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Caso Prevost: Planejamento Tributario Internacional e o Conceito de Beneficiario Efetivo dos Dividendospagos a Holding Holandesa, nos termos do Tratado Canada-Holanda

I – Conceito e Origem do Treaty Shopping

O treaty shopping pode ser definido, de forma sucinta, como a utilização indevida dos benefícios dos tratados por pessoas para as quais tais benefícios não estariam disponíveis diretamente[1]. De acordo com SCHOUERI ocorre o treaty shopping quando alguém, através da interposição de uma pessoa, obtém a proteção de um acordo de bitributação que, de outro modo, não seria devida[2].

A doutrina[3] entende que deve haver um requisito essencial para tal caracterização, qual seja, que a interposição de um terceiro beneficiário do acordo de bitributação tenha única e exclusivamente o intuito de obter vantagens fiscais decorrente deste acordo.

Há também outro conceito na doutrina internacional, bastante utilizado, que seria o abuso dos tratados ou treaty abuse[4]. Conceitualmente é bastante semelhante ao treaty shopping, isto é, utilização abusiva ou não-desejada das disposições dos tratados (“unintended treaty benefits”), razão pela qual não discorreremos sobresupostas diferenças entre eles.

Vale ressaltar que, para alguns autores como ROSEMBLOOM[5], ambas as expressões merecem criticas: “abuso de tratados” seria um termo fortemente carregado, ao passo que “treaty shopping” seria uma expressão enganosa, por pressupor esforço premeditado do contribuinte. Haveria, assim, uma carga pejorativa em tais expressões, apesar de que, para nós, por tais expressões já estarem consagradas entendemos pertinentes seus usos, desde que preenchidos todos os requisitos para caracterizá-las.

            O termo treaty shopping nasceu nos Estados Unidos, e deriva do termo fórum shopping, isto é, quando uma parte tenta “comprar” (shop) uma jurisdição mais favorável para seu caso[6].

            Para a caracterização deste fenômeno a estrutura pode ser bilateral ou triangular, sendo mais comuns os casos de uso de “empresas-canais” (conduit companies) e “empresas trampolins” (stepping stone companies). A diferença básica entre essas duas estruturas reside no fato de que, na primeira (canalização) a empresa interposta não está sujeita a tributação em sua sede, ao passo que na segunda (trampolim) esta está sujeita a tributação, razão que justifica a transferência dos benefícios do acordo de bitributação, como despesas, erodindo a base de cálculo tributável[7].

            Para conter o treaty shopping os Estados utilizam-se de medidas internas (atos normativos domésticos unilaterais) e de medidas internacionais bilaterais (cláusulas ou dispositivos nos próprios acordos de bitributação celebrados entre os Estados). Neste ponto concordamos integralmente com SCHOUERI[8] sobre a inconveniência e ineficácia do tratamento interno unilateral para combate ao treaty shopping, sendo necessárias e recomendáveis medidas nos próprios acordos de bitributação para combater ou evitar tal fenômeno.

            Neste sentido, as cláusulas de limitação de benefícios, ou Limitation on Benefits Clause (LOB clause) e a Cláusula de Beneficiário Efetivo dos rendimentos passivos (beneficial owner) são as duas formas utilizadas para a contenção do uso indevido dos benefícios dos acordos internacionais.

As cláusulas de limitação de benefícios (LOB clauses) podem ser de diversos tipos, sendo as mais comuns sintetizadas abaixo:

  1. “Look-through approach”: é a cláusula que somente permite os benefícios do acordo para companhias cujos sócios ou controladores sejam residentes de um dos Estados contratantes. Refere-se a beneficiário direto ou indireto do acordo;
  2. “Subject to tax approach”: somente permite os benefícios do acordo, por parte do Estado da Fonte, se a renda for tributada no Estado de Residência;
  3. “Channel approach”: se a renda é derivada de uma companhia residente no outro Estrado Contratante, que é administrada ou controlada por não-residentes, o acordo não se aplicará se mais de 50% da renda é repassada para tais pessoas; e
  4. “Tax exclusion approach”: os benefícios do acordo são negados a companhias que, por privilégios especiais concedidos por seu Estado de Residência, possam facilitar as estruturas de conduit companies. A aplicação de tais provisões é bem simples, mas precisa de auxilio administrativo investigativo por parte do Fisco.

