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Boas notícias para os contribuintes que estão no fogo cruzado da Guerra Fiscal

Publicado originalmente em dezembro/2017, por Matheus Bueno Oliveira e Pedro Henrique Rafael e Silva

O enredo da novela já é conhecido: Estados disputam a instalação de novos empreendimentos em seus territórios, de olho na geração de empregos e fortalecimento da economia local. Justificável.

Nessa competição entram desde promessas de cessão de terrenos até incentivos financeiros, normalmente atrelados ao valioso Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação e Transporte – “ICMS”. Os empreendedores optam por aquela localização que lhes permite melhores resultados, o que privilegia a empresa e por consequência seus clientes, fornecedores e acionistas. Natural e justificável.

Contudo, os incentivos são oportunamente julgados inconstitucionais, via de regra em demandas iniciadas pelos Estados onde estão os consumidores da empresa incentivada. Como que para adicionar drama ao roteiro, a Receita Federal busca arrecadar tributos federais sobre os incentivos estaduais, alegando se tratarem de receitas e lucro da atividade. Os investidores, a população afetada (consumidora dos produtos beneficiados ou empregada nos empreendimentos) e mesmo a arrecadação do fisco ficam todos frente a um enorme ponto de interrogação. Afinal, embora essa trama se desenrole há décadas, o final está longe de ser conhecido, assim como incertos são os riscos para todos os envolvidos. A famosa e antiga “guerra fiscal” percorreu praticamente todas as instâncias dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo sem que haja certeza quanto a prometida trégua. Injustificável!

Os últimos meses trouxeram novidades que muito interessam aos contribuintes beneficiados pelos incentivos que estão no centro da discussão. O ano se encerra com mais alguns desdobramentos importantes ao tema.

LC 160 e a convalidação de incentivos – É hora de confirmar sua ocorrência

O front mais sangrento da guerra fiscal sempre foi a disputa quanto à constitucionalidade de incentivos concedidos por um Estado, sem o aval unânime dos demais. Tradicionalmente, Estados consumidores de produtos oriundos de regiões incentivadas tratavam de questionar judicialmente a validade destes. Ainda que o Judiciário tenha se posicionado a favor desse questionamento, os incentivos nunca deixaram de ser replicados, e não raro houve acusações de que alguns Estados estariam discutindo a validade daquilo que seus vizinhos praticavam, enquanto também concediam benefícios de caráter similar. Contribuintes que adquiriam mercadorias incentivadas em operações interestaduais viam muitas vezes seus créditos oriundos da não-cumulatividade do ICMS serem glosados, em alguns casos até mesmo sem ação judicial própria para tanto. Liminares mantinham a insegurança por anos, dada a dependência das economias estaduais. Só faltou o Supremo Tribunal Federal decretar a interdição nos Estados. “Guerra” nunca foi uma expressão exagerada.

Conforme abordamos em agosto deste ano, a Lei Complementar n. 160 (“LC 160”) teve como objetivo estancar as discussões sobre a guerra fiscal entre os Estados da Federação, pelo menos com relação a benefícios fiscais já publicados. Como ali detalhamos, os principais mecanismos foram (i) a alteração do quórum de aprovação de benefícios, que sempre ocorre no Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”, composto pelos Secretários de Fazenda de todos os Estados), (ii) a possibilidade de convalidação de incentivos já em vigor e mesmo (iii) a sua prorrogação no tempo; e (iv) a extensão de tais privilégios a novas regiões e contribuintes. Por fim, tentou-se coibir a concessão de benefícios não listados, por meio da (v) cominação de penalidades previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, como vedação de recebimento de transferências voluntárias e restrições creditícias.

De fato, a partir da LC 160, os Estados e o Distrito Federal poderão deliberar, mediante Convênio do CONFAZ (não mais necessariamente por unanimidade), sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos por legislação estadual publicada até 8.8.2017 (data de publicação da LC 160). O prazo para essa aprovação é de 180 dias, vencendo logo no início do próximo ano (04.2.2018).

Logo, recomenda-se que contribuintes autuados ou com processos em andamento relacionados a utilização de benefícios fiscais estaduais avaliem possíveis impactos da LC 160, antes de aderir a quaisquer programas de parcelamento ou tomar outras medidas judiciais ou administrativas. Mais que isso, recomendamos que qualquer contribuinte que goze de benefícios de ICMS busque identificar se a legislação que lhe aproveita está sendo convalidada nos termos da LC 160 (o que ocorrer mediante diversos atos solenes, como publicação, registro e depósito dos atos perante o CONFAZ).

Derrubada de veto na LC 160 e a expressa previsão de que os incentivos não seriam base de tributos federais – Efeitos amplos

O ano de 2017 será recordado como especial. Talvez nunca tenham ocorrido tantas alterações tributárias profundas decorrendo da derrubada de vetos presidenciais pelo Congresso Nacional. Assim como ocorreu com a LC 157 e o Imposto Sobre Serviços, no início de novembro o Poder Legislativo federal veio a derrubar os vetos presidenciais apresentados à LC 160, com expressiva margem (por 380 a 58 votos).

Na prática, os dois artigos ressuscitados pelo Congresso determinam que os incentivos fiscais de ICMS de que aqui tratamos (entre outros) são enquadrados como subvenções para investimento, o que significa que não seriam considerados nem receita nem lucro do contribuinte beneficiado, de modo que estaria afastada a pretensão do fisco federal de sujeitá-los aos tributos de competência da União (Contribuição ao PIS, COFINS, IRPJ e CSLL).

