Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro[1]
Leonardo Freitas de Moraes e Castro[2]
1. Análise dos fatos e das operações objetos de autuação
O presente artigo tem por escopo analisar o Acórdão nº 140200.802, proferido pela 4ª Câmara (2ª Turma Ordinária) da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), que, em sessão ocorrida no mês de outubro de 2011, houve por bem entender inválida a glosa, realizada pela autoridade fiscal, do ágio deduzido da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social Sobre o Lucro (“CSSL”) do Banco do Estado de São Paulo S/A (“BANESPA S/A”)[3], nos anos-calendários de 2002 a 2004, em valor próximo a R$ 4 bilhões de reais (“Caso Santander”)[4].
A situação fática do caso é caracterizada por um conjunto de operações societárias sucessivas, que merecem ser descritas cuidadosamente, de acordo com a data em que ocorreram. Nesse sentido, o background do Caso Santander envolve a concorrência para o leilão público envolvendo a compra do BANESPA, no bojo do processo de privatizações ocorrido no país. Neste tocante, o edital do Programa Nacional de Desestatização do BACEN nº 03/2000, aplicável ao caso, foi publicado em 04/10/2000, sendo a data da ocorrência do leilão público marcada para 20/11/2000.
A primeira operação relevante ao caso sob análise ocorreu em 25/10/2000, três semanas após a publicação do mencionado edital, e caracterizou-se pela constituição da sociedade “Santander Holding Ltda.” (SANTANDER HOLDING), cujo capital era de R$1.000,00, divido em 1000 quotas, sendo detida pelos seguintes quotistas: (i) Banco Santander Brasil S.A. (SANTANDER BRASIL S.A.), com 999 quotas, e (ii) Aurélio Velo Vallejo, cidadão espanhol, com 1 quota. O objeto social da SANTANDER HOLDING consistia na “participação e administração de bens próprios ou de terceiros, participação em outras sociedades, qualquer que fosse o respectivo objeto social, na qualidade de sócia minoritária ou controladora”.
Menos de um mês após a constituição da SANTANDER HOLDING, precisamente em 20/11/2000 (data prevista para o leilão público do BANESPA), a sociedade “Banco Santander Central Hispano S.A.” (SANTANDER HISPANO), instituição financeira constituída de acordo com as leis da Espanha, com sede na cidade de Santander/ESP, arrematou, em leilão, as ações do BANESPA, pelo valor de R$7.050.000.000,00. Uma semana após a arrematação, em 27/11/2000, ocorreu a liquidação financeira da operação.
Em 06/04/2001, a SANTANDER HISPANO concluiu a aquisição de quase a totalidade das ações do BANESPA, por meio de Oferta Pública de Ações – OPA – (anunciada em 28/12/2000), chegando à participação societária de 97,2% do capital social, a um custo de aquisição de R$ 9,57 bilhões.
Em 29/05/2001, a SANTANDER HOLDING efetuou a Primeira Alteração de seu Contrato Social, por meio da qual aumentou o seu capital social de R$1.000,00 para R$9.574.901.000,00, mediante a criação de 9.574.900.000 novas quotas, todas subscritas e integralizadas pelo novo quotista naquele ato admitido, SANTANDER HISPANO, mediante a conferência à SANTANDER HOLDING de ações representativas do capital social do BANESPA, cujo valor atribuído foi de R$9.574.900.000,00, equivalente ao montante investido pelo subscritor na aquisição das ações de emissão do BANESPA então contribuídas. Cumpre salientar, a este respeito, que o valor atribuído às ações de emissão do BANESPA foi, neste ato, fundamentado em laudo de avaliação elaborado pela empresa independente (KPMG CORPORATE FINANCE). Vale ressaltar, outrossim, que nesse mesmo dia, o quotista Aurélio Vello Valejo transferiu sua única quota da SANTANDER HOLDING para o SANTANDER BRASIL S.A, pelo valor de R$1,00, retirando-se, assim, da sociedade.
Em decorrência das citadas operações, a SANTANDER HOLDING, por força da legislação, desdobrou o custo de aquisição das ações do BANESPA nas parcelas correspondentes (i) ao ágio, no valor de R$ 7.462.067.630,07; e (ii) ao patrimônio líquido da investida, no montante de R$ 2.173.519.280,48.
No dia seguinte, isto é, em 30/05/2011, ocorreu a Segunda Alteração do Contrato Social da SANTANDER HOLDING, por meio da qual a SANTANDER HISPANO transferiu as quotas de sua titularidade, representadas pelas ações do BANESPA integralizadas na SANTANDER HOLDING, para a sociedade “Meridional Holding Ltda.” (MERIDIONAL HOLDING), no valor de R$9.574.900.000,00.
Após o decurso de quase um mês, mais especificamente em 29/06/2011, o “Banco Santander S.A.” (SANTANDER S.A.) incorporou a MERIDIONAL HOLDING, assumindo seus direitos e obrigações, o que incluía as quotas da SANTANDER HOLDING (no valor de R$9.574.900.000,00).
Ato contínuo, por meio da Terceira Alteração do Contrato Social da SANTANDER HOLDING, o SANTANDER BRASIL S.A. transferiu as 1.000 quotas que ele possuía ao SANTANDER S.A. que, a partir de então, passou a ser detentor da totalidade das quotas da SANTANDER HOLDING (isto é, passou a deter as 9.574.900.000,00 quotas em virtude da incorporação da MERIDIONAL HOLDING, e também passou a deter as 1.000 quotas em razão da transferência feita em seu favor pelo SANTANDER BRASIL S.A., totalizando as 9.574.901.000,00 quotas da SANTANDER HOLDING).
Finalmente, em 12/07/2001, o BANESPA incorporou sua controladora, a SANTANDER HOLDING, iniciando a amortização do ágio, que ocorreu por meio da dedução dos seguintes valores: (i) R$1.492.413.525,96, no ano-calendário de 2002; (ii) R$895.942.350,64, no ano-calendário de 2003; e (iii) R$1.426.929.732,13, no ano-calendário de 2004.
O resumo da operação, excluindo-se algumas etapas intermediárias, pode ser assim ilustrado:
2. Fundamentos de autuação utilizados pelas Autoridades Fiscais
No tocante às razões de autuação na hipótese, inicialmente, deve-se atentar para o detalhe de que as autoridades fiscais não questionaram a existência do ágio pago pelo SANTANDER HISPANO pelas ações do BANESPA em si, tampouco a possibilidade de amortização do ágio em geral. Na realidade, a Receita Federal do Brasil utilizou, essencialmente, dois fundamentos para a autuação fiscal: (i) a indevida composição do valor do ágio amortizado para fins fiscais; e (ii) a ausência de cumprimento integral dos requisitos legais para este fim.
Com relação ao primeiro fundamento, a base argumentativa do Fisco Federal foi a de que a dedutibilidade dos encargos de amortização de ágio para fins de apuração do lucro real e base de cálculo da CSSL se limita à mais-valia paga que esteja exclusivamente assentado em expectativas de rentabilidade futura. Na visão fazendária, não era concebível que o ágio pago pelo SANTANDER HISPANO tivesse como fundamento as expectativas de rentabilidade futura, uma vez que isso, necessariamente, implicaria em desconsiderar os valores decorrentes do fundo de comércio do BANESPA (advindos da aquisição por meio de leilão público), que seria composto (i) pela carteira de clientes do BANESPA, (ii) pela capilaridade do banco no Estado de São Paulo (market share), (iii) pelo nome e (iv) pela marca da instituição financeira.
No que se refere ao segundo fundamento, o Fisco sustentou que o BANESPA não preencheu as condições impostas pelo legislador para deduzir os encargos de amortização do ágio em comento, para efeito de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSSL, conforme o disposto nos artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, e no art.20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, reproduzidos nos artigos 385 e 386, do RIR/99.
Visando a sustentar o lançamento de ofício dos créditos tributários do IRPJ e da CSSL, embasado em dedução ilícita dos encargos de amortização do ágio, as autoridades fiscais alegaram, em suma, que:
(i) a SANTANDER HOLDING foi constituída apenas como empresa veículo para carrear o ágio gerado em sociedade estrangeira para o Brasil, de forma que fosse posteriormente utilizado para redução do lucro apurado na própria empresa em que o mesmo ágio foi gerado, qual seja, o BANESPA;
(ii) o SANTANDER HISPANO pagou pelas ações do BANESPA um montante de R$7.050.000.000,00 quando da capitalização da SANTANDER HOLDING. Contudo, o capital representante das ações passou a R$9.574.900.000,00, conforme laudo de avaliação, ampliando o ágio para R$7.462.067.630,07, sem que houvesse contrapartida com fundamento econômico para tanto;
(iii) a natureza do ágio alegada no laudo de avaliação é de rentabilidade de exercícios futuros, ignorando a parcela derivada do fundo de comércio do BANESPA, pois a parcela do ágio neste fundada não geraria amortizações dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL; e
(iv) os fatos descritos evidenciariam a simulação de uma operação envolvendo cinco empresas sediadas no Brasil e uma no exterior, com a finalidade de iludir o Fisco, cujo único resultado foi a redução ilícita no lucro do BANESPA, sendo incabível a internalização do ágio pago, porque ele permaneceu indiretamente sob o controle da sociedade espanhola.
3. Argumentos do contribuinte
Discordando da decisão proferida pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento, o contribuinte apresentou recurso voluntário. Passaremos a descrever, de forma resumida, os principais argumentos utilizados na referida defesa.
Nessa esteira, em que pese à profundidade e ao notório interesse na discussão de outros temas atinentes à demanda, em especial no que toca à aferição (i)da ocorrência de decadência, (ii)da preclusão do direito do fisco de questionar o fundamento econômico do ágio pago, bem como (iii) da possibilidade de qualificação da multa, não constitui escopo deste trabalho analisar os referidos temas. Em razão do provimento obtido pelo contribuinte no tocante ao mérito, tornando prejudicadas as demais alegações, optamos por limitar a presente análise aos aspectos inerentes à dedutibilidade do ágio decorrente das operações que acabaram por culminar na incorporação da SANTANDER HOLDING pelo BANESPA.
Assim, no tocante ao mérito, o contribuinte aduziu que a operação de aquisição do BANESPA fez parte de um plano para expansão das atividades do Grupo Santander no Brasil, visando à integração das atividades bancárias para obtenção de sinergia[5] no grupo, bem como de uma estratégia para o grupo vir a se tornar líder no setor bancário brasileiro. Desta feita, não haveria margem para se falar em ausência de propósito negocial para a operação, que seria uma presunção não comprovada pela Fiscalização.
Com o escopo de demonstrar a legitimidade da aquisição do investimento com ágio pela SANTANDER HOLDING e posterior aproveitamento fiscal pelo BANESPA, o contribuinte apontou a segregação das operações em dois fatos jurídicos distintos, que, por sua vez, geraram duas conseqüências jurídicas distintas, resumidas abaixo:
PESSOA JURÍDICA ENVOLVIDA | FATO JURÍDICO | CONSEQÜÊNCIA |
SANTANDER HISPANO | Aquisição, pelo SANTANDER HISPANO,de 97,02% das ações do BANESPA mediante pagamento de R$ 9,57 bilhões (custo de aquisição – valor pago no leilão e na OPA) | Troca de ativos: SANTANDER HISPANO deixou de possuir em seu ativo as ações do BANESPA (pelo custo de aquisição de R$ 9,57 bilhões) e passou a possuir em seu ativo um investimento em outra sociedade controlada (SANTANDER HOLDING) no mesmo valor de R$ 9,57 bilhões |
SANTANDER HOLDING | Aquisição, pela SANTANDER HOLDING,de 97,02% das ações do BANESPA por meio da integralização de capital realizada pelo SANTANDER HISPANO, no valor de R$ 9,57 bilhões (transferência pelo custo de aquisição na conferência de ações) | SANTANDER HOLDING teve um aumento no seu ativo no valor de R$ 9,57 bilhões correspondente ao investimento no Banespa, como contrapartida do aumento de capital integralizado pelo SANTANDER HISPANO |
Em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos e nos termos do art. 20 do DL nº 1.598/77 e da Instrução CVM nº 247/96, a SANTANDER HOLDING desdobrou o valor total do custo de aquisição das ações do Banespa(R$ 9,57 bilhões) em valor do investimento pela equivalência patrimonial (R$ 2,11 bilhões) e ágio (R$ 7,46 bilhões).
Em seu recurso voluntário, o contribuinte apontou para a licitude da aquisição de participação societária com ágio conferida em integralização de ações, deixando claro o seu entendimento de que não haveria nenhum óbice na legislação para que o bem conferido em integralização de capital fosse avaliado a valor de mercado, desde que amparado por laudo de avaliação (o que existiu no caso). Esse entendimento se contrapôs àquele exposto pela DRJ de que as ações deveriam ter sido conferidas pelo valor de patrimônio líquido (suposto valor real).
Ao abordar o tratamento tributário do ágio, i.e., dedução fiscal da amortização, o contribuinte explicita o contexto histórico e teleológico da norma, notadamente de incentivar a prática de fusões e aquisições, sobretudo em se tratando de empresas estatais em processos de privatização – como ocorreu no caso. Isto porque o aproveitamento do ágio induziria a uma oferta maior do preço que seria pago ao Estado, fomentando, portanto, as privatizações.
Especificamente sobre a questão atinente à rentabilidade futura como fundamento econômico do ágio, elucidou-se que este estava devidamente comprovado por meio de laudo de avaliação de empresa especializada, fato este sequer questionado pelas autoridades fiscais. A recorrente apontou, também, que não foi feita qualquer prova, pela fiscalização de que o ágio integralizado pelo SANTANDER HISPANO englobaria algum valor correspondente ao fundo de comércio adquirido do BANESPA, tampouco qual seria a parcela desse montante que comporia o total do custo de aquisição das ações pela SANTANDER HOLDING. Por fim, o fundamento econômico para o pagamento de ágio em uma aquisição de bens é critério de decisão único e exclusivo do adquirente, sendo de livre iniciativa das partes na motivação para determinação do preço do ativo.
De grande relevância, igualmente, a necessidade de utilização da estrutura proposta como estratégia para participação no leilão, fundamentada na necessidade de sigilo do lance como fator determinante para a aquisição do BANESPA. Nesse sentido, o contribuinte defendeu que, caso o SANTANDER HISPANO optasse por capitalizar uma subsidiária no Brasil, previamente à participação no leilão, acabaria deflagrando aos demais participantes qual seria o preço que pretendia pagar, impedindo o sigilo da oferta. Isso faria com que os bancos nacionais aumentassem suas ofertas, de forma a inviabilizar o ingresso do Grupo Santander como um expressivo concorrente no mercado nacional.