Por outro lado, para evitar que os benefícios dos acordos sejam negados a residentes que, formalmente, incorram em alguma das cláusulas LOB acima citadas, os acordos de bitributação prevêem uma cláusula geral de boa-fé, também conhecida como “General Bona Fide Provision”, dispondo que a LOB Clause não se aplica nos casos em que as atividades do contribuinte não tiverem como objetivo original simplesmente obter vantagem fiscal no acordo.

Entre as cláusulas bona-fide as mais comuns são a (i) “activity provision”, que exige operação econômica relevante para a o direito de invocar os benefícios do acordo; (ii) “amount of tax provision”, que prevê que a limitação de beneficio não se aplicara se a redução do tributo não for maior do que o tributo efetivamente imposto no estado contratante no qual a companhia é residente; (iii) “stock exchange provision”, que dispõe que as companhias abertas publicas não estão sujeitas a tal cláusula LOB; e (iv) “alternative tax relief”, que dispõe que, se o recebedor final tiver obtido os mesmos benefícios na residência, a cláusula LOB não se aplica.

Por fim, a título meramente ilustrativo reproduzimos abaixo a cláusula LOB existente no acordo Brasil-Israel, para demonstrar como os dois Estados negociaram a redação de um dispositivo que visa evitar o treaty shopping:

Art. 25 – Limitação de Benefícios

1.         Uma entidade legal que seja residente de um Estado Contratante e obtenha rendimentos de fontes do outro Estado Contratante não tera direito, no outro Estado Contratante, aos benefícios da presente Convenção, se mais de 50% da participação beneficiaria em tal entidade (ou no caso de uma sociedade, mais de 50% das ações com direito a voto ou do capital da sociedade) forem detidos, direta ou indiretamente, por qualquer combinação de uma ou mais pessoas que não forem residentes de um Estado Contratante.

            A disposição deste parágrafo não se aplicara se tal entidade desenvolver, no Estado Contratante de que seja residente, uma atividade empresarial substancial que não seja a mera detenção de ações, títulos ou outros ativos.

2.         Uma autoridade competente de um Estado Contratante poderá negar os benefícios da presente Convenção a qualquer pessoa, ou com relação a qualquer transação se, em sua opinião, a concessão de tais benefícios constituir um abuso da Convenção em conformidade com seus fins. A autoridade competente do Estado Contratante envolvido comunicara a aplicação desta disposição a autoridade competente do outro Estado Contratante. (g.n)

            Passaremos agora para a análise da cláusula de beneficiário efetivo, objeto do presente estudo para, posteriormente, adentrarmos a análise do Caso Prévost, que aborda diversos dos conceitos até agora aqui tratados, direta ou indiretamente.

II. O Conceito De Beneficiário Efetivo nos Acordos de Bitributação

A expressão “beneficiário efetivo” foi pela primeira vez introduzida na Convenção Modelo da OCDE em 1977, segundo VOGEL[9]. Entretanto, no que concerne aos Acordos celebrados pelo Brasil a expressão somente apareceu a partir do Acordo com a Itália, em 1979 e, mesmo após essa data, a expressão remanesceu ausente em alguns Acordos, como por exemplo, no celebrado com o Canadá (1985) e com a Finlândia (1982).

A expressão “beneficiário efetivo” surgiu na Convenção Modelo da OCDE por força da influência dos países de língua inglesa, com o significado de ser a mesma designada para alguém reconhecido como proprietário por equidade, por lhe pertencerem uso e título da coisa, embora o título legal pertença a outra pessoa.

Segundo o Black’s Law Dictionary a expressão “beneficiário efetivo” tem o significado de:

“1 – One recognized in equity as the owner of something because use and title belong to that person, even though legel title may belong to someone else, esp., one for whom property is held in trust – Also termed equitable owner.

2 – A corporate shareholder who has the power to buy or sell the shares, but who is not registered on the corporation’s books as the owner[10].

Uma vez que, para o treaty entitlement, a pessoa ou entidade que almeje fazer uso dos benefícios do tratado deve ser uma pessoa residente em, pelo menos, um dos Estados Contratantes, faz-se imperioso verificar se, de fato, tal entidade é o verdadeiro beneficiário da renda recebida, ou seja, se esta é seu beneficiário efetivo[11].

De acordo com o Comentário número 9 ao Artigo 11 (2) da CM OCDE, o requisito do beneficiário efetivo fora introduzido no parágrafo 2 do Artigo 11 para esclarecer o significado da expressão pagos a um residente (“paid to a resident”), utilizada no parágrafo 1 de tal artigo.

