Direto ao ponto: O STF negou provimento ao recurso extraordinário da União, após empate na votação. Isso significa que o mérito do RE 460.320 envolvendo a Volvo – extensão do artigo 24 do Acordo Brasil-Suécia, que garante o mesmo tratamento a nacionais brasileiros e suecos, aos residentes na Suécia – restou decidido pelo STJ. Assim, apesar de favorável ao contribuinte, o leading case sobre não-discriminação em acordos contra a bitributação entendeu que os residentes na Suécia devem ter o mesmo tratamento tributário que os residentes no Brasil, equiparando o conceito de “nacionais” ao de “residentes”, o que se mostra equivocado em nossa opinião. Algumas lições importantes podem ser extraídas desse julgado: (i) STF não julga matéria de acordos internacionais, só o STJ; (ii) acordos internacionais prevalecem sobre a lei interna; e (iii) a literalidade de determinados conceitos (“nacionalidade”) pode sim ser questionada em juízo e, como ocorreu no caso, pode ter sofrer uma interpretação extensiva mesmo que na contramão do Direito Tributário Internacional comparado.
O Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto deste ano finalmente pôs fim a um tema que se arrastava, somente no STF, há quase 15 anos. O julgamento do RE 460.320 envolvendo a Volvo se trata da discussão sobre a possibilidade de haver tratamento tributário diferenciado entre um nacional brasileiro e um nacional estrangeiro – no caso, sueco, já que se tratada de discussão de dividendos distribuídos para a Suécia, nos termos do Acordo contra a Bitributação celebrado entre Brasil e Suécia.
Todavia, o desfecho surpreendente do caso foi no sentido de que não se poderia tratar, sob a ótica da carga fiscal, de forma mais onerosa um residente na Suécia, em comparação com o tratamento tributário concedido a um residente no Brasil. Note-se que “nacionalidade” e “residência” são dois conceitos distinto e que não se confundem.
Um nacional de um estado contratante, por exemplo, nacional sueco é um indivíduo (pessoa física) ou uma entidade (por ex., pessoa jurídica) é aquele que tem origem na Suécia, seja por força de seu nascimento ou naturalização (pessoa física) ou do local de registro de seus atos constitutivos (pessoa jurídica). A nacionalidade diz respeito à origem do sujeito. O mesmo vale para o capital: capital estrangeiro é aquele originado em outro território que não o brasileiro e, por sua vez, capital nacional é aquele originado no Brasil.
Já residência diz respeito a regra tributária que define determinado comportamento ou situação como suficientemente conectada com aquela jurisdição e, portanto, sujeita a uma potencial imposição tributária. Uma pessoa física residente no Brasil é aquela resida no Brasil em caráter permanente ou, vindo de uma condição de não-residente, ingresse no país com visto permanente, na data da chegada; ou com visto temporário, na data em que complete 184 dias no território nacional. Por sua vez, a pessoa jurídica, é residente no Brasil se o lugar da sua sede for o território nacional. Como os atos de constituição de uma sociedade devem eleger a sede no Brasil, bem como são registrados no Brasil, uma sociedade de nacionalidade brasileira será residente no país.
Especificamente ao caso apreciado pela Suprema Corte, a Volvo alegava que a limitação da isenção de dividendos vigente em 1991 previamente àquela trazida pelo artigo 10 da Lei 9.249 em 1995 (esta última a que isentou os dividendos de sociedades brasileiras pagos a residentes e não-residentes de igual forma) – que somente isentava dividendos distribuídos a residentes no Brasil e, portanto, tributava a 15% pelo IRRF os dividendos distribuídos a “residentes ou domiciliados no exterior” – desrespeita a isonomia, tratando-se desigualmente contribuintes que seencontram em situações equivalentes.
Utilizando-se como fundamento do artigo 24 do Acordo Brasil-Suécia que trata da “Não-Discriminação” e apoiando-se no art. 98 do CTN, que diz que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação interna e serão observados pela que lhes sobrevenha”, a Volvo sustentou que o legislador interno não poderia revogar a isonomia prevista em acordo internacional.
Vale destacar que o artigo 24 (1) do Acordo Brasil-Suécia dispõe que: “os nacionais de um estado contratante não ficarão sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou obrigação correspondente, diferente ou mais onerosa do que aquelas que estiverem sujeitos os nacionais desse outro estado que se encontrem na mesma situação”.
Ademais, o art. 24 (2) do referido acordo internacional definia como “nacionais”: “a) todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de um estado contratante; e b) todas as pessoas jurídicas, sociedades de pessoas e associações constituídas de acordo com a legislação em vigor num estado contratante”.
Após decisão contrária ao contribuinte proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – “TRF4” no sentido de que “não há violação ao princípio constitucional da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil”, a Volvo interpôs recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”).
No STJ, foi provido o recurso especial interposto pela Volvo e, no acordão, a decisão do TRF4 foi revertida em favor do contribuinte, prevalecendo o entendimento de que “sendo o princípio da não-discriminação tributária adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações internacionais e a melhor convivência entre os países”.
A União Federal então, interpôs recurso extraordinário perante o STF visando reverter a decisão em favor do contribuinte do STJ. Em 13/09/2005 o processo foi distribuído ao Ministro Gilmar Mendes e, cerca de 15 anos depois, o STF finalmente julgou o leading case sobre não-discriminação em acordos contra a bitributação.