Ademais, a imprescindibilidade do uso da SANTANDER HOLDING nas operações societárias descritas seria justificável em razão de regramento específico de aumento de capital para as instituições financeiras, previsto no art. 28 da Lei nº 4.595/64. Este dispositivo legal estabelece que o aumento de capital, em uma instituição financeira, somente pode ser realizado (i) em moeda corrente; (ii) incorporação de reservas; ou (iii) reavaliação das parcelas dos bens do ativo imobilizado. A Circular BACEN n° 2.750/97, em seu art. 2º, prevê que este aumento só pode ser feito por moeda corrente (recursos de acionistas ou quotistas), ou por reservas de capital ou lucros, entendimento ratificado no Plano de Contas COSIF, item 2. Por isso, alega não existir possibilidade legal de se aumentar o capital social de uma instituição financeira por meio da integralização de participação societária, motivo que justificaria a necessidade de constituição da SANTANDER HOLDING (entidade não financeira) para receber as ações adquiridas do BANESPA, em integralização de capital. Essa seria a explicação e o propósito negocial da SANTANDER HOLDING[6].
Ao abordar o tema do propósito negocial, ao seu turno, foi exposto que o motivo da operação foi a aquisição do BANESPA em processo de privatização, com a conseqüente amortização fiscal do ágio gerado nessa aquisição, nos termos da lei, somado à obtenção de sinergiasentre Grupo Santander no Brasil. Já a finalidade da operação seria a aquisição de uma instituição financeira de grande porte e aumento da participação no mercado brasileiro.
Finalmente, aponta para a existência de coerência da situação com o planejamento estratégico do empreendimento econômico, em razão de o Grupo Santander ter o objetivo de se tornar o maior banco privado em atividade no território brasileiro. O contribuinte ainda faz questão de afirmar, veementemente, que a situação em questão é completamente distinta dos outros casos já julgados pelo Conselho de Contribuintes, especialmente das operações conhecidas como “casa-e-separa”[7] e “operação-ágio”[8], em razão de não haver o intuito de se evitar ou reduzir o ganho de capital na venda do BANESPA, na medida em que o ganho foi atribuível à União .
4. Entendimento manifestado pelo CARF
À luz dos argumentos expostos, a col. Quarta Câmara (Segunda Turma Ordinária) da Primeira Seção do CARF entendeu o seguinte: (i) insubsistente a preliminar de preclusão, reconhecimento a decadência apenas em relação ao ano-calendário de 2002, após a desqualificação da multa de ofício; (ii) no mérito, por unanimidade, por dar provimento ao recurso voluntário do contribuinte, reestabelecendo a dedutibilidade da amortização do ágio efetivamente pago na aquisição do Banespa pelo Santander. Assim, restaram canceladas as exigências de IRPJ e CSSL, objeto do auto de infração.
Nesse esteio, o relator do caso em questão, conselheiro Antônio José Praga de Souza, votou no sentido de (i) rejeitar a preliminar de preclusão em 2008 da utilização de fatos contábeis e fiscais do ano-calendário de 2001; (ii) afastar a aplicação de multa de ofício qualificada (de 150%), reduzindo-a para 75%, acolher a preliminar de decadência dos tributos exclusivamente com relação ao ano-calendário de 2002; e (iii) no mérito, dar provimento ao recurso para cancelar a exigência fiscal.
A ementa, no mérito, restou assim redigida:
(…) AMORTIZAÇÃO DO ÁGIO EFETIVAMENTE PAGO NA AQUISIÇÃO SOCIETÁRIA. PREMISSAS. As premissas básicas para amortização de ágio, com fulcro nos art. 7o., inciso III, e 8o. da Lei 9.532 de 1997, são: i) o efetivo pagamento do custo total de aquisição, inclusive o ágio; ii) a realização das operações originais entre partes não ligadas; iii) seja demonstrada a lisura na avaliação da empresa adquirida, bem como a expectativa de rentabilidade futura. Nesse contexto não há espaço para a dedutibilidade do chamado “ágio de si mesmo”, cuja amortização é vedada para fins fiscais, sendo que no caso em questão essa prática não ocorreu.
INCORPORAÇÃO DE SOCIEDADE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO ARTIGOS 7º E 8º DA LEI Nº 9.532/97. PLANEJAMENTO FISCAL INOPONÍVEL AO FISCO INOCORRÊNCIA.
No contexto do programa de privatização das empresas de telecomunicações, regrado pelas Leis 9.472/97 e 9.494/97, e pelo Decreto nº 2.546/97, a efetivação da reorganização de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, mediante a utilização de empresa veículo, desde que dessa utilização não tenha resultado aparecimento de novo ágio, não resulta economia de tributos diferente da que seria obtida sem a utilização da empresa veículo e, por conseguinte, não pode ser qualificada de planejamento fiscal inoponível ao fisco.[9]
5. Nossos Comentários ao “Caso Santander”
Feitas as observações precedentes, cumpre analisar, especificamente, as operações societárias que conduziram à internalização, no País, do ágio pago quando da aquisição do controle do BANESPA pelo SANTANDER HISPANO, sociedade sediada na Espanha, bem como posterior amortização fiscal no momento da incorporação às avessas da SANTANDER HOLDING S/A pelo BANESPA S/A.
5.1. Notas preliminares acerca do tratamento contábil e tributário do ágio pago na aquisição de investimentos. Regramento antes e depois da Lei nº 9.532/97
Preliminarmente, de maneira a se compreender, em sua totalidade, os fundamentos para a amortização do valor do ágio (i.e., a diferença positiva entre o valor pago por uma participação societária e o seu valor patrimonial correspondente[10]) e, bem assim, a forma de sua contabilização no patrimônio das sociedades investidoras, é preciso entender a forma de avaliação de investimentos pelo chamado Método de Equivalência Patrimonial, ou simplesmente “MEP”. Instituído pela Lei nº 6.404/76, mais especificamente em seu art. 248, o Método de Equivalência Patrimonial[11] consiste na avaliação de investimentos considerados relevantes[12] pelo valor correspondente à proporção da participação societária existente no patrimônio líquido da sociedade investida. Na terminologia adotada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “equivalência patrimonial corresponde ao valor do investimento determinado mediante a aplicação da percentagem e participação no capital social sobre o patrimônio líquido de cada coligada, sua equiparada ou controlada”[13]. Trata-se, como bem aponta BIANCO, de “verdadeiro espelho da situação econômica da empresa investida”[14], permitindo o reconhecimento de lucros ou prejuízos desta última no resultado da investidora, impactando, destarte, o seu lucro líquido[15].
Em que pese aos efeitos societários do registro da participação societária pelo MEP no tocante ao lucro líquido das sociedades investidoras[16], fato é que a legislação tributária determina, ressalvadas determinadas hipóteses previstas em lei[17], a neutralidade dos ajustes determinados para fins fiscais (art. 23, do Decreto-Lei n.º 1.598/77), mais especificamente no que concerne ao IRPJ e à CSSL, na medida em que, sendo meras expectativas de direito, como lembra MARIZ DE OLIVEIRA, não se amoldam ao conceito de renda, tal como preconizado pelo art. 43, do CTN[18].
Em virtude da adoção do método de equivalência patrimonial, determina a legislação fiscal (art. 20, caput, do Decreto-Lei nº 1.598/77) que os investimentos ajustados pelo referido regime deverão ter o respectivo custo de aquisição desdobrado em duas subcontas, de modo a refletir (i) o valor do investimento, calculado com base no patrimônio líquido da sociedade investida à época da aquisição, bem como (ii) o montante equivalente ao ágio ou deságio pago pelo investidor, referente, na forma do citado dispositivo, à diferença entre o custo efetivo de aquisição e o valor da participação no patrimônio líquido.
Sob o prisma contábil, primeiramente, e nada obstante as alterações promovidas na legislação societária, em especial, pela Lei nº 11.638/08, e contempladas em pronunciamentos técnicos (CPC-04 e CPC-15), analisados posteriormente neste trabalho, a amortização contábil do ágio depende de seu fundamento econômico específico.
Em relação a este aspecto, o art. 14 da Instrução CVM n. 247/96, já anteriormente aos fatos analisados neste trabalho, admitia dois grupos distintos de fundamentação econômica, a saber, (i) a diferença entre o valor de mercado e contábil dos ativos, isoladamente considerados, da sociedade cuja participação se adquire, bem como (ii) a diferença decorrente da perspectiva de resultados futuros, inclusive em decorrência da existência de outorgas públicas para a exploração de determinado empreendimento.
Nesse sentido, quando fundamentado (i)em expectativa de resultados futuros, e (ii) nas hipóteses em que arrimado na diferença entre o valor contábil dos ativos, isoladamente considerados, e do seu valor de mercado, as regras societárias determinam a dedutibilidade do ágio, na primeira hipótese (expectativa de resultados futuros), no prazo, extensão e proporção dos resultados projetados (ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento), com prazo máximo de 10 (dez) anos; e no segundo caso, (diferença no valor de mercado) deverá ser amortizado na proporção em que o ativo for sendo realizado, em conta de ajuste da participação societária pelo patrimônio líquido. Ademais, de acordo com o art. 15, §5º, da IN CVM n. 247/96, o ágio fundamentado com base em outras razões econômicas, que não estas duas supra mencionadas, deverá ser lançado diretamente como perda, no resultado do exercício, acompanhado de nota explicativa sobre as razões de sua existência.
Nos termos da legislação tributária, por sua vez, o ágio apurado como parte integrante do custo de aquisição do investimento também deve ser desmembrado, conforme o respectivo fundamento econômico. Para este fim, o art. 20, §2º, alíneas “a” até “c” do DL nº 1.598/77, dispõe que o referido montante deve ser identificado com base (a) no valor de mercado de bens do ativo da sociedade investida superior ao custo registrado na contabilidade, (b) no montante correspondente à expectativa de rentabilidade futura, ou, por fim, (c) no valor dos intangíveis, não corretamente contabilizados na investida.
Diferentemente da primeira hipótese, em que o valor do ágio representa a diferença entre o valor isolado de cada ativo e o seu valor de mercado, e, para fins fiscais, da última, em que o ágio acaba por refletir alguns ativos intangíveis não adequadamente plasmados na contabilidade, o ágio decorrente de expectativa de rentabilidade futura decorre da avaliação do empreendimento de forma global, ou, nos termos postos por SCHOUERI, de “sua capacidade de gerar recursos para a empresa investidora.”[19]
Ao contrário da legislação contábil, sendo certo que o método de equivalência patrimonial, como visto, não possui quaisquer reflexos tributários, na medida em que não consiste em renda ou lucro disponível, a amortização fiscal do ágio pressupõe a realização do investimento, seja com a sua alienação a terceiros, com a consequente apuração da existência de ganho de capital, seja, ainda, com a liquidação, mediante operação societária de fusão, cisão ou fusão. Até o referido momento, portanto, eventual utilização ou baixa contábil do ágio deveria ser controlada na “Parte B” do Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), nos termos do art. 391 do RIR/99, uma vez que o valor contabilmente amortizado não materializa uma despesa dedutível ao IRPJ e CSLL.
De fato, consoante salienta SCHOUERI em excerto doutrinário a este respeito, aplica-se aos planos contábil e fiscal o chamado matching principle[20], de acordo com o qual o resultado do exercício de uma companhia se verifica através do confronto entre receitas e despesas apuradas em um mesmo período[21]. O referido princípio é corolário do princípio contábil da competência[22], que se encontra positivado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) por meio do artigo 9º de sua Resolução de nº 750/93[23] que dispõe sobre os Princípios Fundamentais da Contabilidade.
Anteriormente à edição da Lei nº 9.532/97, no entanto, a amortização fiscal do ágio se limitava à composição do custo de aquisição do investimento para o fim específico de apuração do ganho de capital (art. 33, do DL nº 1.598/77) na alienação da participação, sendo, até então, questionável o seu aproveitamento em operações societárias como a de incorporação, objeto específico de análise no presente caso.
Na realidade, em operações de incorporação, nas quais a causa jurídica inerente é a troca da participação societária pelo valor do acervo líquido da sociedade incorporada[24], a legislação previa, em regra até hoje vigente, que a diferença entre o valor contábil das ações ou quotas extintas e o montante equivalente ao acervo líquido da sociedade extinta constituiria ganho ou perda de capital[25], cabendo ao contribuinte o seu reconhecimento imediato, ou o seu diferimento. A discussão travada entre a edição do DL nº 1.598/77 e da Lei nº 9.532/97 consistia, portanto, na consideração do ágio no valor contábil da participação extinta[26].
Inserida no contexto do chamado Plano Nacional de Desestatização, criado por meio da Lei nº 8.031/90, e cujo principal objetivo era a redução do déficit público mediante a redução da intervenção direta do Estado na economia brasileira, objetivando a eficiência administrativa com a adoção da chamada New Public Administration[27], a Lei nº 9.532/97 (art. 386, do RIR/99) alterou profundamente o aproveitamento fiscal do ágio. A partir de seu advento, instaurou-se a possibilidade de dedutibilidade do ágio para fins fiscais, quando da incorporação de investida por investidora, ou vice-versa, apenas no caso de ágio fundamentado em expectativa de rentabilidade futura, a ser amortizado para fins fiscais à razão de 1/60 (5 anos) da base de cálculo do IRPJ e da CSSL.
As alterações promovidas pela legislação em referência, como se percebe, além de servirem de estímulo ao programa de desestatização[28], tiveram o nítido intuito de harmonizar o tratamento tributário, quando da realização do investimento. Assim, torna-se possível o confronto de receitas e despesas no seio de um mesmo contribuinte (matching principle), possibilitando a amortização do custo incorrido visando à rentabilidade futura contra os lucros advindos da aquisição do negócio[29]. Consoante afirma MARIZ DE OLIVEIRA, “o escopo implícito da lei, ao estabelecer a condição de realização da incorporação, fusão ou cisão, é unir o ágio e os lucros a que ele se refiram uma mesma pessoa jurídica e, portanto, num mesmo lucro tributável.”[30]
Nesse sentido, segundo aduz SCHOUERI, a forma de amortização diferida no tempo, condicionada ao confronto entre os lucros gerados pelo empreendimento e o ágio pago com a expectativa da citada lucratividade, é fenômeno juridicamente compatível e semelhante com a dedutibilidade ocorrida em relação às despesas pré-operacionais, cuja dedutibilidade exige o surgimento de lucros empresariais[31].
E isto porque, o ágio nada mais é do que uma recuperação de capital (capital este aplicado na aquisição do investimento na controlada ou coligada). É o que ensina com precisão BULHÕES PEDREIRA: “o débito da amortização do ágio nas contas de resultado da investidora compensa o ajuste no valor de patrimônio líquido, impedindo que a investidora reconheça como lucro do exercício o que é recuperação de capital aplicado na aquisição do investimento”[32]–[33]. Ora, se o ajuste do valor de patrimônio líquido do investimento, na investidora, não é computado na determinação do lucro real, a amortização do ágio ou deságio também não deve ser computada[34].