Apesar de não existir uma definição positiva e expressa do termo “beneficiário efetivo”[12], seja na Convenção Modelo seja em seus Comentários, é possível extrair uma definição negativa deste conceito nos Comentários, na medida em que eles mencionam expressamente algumas figuras que não são consideradas como beneficiário efetivo dos dividendos, juros e royalties.

De acordo com o Comentário número 10 ao Artigo 11 (2) um agente ou um procurador que receba os rendimentos não pode ser considerado como o beneficiário efetivo destes. Todavia, a pessoa que temporária e precariamente receba juros não pode ser considerada a verdadeira titular de tais rendimentos e, destarte, não pode invocar a aplicação das disposições do tratado.

Adicionalmente, temos que o conceito ora em referência deve ser compreendido em sentido amplo, e não sob uma ótica restrita e técnica, assim entendido conforme o contexto e à luz dos propósitos e objetivos da CM OCDE, notadamente evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal. Estas recomendações são extraídas da análise conjunta dos Comentários ao Artigo 11, sobretudo do Comentário número 9 a este.

No mais, como definição positiva do termo beneficiário efetivo podemos citar a Explicação Técnica dos EUA ao Artigo 10 (2) (US Technical Explanation) de 1996 que definiu-o como “qualquer pessoa residente em um Estado Contratante a qual aquele Estado atribuísse o dividendo para fins de sua tributação”[13].

Na medida em que tal termo fora introduzido na CM OCDE em 1977 com o claro escopo de combater o fenômeno do treaty shopping – isto é, a utilização indevida dos benefícios dos tratados por pessoas para as quais tais benefícios não estariam disponíveis diretamente[14] – a aplicação dos benefícios do tratado não pode ser feita a meras sociedades condutoras, agentes, procuradores ou fiduciários de tais rendas.

Caso a pessoa que esteja recebendo dividendos, juros ou royalties seja a “verdadeira proprietária ou titular” destes rendimentos, isto é, a pessoa que possui poderes suficientes para decidir, sem a influência de terceiros nem em nome de outras partes, o que deseja fazer jurídica e economicamente com tal renda recebida entendemos que não seria sequer válido recusar a aplicação dos benefícios dos tratados a tais pessoas. Isto porque, neste caso, não haveria qualquer utilização abusiva ou não-desejada das disposições dos tratados (unintended treaty benefits) a tais pessoas jurídicas, físicas ou entidades híbridas[15].

Por conseguinte, o que é relevante é saber se a entidade é uma mera sociedade condutora, interposta pessoa ou agente fiduciário, procurador ou agente no que diz respeito a tal rendimento, utilizada com o único fito de invocar os benefícios do tratado ao qual, originariamente, esta não faria jus diretamente.

Neste tocante, a constatação deste requisito deverá ser feita mediante uma interpretação de acordo com cada caso concreto, visando evitar o treaty shopping e o treaty abuse, razão pela qual é extremamente difícil estabelecer uma regra geral para a definição do que se entende por beneficiário efetivo da renda.

III. Introdução ao Caso Prévost

O caso em questão envolve a sociedade Prévost Car Inc. (“Prévost”)[16], sociedade residente no Canadá, iniciou-se com a decisão da Corte Fiscal do Canadá em 22 de abril de 2008, e foi inalizado com a decisão da Corte Federal de Apelação, em 26 de fevereiro de 2009.

O caso sob análise diz respeito à dúvida sobre a definição do conceito de beneficiário efetivo dos dividendos distribuídos por sociedade residente no Canadá para sociedade holding residente na Holanda, nos termos do Artigo 10, parágrafo 2, do acordo internacional contra a bitributação celebrado entre Canadá e Holanda (“Acordo Canadá-Holanda”).

Discute-se a possibilidade de aplicação das alíquotas reduzidas de imposto de renda retido na fonte canadense (“WHT”) previstas em tal Acordo Canadá-Holanda, de 5%, ao invés da aplicação das alíquotas de 10% e 15%, que incidiriam se a holding holandesa fosse descaracterizada como o “beneficiário efetivo” de tais dividendos.

Desta forma, este importante precedente trata da possibilidade de uma holding residente na Holanda invocar a aplicação dos benefícios de um acordo de bitributação (treaty entitlement), no caso de os dividendos distribuídos pela sociedade residente no Canadá serem posterior e majoritariamente distribuídos para os sócios desta holding holandesa, residentes na Inglaterra e na Suécia.