O entendimento do STJ confundiu indevidamente o elemento de conexão nacionalidade com o elemento de conexão residência , uma vez que estendeu a todos os súditos suecos residentes no exterior benefícios fiscais apenas concedidos aos residentes no Brasil. Desse forma, assegurou ao nacional sueco a isenção do referido tributo tanto aos residentes quanto aos não residentes.
Ora, a interpretação conferida pelo acórdão recorrido ao art. 24 Acordo Brasil-Suécia além de contrária à expressa disposição literal do tratado internacional é também flagrantemente ofensiva ao art. 150, II, da Constituição, porque torna equivalentes situações claramente distintas, não em razão da nacionalidade, mas sim da residência.
Entendemos que o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, contém o entendimento e interpretação jurídica corretos e aplicáveis ao caso. Para o Relator, o recurso extraordinário da União Federal deve ser provido, para afastar a concessão da isenção de imposto de renda retido na fonte para os não residentes conferida pelo acórdão recorrido e julgar improcedente a presente ação declaratória, restando prejudicado o apelo do contribuinte, já que é indevida a extensão da isenção dada a residentes no Brasil aos não-residentes na Suécia, por não se tratarem de situações equivalentes e porque, a não-discriminação do Art. 24 do Acordo Brasil-Suécia só exige o tratamento isonômico para nacionais suecos e não para residentes na Suécia.
Todavia, preliminarmente, o STF, por unanimidade, julgou prejudicado o recurso extraordinário interposto pela Volvo. Na sequência, em razão de empate na votação e nos termos do art. 146 do Regimento Interno do STF, o Tribunal negou provimento ao recurso extraordinário da União. A divergência foi aberta porque a interpretação de acordos internaiconais é matéria de índole infra constitucional, destarte, de competência do STJ. Como havia um ministro impedido (Ministro Luiz Fux), houve empate no julgamento, prevalecendo o voto de qualidade do Ministro Dias Toffoli (presidente) que confirmou a competência do STJ.
Assim, uma vez decidido que é o STJ que possui competência para julgar matéria afeta aos acordos internacionais contra a bitributação e não havendo violação constitucional que exija apreciação do STF, por voto de qualidade, o STF concluiu tratar-se de matéria infra constitucional, de competência do STJ e, portanto, prevaleceu o entendimento anterior do STJ de que a tributação dos dividendos aos residentes suecos viola o acordo internacionais.
Cabe ressaltar que, atualmente, tanto os residentes, como os não residentes estão isentos do imposto de renda retido na fonte quanto aos rendimentos provenientes de dividendos ou lucros distribuídos por pessoas jurídicas tributadas no Brasil (art. 10, Lei n. 9.249/1995). Não obstante a isenção atualmente ser aplicada a dividendos distribuídos por empresas brasileiras tanto a sócios residentes como não-residentes, o tema ganha relevância sob outra ótica, em nossa opinião.
É que, uma vez entendido o conceito de “nacionais” como mais abrangente e, portanto, extensivamente englobando a proteção isonômica e o tratamento tributário igual para “residentes” e “não residentes” – que, frise-se, para nós é um absurdo e extrapola claramente o escopo teleológico, literal, histórico e sistemático da norma de “não discriminação” presente acordos contra a bitributação – pode-se buscar questionar o tratamento tributário distinto entre residentes e não-residentes para todos os rendimentos que sejam tributados de forma mais onerosa para não-residentes nos 33 países com os quais o Brasil celebrou acordo contra a bitributação.
Observe-se que, se o fundamento da decisão do STJ no caso envolvendo a Volvo é aquele consubstanciado no voto da Ministra Denise arruda de que “houve igualmente discriminação entre os sócios da mesma empresa, cujo discrímen foi fundado apenas no fato residência e/ou domicílio de cada um, a meu ver, está claramente evidenciada a violação do art. 98 do CTN e do art. 24 da Convenção Brasil-Suécia”, regras que onerem fiscalmente o não-residente e não onerem o residente no Brasil – como regra de subcapitalização (thin cap) – deveriam ser consideradas em patente violação da não-discriminação e, portanto, mutuários estrangeiros residentes em qualquer dos 33 países com os quais o Brasil possui acordo contra a bitributação poderiam pleitear o direito de não aplicarem as regras de subcapitalização para empréstimos contraídos entre matriz e subsidiária, por ex.
Em suma, tal entendimento, para nós, equivocado do STJ poderá abrir oportunidade tributárias para multinacionais operando no Brasil, gerando restituição e não aplicação de regras tributárias como a de subcapitalização a partir deste julgado.
Direto ao ponto: O STF negou provimento ao recurso extraordinário da União, cabendo ao STJ a competência para julgar casos envolvendo acordos internacionais. O entendimento veiculado no leading case sobre não-discriminação em acordos contra a bitributação apesar de favorável ao contribuinte, ao equiparar o conceito de “nacionais” ao de “residentes”, se mostra equivocado, se considerado à luz da doutrina e do Direito Comparado. Todavia, uma vez confirmada a interpretação extensiva, mesmo que na contramão do Direito Tributário Internacional comparado, para a regra de não-discriminação dos acordos internacionais, surgem novas oportunidades para questionar regras tributárias limitadoras aplicáveis exclusivamente a não-residentes, tais como as regras de subcapitalização que, sob esse raciocínio, poderão ser questionadas no Poder Judiciário a partir desta data.