Feitas as observações preliminares com relação ao contexto normativo subjacente ao Caso Santander, expressamente contempladas no julgamento, moveremos à análise específica dos pontos controvertidos analisados nos votos dos ilustríssimos conselheiros do CARF, tentando extrair algumas conclusões acerca das diretrizes normativas que começam a se arraigar no tribunal administrativo para a análise de operações envolvendo os controversos temas do (a) ágio pago com expectativa de rentabilidade futura; (ii) ágio “de si mesmo” ou “ágio interno” (intra-grupo); e (iii) internalização do ágio pago por adquirente no exterior (amortização do foreign goodwill).
5.2. Fundamentação do ágio com base em rentabilidade futura e sua comprovação por laudo de avaliação elaborado por auditores independentes
Com fulcro no arcabouço normativo exposto, antes mesmo de se definir a legalidade das operações objeto de autuação em determinado caso concreto, cumpre definir o que seja, propriamente, ágio com fundamento em rentabilidade futura para os fins específicos tracejados pela legislação tributária, e, bem assim, qual a distinção existente entre o referido fundamento econômico e as demais razões, especificamente no tocante ao fundo de comércio e os intangíveis da empresa, como a marca, ponto comercial, dentre tantos outros. Além disso, também importante a definição da forma pela qual referida fundamentação deveria ser comprovada.
Com efeito, um primeiro e grande problema consiste em saber como distinguir, para fins fiscais, o conceito de rentabilidade futura e, especialmente, o de fundo de comércio, na medida em que a apuração do primeiro leva em consideração a correta mensuração dos intangíveis da empresa, e, mais ainda, que o próprio termo goodwill é utilizado para tratar de ambos os conceitos. Na realidade, tecnicamente, o fundo de comércio, marca e intangíveis nada mais são, contabilmente, do que a efetiva expectativa de rentabilidade futura, pois contribuem para a geração dos lucros e fluxo de caixa futuros. Nesse sentido, não existem “outras razões econômicas”, sob a ótica contábil, para o pagamento de ágio, conforme consignado no voto do conselheiro Antônio José Praga, ao parafrasear o parecer concedido pelo Prof. Eliseu Martins sobre o referido diploma legal[35].
Em relação a este aspecto, os conselheiros do CARF, no julgamento do Caso Santander, muito embora admitam a confusão conceitual e a distinção dos tratamentos contábil e tributário em relação ao mesmo tema, especificamente ao se analisar o disposto pelo art. 7º, da Lei nº 9.532/97, e a própria Instrução CVM nº 247/99, aplicável in totum à época dos fatos, apontam com clareza a necessidade de se adotar um sentido diverso em matéria tributária, na medida em que igualmente diversos os regimes jurídicos aplicáveis por força da legislação. Isto porque, trata-se de um benefício fiscal.
Quanto a esse ponto, a colenda 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara, capitaneada pelo voto do conselheiro Antônio José Praga, reafirmou a jurisprudência do CARF, estabelecida em diversos casos emblemáticos como os julgamentos envolvendo a VIVO S/A[36] e a ALE COMBUSTÍVEIS S.A.[37], entendendo que a comprovação do fundamento econômico do ágio depende de laudo de avaliação especificamente elaborado pelo contribuinte – como, aliás, exige o próprio art. 20, §3º, do DL nº 1.598/77 -, que demonstre, de forma inolvidável, a metodologia adotada visando à aferição dos resultados futuros do empreendimento, analisado como um todo[38]. A existência e apresentação do referido laudo de avaliação – que deverá seguir os critérios de avaliação previstos no art. 8º da Lei nº 6.404/76 – teria, inclusive, o condão de inverter o ônus da prova para a fiscalização, que passaria a ter de comprovar tecnicamente a inexistência de expectativa rentabilidade futura no caso específico.
Em que pese à similitude dos conceitos de goodwill (fundo de comércio e rentabilidade futura), parece-nos correto o entendimento formulado pelo CARF no caso em apreço, na medida em que a mens legis subjacente à distinção entre os fundamentos econômicos feita à época pelo DL nº 1.598/77 apontava, nitidamente, para uma oposição entre uma análise específica de determinados ativos da empresa target, que por si só justificariam a mais-valia paga, e a análise global dos ativos, tomados como empreendimento único, para o desembolso do valor do ágio.
Por esta razão específica, quer parecer a estes autores que o enfoque feito, em especial, pelo método de fluxo de caixa descontado[39], com a apuração do resultado futuro de determinado empreendimento com base no conjunto de ativos detidos pela empresa, ainda que tais valores componham a avaliação da rentabilidade futura, justifica a fundamentação com base na expectativa de rentabilidade futura.
Exatamente por essa razão, andaram bem os conselheiros ao estabelecer, de forma pioneira, que inexiste determinação legal de que parte dos valores devesse ser contabilizado como fundo de comércio, ou outras razões econômicas, em uma espécie de aproveitamento proporcional do ágio pago. De fato, não havendo qualquer comprovação de que o laudo econômico tenha sido baseado em mais de um critério econômico que explicitasse, especificamente, os valores decorrentes da apuração do fundo de comércio, o montante do ágio apurado é integralmente dedutível, na forma do art. 7º, da Lei nº 9.532/97.
Com este posicionamento, parece restar refutado, com integral correção, o entendimento de GRECO, segundo o qual “o fundamento da alínea ‘b’[rentabilidade futura] é residual, consistente no que exceder às alocações aos bens corpóreos, aos intangíveis identificados e ao próprio fundo de comércio.”[40]
De fato, como tivemos a ocasião de apontar, em diversos trechos, no presente trabalho, com a devida vênia do respeitado jurista, o raciocínio é exatamente o inverso daquele proposto: havendo o cálculo do valor do empreendimento em seu conjunto (ativos e passivos), tal valor corresponderá, de forma integral, à rentabilidade futura prevista pela legislação, devendo ser o ágio fundamentado nas demais razões econômicas apenas se comprovado o nexo causal individual entre o todo ou parte do preço e a mais-valia paga. Inexistindo possibilidade de segregação do valor pago a determinado bem intangível específico e individualmente considerado (por exemplo, um nome comercial), o ágio será integralmente atribuível ao fundamento da expectativa de rentabilidade futura da empresa, lastrada por laudo técnico.
Em relação à ausência de hierarquia[41] e à ausência de proporcionalidade[42] entre os fundamentos para o cálculo do valor do ágio, aliás, mostrou-se escorreita a interpretação feita pelos julgadores do Caso Santander, a respeito da regra que instituiu o benefício fiscal, apontando para a sua necessária “amplitude”, à luz dos métodos de exegese teleológico, sistemático e, principalmente, do contexto histórico de indução às privatizações de estatais.
Nesse ponto, o julgado que ora se tem em mãos constitui importante marco na análise do art. 111, do Código Tributário Nacional (CTN)[43], demonstrando que também nas regras que instituem benefícios fiscais ou isenções, como em qualquer dispositivo legal do ordenamento, todos os métodos devem ser adotados, buscando-se, no resultado da interpretação, como afirma ROTHMANN, um sentido estrito do texto normativo, no sentido de não ampliar nem restringir o alcance da outorga da isenção”[44], entendimento este do qual partilhamos.
No que tange, por fim, à necessidade de demonstração por parte do fisco da incorreção do fundamento econômico apontado, nas hipóteses em que o valor do ágio estiver lastreado em laudo econômico elaborado para esse fim, parece-nos perfeito o entendimento adotado. Tal como já vinha se manifestando o CARF em outras oportunidades, havendo a demonstração prévia por parte do contribuinte, devidamente arquivada na forma determinada pela legislação, cumpre à fiscalização comprovar, por meio de perícia técnica específica, que o fundamento econômico do ágio tivesse outra natureza, que não aquela apontada e comprovada pelo contribuinte.
Consoante afirma TOMÉ, no processo administrativo tributário, como ocorre também em relação ao processo judicial[45], “o ônus da prova cabe a quem alega”[46], em nada alterando a referida regra probatória a existência de presunção de legitimidade dos atos da Administração Pública, de maneira que jamais se poderia afastar o fundamento econômico do ágio apontado em laudo de avaliação arquivado, em virtude de meras inferências por parte do Fisco[47].
No caso envolvendo as operações societárias realizadas com o fim específico de viabilizar o aporte de capital na aquisição do BANESPA pelo SANTANDER HISPANO, com o pagamento de vultosa quantia de ágio, e da consequente transferência de sua participação societária mediante aumento de capital na SANTANDER HOLDING com a integralização mediante o pagamento do citado ágio pela sociedade brasileira (internalização do ágio), não houve qualquer comprovação de que o ágio teria fundamento em ativos isoladamente considerados, razão pela qual correto o entendimento de se fazer prevalecer a avaliação conjunta apontada em laudo econômico da empresa KPMG, contratada para este fim.
O entendimento acerca da produção probatória do fundamento do ágio, tal como parece se alinhar a jurisprudência do CARF, é curial para a manutenção da segurança jurídica dos contribuintes em sua vertente de certeza do direito e confiabilidade nos atos da Administração Pública.
5.3. Ausência de “internalização” ou transferência de ágio (foreign goodwill) para sociedade residente no Brasil: Aquisição de participação societária por holding[48] brasileira.
Relevante examinar, outrossim, no conjunto de operações analisada pelo CARF, aspecto considerado pelo Conselheiro Relator – Antônio José Praga – como “o ponto chave da acusação fiscal”[49]. Como se extrai do julgado a fiscalização e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consideraram ter havido, na prática, internalização de ágio (foreign goodwill)pago por sociedade estrangeira (SANTANDER HISPANO) em investimento feito no País à sua subsidiária, o que não seria permitido pela legislação.
A fiscalização apontou, como visto, que o ágio foi efetivamente pago pela sociedade domiciliada na Espanha, razão pela qual a sua amortização estaria sujeita às regras contábeis e tributárias deste país, e não do Brasil, sendo inviável a sua “internalização”
Muito embora tenham os doutos julgadores se apegado ao conjunto das operações realizadas (“filme”)[50], como um todo para o fim de analisar a sua substância econômica, não examinaram detidamente a operação de conferência de ações ao capital da SANTANDER HOLDING.
Apresenta-se interessante a análise ora proposta, na medida em que poderia nortear o estudo de outras operações semelhantes porventura ocorridas. Nesse passo, parece-nos oportuno estremar alguns conceitos técnicos, para facilitar a compreensão do tema, evitando eventual confusão terminológica.
Assim, não se pode confundir (i) internalização do ágio pago pela sociedade adquirente no exterior, e o consequente reconhecimento do registro contábil feito offshore nas contas da sociedade adquirida no Brasil (espelho contábil do custo de aquisição na adquirida), com (ii) a transferência do ágio, per se, registrado na controladora e transportado mediante eventos de reorganização societária (fusão, cisão e incorporação), e, muito menos, com (iii) alienação da participação societária por parte da sociedade estrangeira para a holding brasileira (via aumento de capital subscrito pela conferência de ações), com o consequente desdobramento por essa última (nova adquirente) do custo de aquisição no valor do patrimônio líquido da participação recebida como subscrição de capital e do ágio pago nesta última operação.
De acordo com essa separação metodológica, verificamos que a citada internalização do ágio despendido pelo adquirente na aquisição de controle (pela via da combinação de negócios – “Business Combinations”), com o reconhecimento da mais-valia paga na própria contabilidade da empresa adquirida (brasileira), desdobrada nos valores correspondentes ao chamado fair value dos ativos e passivos da investida e no goodwill, decorre da aplicação de método contábil conhecido como Push-down accounting[51], método este não reconhecido nos padrões contábeis internacionais, recentemente acolhidos pelo Brasil (IFRS), conforme se extrai, inclusive, da Interpretação Técnica ICPC 09[52].
Em outras palavras, a contabilidade brasileira, por não adotar o método push-down accounting, não “internaliza” o foreign goodwill pago pelo adquirente na aquisição do controle da adquirida, permanecendo o referido ágio contabilizado, exclusivamente, na demonstração contábil da sociedade adquirente. Isto significa dizer que, na presente hipótese, não houve reconhecimento contábil e, muito menos, fiscal da mais-valia paga em contas das sociedades brasileiras, permanecendo o ágio decorrente da primeira operação de aquisição do controle da União, bem como nas subsequentes OPAs, registrado, apenas, na sociedade espanhola (SANTANDER HISPANO).
Por esta razão, portanto, acreditamos seja incorreto afirmar, sob o ponto de vista estritamente técnico, que tenha havido, in casu, “internalização”do ágio estrangeiro (foreign goodwill), na medida em que referido conceito se amoldaria, ao ver destes autores, às hipóteses de reconhecimento contábil e fiscal, na sociedade adquirida, da mais-valia paga pelo adquirente, o que normalmente se dá pela aplicação do método Push-Down accounting já descrito e repelido pelo Brasil.
No que tange, por sua vez, à ideia de transferência do ágio, parece-nos, de igual sorte, haver uma certa confusão nas razões apresentadas pela Fiscalização, e, bem assim, pela própria Fazenda Nacional.
Com efeito, o fenômeno da transferência do ágio ocorre nas hipóteses em que o valor do ágio registrado, inicialmente, na contabilidade da adquirente se desloca e passa a compor o balanço de outra pessoa jurídica. Referida hipótese, por sua vez, se dá nos casos de reorganização societária, com a sucessão de determinada pessoa jurídica nos direitos e obrigações de outra, o que, via de regra, ocorre nas operações de incorporação, fusão e cisão, expressamente reguladas pelo disposto nos artigos 227 a 229, da Lei das S.A., respectivamente.
É dizer, nas chamadas operações de transferência, o mesmo ágio é transportado da contabilidade de uma pessoa jurídica, passando a compor o balanço de outra.
O conceito de transferência de ágio, aqui versado, aliás, chegou a ser expressamente abordado pelo próprio CARF, quando do julgamento do “Caso Vivo”[53], em voto da lavra do conselheiro José Ricardo da Silva, ao reconhecer que “A norma legal prevê a possibilidade de transferência de ágio entre empresas na ocorrência de fusão, cisão e incorporação”, apontando, nessa hipótese, que o goodwill registrado em contas do adquirente “será o mesmo transferido para o patrimônio da sucessora”.
À luz do referido conceito, ora explicitado, verifica-se que apenas ocorreu a chamada transferência de ágio na última operação, por meio da qual o BANESPA S.A. veio a incorporar a holding, carreando para o seu balanço o acervo líquido desta última, que incluía, como visto, o registro do ágio pago mediante operação de aumento de capital, integralmente subscrito pela sociedade espanhola com as ações do próprio BANESPA S/A avaliadas pelo seu custo de aquisição, em muito superior ao patrimônio líquido deste banco.