Indubitavelmente, o tema é de grande importância, sobretudo porque este foi o primeiro precedente favorável ao contribuinte em casos versando sobre o conceito de beneficiário efetivo nos acordos internacionais contra a bitributação após o célebre Royal Dutch case, datado de 1994.

É importante lembrar que os últimos dois últimos precedentes na comunidade tributária internacional sobre o tema da conceituação do beneficiário efetivo dos acordos de bitributação, quais sejam, o Royal Bank of Scotland case e o Indofood case, ambos de 2006, foram desfavoráveis ao contribuinte, causando um rompimento das estruturas internacionais utilizadas no planejamento tributário internacional, na medida em que criaram um novo paradigma para a caracterização de abuso dos tratados tributários (“tax treaty abuse”).

Após elucidada a importância e apresentada a questão central deste estudo passaremos a sua análise aprofundada.

IV. A Autuação Fiscal

Em 13 de julho de 2000, o Ministério da Receita Nacional do Canadá exigiu imposto de renda da Prévost, como já dito, sociedade residente no Canadá, sobre os dividendos pagos a sua sócia integral, Prévost Holding B.V. (“PHBV”), companhia residente na Holanda, de acordo com a Parte XIII do Income Tax Act.

Esta exigência fiscal tinha como base o argumento de que o beneficiário efetivo dos dividendos pagos pela Prévost não era, na realidade, a PHBV, mas sim os sócios da PHBV, quais sejam: (i) Volvo Bussar A.B. (“Volvo”), sociedade residente na Suécia; e (ii) Henlys Group PLC (“Henlys”), sociedade residente na Inglaterra (Reino Unido). Contudo, quando a Prévost realizou os pagamentos dos dividendos para a Holanda o Fisco canadense alegou que a retenção do WHT deveria ter sido de acordo com as subseções 212(1) e 215(1) do Income Tax Act, à alíquota de 25%, ao passo que a Prévost, nos termos do Artigo 10 do Acordo Canadá-Holanda, recolheu tal imposto à alíquota de 5% (e, em 1996, de 6%).

Quatro foram os autos de infração (notices of assessment) lançados pelas autoridades fiscais canadenses, em 13 de julho de 2000, e um datado de agosto de 2001, totalizando cinco autos de infração relacionados aos dividendos pagos para a Holanda nos anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2001, respectivamente. Outros três autos de infração datados de 15 de abril de 2004 diziam respeito aos dividendos pagos em 1998, 1999 e 2001. A Prévost apresentou duas defesas (notice of appeal), sendo uma em relação à autuação fiscal de 2000 e 2001, e outra referente à autuação de 2004.

O Fisco canadense alegou em resposta às defesas que, nos termos da mencionada subseção 215(1), a Prévost deveria reter 25% de imposto de renda sobre os dividendos pagos à PHBV, alíquota interna prevista na legislação fiscal, mas que, o Minister aplicou as alíquotas reduzidas dos acordos de bitributação Canadá- Suécia (15%) e Canadá-Inglaterra (10%), não obstante os referidos acordos “não fossem aplicáveis”[17] ao caso.

V. Descrição dos Fatos

A Prévost tem como objeto social a construção de ônibus, carrocerias e estruturas chassis (bus body shells), no Québec. Em maio de 1995 a companhia teve suas ações vendidas para a Volvo e para a Henlys. Estas últimas celebraram um acordo de acionistas (Shareholder’s and Subscripton Agreement) na mesma data, no qual a Volvo ficou responsável pela constituição de uma sociedade residente na Holanda para, posteriormente, transferir para tal sociedade holandesa todas as ações da Volvo adquiridas da Prévost.

Por sua vez, as ações da sociedade holandesa recém-criada seriam detidas na proporção de 51% pela Volvo e 49% pela Henlys. Esta transferência de ações seria feita após a Henlys ter assegurado os recursos para a aquisição das ações da Prévost.

Em junho de 1995, os termos do mencionado acordo de acionistas foram implementados e, assim, as ações da Prévost detidas pela Volvo foram integralizadas na PHBV, e as ações da PHBV foram transferidas pela Volvo para a Henlys, de forma que a participação societária fosse de 51-49%, respectivamente.

