Direto ao ponto: o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento do leading case sobre a incidência de ISS ou ICMS em licenciamento de software, marcado originalmente para 18 de março. O conteúdo desta discussão vai além das empresas que licenciam softwares e de telecom, pois engloba importantes temas para todas aquelas de prestação de serviço e comércio do país. Interessa, portanto, a quase todos os contribuintes brasileiros o desfecho desse julgamento. Para prestadores de serviço e comerciantes, mais que o resultado, os fundamentos que serão utilizados pelo STF para justificar a incidência de um ou de outro tributo são importantes, já que podem fazer com que empresas de outros setores tenham sua carga fiscal aumentada, impactando, assim, diretamente a estruturação de suas atividades e seus custos tributários a partir de então.
O tema é de extrema relevância, razão pela qual possui repercussão geral e é muito aguardado pelos contribuintes: trata-se da discussão sobre qual tributo (ISS, ICMS ou nenhum – esta última hipótese mais improvável de acontecer) incide sobre o licenciamento ou cessão de direitos, mais especificamente, sobre softwares (programas de computador).
O leading case refere-se ao RE 688.223-PR. O caso envolve operadora de telefonia celular que discute o não-recolhimento do ISS sobre os valores cobrados de seus clientes por licenciamento e cessão de direito de uso de software. A discussão envolve o critério da customização ou personalização do software como determinante para ser devido o ISS ou o ICMS, na medida em que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fora, até hoje, o de que (i) nos casos de software personalizado ou customizado, haveria um “serviço” prestado e, portanto, o ISS seria devido; e (ii) quando inexistir personalização, ou seja, para os chamados “software de prateleira” (produzidos em larga escala ao público em massa) se trataria de venda de mercadoria e, portanto, o ICMS seria devido.
O contribuinte alega que não deve incidir o ISS sobre o licenciamento ou cessão de software essencialmente por quatro motivos: (i) empresa de telecomunicação não possui como atividade-fim tal objeto (seria, portanto, o licenciamento ou cessão de software uma atividade-meio para os serviços de telecomunicações, razão pela qual não há que se falar em ISS, mas somente ICMS sobre os serviços de telecomunicação per se); (ii) licenciamento ou cessão de direitos é obrigação de dar e não obrigação de fazer, e o ISS somente incidiria sobre obrigações de fazer; (iii) fariam jus à imunidade prevista para os serviços de telecomunicações do artigo 155, parágrafo 3º, da Constituição Federal (que diz que nenhum tributo adicional – no caso, o ISS – poderia incidir sobre telecomunicações); e (iv) o licenciamento ou cessão são provenientes do exterior e, portanto, não havendo os requisitos para ser caracterizada a importação de serviços (por ex., resultado verificado no território nacional), o ISS não poderia incidir nesse caso.
Diversas alegações do contribuinte servem não somente para a discussão dos softwares, mas para qualquer discussão envolvendo (a) importação de serviços provenientes do exterior; (b) obrigação de dar versus obrigação de fazer; e (c) atividade-meio e atividade-fim.
É por isso que o julgamento transcende a mera discussão de programas de computador e interessa para empresas em geral de comércio e serviços. A abrangência do tema para a definição dos elementos necessários para a incidência do ISS, tanto na prestação de serviços como na importação de serviços, bem como os critérios para a hipótese de incidência do ICMS em certas situações (determinação de atividade-meio versus atividade-fim, escopo da imunidade de telecomunicações, determinação de “mercadoria” inclusive na era digital/virtual), torna esse julgamento um divisor de águas para o setor de serviços e comércio. Ou seja, é de suma relevância para, praticamente, quase toda empresa situada no Brasil.
Historicamente, discussões similares foram levadas ao STF tratando do conflito de competência entre ISS e ICMS. Os casos envolvendo os provedores de internet e TVs por assinatura são exemplos. Os argumentos de atividade-meio aos serviços de telecomunicação para não incidir ISS e a discussão sobre não haver, tecnicamente, um serviço de comunicação prestado quando da disponibilização dos canais por assinatura, já foram testados nos tribunais superiores. Resta saber o que o leading case em questão trará como fundamento e resultado na tributação sobretudo por se tratar de julgamento pelo STF.
Direto ao ponto: prestadores de serviços e empresas varejistas devem estar atentos para os fundamentos da incidência ou não do ISS ou do ICMS nesse precedente e, a partir daí, revisitar seu modelo de operações e carga tributária, podendo surgir oportunidades de eficiência tributária, bem como passivos fiscais contingentes após esta decisão.