Como se percebe, pois, a internalização do ágio no País, apenas vislumbrada pela eventual aplicação do método Push-down accounting, não aceito pelas normas contábeis brasileiras, e o próprio conceito de transferência do ágio, concernente ao deslocamento do referido valor da contabilidade de determinada pessoa jurídica para outra, pela via da fusão, cisão ou incorporação, em nada se confunde com a operação questionada pela Fiscalização, concernente à transferência da participação societária detida pelo SANTANDER HISPANO no BANESPA para a holding brasileira, por meio da conferência das ações para a subscrição do aumento de capital deliberado nessa última sociedade.
De fato, retomando a análise em separado, por nós proposta, conforme muito bem apontado pelo conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva, ainda que as operações devessem ser analisadas em conjunto, como efetivamente o foram, na forma que explicitaremos a seguir, a análise isolada das operações aponta para dois fatos jurídicos absolutamente distintos, a saber: (i) aquisição das ações pelo SANTANDER HISPANO por meio de leilão e OPA, e (ii) alienação destas mesmas ações pela via do aporte de capital na holding brasileira (SANTANDER HOLDING).
Nas duas hipóteses descritas, como se percebe, há alienação de ações, na primeira fase caracterizada pela troca do controle entre União Federal e o SANTANDER HISPANO, e na segunda fase da operação, caracterizada pela troca das ações do BANESPA, avaliadas pelo seu custo de aquisição na sociedade espanhola – cujo valor refletia o ágio pago, bem com o valor do patrimônio líquido do BANESPA – pelas quotas na SANTANDER HOLDING, emitidas pelo seu valor nominal.
Tratando-se de duas alienações distintas, muito embora esteja correto o auditor fiscal ao enunciar a impossibilidade da legislação brasileira afetar o tratamento tributário do ágio pago pela SANTANDER HISPANO e contabilizado e amortizado de acordo com as regras fiscais espanholas, entendemos equivocada a aplicação da mesma premissa ao segundo fato jurídico apontado.
Por outro giro, ainda que sob o viés econômico, estritamente, e especialmente em virtude da inexistência de alteração substancial das condições de compra no prazo exíguo decorrido entre uma e outra operação no presente caso, o ágio pago pela holding na segunda operação fosse praticamente um reflexo daquele decorrente da alienaçãode controle do BANESPA pela União para o SANTANDER HISPANO, juridicamente não se pode confundir a mais-valia paga por este último, com aquela decorrente da aquisição do citado controle pela holding.
Com efeito, independentemente do tratamento conferido pela legislação espanhola ao ágio após a alienação do investimento, tratando-se de aquisição por sociedade brasileira de investimento sujeito à avaliação pelo MEP, não há dúvidas de que deveria a holding brasileira observar o disposto pelo art. 20, do DL nº 1.598/77, desdobrando, assim, o efetivo custo de aquisição das ações (mediante troca por quotas emitidas em aumento de capital) no valor do patrimônio líquido do BANESPA[54], que à época girava em torno de R$ 2 bilhões, e, bem assim, no valor do ágio, relativo à diferença entre o montante do PL e o efetivo custo, como, inclusive, decidido, sob o prisma interno, pelo CARF[55] no “Caso Tele Norte”[56].
Ora, se este seria o procedimento correto, apenas poderia ser apontada como conduta ilegal, ou mesmo abusiva, se comprovado que (i) o pagamento de preço estaria fora dos padrões de mercado, com a criação artificial de ágio para amortização no País, (ii)a imputação de fundamento econômico para o ágio adquirido na aquisição das ações do BANESPA teria sido incorreta, ou (iii) ocorrera simulação ou ausente a causa jurídica no aporte da participação societária na holding, desdobrada em ágio e valor do patrimônio líquido.
Quanto à primeira hipótese, nada obstante não se estar a tratar da aferição relativa à observância das regras de preços de transferência, parece-nos que o método dos preços independentes comparados (“PIC”)[57], por ser considerado o mais próximo ao arm’s length na atual legislação brasileira[58], constitui importante ferramenta probatória, para que se conclua acerca da inexistência de criação artificial de ágio para a dedução no País, i.e., operação entre partes não relacionadas.
De fato, sendo certo que as mesmas ações foram adquiridas pelo SANTANDER HISPANO junto a partes absolutamente independentes (União e demais minoritários na OPA), o valor posteriormente aportado no capital da holding brasileira se amolda, perfeitamente, ao valor real da participação societária, sendo inclusive o seu custo de aquisição desdobrado em ágio e equivalência patrimonial.
Por esta razão precípua, em não havendo criação artificial do ágio no aporte de capital no País, não haveria qualquer ilegalidade no ato, por óbvio.
Além disso, como se verificou no item anterior, o fundamento econômico do ágio na aquisição das ações pela holding brasileira se baseou em laudo de avaliação elaborado por auditores independentes (KPMG), considerando-se, para tanto, o valor de rentabilidade futura do empreendimento em si, não de seus ativos, isoladamente considerados, razão pela qual também não haveria como se concluir pela inexistência do citado fundamento econômico, haja vista o pleno cumprimento dos requisitos legais.
No que concerne, por fim, à existência de simulação ou vício de causa jurídica nos negócios engendrados, em virtude de sua importância para o caso vertente, analisaremos este tema com maior vagar, em item específico mais a frente, no qual será brevemente retomada uma análise crítica da evolução da jurisprudência do CARF relativa ao tema do planejamento tributário.
5.4. Subscrição de ações como modalidade de “aquisição” de participação societária e a questão da ausência de fluxo financeiro no pagamento do ágio
Outro tema importante presente no “Caso Santander” diz respeito à discussão se o evento de “subscrição” se amoldaria à definição de “aquisição” de participação societária, uma vez que esta última é a expressão utilizada no caput do art. 20 do DL nº 1.598/77, para o fim de determinar o desdobramento do custo de aquisição daquela participação em (i) patrimônio líquido e (ii) ágio ou deságio.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o vocábulo “aquisição” possui abrangência mais ampla do que o simples conceito de “compra” de participação societária. Existem inúmeras formas de aquisição de direito de propriedade, além do negócio jurídico de compra e venda. Nas lições de PEREIRA, a aquisição de um direito pode ser originária ou derivada, sendo a primeira quando há coincidência com o fenômeno do nascimento, isto é, a relação jurídica surge pela primeira vez no atual titular do direito; já a segunda, se o direito que se adquire já antes pertencera a outrem, a aquisição entende-se por derivada[59].
Neste sentido, a subscrição de ações é uma modalidade de aquisição originária, pela qual todos os direitos inerentes à qualidade de sócio passam a integrar o patrimônio do subscritor a, incluindo-se o de propriedade. Como bem observou FERNANDES, o art. 7º da Lei nº 9.532/97 utiliza a expressão “participação societária adquirida” (e não “comprada”) dando, a esta norma, a abrangência de todas as modalidades de aquisição de direitos[60].
Corroborando esta posição são claras as lições de MARIZ DE OLIVEIRA:
“Outra observação importante é que a lei não limita o ato ou negócio jurídico pelo qual a aquisição tenha ocorrido, podendo esta ter sido uma compra e venda, uma permuta, uma dação em pagamento, uma conferência de bem para integralização de capital, ou qualquer outro. Consequentemente, também é irrelevante a contraprestação da aquisição, até porque, em qualquer caso, há um custo, e neste pode estar o ágio ou deságio”[61].
A questão da subscrição como uma das formas de aquisição também foi julgada no “Caso Casa do Pão de Queijo”, sendo o posicionamento ora explicitado compartilhado pelo conselheiro Roberto Bekierman no voto vencedor e devidamente acompanhado pela maioria dos conselheiros da 5ª Câmara, naquele julgado[62].
Portanto, no que se refere ao “Caso Santander”, no momento em que a SANTANDER HISPANO subscreve e integraliza as ações do BANESPA na SANTANDER HOLDING, há “aquisição de participação societária (ações do BANESPA) por parte da SANTANDER HOLDING, adquiridas da SANTANDER HISPANO”.
Por fim, quanto à ausência de fluxo financeiro como contraprestação ou sinalagma decorrente da “aquisição” de participação societária, é necessário apontar que o CARF já se posicionou sobre o tema, no “Caso Ficap”, no sentido de que “não demonstrado o pagamento de ágio, não há de se falar em aproveitamento do mesmo pela incorporadora”[63]. Isto porque, se admitida dedução do ágio sem pagamento de seu valor correspondente, “seria admitir que qualquer empresa que tivesse adquirido ações de outra em período anterior à Lei nº 9.532, poderia, a qualquer tempo, reavaliar a empresa investida, constituir nova empresa e, ato contínuo, incorporá-la, aproveitando o ágio dela mesmo”[64].
Para nós, a análise da ausência de fluxo financeiro se relaciona com a questão da artificialidade da criação do ágio, bem como da existência de causa jurídica e “propósito negocial” da operação, tema este extremamente complexo e casuístico, por tratar da questão dos limites do planejamento tributário, i.e., seu abuso, e que será abordado, em parte, em item específico a seguir, mas que não constitui objeto específico deste estudo.
Especificamente no “Caso Santander”, deve-se observar que houve pagamento pelo ágio, precisamente na primeira operação (aquisição do BANESPA pelo SANTANDER HISPANO). Assim, o ágio posteriormente registrado pela SANTANDER HOLDING relativo às ações do BANESPA quando da subscrição destas naquela foi “pago” em operação imediatamente anterior, fazendo parte do “filme”. E por esta operação prévia ter sido entre partes não relacionadas (BANESPA pertencia ao Estado), com o preço a valor de mercado (leilão público) e efetivo fluxo financeiro (liquidação financeira mediante transferência de recursos aos cofres públicos), não há que se questionar a higidez econômica do ágio, tampouco a ausência de causa jurídica ou falta de propósito negocial, em razão dos objetivos do Grupo Santander na aquisição do banco para aumentar seu market share no setor bancário brasileiro.
Em outras palavras, apesar de serem duas operações distintas – aquisição do BANESPA (operação 1) e subscrição das ações do BANESPA na SANTANDER HOLDING (operação 2) – que comportam dois ágios distintos, contábil e juridicamente, deve-se observar que, sob a ótica econômica, o ágio é um só, não apenas pela identidade dos valores do “primeiro ágio” (aquisição do BANESPA) e do “segundo ágio” (subscrição das ações do BANESPA na SANTANDER HOLDING), como e, fundamentalmente, pela ausência de mutação patrimonial em razão do curto espaço de tempo entre a conclusão da operação 1 e da operação 2 (cerca de um mês de intervalo), que juntas compõem o “filme” da operação total. Justifica-se, dessa forma, economicamente o ágio da operação 2, e não há que se contestar “ausência de pagamento” ou “fluxo financeiro” neste caso.
5.5. Simulação, causalidade jurídica, propósito negocial e suas relações com as “empresas-veículo”. Importância do julgado para a criação de diretrizes seguras na análise do tema do planejamento tributário
Na esteira da análise feita no item precedente, também se afigura importante, para a correta interpretação do julgado, a verificação das operações ocorridas como um todo, de maneira a aferir se teria havido, nesta hipótese examinada, uma espécie de concatenação de atos artificiais com o objetivo inequívoco de gerar uma despesa artificial no âmbito do BANESPA (ágio), após a incorporação reversa (down stream merger) de sua controladora, SANTANDER HOLDING.
O ingresso nesse item, para o fim específico de aferir a legalidade ou não de determinada estruturação, face às normas de incidência tributária, exige uma advertência preliminar acerca do arcabouço normativo aplicável, bem como a respeito da jurisprudência que vem se sedimentando no âmbito do CARF.
De fato, o julgado ora analisado, na esteira da jurisprudência que vem se firmando no referido órgão judicante, como muito bem apontado por SCHOUERI em coletânea organizada a partir do estudo de casos nos tribunais administrativos (atual CARF)[65], pautou-se, alegadamente, para a aferição da legalidade do planejamento tributário, nos já conhecidos critérios do propósito negocial das operações (business purpose), bem como da consideração da substância sobre a forma (substance over form[66]), para aferir se teria havido um suposto abuso de direito ou abuso de formas jurídicas[67].
Como já apontado pelos autores em textos próprios[68], no entanto, nada obstante o entendimento comum acerca da ineficácia do parágrafo único do art. 116, do CTN, inserido pela LC nº 104/01, cuja análise foge ao escopo deste artigo, o uso das técnicas do business purpose e do substance over form, retiradas de ordenamento jurídico alienígena e com origens bem distintas do nosso, notadamente se lastreadas na existência de um motivo extra-tributário, consistem em perigosa técnica, que não raro levam à confusão na interpretação do caso concreto, na medida em que, como aponta SCHOUERI, se traduz no paradoxo de que inexiste “transação em que o aspecto tributário não influencie o comportamento do contribuinte (…).”[69]
Em que pese à alegada utilização do ferramental extraído do caso Gregory vs. Helvering, parece-nos que o CARF, especialmente a partir do voto exarado pelo relator, conselheiro Antônio José Praga, além da aferição da inexistência de simulação[70], utilizou, no caso, instrumento de grande valia na análise de planejamentos tributários de IRPJ e CSSL: a consideração econômica dos fatos subjacentes, para inferir a existência de causa jurídica para as operações, vistas como um todo.
Com efeito, como se sabe, o fato gerador do IRPJ e da CSSL não é tomado com base em um negócio jurídico específico, como é o caso do ITBI (transmissão de bens imóveis), mas, de outra sorte, em determinados fatos, erigidos à qualidade de fatos jurídicos por força da incidência ocorrida pela via da norma tributária, na forma preconizada pelo art. 114, I, do CTN. Em outras palavras, ainda que seja correto falar em um conceito jurídico de renda (ou lucro), a hipótese de incidência dos tributos se refere a um dado econômico[71], relativo ao acréscimo patrimonial do contribuinte em determinado período.
Em casos como os relativos ao IRPJ e ao CSSL, muito embora os fenômenos jurídicos também tenham influência na incorporação da renda, fato é que os aspectos econômicos devem ser considerados na análise e mensuração do fato gerador, em detrimento da legalidade das formas utilizadas pelo contribuinte (art. 118, I, do CTN).
Nesse sentido, como afirma SCHOUERI, a consideração econômica dos fatos, especialmente pelo ferramental disposto no art. 118, I, do CTN, permite ao Fisco que “no lugar de buscar a invalidade do negócio jurídico”, possa “ele questionar se a hipótese tributária se vincula àquele negócio: evidenciando-se que a tributação se dá a partir de uma situação de fato, então a subsunção se opera a partir da ocorrência do fato.”[72]
Na esteira do quanto afirmado pelo relator, conselheiro Antônio José Praga, a aferição dos fatos e da consequente adequação às formas jurídicas utilizadas não passa por uma análise dos motivos do contribuinte para a realização de tal ou qual ato, mas de outra sorte, no casamento entre a vontade declarada do contribuinte, analisada por meio dos negócios jurídicos realizados tomados em conjunto, e a respectiva causa[73], definida por VANONI como “a razão econômico-jurídica do negócio”, isto é, “a finalidade a que se destina o negócio jurídico objetivamente considerado.”[74]
No caso objeto de análise, em que pese à inexistência de controvérsia a respeito da existência de motivação tributária para o aproveitamento do ágio na base de cálculo do lucro real após a incorporação, não se pode olvidar a compatibilidade da vontade declarada pelo contribuinte de participar do leilão para adquirir o controle do BANESPA, com a posterior reorganização e integração do grupo econômico para adquirir sinergia, e a forma estrutural utilizada.