De acordo com os relatos do Vice-Presidente Sênior da Volvo na América (“VP”), transcrito no processo do caso ora em análise, a razão pela qual a Volvo e a Henlys formaram uma sociedade holding residiu no fato de que ambas estavam envolvidas em dois aspectos diferentes da construção de ônibus, carrocerias e chassis. Além disso, a Volvo alegou que houve motivação para ampliar suas operações em conjunto e ter uma holding para dividir o conhecimento de ambas as empresas.

Uma holding company é “geralmente uma sociedade de capital, uma sociedade anônima (…), concebida como um centro financeiro apto para gerir o capital acionário controlado ou operar em setores econômicos mediante as entidades controladas, numa estratégia unitária, figurando quase sempre, como ‘controladora’ do grupo de sociedades”[18].

A razão para a constituição de uma holding na Holanda se deu, conforme descrito no processo, por uma razão muito simples. A Henlys não desejava uma holding na Suécia, onde está estabelecida a sede da Volvo, e a Volvo não aceitava uma holding na Inglaterra, país sede da Henlys. Todavia, ambas as sociedades desejavam uma holding em algum país da Europa, por motivos de proximidade, custos e logística, além da possibilidade dos negócios serem conduzidos em inglês.

Assim, as opções escolhidas foram Suiça, Luxemburgo, Bélgica e Holanda, sendo que a última é considerada “bastante neutra”, aspecto favorável para a jurisdição de uma holding company.

Essa também é a conclusão de NEVES[19], que em estudo acurado sobre as jurisdições mais vantajosas para se estabelecer uma holding, aponta que a Holanda é considerada como uma das jurisdições mais competitivas na captação de investimentos ao nível da localização de holding companies em razão da estabilidade e vantagens tributárias do regime fiscal holandês, sendo “natural” a escolha desta jurisdição para se estabelecer uma holding.

Retornando aos fatos do caso, é mencionado que os consultores fiscais que assessoram a Volvo e a Henlys na escolha da jurisdição para constituição da holding disseram que a administração efetiva (effective management) da holding fosse feita na Holanda, evitando-se possíveis contingências fiscais emergentes do governo da Suécia e da Inglaterra.

Portanto, segundo o VP da Volvo, a PHBV foi constituída para servir de veículo para a consecução dos negócios dos sócios na América do Norte, sendo o primeiro deles o Prévost. Ademais, ele não negou que a questão fiscal foi ponderada na escolha da estrutura adotada na Holanda, mas ressaltou que tal questão não foi preponderante.

Convém salientar também que o acordo de acionistas celebrando entre Volvo e Henlys previa, dentre outras disposições, que não menos que 80% dos lucros da Prévost, da PHBV e de demais subsidiárias, se existentes, toda chamadas em conjunto de Grupo Empresarial (Corporate Group) deveriam ser distribuídos para seus acionistas, seja sob a forma de dividendos, devolução de capital ou empréstimo.

Os diretores da Prévost eram os mesmos diretores da PHBV. Adicionalmente, constatou-se que a PHBV não possuía nenhum funcionário na Holanda, tampouco possuía qualquer outro investimento além das ações da Prévost. A sede social da PHBV era na mesma sede de uma sociedade afiliada ao banco que cuidava das questões financeiras da PHBV.

Finalmente, na documentação de Know Your Client, utilizada para fins de combate à lavagem de dinheiro internacional, fornecida para o banco, a PHBV mencionou que os beneficiários efetivos das ações da Prévost eram a Volvo e a Henlys.

O caso pode ser assim esquematizado:

Volvo
PH BV
51%
Prévost Car Inc
Henlys
49%
10% WHT
5% WHT
15% WHT
Prevost Case (dividends)
100%
VI. Legislação aplicável

A Prévost reteve 5% (e 6%) de WHT nas remessas a título de pagamentos de dividendos para a PHBV, sustentando tal retenção do imposto nos termos dos parágrafos 1 e 2 do Artigo 10 do Acordo Canadá-Holanda, infra colacionado:

Artigo 10

Dividendos

1. Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente de outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2. Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas quem o receber for o beneficiário efetivo de tais dividendos, o imposto assim estabelecido não excederá:

a) 5% do montante bruto dos dividendos, se o seu beneficiário efetivo for uma sociedade (com exceção de uma partnership) que detenha, pelo menos, 25% do capital da, ou que controle direta ou indiretamente no mínimo 10% do votos da, sociedade que paga os dividendos.