Essa novidade é relevante. Além da discussão quanto à validade dos incentivos de ICMS, a guerra fiscal sempre jogou contribuintes em outra linha de trincheiras, dessa vez frente a Receita Federal do Brasil.

A derrubada do veto presidencial a dois artigos da LC 160 não apenas eximiria os contribuintes de um custo relevante e há muito debatido (v. próximo item), mas é especialmente importante porque a agora integral redação da LC 160 (i) trata de expressamente dispensar que os contribuintes tenham de cumprir requisitos tradicionalmente atrelados à classificação das chamadas subvenções para investimento (contraprestações do contribuinte em favor da sociedade); além de (ii) permitir que essa interpretação seja aplicável inclusive a processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados. Basta que o registro e depósito dispostos pela LC 160 sejam providenciados, e que as demais regras contábeis e societárias ligadas à categoria estejam sendo cumpridas.

Para os Estados e o Distrito Federal, a derrubada do veto presidencial é uma vitória, pois além de ter havido intenso debate até que se chegasse a redação original, ora integralmente válida, sempre existiu uma crítica de que a União estaria abocanhando parte dos incentivos custeados pelos cofres estaduais. Esta, naturalmente, terá grande prejuízo, o que talvez catalise a necessidade de uma reforma tributária. Por ora, para os contribuintes, estas são novidades positivas.

Julgamento no STJ permite exclusão de incentivos da base de IRPJ e CSLL – Possível pacificação do tema no judiciário (?)

Coincidentemente, no mesmo dia em que o Congresso Nacional derrubava o veto presidencial aos dois artigos da LC 160, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou recurso que tratava justamente sobre o enquadramento de créditos presumidos de ICMS como lucros ou receitas para cálculo de tributos federais. Novamente, os contribuintes saíram vencedores.

A discussão também é antiga. Na lei societária e contábil, os subsídios governamentais sempre foram classificados entre subvenções para custeio e subvenções para investimento. Tradicionalmente, a lei fiscal permite isenção de IRPJ/CSLL apenas sobre estes últimos, e mesmo assim somente quando atendidos alguns requisitos pelo contribuinte (i.e., registrar aqueles valores em reserva no seu Patrimônio Líquido, que só pode ser destinada para capitalização ou cobertura de prejuízos, ou seja, não pode ser distribuída aos sócios). A discussão entre os particulares incentivados e o fisco federal sempre teve duas vertentes: é debatido se a subvenção é realmente para investimento, o que depende de uma avaliação caso a caso, mas normalmente pressupõe que a empresa assuma contraprestações perante a sociedade, atrelando intimamente o benefício a um empreendimento. Além disso, também se debate se a legislação contábil permaneceria autorizando o registro da reserva sem que haja trânsito em contas de resultado.

Como vimos acima, os vetos derrubados da LC 160 vieram dispor que qualquer incentivo de ICMS será considerado subvenção para investimento e alheio à tributação federal, devendo haver inclusive aplicação retroativa desse raciocínio.

Contudo, enquanto a LC 160 era debatida no Congresso, os contribuintes permaneciam litigando com a União Federal, que insistia na arrecadação sobre os incentivos estaduais.

Pois bem. O julgamento ocorrido da Primeira Seção do STJ em 08.11.2017 pretendia encerrar a divergência entre a Primeira e a Segunda Turma do tribunal sobre essa tese. Em 2016, a Segunda Turma julgou o tema de forma desfavorável ao contribuinte, contrariando o julgamento de 2015 da Primeira Turma. Com a decisão de novembro, prevalece, ao menos por ora, o entendimento desta, que na prática ratifica o argumento usado no Congresso Nacional para derrubar os vetos à LC 160: não seria permitido à União apropriar-se, via tributação, de incentivos concedidos no âmbito do ICMS, às custas de renúncia fiscal pelos cofres públicos estaduais.

Embora positiva, a posição da Primeira Seção não contou com os votos de alguns Ministros ausentes à seção, nem com o de seu presidente, todos justamente da Segunda Turma.

De qualquer forma, trata-se de importante vitória, com o diferencial de ter ocorrido antes mesmo de a LC 160 vir a prever a inexistência da condição de haver contraprestação do contribuinte para que o incentivo possa ser considerado como subvenção para investimento.

Conclusão

A obtenção dos incentivos de ICMS sempre colocou os particulares no fogo cruzado da guerra fiscal. Alguns eventos demandaram atenção dos administradores para riscos que extrapolam a seara fiscal. Contudo, ao menos nesses últimos meses, mesmo sem a efetiva e prometida trégua, há sinais de um futuro menos inseguro. Mas há lições de casa para os interessados.

Contribuintes que usufruem de incentivos fiscais de ICMS no âmbito da chamada Guerra Fiscal devem conservadoramente buscar confirmar que seus benefícios estão sendo expressamente convalidados no âmbito do CONFAZ. Além disso, é especialmente importante que se busque identificar os impactos da nova redação da LC 160 (considerando a derrubada de vetos) e do julgado do STJ. Provavelmente há efeitos em relação tanto a eventos futuros como a períodos já encerrados.

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