Com efeito, muito embora o caminho mais usual para a aquisição do BANESPA visando à utilização do ágio pago, fosse, de fato, a integralização de capital no País em subsidiária, esta última pagando o preço de aquisição do controle do BANESPA com a sua posterior incorporação, a utilização de tal estrutura não se compatibilizava com a garantia do sigilo do preço que seria ofertado.
Em outras palavras, muito embora tivesse o contribuinte a faculdade de realizar o negócio jurídico da forma apresentada, também estavam à sua disposição outras formas jurídicas que igualmente contemplavam causas compatíveis com a sua vontade declarada, como a estrutura utilizada na hipótese. Na realidade, parece-nos existir a citada convergência entre causa dos negócios jurídicos e vontade das partes, pelos seguintes motivos, ora sintetizados:
- sendo indispensável ao sucesso da negociação e ao sigilo necessário à oferta, que a proposta e a consequente aquisição fosse feita pelo SANTANDER HISPANO, e não por sociedades brasileiras, cujo capital era inferior àquele ofertado, resta nítida a compatibilidade da causa da compra e venda de controle realizada com a vontade do comprador;
- igualmente sendo necessário o aporte do capital no País visando à organização e consolidação do grupo na América Latina, com a posterior unificação dos investimentos para conferir sinergia às atividades, a causa da integralização das ações na holding (único veículo possível, na medida em que as demais subsidiárias do grupo eram instituições financeiras, cujo aporte deve ser feito em dinheiro) pelo preço de aquisição, desdobrado em ágio e equivalência patrimonial, também atendia à finalidade das partes envolvidas;
- por fim, fazendo-se mister os demais atos societários para a unificação dos investimentos do grupo, com a aquisição de sinergia, inclusive por meio das incorporações ocorridas, também inexistente qualquer incompatibilidade entre a causa dos negócios jurídicos e a vontade declarada do contribuinte: solidificação e ampliação de market share no setor bancário nacional.
Em relação a este último aspecto, cumpre pontuar que a declaração de vontade concernente ao aproveitamento do benefício fiscal de amortização do ágio, tal como garantido pela legislação, é causa jurídica suficiente para o manejo da operação de incorporação da controlada pela controladora[75], ou vice-versa[76], mediante a troca do acervo líquido da incorporada pelas novas ações emitidas pela incorporadora em aumento de capital.
Trata-se, na realidade, nos termos de GRECO, de opção fiscal, ou, em outras palavras, de “escolhas que o ordenamento coloca à disposição do contribuinte”[77], possibilitando a redução da carga tributária, desde que sejam cumpridos os requisitos objetivamente traçados pelo ordenamento, no caso a concentração societária. Sob esse viés, portanto, verifica-se que a decisão, em si, de incorporar controladora ou controlada é decisão eminentemente entregue ao arbítrio de ambas as partes, e por esta razão crucial apenas poderia ser questionada do ponto de vista societário, caso demonstrado abuso do poder de controle[78], com mitigação dos direitos dos acionistas minoritários[79].
É nesse sentido que se deve traçar o paralelo com a questão envolvendo as “empresas-veículo”[80], utilizadas em planejamentos tributários, assim entendidas as sociedades de propósito específico[81] criadas pelos contribuintes para fazer uso de vantagens comerciais e/ou fiscais. Cumpre apontar, nesse ponto, que a existência desse tipo de sociedade, por si só, não invalida os atos ou operações do contribuinte, tampouco é motivo per se para desconsiderar planejamentos tributários ou reorganizações societárias[82]. Mais uma vez, o que invalida os atos e operações praticadas pelo contribuinte é a ausência de sintonia entre a vontade declarada e a causa jurídica, bem como os demais vícios e nulidades de direito civil tais como simulação e fraude.
Desta forma, os julgados do CARF que versam sobre o uso de “empresas-veículo” não devem ser analisados somente sob este prisma, mas, sobretudo, devem ser examinados especificamente caso a caso, de maneira a se averiguar se, de acordo com os fatos descritos, os atos e negócios jurídicos foram adequados para a incidência da norma tributária a que se pretendeu, bem como se houve vício ou nulidade em algum desses a ponto de impedir, juridicamente, o resultado almejado pelo contribuinte.
O festejado “propósito negocial” (sic) nada mais é do que isso[83]. Portanto, a mera alegação de efemeridade na duração da empresa-veículo[84], ausência de empregados[85], inexistência de sede própria e segregação de atividades em pessoas jurídicas distintas[86] não é, a priori, justificativa universal ou suficiente para a desconsideração dos efeitos fiscais decorrentes do uso de empresa-veículo. Como já explicitado, a utilização de holding como “empresa-veículo” no Caso Santander foi provida de causa jurídica em plena sintonia com a vontade declarada nos atos (“foto”) e na operação societária (“filme”).
Pelas razões expostas, acreditamos que o “Caso Santander”, ao analisar a vontade declarada do contribuinte no contexto das operações, tomadas como um todo indissociável, em conjunto com a causa jurídica das operações realizadas, apresentou substancial evolução na jurisprudência do CARF no tratamento do tormentoso tema do planejamento tributário e, por esta razão, esta decisão merece elogios.
Ao lado da aferição da simulação, parece-nos que este seja o melhor caminho a ser seguido pelo CARF, analisando a correspondência entre vontade e causa jurídica dos negócios, de maneira a aferir se o caso concreto representaria hipótese de causa estritamente tributária. Em relação a este ponto, concordamos com ROTHMANN no sentido de que ser necessária uma revisão terminológica[87], de maneira que se abandone, enfim, à remissão às técnicas do business purpose e do substance over form, na medida em que não contribuem para a segurança jurídica dos administrados, levando, muitas das vezes, como aponta SCHOUERI, a resultados contraditórios[88].
5.6. Legitimidade a priori do chamado “ágio interno” e das operações de “ágio de si mesmo”: Uma análise crítica do julgado do CARF
Por fim, um último aspecto do acórdão que convém analisar se refere, especificamente, à possibilidade de amortização fiscal do chamado ágio interno, oriundo de operações societárias envolvendo o mesmo grupo econômico, ou, ainda, do caso mais restrito do ágio de si mesmo, considerado como operação preocupante por GRECO[89] por consistir na hipótese em que a controlada vem a incorporar a controladora que adquiriu, previamente, ações suas com ágio, acarretando amortização de seu próprio ágio.
Antes de aferir, especificamente, as nuances do julgado, cumpre ressaltar que, muito embora o chamado ágio de si mesmo seja uma operação julgada preocupante pelo citado jurista, o mecanismo de apropriação do ágio, na hipótese de incorporação reversa ou às avessas (down stream merger) é expressamente assegurada pela legislação tributária n art. 8º, b, da Lei n. 9.532/97, não havendo, assim, qualquer ilegalidade a priori na referida operação.
Feito esse breve esclarecimento, verifica-se, de inúmeros julgados do CARF[90], que as operações questionadas pelo referido órgão judicante relativas ao citado ágio de si mesmo se caracterizam, como se extrai do próprio voto do Conselheiro Antônio José Praga, pelo fato de (i) não importarem em efetivos desembolso de recursos pelo adquirente do investimento, bem como (ii) inexistir mudança de controle acionário. Além das citadas características, igualmente entende o douto julgador que, muitas das vezes, (iii)se referem a operações entre partes relacionadas, ponto este inclusive eleito como premissa para inadmitir a aceitação da amortização tributária do citado custo, como se extrai do voto condutor[91].
Com fundamento nos três pressupostos básicos elencados para a caracterização do chamado ágio de si mesmo, na forma como condenada pelo CARF, entendeu o relator em seu voto condutor, no que foi acompanhado pelos seus pares, que não teria havido qualquer ilegalidade na hipótese, eis que nas operações, analisadas em conjunto, (i) o ágio amortizado foi originado em operação entre partes independentes, gerando (ii)a troca do controle da União para o SANTANDER HISPANO, e, bem assim, (iii) o ágio contabilizado foi efetivamente pago à União e aos demais acionistas minoritários, na oferta pública de ações que se seguiu.
Em que pese ao acerto da conclusão dos julgadores, entendemos não ser correto afirmar, para fins tributários ou mesmo societários, que a contabilização do ágio dependa de efetiva troca de controle, como afirmado, textualmente, pelo relator, e, igualmente, que seja necessária transação entre partes não relacionadas.
De fato, como se sabe, o art. 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 determina, como visto anteriormente, a necessidade de desdobramento do custo de aquisição de sociedades controladas ou coligadas, por ocasião da aquisição do investimento, no valor do patrimônio líquido das investidas e, bem assim, do montante de ágio, referente à diferença entre o efetivo dispêndio e o valor patrimonial da participação societária.
É dizer, a legislação determina o desdobramento do custo de aquisição não apenas nas hipóteses de aquisição de poder de controle, mas, também, quando haja uma relação de coligação, anteriormente definida como a detenção de participação igual ou superior a 10% do capital social, e, hoje em dia, conceituada como a sociedade na qual a investidora tenha influência significativa (art. 243, da Lei nº 6.404/76).
Por esta razão, não vislumbramos qualquer fundamento jurídico na restrição feita pelo julgador, na medida em que a contabilização do ágio, decorrente do desdobramento do custo de aquisição determinado nas investidoras que devam observar o método de equivalência patrimonial, pode ocorrer não apenas nos casos de troca do controle, mas, também, nas hipóteses em que houver aquisição de participação considerada relevante.
Nada obstante, ainda no que toca à restrição preconizada pelo voto condutor e acompanhada pelos demais pares, além de abarcar os casos de desdobramento do custo de aquisição de coligadas, a hipótese vislumbrada pelo relator também acaba por não contemplar os casos, não raros, em que há a possibilidade de pagamento de ágio na aquisição de ações, sem, contudo, haver a troca de controle.
A título ilustrativo, aliás, basta imaginar a hipótese, dentre inúmeras outras, determinada pela própria Lei das S.A., concernente ao fechamento de capital de companhia com ações negociadas em bolsa de valores, sujeito à oferta pública para a aquisição da totalidade das ações do mercado pelo controlador a preço justo, que, em muitos dos casos, contempla parcela de ágio[92].
É bem de ver, portanto, que andou mal o julgado ao estabelecer como indício de operação ilegal ou ilegítima, sob o prisma fiscal, a mera inexistência de troca de controle. Referido critério, a par de sequer constar do texto legal, também não reflete a realidade jurídica ou mesmo econômica, na medida em que diversas aquisições de investimentos que nada tem que ver com o bloco de controle são feitas mediante o pagamento de ágio.
Além disso, outro ponto que merece reparos no referido julgado é a adoção, como premissa, da impossibilidade de aquisição de participação societária mediante pagamento de ágio em operações intra-grupo, isto é, entre partes relacionadas.
Em que pese ao entendimento do relator, inexiste fundamento legal para sustentar o anteriormente mencionado (artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, e art. 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77).
Com efeito, pode-se inferir que a preocupação dos julgadores consiste, estritamente, no que se designou de criação ou fabricação do ágio com base em rentabilidade futura sem fundamentação econômica, utilizado para o único e exclusivo fim de reduzir a base tributável do IRPJ e da CSSL, tratando-se, por esta mesma razão, de custo artificial ou desnecessário, sob o prisma contábil e econômico.
Esta preocupação restou clara, inclusive, no célebre julgado “Caso Carrefour”[93], em que a incorporação às avessas para o aproveitamento do ágio de si próprio foi considerada como simulação, na medida em que, conforme restou aduzido, a “criação de uma empresa veículo a ser incorporada por sua controladora foi um negócio jurídico celebrado apenas para esconder a composição do patrimônio da RDC e aumentar seu custo, diminuindo o ganho tributável na posterior venda ao Carrefour”[94].
Nesse esteio, o sentimento ou a chamada praesumptio hominis (presunção do órgão julgador) de uma suposta abusividade no pagamento de ágio em relações entre partes relacionadas, aliás, não passou despercebido pela Comissão de Valores Mobiliários, que já em 2007 editou oOfício-Circular/CVM/SNC/SEP nº 01/2007, no qual se chegou a afirmar, textualmente, que “do ponto de vista econômico, o registro de ágio, em transações como essas, somente seria concebível se realizada entre partes independentes, conhecedoras do negócio, livres de pressões ou outros interesses que não a essência da transação, condições essas denominadas na literatura internacional como “arm’s length.”[95]
Consoante leciona MOSQUERA, o repúdio ao ágio extraído dos atos normativos contábeis, nas hipóteses em que tiver sido originado de operações entre partes relacionadas estaria adstrito ao “entendimento de que não é possível a geração de lucro em operações ocorridas entre pessoas ligadas”[96], pois, em tais casos, não haveria as circunstâncias de mercado que permitiriam aferir a lisura de sua mensuração, bem como do seu fundamento econômico.
Muito embora entendamos justificável a preocupação do CARF, e, bem assim, da própria CVM, cuja manifestação preliminar foi corroborada anos depois pelo pronunciamento técnico contábil (CPC 04), parece-nos despida de validade jurídica a premissa adotada pelos julgadores, eis que (i) não apenas entendemos legítimo o pagamento do ágio sob o prisma societário, como, igualmente, (ii) acreditamos que seria passível de contabilização e amortização para fins tributários.
Em verdade, muito embora haja ato normativo da CVM indicando caminho diverso, parece-nos, como também a NOVAIS e GOMES, que “a lei comercial não faz distinção acerca do tratamento a ser dado à avaliação do investimento pela adquirente, quando se trate de transação entre partes relacionadas.”[97]
Na realidade, não apenas inexiste óbice para a aquisição de participação societária em relações intra-grupo mediante o pagamento de ágio, como, inclusive, há casos em que a própria legislação indica a possibilidade do seu pagamento.
De fato, compulsando-se os termos da Lei das S.A., pode-se observar, dentre os direitos inerentes à condição de acionista, a vedação à chamada diluição injustificada de sua participação societária, na medida em que o preço de emissão deverá ser aferido a partir do valor econômico intrínseco aos referidos direitos, e não pelo seu valor nominal[98] (art. 170, § 1º da Lei das S.A.).
Ora, como se percebe, o valor das ações em aumento de capital, ainda que o referido capital seja subscrito por parte relacionada, muitas vezes comporta ágio concernente à diferença entre o valor do patrimônio líquido da adquirida e o efetivo valor de compra, devendo, pois, referido montante ser contabilizado na forma determinada pelo art. 20, do DL nº 1.598/77.