Vale lembrar que o Acordo Canadá-Holanda segue os padrões da Convenção Modelo da OCDE de 1977, majoritariamente. Os Comentários ao Artigo 10 daquela época mencionava que a limitação da alíquota pelo Estado da Fonte não seria aplicável quando um intermediário, tal como um agente ou procurador, fosse interposto entre o beneficiário e o pagador, exceto se o beneficiário efetivo fosse um residente do outro Estado Contratante.

Ademais, havia menção expressa consignando nestes Comentários de que “os Estados que desejem deixar esta disposição mais explícita são livres para fazê-lo por meio de negociações bilaterais”. Não obstante a tal previsão, o Canadá não realizou nem sequer iniciou qualquer negociação com a Holanda para deixar o parágrafo 2 do Artigo 10 mais explícito no Acordo Canadá-Holanda.

Conforme consignado pelo juiz do caso, Gerald J. Rip, o termo “beneficiário efetivo”, em inglês “beneficial owner”, em francês “le benéficiaire effectif” e em holandês “Uitendelljk gerechtgde”, não tem sua definição elencada no Acordo Canadá-Holanda, nem na Convenção Modelo da OCDE.

Na sentença sob análise, proferida pela Corte Fiscal do Canadá, o juiz encarregado aponta que, nos termos do Artigo 3 (2) – conhecido, na Convenção Modelo da OCDE, como “cláusula de reenvio” – do Acordo Canadá-Holanda, quando o Canadá desejar impor o imposto de renda canadense, o termo não definido no Acordo de Bitributação terá o significado que possui conforme a legislação interna canadense, no caso, aquele dado pelo Income Tax Act.

Dispõe o mencionado artigo que:

Artigo 3

Definições

1. (…)

2. No que se refere à aplicação da Convenção, por um Estado Contratante, qualquer termo nela não definido terão, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica.

Assim, o juiz da Corte Fiscal do Canadá, aplicou o Income Tax Conventions Interpretation Act[20] ao caso Prévost, que em seu item 3 trata dos casos de como o significado de termos não definidos no acordo de bitributação devem ser entendidos. De acordo com tal dispositivo, o significado de tal termo não definido no acordo de bitributação será aquele previsto no Income Tax Act, alterado de tempos em tempos, e não o significado previsto no Income Tax Act na data em que tal Convenção tenha sido celebrada ou tenha se tornado vigente no Canadá se, após tal data, seu significado tenha sido alterado.

Desta forma, a legislação canadense consagra a chamada remissão dinâmica[21] da legislação nacional quando da aplicação do Artigo 3 (2) dos acordos de bitributação assinados por esse país, isto é, aquela vigente no momento em que o acordo está sendo aplicado, refutando a chamada remissão estática, isto é, aquela aplicável no momento da celebração do acordo internacional[22].

Os Comentários à Convenção Modelo da OCDE consagram, da mesma forma, a remissão dinâmica, na medida em que expõe que “The Comittee on Fiscal Affairs concluded that the latter interpretation should prevail, and in 1995 amended the Model to make this point explicitly”, além de ser a interpretação consagrada em países Europeus como Bélgica, Holanda, Alemanha, Suécia, Noruega e, também, pelos EUA[23].

Por força de expresso normativo canadense, fica finalmente desmistificado o precedente jurisprudencial canadense citado, equivocadamente, para sustentar a aplicação da remissão estática, conhecido como The Queen v. Melford Developments Inc. Nesse julgamento, a Suprema Corte canadense analisou os efeitos, para fins de interpretação, de certa lei interna que entrou em vigor após o Acordo de bitributação Canadá-Alemanha.

Contudo, no referido julgado, a corte canadense, entendeu que os Estados não podiam, unilateralmente, modificar as disposições do acordo internacional mediante alteração de suas respectivas leis internas e, portanto, decidiu que o acordo internacional de bitributação prevalece sobre lei interna a ele posterior.

Como se depreende de tal análise, não se tratou da análise da questão de remissão estática ou dinâmica, no caso The Queen vs. Melford Developments Inc., mas sim, de não aceitação do chamado treaty override[24] destapor parte do Estado canadense.

Finalmente, também foi mencionada na decisão do caso Prévost a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, especificamente o Artigo 31 (1), que trata da boa-fé e é assim redigido: “um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”.

O juiz do caso termina esta parte de sua decisão afirmando que o conceito de beneficiário efetivo não existe na legislação do Québec, notadamente país de tradição de civil law, tampouco nas legislações de outros países de civil law que sejam membros da OCDE.

