tributário Atual”. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, pp. 59-60.

[43] Note-se, a respeito, que a decisão aqui referida não é definitiva, razão pela qual poderá haver uma alteração no panorama por ocasião de nova aferição pela Câmara Superior de Recursos Fiscais.

[44] A causa jurídica é “a razão econômico-jurídica do negócio”, isto é, “a finalidade a que se destina o negócio jurídico objetivamente considerado” (VANONI, Ezio. Natureza e interpretação das leis tributárias. Tradução de Rubens Gomes de Souza da versão italiana: Natura ed interpretazione delle leggi tributarie. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1932, p. 128).

[45] Para que não haja a diluição injustificada da participação societária com a consequente mitigação do direito dos acionistas às reservas e ao próprio acréscimo de valor da participação societária, o Art. 170, § 1º da Lei das S.A. estabelece três parâmetros cumulativos para a precificação das novas ações emitidas: (i) o valor do patrimônio líquido da companhia, caso em que não haveria ágio sob o prisma fiscal[45], (ii) as perspectivas de rentabilidade da empresa, bem como (iii) a cotação das ações no mercado.

[46] TAKATA, Marcos. “Ágio Interno sem Causa ou “Artificial” e Ágio Interno com Causa ou Real – Distinções Necessárias”. In Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 3º vol. MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). São Paulo: Dialética, 2012, p. 214.

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