Além do prisma societário, a legislação tributária, como salienta MOSQUERA, “não recrimina a geração de lucro entre pessoas ligadas”, mas, ao contrário, referida geração de lucro chega a ser, inclusive, “uma exigência em face da legislação que condena a distribuição disfarçada de lucros.”[99]
Em relação a este aspecto, sem prejuízo de eventual aplicabilidade da legislação de preços de transferência nas hipóteses em que as relações entre partes relacionadas ocorrer sob o prisma do comércio internacional, a legislação relativa ao imposto de renda determina, em caráter expresso, a segregação de lucros e resultados em cada sociedade, para que sejam tributados isoladamente, sob pena de caracterização da chamada distribuição disfarçada de lucros[100].
Justamente por determinar a observância dos parâmetros de mercado em operações entre partes relacionadas, mediante a aplicação do princípio at arm’s length, entendemos inexistir, também sob o prisma tributário, o citado óbice criado pela jurisprudência de aproveitamento do ágio interno. Ou seja: se há pagamento de ágio em operações independentes comparáveis, necessariamente deverá haver o mesmo desembolso em operações intra-grupo.
Na realidade, tal como pontuamos no item precedente, apenas será passível de glosa o aproveitamento de ágio artificial, ou fabricado internamente, em operações societárias cuja causa única foi a redução ou supressão de tributo, ou naquelas em que inexistir laudo comprobatório (ou tal laudo for infundado).
Nesse sentido, sendo certo que, como afirma MARIZ DE OLIVEIRA, há inúmeras situações “em que se justifica ágio dentro de um grupo de empresas”[101], o que deve ser aferido pela fiscalização, em casos de ágio gerado intra-grupo, é a causalidade das operações que geraram o nascimento do ágio, bem como a lisura do laudo de avaliação que embase o respectivo fundamento econômico.
Ressalte-se que estes requisitos foram devidamente obedecidos no Caso Santander, nada obstante ter havido pagamento de ágio intra-grupo na 2ª operação (aumento de capital na SANTANDER HOLDING, subscrito com ações do BANESPA integralizadas pelo SANTANDER HISPANO): (i) existência de laudo de avaliação realizado por auditores independentes; (ii) causalidade jurídica dos atos e operações que ensejaram a criação e o aproveitamento do ágio; (iii) cumprimento dos demais requisitos previstos na legislação fiscal para tal aproveitamento.
Assim, não havendo qualquer simulação e sendo hígidas as operações realizadas dentro de um mesmo grupo-econômico, acreditamos que a jurisprudência do CARF, corroborada pelo precedente ora analisado, deve ser revista, de maneira a reconhecer a possibilidade jurídica, em tese, de amortização fiscal de ágio oriundo de operações entre partes ligadas, não se podendo, aprioristicamente, rejeitar o “ágio de si mesmo” e o “ágio interno/intra-grupo” para fins de dedutibilidade fiscal do ágio.
6. Ágio com fundamento em rentabilidade futura e as perspectivas de alteração na interpretação preconizada no “Caso Santander” face às alterações dos padrões contábeis (Leis nº 11.638/08 e 11.941/09 e CPC 15).
Em que pese ao fato de não ser escopo precípuo deste trabalho a análise das modificações nos padrões contábeis, promovidas pelas Leis nº 11.638/07 e 11.941/09, e de sua inter-relação com o campo tributário, não podemos nos furtar de analisar as mudanças ocorridas no tratamento contábil do ágio, especificamente no tocante à sua fundamentação, na medida em que podem impactar futuros julgamentos da matéria pelo CARF.
Com efeito, no bojo das alterações promovidas nos padrões contábeis, verifica-se que o ágio com fundamento em rentabilidade futura, anteriormente registrado pela diferença integral entre o custo de aquisição e o valor contábil do patrimônio líquido da adquirida, nas hipóteses em que constituísse o motivo determinante[102]do pagamento da mais-valia, passou a refletir, para a contabilidade (CPC 15 – “Combinação de Negócios”[103]), a diferença entre o valor de compra e o valor justo dos ativos e passivos da adquirida, também associado ao seu valor de mercado.
No tocante a este aspecto, muito embora diversos autores defendam a neutralidade dos referidos efeitos contábeis em relação à fundamentação do ágio, para fins tributários[104], com base em perspectiva de rentabilidade futura, tal como estabelecido no chamado Regime Tributário de Transição (“RTT”)[105], fato é que tal conclusão não é pacífica.
De fato, sendo certo que a regra fiscal (art. 20, §2º, “b”, do DL 1.598/77) sugere o desmembramento do ágio conforme a sua fundamentação econômica e prevê, tal qual a nova regra contábil, a necessidade de registrar ágio lastreado (a) na diferença entre o valor de mercado e contábil dos ativos da adquirida, bem como (b) no valor do fundo de comércio ou em outras razões econômicas, há quem entenda, como UTUMI, que não seria “possível adotar uma justificativa econômica para fins de atendimento ao CPC 15, e outra justificativa econômica para fins tributários”[106], na medida em que a legislação contábil teria o condão de esclarecer, apenas, a metodologia de aferição do goodwill, antes não especificada[107].
Independentemente da corrente doutrinária que se adote, fato é que as alterações no reconhecimento e contabilização do ágio com base em rentabilidade futura promovidas pelo CPC 15 certamente colocarão em xeque o entendimento do CARF no Caso Santander, por meio do qual se faculta ao contribuinte a indicação do motivo determinante do ágio, com a consequente admissibilidade do fundamento integral do ágio, caso referida motivação fosse lastreada na rentabilidade futura do empreendimento.
Com fulcro no exposto, pois, resta saber, se em futuros julgados o CARF manterá a posição adotada no precedente em referência, entendendo possível a amortização fiscal integral do ágio se motivado, de forma determinante, na rentabilidade futura do empreendimento, ou se, na esteira das alterações contábeis promovidas, em especial, pelo CPC 15, admitirá o caráter residual do ágio embasado em rentabilidade futura, determinando, assim, a avaliação prévia dos ativos, tangíveis ou intangíveis, da sociedade adquirida pelo seu valor justo (ou de mercado).
7. Conclusões e lições do “Caso Santander”
Conforme buscamos demonstrar no presente estudo, o Caso Santander, além de rico em discussões acerca do tormentoso tema do planejamento tributário, é, provavelmente, o julgado mais emblemático acerca dos limites à amortização e dedutibilidade do ágio para fins fiscais, versando a respeito de complexas questões contábeis, societárias e tributárias.
A riqueza do “Caso Santander” reside não apenas na peculiaridade do caso, em face das especificidades regulatórias inerentes às diferentes formas e modelagens de participação de adquirente estrangeiro em leilão público, especificamente no tocante à preservação do sigilo da oferta e às particularidades adstritas ao aumento de capital em instituições financeiras, mas, também, no fato da hipótese versar, direta ou indiretamente, a respeito de inúmeros pontos controvertidos envolvendo o aproveitamento do ágio pago na aquisição de controle.
Nesse sentido, destacam-se, entre as principais questões de tratadas no caso, (ainda que não aferidas diretamente pelos conselheiros do CARF), as seguintes, enumeradas na ordem em que analisadas no presente trabalho:
- evolução normativa e teleologia da norma de amortização e dedutibilidade do ágio para fins fiscais, bem como seus respectivos reflexos contábeis e societários;
- análise dos critérios para a correta fundamentação econômica do ágio, na forma prevista pela legislação tributária (art. 20, do Decreto-Lei n.º 1.598/77): aferição da natureza residual, ou não, do ágio com fundamento em rentabilidade futura (goodwill);
- formas de comprovação adequada do ágio com fundamento em rentabilidade futura: laudo de avaliação e aspectos relativos à desconstituição do critério eleito pelo adquirente para embasar o ágio;
- análise dos aspectos inerentes à internalização de ágio no País (foreign goodwill), transferência do ágio ou do investimento para terceiros;
- validade de amortização de ágio decorrente de operações sem movimentação financeira e subscrição de ações mediante conferência de participação societária adquirida com ágio;
- planejamento tributário, causalidade jurídica, fraude e simulação;
- utilização de empresa-veículo e propósito negocial nas operações;
- validade ou não da amortização de ágio de si mesmo e do ágio interno/intra-grupo;
Como se verifica, o caso ora analisado é rico em discussões jurídicas, de maneira que a decisão proferida pelo tribunal administrativo é de grande relevância, especialmente sob o viés da segurança jurídica, auxiliando os contribuintes na orientação da estruturação de operações que envolvem o pagamento e a amortização fiscal do ágio. Surge, pois, como norte para o aprofundamento do tema do ágio, bem como para aferição de discussões vindouras, sobretudo em face dos novos padrões contábeis introduzidos pelas Leis n.os 11.638/07 e 11.941/09.
Resta aguardar, assim, para conferir se as alterações ocorridas no plano contábil, especialmente no tocante à fundamentação do ágio com base em perspectiva de rentabilidade futura (CPC 15), acabarão por influenciar, de alguma forma, posteriores julgados atinentes ao aproveitamento do ágio.
Publicação original: Direito Tributário Atual. , v.27, p.232 – 268, 2012.
[1] Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário Empresarial da FAAP – São José dos Campos. Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro.
[2] Mestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. LL.M. in Taxation pela Georgetown Law. Pós-graduado em Direito Tributário Internacional pelo IBDT e em Direito Tributário pelo IBET. Advogado e Professor em São Paulo. International Associate de Milbank, Tweed, Hadley and McCloy, em Nova Iorque.
[3] Note-se que o Banco Santander (Brasil) S.A. foi autuado in casu, em virtude da operação de incorporação do BANESPA por aquele, que o sucedeu em todos os direitos e obrigações.
[4] Importante ressaltar que todas as informações utilizadas para os fatos e para a descrição da operação ora em análise foram retiradas do Acórdão nº 140200.802 em comento e, portanto, derivam de informações públicas diponibilizadas pelo Ministério da Fazenda. A parte opinativa deste estudo, notadamente a parte do item 5 do presente artigo reflete exclusivamente a visão pessoal dos autores, não sendo em nenhum imputada ao contribuinte ou a seus patronos.
[5] “As the term “synergy” indicates (the combination of the terms “syn-ergon”, which in Greek means “working together”), synergies (or more specifically, business synergies) are conceivable where two or more parties join forces and cooperate. Thus, the main idea or basic definition of synergy might be the potential additional value gained from combining at least two businesses or companies, or the value arising from the integration of other assets (either tangible or intangible), when used together” (CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Treatment of Synergy for Transfer Pricing Purposes: Code Secs. 367(d), 482 and 936 – A Critical Analysis Based on TAM 200907024 and the Obama Administration’s Proposals. International Tax Journal, v. 37, No. 5, September-October 2011, p. 43-44).
[6] Também serviu de base jurídica para o uso da SANTANDER HOLDING, por sua vez, a questão envolvendo a proteção do direito de dividendos dos acionistas minoritários do BANESPA (art. 6º e 16 da Instrução CVM nº 319/99). A provisão foi constituída como forma de evitar os efeitos negativos do ágio no patrimônio líquido do BANESPA, decorrentes da sua amortização após a incorporação. Por meio da amortização do ágio nos exercícios subsequentes pelo BANESPA (e pela incorporadora, posteriormente), em contrapartida do resultado do período, o mesmo valor dessa provisão seria creditado no resultado, de modo a anular o efeito da amortização do ágio no fluxo de distribuição de dividendos.
[7] Para uma detida análise deste tipo de operação vide: FARIA, Renato Vilela. Caso RBS: Análise da Operação “casa-e-separa”. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, pp. 63-90.
[8] Para uma detida análise deste tipo de operação vide: FERNANDES, Pedro Wehrs do Vale. Caso Casa do Pão de Queijo: Amortização de Ágio Pago na Aquisição de Ações. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora: 2010, pp. 293 – 314; e SANTOS, Celso Araújo. Caso Carrefour: Utilização de Ágio na Aquisição de Participações Societárias. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora: 2010, p. 315-326;
[9] Primeira seção do CARF, 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara, Acórdão n. 1402-00.802, relator Antônio José Praga de Souza, sessão de 21 de outubro de 2011,.
[10] Caso tal diferença seja negativa, estar-se-á diante do deságio.
[11] O Método de Equivalência patrimonial, aplicado aos investimentos relevantes, é contraposto ao método de avaliação da participação societária pelo custo (“Método do Custo”), que, segundo BOZZA, fundamenta-se “no valor histórico de aquisição da ação ou quota, e que geralmente é utilizado na avaliação dos demais bens do ativo, inclusive investimentos temporários ou não-relevantes.” (BOZZA, Fábio Piovesan. Tratamento Fiscal do Ágio na Aquisição de Investimentos, Revista Dialética de Direito Tributário, v. 178. São Paulo: Dialética, julho/2010, p. 55).
[12] Nesse ponto, convém mencionar o conceito de sociedades “controladas” e “coligadas” no direito brasileiro, em razão da recente alteração legislativa, bem como apontar o conceito de grupo societário (este inalterado), uma vez que o MEP aplica-se a estes três sujeitos de direito, nos termos do art. 248 da Lei nº 6.404/76, já citado. Atualmente, de acordo com a nova redação do artigo 243 da Lei nº 6.404/76 (alterada pela Lei nº 11.941/09), entende-se por coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa (art. 243, § 1º), sendo considerada “influência significativa” a hipótese em que a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la (art. 234, § 4º, entendida como influência significativa efetiva), condição esta presumida ex lege quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la (art. 234, § 5o). Ademais, entende-se por controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores (art. 243, § 2º). Por fim, a noção de grupo societário se extrai do art. 265 da Lei nº 6.404/76, sendo entendido como o ente constituído por sociedades controladoras e controladas, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
[13] Art. 1º da Instrução CVM nº 247/96.
[14] BIANCO, João Francisco. Transparência Fiscal Internacional. São Paulo: Dialética, 2007, p. 60.
[15] É preciso frisar, no entanto, que não havendo efetiva disponibilização dos recursos, isto é, realização ou separação de renda auferida pela sociedade investidora, ou, em outras palavras, tratando-se de resultado, na dicção deRicardo MARIZ DE OLIVEIRA, “meramente escritural e não efetivo”, a legislação societária permite a contabilização de eventual ajuste positivo em reserva de lucros, tal como dispõe o art. 197, da Lei nº 6.404/76. (Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 735)
[16] Como já dito, a investidora deverá imediatamente reconhecer em suas demonstrações contábeis qualquer alteração patrimonial da investida. Isto significa dizer que, sob a ótica contábil e societária, caso a investida aufira lucro, a investidora deverá registrar uma receita (resultado positivo de equivalência patrimonial) em contrapartida à desvalorização do investimento. Em sentido oposto, caso haja prejuízo na investida, uma despesa (resultado negativo de equivalência patrimonial) deverá ser lançada na investidora em contrapartida à desvalorização do citado ativo permanente.
[17] São consideradas exceções à neutralidade fiscal do Método de Equivalência Patrimonial (“MEP”) (i) a disponibilização dos lucros de controladas ou coligadas no exterior, na forma determinada pelo art. 74, da Medida Provisória nº 2.158-35/01, e regulamentada pelo art. 1º, §7º, da IN n.º 213/01, bem como (ii) a avaliação do valor contábil para fins de apuração do ganho de capital (art. 33, do Decreto-Lei n.º 1.598/77).
[18] OLIVEIRA, Ricardo Mariz, op. cit., p. 353. Em virtude da proximidade dos conceitos de renda e lucro, verifica-se que os ajustes decorrentes do MEP, positivos ou negativos, também não se ajustam a este último conceito. Para um melhor aprofundamento nos conceitos de renda e lucro, tais como descritos nas regras de competência constitucional, confira-se: GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 178.
[19] SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratamento tributário do ágio: considerações sobre o seu fundamento, Revista de Direito Tributário, v. 100. São Paulo: Malheiros, p. 170.
[20] SCHOUERI, Luís Eduardo, op. cit., p. 183.
[21] Nesse sentido, vale conferir a lição de José Luiz dos Santos (et. al.): “a demonstração do resultado do exercício destina-se a evidenciar a formação do resultado do exercício, mediante confronto das receitas e ganhos com as despesas e perdas incorridas no exercício.” (SANTOS, José Luiz dos. Contabilidade Societária. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30).
[22] O artigo 273 do RIR/99 traz a adoção do regime contábil de competência pela legislação fiscal, e é tomado como regra geral para fins do IRPJ.
[23] Art. 9º As receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento.
[24] Em linhas gerais, o acervo líquido é “a diferença entre os valores ativos e passivos existentes na sociedade incorporada – que a sociedade incorporadora deverá receber, em virtude da extinção da participação societária possuída na sociedade incorporada.” (BOZZA, Fábio Piovesan, op. cit., p. 59).
[25] No caso de ganho ou perda de capital, o ágio originalmente registrado, ainda que contabilmente amortizado, deverá ser somado ao custo de aquisição no momento de se determinar o valor contábil quando da alienação ou liquidação do investimento, conforme preconiza o art. 426 do RIR/99.
[26] O CARF firmou o entendimento de que a diferença entre o valor contábil acrescido do montante contabilizado de ágio e o acervo líquido era dedutível de imediato, anteriormente à edição da Lei nº 9.532/97. A este respeito, cite-se o recente julgado: Primeira Seção do CARF, Terceira Turma Ordinária da Primeira Câmara, relator Conselheiro Marcos Shigueo Takata, Acórdão n. 1103-00.294, sessão de 10.11.2010. Também o Parecer Normativo CST n. 51/79.
[27] Para maior aprofundamento no assunto, vide: MATIAS-PEREIRA, José. Governança no Setor Público. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 98 e ss.
[28] Com base no quanto explicitado no texto da exposição de motivos da Lei nº 9.532/97, SCHOUERI entende que a inserção da regra visou a “limitar a dedução do ágio às hipóteses em que fossem acarretados efeitos econômicos-tributários que o justificassem”, como forma de coibir os planejamentos tributários consistentes na incorporação de sociedades lucrativas por aquelas deficitárias (SCHOUERI, op.cit., p. 177). Em que pese ao referido entendimento, parece-nos, como também a MARIZ DE OLIVEIRA (op. cit., p. 770)e ao relator do Caso Santander, o conselheiro Antônio José Praga, que a regra fiscal de fato consistiu em um incentivo para a aquisição do controle de sociedades estatais, na medida em que a regra fiscal existente era dúbia, e não levava, necessariamente, à dedutibilidade do valor pago a título de ágio. Ressalte-se, a esse respeito, que a situação versada na exposição de motivos não se refere ao aproveitamento de ágio, mas, de outra sorte, à operação chamada “incorporação às avessas”, que nada tem que ver com o aproveitamento do ágio, mas sim, de eventual prejuízo fiscal e créditos tributários de PIS, COFINS e IPI em excesso.
[29] Isto porque, o fundamento lógico da dedutibilidade das despesas com o ágio é, precisamente, a sujeição de tais receitas futuras (expectativa de rentabilidade) à tributação.
[30] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de, op. cit., p. 770. O próprio relator, Conselheiro Antônio José Praga, chega à idêntica conclusão de que o escopo da legislação, no tocante ao aproveitamento do ágio, seria de condicioná-lo “apenas e tão somente à absorção do patrimônio da investida pela investidora, ou vice-versa”.
[31] SCHOUERI, Luis Eduardo, op. cit., p. 176.
[32] BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Imposto sobre a Renda: Pessoas Jurídicas,.v. I. Rio de Janeiro: Justec, 1979, pp. 618-619.
[33] O mesmo ocorre no caso do deságio que corresponde a prejuízo potencial: a amortização do deságio é crédito às contas de resultado que impede a investidora de reduzir o lucro líquido do exercício em função de prejuízo da controlada ou coligada do qual não participa, porque excluído do valor da participação societária por ocasião da aquisição (BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. op.cit., id.).
[34] Conforme também entende SCHOUERI, Luís Eduardo, op. cit., p. 177 e ss.
[35] Fls. 57 do Acórdão ora analisado.
[36] Acórdão n. 1101-00.35, relator Conselheiro José Ricardo da Silva, sessão de 28.02.2011.
[37] Acórdão n. 120100.54, relator Conselheiro Rafael Correia Fuso, sessão de 03.08.2011.
[38] Em relação especificamente à metodologia aplicada pelo laudo de avaliação, há um interessante julgado do CARF envolvendo a empresa Coinbra Frutesp S.A., da lavra da conselheira Sandra Maria Faroni, entendendo que, ainda que não haja explícita menção o fundamento econômico, a apuração do ágio com base em reflexos do fluxo de caixa futuro e da rentabilidade da empresa, como um todo, teria o condão de comprovar o fundamento relativo à rentabilidade futura, cabendo à fiscalização a sua desconstituição. (Acórdão n. 101-96.12, relatora conselheira Sandra Maria Faroni, sessão de 30.05.2007).
[39] Cf. MARTINS, Eliseu Martins. Avaliação de Empresas: da Mensuração Contábil à Econômica. São Paulo: Atlas: 2001, p. 275.
[40] GRECO, Marco Aurélio. Ágio por expectativa de rentabilidade futura: algumas observações. In: WARDE JR., Walfrido Jorge. Fusão, Cisão, Incorporação e temas correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 286.
[41] A norma do art. 20 do DL nº 1.598/77 é clara em determinar que os fundamentos são alternativos e sem hierarquia entre si, sobretudo pela redação enumerativa e pela expressão “dentre os seguintes”, sem o uso de expressões como “em primeiro lugar” ou “em order de preferência”, por exemplo.
[42] Nesse sentido, o voto do conselheiro Antônio José Praga: “não há determinação de que haja uma proporcionalidade, admitindo-se que o Fundo de comercio seja 5 Bilhões, uma vez que existe outros 7 Bilhões de expectativa de rentabilidade futura, o ágio poderia ser totalmente dedutível, pois, continuaria havendo amparo legal. Estou plenamente convencido de que inexistindo disposição, contratual, ou qualquer outro documento ou registro contábil produzido pelas partes, estabelecendo que parte do valor pago a título de ágio tenha outro fundamento que não a rentabilidade futura, o valor é integralmente passível de amortização”(g.n.)(fls. 59-60 do Acórdão ora em análise).
[43] Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
[44] ROTHMANN, Gerd Willi. Natureza, finalidade, interpretação e aplicação das normas tributárias extrafiscais – conceitos de lucro de operação e de resultado operacional – classificação dos aluguéis como receita operacional, Revista Direito Tributário Atual, v. 23. São Paulo: Dialética, 2009, p. 200.
[45] Ressalte-se que há a previsão de alteração, no projeto de reforma do CPC, do capítulo específico das provas no Código de Processo Civil, instituindo a chamada distribuição dinâmica do ônus da prova.
[46] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 231.
[47] Cf. bem observado no voto do conselheiro Antônio José Praga: “a Fiscalização insiste que o contribuinte deveria ter apurado também o valor do Fundo de Comércio, que também estaria incluído no valor do Ágio. Admitindo-se, por hipótese que cabe razão ao Fisco nessa parte, então caberia ao Fisco apurar tal parcela, mediante critério técnico e glosar parte do valor do ágio com essas razões adicionais. Porém isso também não foi feito” (g.n.) (fls. 59 do Acórdão sob análise).
[48] Darcy Arruda Miranda Junior assim define as sociedades holdings, in verbis: “Preferem alguns chamá-la de sociedade de sociedades. Trata-se de uma sociedade constituída com o objetivo de adquirir o controle acionário de outra ou outras, permitindo domínio de companhia ou companhias cujos capitais somados são superiores ao seu. Não exercem propriamente atividades comerciais ou industriais e seu patrimônio social é constituído, principalmente, pelas ações de outras companhias.” (MIRANDA JUNIOR, Darcy Arruda. Curso de direito comercial: teoria geral das sociedades comerciais, v. 2. 3ª edição. São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 74)
[49] Fls. 63 do Acórdão ora em análise.
[50] Cabe aqui referenciar a manifestação coerente do Conselheiro Antônio José Praga, ao deixar claro que, na mesma medida em que as Autoridades Fiscais analisam o “filme”, quando da desconsideração de operações e atos subsequentes praticados pelo contribuinte para fins de acusações de evasão fiscal, fraude ou ilicitude de suposto planejamento tributário, também deve esta mesma Fiscalização analisar o “filme” no Caso Santander, como requereu o contribuinte em seu recurso voluntário, deixando claro que “não há margem para dois pesos e duas medidas, sob pena de total perda da credibilidade” (Fls. 64 do Acórdão ora sob análise).
[51] A respeito do citado método, confira-se o entendimento esposado por CARVALHO (et. al.): “No método Push-down accounting os ativos e passivos da empresa adquirida são avaliados pelo fair value em sua própria contabilidade, para depois serem combinados na nova entidade. De outra forma, pode-se dizer que, por esse método, quando há uma aquisição do controle acionário de uma empresa subsidiária, esta passa a adotar uma base contábil (fair value) para seus ativos e passivos, a partir do preço pago pela empresa controladora pela aquisição da subsidiária. O fair value dos ativos e passivos da subsidiária, juntamente com o goodwill, são reconhecidos na sua própria contabilidade, em vez de serem reconhecidos na contabilidade da empresa compradora.” (CARVALHO, Allan Carlos Brilhante. O tratamento do ágio nas empresas privatizadas no setor elétrico, Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UERJ, v.9, n.1. São Paulo: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2004, p.17)
[52] Confira-se o parágrafo 45 do citado documento: “O fundamento para a previsão do item 44 acima está no fato de que, internacionalmente, os princípios contábeis geralmente aceitos em alguns países admitem o tratamento do push down accounting, sempre em situações muito restritas, mas as regras internacionais de contabilidade do IASB não prevêem essa forma de contabilização. Aplicando-se o conceito do push down accounting, a entidade adquirida deve estabelecer uma nova base de contabilização (valor justo), para todos os ativos e todos os passivos, e independentemente da interposição de empresa veículo (prevalece a essência econômica). A interposição de uma empresa veículo para a aquisição de uma entidade, e que culmina com a incorporação reversa da entidade veículo com o objetivo de trazer o ágio ou parte do ágio para a empresa adquirida, é um meio legal de contabilização do push down accounting. Do ponto de vista contábil, e no nível de apresentação das demonstrações contábeis individuais da entidade adquirida, a troca de acionistas controladores não deve implicar no estabelecimento de uma nova base contábil dos ativos e passivos da adquirida ou na contabilização de ativos intangíveis antes inexistentes, ficando essa nova base de mensuração aplicável apenas no nível das demonstrações contábeis (individuais e consolidadas) da adquirente.”
[53] Acórdão n. 1101-00.35, relator Conselheiro José Ricardo da Silva, sessão de 28.02.2011.
[54] Note-se que a legislação tributária brasileira determina o desdobramento do custo de aquisição da participação de acordo com o patrimônio líquido (“PL”) da sociedade adquirida (não do alienante), de maneira que o reconhecimento do ágio fiscal independente do valor em que a referida participação estava contabilizada na SANTANDER HISPANO. Em outras palavras, o que importa para a legislação fiscal, para o fim de reconhecimento e desdobramento do ágio, é a diferença entre o valor do PL da sociedade cujo controle se adquire e o montante pago pela holding brasileira para a aquisição da referida participação.
[55] Acórdão nº 1301-000.711, relator Conselheiro Valmir Sandri, sessão de 19.10.2011.
[56] Nesse sentido, o julgado envolvendo a Tele Norte[56] também tratou do tema da transferência do ágio para terceira sociedade. Neste caso, a TELEMAR PARTICIPAÇÕES S.A. (Telemar) subscreveu e integralizou capital na sociedade 140 PARTICIPAÇÕES S.A. (140 Participações) – que previamente tinha aprovado aumento de seu capital – por meio do aporte de ações da TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A. (Tele Norte), anteriormente detidas pela TELEMAR PARTICIPAÇÕES S.A. Por meio deste ato, o investimento na TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A. foi transferido para a 140 PARTICIPAÇÕES S.A., passando a ser este seu único ativo, adquirido com o pagamento de ágio. No mês seguinte ao aumento de capital com integralização das ações da Tele Norte na 140 Participações, esta última aprovou sua incorporação pela Tele Norte (“incorporação às avessas”), ato que culminou na extinção da 140 Participações. Restou decidido, neste julgado, que o contribuinte já possuía – antes de tais operações – o direito e cumpria as condições para usufruir do benefício fiscal e, portanto, não teria havido ilicitude.
[57] No contexto internacional, referido método recebe o nome de comparable uncontrolled price”(“CUP”).
[58] Com relação às regras brasileiras de preços de transferência e sua relação com princípio do at arm’s length, já nos manifestamos oportunamente: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Normas Brasileiras de Preços de Transferência e o Princípio do Arm’s Length no Brasil: Hipótese de Treaty Override, Revista de Direito Tributário da APET, v. 23. São Paulo: MP Editora: 2009, pp. 67 – 94.
[59] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 294.
[60] FERNANDES, Pedro Wehrs do Vale. Caso Casa do Pão de Queijo: Amortização do ágio pago na aquisição de ações. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento tributário: análise de casos. São Paulo: MP ed., 2010, p. 308.
[61] MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 765. No mesmo sentido, vide ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ e CSLL: Planejamento Tributário por Indução Legal: Amortização do Ágio nas Reorganizações Societárias. In PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 525.
[62] “Com efeito, tenho para mim que a subscrição é sim uma forma de ‘aquisição’ de participação societária (…) a legislação que autoriza a amortização não distingue o tratamento a ser dado a uma ou outra situação” (Cf. Acórdão 105-16.774, julgado em 08/11/2007, 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, fls. 38).
[63] Acórdão nº 105-17.219, sessão de 17/09/2008.
[64] Idem.
[65] SCHOUERI, Luis Eduardo. O desafio do planejamento tributário. In: SCHOUERI, Luis Eduardo (coord.); FREITAS, Rodrigo (org.). Planejamento tributário e o ‘propósito negocial’. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 483 e ss.
[66] As teorias do substance over form e do business purpose test, de origem anglo-saxã, surgiram na análise de precedente jurisprudencial norte-americano Gregory v. Helvering (http://caselaw.lp.findlaw.com/cgi-bin/getcase.pl?court=us&vol=293&invol=465). A primeira teoria, neste esteio, preconiza que se deve perseguir, em detrimento da forma legal das operações, o conteúdo dos atos praticados. No que toca à doutrina do business purpose test, consagra-se o entendimento, no âmbito da commom law, de que a construção de negócios jurídicos deve possuir um propósito extrafiscal, isto é, um motivo extrínseco cuja natureza seja distinta da pura e simples economia de tributos. Neste sentido, segundo tal teoria, atos praticados com a simples finalidade de economizar tributos não poderiam ser considerados no caso concreto.
[67] O abuso de forma, originário do direito alemão (e atualmente disciplinado no Código Tributário da Alemanha seu § 42), e o abuso de direito, cuja origem remonta ao Tribunal de Amiens, em 1912, encontram-se, de certa forma, consagrados como ilícitos civis no art. 187 do Código Civil pátrio. Entendemos que, na ausência de procedimentos legais que prevejam a desconstituição de atos jurídicos com este intuito, não há que se falar em abuso de direito na seara tributária, uma vez que (i) o contribuinte não é obrigado a adotar a forma jurídica mais onerosa do ponto de vista tributário, pois, como se sabe, a tributação, em si mesma, já é uma forma de limitação do direito de propriedade do contribuinte; e (ii) ainda que assim não fosse, o abuso de direito encontraria óbices intransponíveis no princípio da legalidade estrita (Tatbestand) aplicável em direito tributário e na vedação do recurso à analogia, previsto no art. 108, §1º, do CTN.
[68] MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Caso Felipão e Caso Ratinho: o mito da impossibilidade de pessoas jurídicas prestarem serviços artísticos ou intelectuais e seus reflexos tributários. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento tributário: análise de casos.CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Análise da aplicação da teoria do substance over form aos planejamentos tributários no Brasil. In: Revista de Direito Tributário da APET n.º 22. São Paulo: MP editora, jun/2009, p. 55.
[69] SCHOUERI, Luis Eduardo. O desafio do planejamento tributário, op. cit., p. 18.
[70] A simulação, apontada pelo art. 149, VII, do CTN, é uma “declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado” (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil.4ª edição. Brasília: Ministério da Justiça, 1972, p. 239). Classifica-se, pois, a simulação em absoluta e relativa, sendo absoluta, portanto, como assevera Arnoldo WALD, “quando as partes não pretendem praticar ato jurídico algum e o ato simulado não encobre a realização de qualquer outro”, e relativa “quando as partes praticam um ato jurídico diverso do ato aparente.” (WALD, Arnoldo. Direito Civil: Introdução e Parte Geral. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 268).
[71] Consoante afirmam TIPKE e LANG, “ao conceito econômico de renda corresponde o conceito jurídico ‘soma dos rendimentos’.” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário (Steurrecht). Tradução da 18ª edição alemã, v. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 462)
[72] SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento tributário: limites à norma antiabuso, Revista Direito Tributário Atual, v. 24. São Paulo: Dialética, 2010, p. 358.
[73] Em que pese às opiniões em contrário, parece-nos que o ordenamento jurídico, especificamente se tomarmos a legislação cível, tem notório viés causalista, podendo se extrair do Código Civil algo em torno de 90 menções ao vocábulo “causa”. Além disso, adotamos no ordenamento a figura do enriquecimento sem causa, o que também parece apontar para o citado viés. Sobre a influência do direito civil no direito tributário, vide: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Civilização do Direito Tributário e seus Impactos na Liberdade de Auto-organização do Contribuinte, Revista de Direito Tributário Atual, v.23. São Paulo: Dialética, 2009, p. 277.
[74] VANONI, Ezio. Natureza e interpretação das leis tributárias. Tradução de Rubens Gomes de Souza da versão italiana: Natura ed interpretazione delle leggi tributarie. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1932, p. 128.
[75] Confira-se, a esse respeito, o entendimento de Renato Ventura Ribeiro, in verbis: “Os motivos para incorporação de companhia controlada são bem variados, como concentração empresarial, para ganhos de eficiência, possibilidade de maior crescimento, benefícios tributários, oportunidades de aquisição a preços baixos, integrações verticais, proteção contra ofertas hostis, entre outros.” (RIBEIRO, Renato Ventura. Incorporação de companhia controlada. In: WARDE JR., Walfrido Jorge, op. cit., p. 110)
[76] Conforme disposto pelo art. 8º, b, da Lei n. 9.532/97. Sobre outras questões envolvendo a licitude da operação de incorporação às avessas, vide MAGALHÃES, Cristiane M. S.; GIRÃO, Fabíola Costa. Caso Focom: Incorporação às Avessas e Compensação de Prejuízos Fiscais pela Incorporadora. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 201-214.
[77] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 92-93.
[78] Uma das espécies de exercício abusivo do poder de controle, inclusive, é associada à operação de incorporação. Confira-se: “Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. (…) § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia (…).”
[79] O chamado negócio consigo mesmo (similar ao self-dealing transaction), relativo às operações de incorporação realizadas entre controladora e controlada, é regulada em dispositivo específico da Lei n. 6.404/76 (art. 264). Por se tratar de espécie de incorporação deliberada por uma única vontade, qual seja, a do acionista controlador (como parte e como detentor da maioria de votos na assembleia-geral da controlada), referida operação apresenta maiores riscos sob o prisma societário, na medida em que o valor da relação entre as ações da incorporadora emitidas e o valor do acervo líquido, ou mesmo inúmeras outras questões, poderiam prejudicar os minoritários, que não tem o poder de vetar a operação. Para um estudo aprofundado do tema, vide: RIBEIRO, Renato Ventura, op. cit., pp. 101-128)
[80] Também conhecidas como “conduit companies” (empresas-canal).
[81] Também conhecidas como “specific purpose vehicles” (SPV), ou sociedades de propósito específico (SPE)
[82] É precisamente o que ensina ROLIM et al: “(…) nossa posição é a de que o uso de empresa-veículo em operações societárias não deve servir de única justificativa para a desconsideração fiscal. A análise deve ser feita caso a caso. Há diversas operações em que investidores nacionais ou estrangeiros interessados em operar no País criam empresas holdings com o único fim de adquirir investimentos e permitir o aproveitamento fiscal do ágio após a sua incorporação pela empresa operativa.” (ROLIM, João Dácio; FONSECA, Frederico de Almeida. Reorganizações Societários e Planejamento Fiscal. O Ágio de Investimentos e o Uso de “Empresa-Veículo” (Conduit Companies). In Revista Dialética de Direito Tributário nº 158, p. 76)
[83] Neste ponto, vide o “Caso Ale Combustíveis” (Acórdão nº 1201-00.548 sessão de 03.08.2011): “também não estamos diante da inclusão de empresa veículo criada apenas com o intuito de economizar tributos, sendo que a cisão parcial BR Distribuidora com a criação das Postos tinha um propósito comercial, econômico e negocial específico, que era a permuta com ativos da Repsol e a entrada no mercado brasileiro desse último no ramo de comercialização de combustíveis no mercado brasileiro”
[84] A respeito do tema, válido conferir o chamado “Caso Libra” (Acórdão nº 101-96.724 em sessão de 28 de maio de 2008).
[85] CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Caso Grendene: Limites à Realocação da Renda a Empresas do Grupo e Reflexões sobre Provas de Dolo, Fraude e Simulação no Planejamento Tributário Atual. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 59.
[86] TUDISCO, Flávio; GOBBI, Rafael Gomes. Caso Kiwi Boats: Segregação Lícita de Atividades Empresariais. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 187-200.
[87] ROTHMANN, Gerd Willi. Prefácio. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (org.). Planejamento Tributário: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 22-23.
[88] SCHOUERI, Luis Eduardo. O desafio…, op. cit., p. 18.
[89] Greco, a respeito do chamado “ágio de si mesmo”, assim se manifesta: “Por vezes, quando uma pessoa adquire determinada participação societária o faz com ágio, pois o valor da aquisição é superior ao respectivo valor de patrimônio líquido. Ocorre que, num momento posterior à aquisição, por vezes, sucede de ser feita uma incorporação às avessas que gera uma situação curiosa em relação ao ágio na aquisição da participação societária. Com efeito, o ágio tem por objeto uma participação societária de titularidade da controladora, que representa fração do capital da pessoa jurídica controlada à qual ele se reporta. Na medida em que a controlada incorpora a controladora, desaparece o sujeito jurídico titular da participação societária. Assim, caso preservado, o montante do ágio passaria a estar dentro da incorporadora (antiga controlada), possuindo como origem um elemento que agora integra a própria incorporadora. Seria um “ágio de si mesmo”, o que sugere uma preocupação quando se analisa o caso concreto que apresente este efeito.” (GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 359)
[90] “Caso Ficap” (Acórdão nº 105-17.219, em sessão realizada em 17/09/2008) e “Caso Libra” (Acórdão nº 101-96.724, em sessão realizada em 28 de maio de 2008).
[91] Fl. 67 do acórdão ora em análise.
[92] Art. 4º, §4º, da Lei nº 6.404/76.
[93] Acórdão nº 103-23.290, relator Conselheiro Aloysio José Percínio da Silva. sessão de 05.12.2007.
[94] SANTOS, Celso Araújo. op.cit., p. 323.
[95] Vale frisar que, além do citado ofício-circular, após a alteração dos padrões contábeis realizada pela Lei nº 11.638/07, cujos impactos fiscais foram tratados pela Lei nº 11.941/09, foi emitido o Pronunciamento Técnico CPC 04 que, seguindo a diretriz já traçada pelo referido ato normativo, dispôs, em seu item 47, que “o ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) gerado internamente não deve ser reconhecido como ativo.”
[96] MOSQUERA, Roberto Quiroga; FREITAS, Rodrigo de. Aspectos polêmicos do ágio na aquisição de investimento: (i) rentabilidade futura e (ii) ágio interno. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.). Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011, p. 276.
[97] NOVAIS, Raquel (et. al.). A prevalência da forma contábil sobre a natureza jurídica e a essência econômica – o ágio nas operações dentro do meso grupo de empresas. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.). Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011, p. 385.
[98] Deve-se alertar, nesse aspecto, que o conceito de ágio para a legislação societária não se confunde com aquele desenvolvido nesse texto, na medida em que nesse campo específico o ágio se refere à diferença entre o preço de emissão das ações e o seu respectivo valor nominal, o que não se confunde com o ágio amortizável na base de cálculo do IRPJ e CSSL.
[99] MOSQUERA, Roberto Quiroga et al. op.cit., p. 278.
[100] Arts. 464 a 467, do RIR/99.
[101] OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Questões atuais sobre o ágio – ágio interno – rentabilidade futura e intangível – dedutibilidade das amortizações – as inter-relações entre a Contabilidade e o Direito. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.). Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011, p. 232.
[102] Referida expressão foi utilizada, como visto, por Roberto Quiroga Mosquera. A respeito, vide: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.), op. cit., p. 268.
[103] A este respeito, conforme salienta UTUMI, o ágio derivado da expectativa de ganhos futuros, de acordo com os novos padrões contábeis, passou a consistir na “diferença entre o preço de aquisição e o valor líquido dos ativos e passivos a valor justo, que não necessariamente corresponde ao valor de patrimônio líquido.” (UTUMI, Ana Cláudia Akie. O ágio nas operações de fusões e aquisições em face das novas regras contábeis. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (et. al.). Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011, p. 109.)
[104] ARAGÃO, Paulo Cesar; ROCHA, Sérgio André. Aproveitamento de ágio em empresa-veículo: exame a partir das decisões dos Conselhos de Contribuintes e das regras previstas na Lei n. 11.638/07. In: Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A…, op. cit., p. 401; DONIAK JR., Jimir. Análise da amortização de ágio frente as Leis n. 11.638/07 e 11.941/09. In: ROCHA, Sérgio André (coord.) Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A: alterações das Leis n. 11.638/07 e n. 11.941/09, op. cit., pp. 310-311; VIEIRA FILHO, Luiz Sérgio (et. al.). O ágio nas aquisições de participações societárias. In: ROCHA, Sérgio André (coord.) Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A: alterações das Leis n. 11.638/07 e n. 11.941/09, op. cit., p. 452; entre outros autores.
[105] A Lei n. 11.941/09, como é cediço, determinou a neutralidade das alterações contábeis em relação à apuração da base de cálculo dos tributos. Confira-se: “Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.”
[106] UTUMI, Ana Cláudia Akie, op. cit., p. 112. Referido entendimento também parece ser adotado por Ian Muniz, no seguinte texto: MUNIZ, Ian. Neutralidade fiscal da Lei n. 11.638. In: ROCHA, Sérgio André. Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A: inovações da Lei 11.638. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 174.
[107] Confira-se o entendimento de ROLIM: “Percebe-se, portanto, que a norma tributária objeto de análise (art. 386, do RIR/99) não produz tantas antinomias com as modificações contábeis introduzidas no instituto do goodwill. Com efeito, a norma tributária já limitava sua aplicação ao ágio gerado por rentabilidade futura, mas a forma de apuração deste valor não era plenamente regulamentada pela lei fiscal ou societária. (…) A relativa autonmia da norma tributária, nesse caso, assim como a aplicação pura e simples da norma geral de neutralidade não permitem que se mantenha a apuração do ágio como se a nova sistemática societária-contábil não estivesse em vigor. Isto porque a norma fiscal anterior era aberta no sentido do ágio ter fundamento econômico em rentabilidade futura, sem especificar os critérios econômicos para a sua apuração. Se estes critérios econômicos vieram à tona com mais clareza, e desde que razoáveis, então eles podem prevalecer. Aqui o princípio da legalidade permanece observado, pois o que a lei fiscal estipulou foi os dois requisitos essenciais para o ágio ser dedutível: rentabilidade futura e laudo com fundamento econômico.” (ROLIM, João Dácio (et. al.). A autonomia relativa das normas tributárias em face das alterações dos métodos e critérios contábeis pela Lei 11.638/08 – teste da compatibilidade sobre as normas de amortização fiscal do ágio fundamentado em rentabilidade futura (goodwill). In: ROCHA, Sérgio André (coord.) Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A: alterações das Leis n. 11.638/07 e n. 11.941/09, v. II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 328)