VII. Testemunho dos Experts

A Prévost apresentou diversos experts em direito tributário internacional como testemunhas para explicar a legislação holandesa e o desenvolvimento das normas da Convenção Modelo da OCDE e de seus Comentários, no processo.

Dentre esses experts, tivemos o notório Prof. Stef van WEEGHEL, autor de uma das mais consultadas e conhecidas obras sobre abuso de tratados internacionais contra a bitributação em todo o mundo[25]. Para o referendado professor, de acordo com a legislação holandesa, a PHBV é, de fato, o beneficiário efetivo das ações da Prévost. Inclusive, o professor se baseou em um caso anterior da própria Suprema Corte holandesa (Hoge Raad), intitulado Royal Dutch case, em que o momento preponderante para determinar o beneficiário dos dividendos distribuídos é no momento de seu pagamento.

Além dele, outro expert em direito bancário e do mercado financeiro, o Professor Rogier Raas, entendeu que, como os pagamentos de dividendos da PHBV para seus sócios necessitavam da autorização dos diretores da PHBV, de acordo com as leis holandesas e, também, como o acordo de acionistas e procurações não produziam quaisquer efeitos na titularidade dos dividendos por parte da PHBV, ele também entendeu que a PHBV também era o beneficiário dos dividendos.

Um terceiro expert chamado a emitir sua opinião no processo, Daniel Lüthi, consignou entendimento favorável à PHBV como o beneficiário efetivo dos dividendos, em razão de que inexistia qualquer indício ou prova de que a holding holandesa fosse uma mera agente ou mandatária de seus acionistas, inexistindo evidências contundentes sobre elisão fiscal ou abuso de tratados.

VIII. Definição de beneficiário efetivo pela Corte Fiscal do Canadá

O juiz Gerald J. Rip menciona em seu raciocínio que os Comentários ao Artigo 10, na Convenção Modelo da OCDE de 2003, especificamente nos seus parágrafos 12, 12.1 e 12.2, preconizavam que o termo “beneficiário efetivo previsto no Artigo 10(2) da Convenção Modelo” não é utilizado em um “sentido técnico restrito” (narrow technical sense), mas, ao contrário, deve ser entendido de acordo com seu contexto e à luz do objeto e propósitos da Convenção, ou seja, evitar a dupla tributação e prevenir a evasão e elisão fiscal.

Evidencia que o termo beneficiário efetivo está presente em 85 dos 86 acordos de bitributação assinados pelo Canadá, e que o termo não é utilizado em nenhuma das disposições do Income Tax Act para se referir ao WHT sobre fonte pagadora canadense, de dividendos, juros ou royalties.

Neste ponto, entendemos importante asseverar que o conceito de beneficiário efetivo aplica-se, exclusivamente, aos rendimentos dos Artigos 10, 11 e 12 da Convenção Modelo da OCDE, respectivamente, dividendos, juros e royalties. Destarte, não há que se falar em beneficiário efetivo dos ganhos de capital (Artigo 13), de outros rendimentos (Artigo 21), etc.

O Fisco alegou que, de acordo com a doutrina, não há sequer definição pacífica do termo “beneficiário efetivo” na common law, não havendo qualquer significado de tal termo na legislação do Québec (de tradição de civil law). Também aduz que este termo não está definido no acordo de bitributação Canadá-Holanda, na Convenção Modelo da OCDE nem no Income Tax Act, sendo pleito do Fisco que tal expressão não seja interpretada sob um significado técnico ou legal, mas sim mediante uma interpretação reconhecida internacionalmente (interpretation recognized internationally).

Todavia, o juiz colaciona os entendimentos da OCDE sobre o tema, notadamente os Comentários à Convenção Modelo e o Report das Conduit Companies, para organizar a legislação que trata do tema.

Em relação às chamadas conduit companies ou sociedades condutoras, assim definidas como “a pessoa interposta para realizar a função de intermediação de rendimentos e lucros entre pessoas situadas em duas ou mais jurisdições, em razão das isenções que o país com tributação favorecida possa conceder ou mediante treaty shopping, operando-se uma redução da carga impositiva”[26], a OCDE refutou a possibilidade destas poderem ser consideradas como “beneficiário efetivo” da renda recebida.

Isto porque, na maioria dos casos, estas sociedades interpostas possuem apenas poderes muito restritos no que se refere à renda recebida (e não poderes plenos). Portanto, não podem ser caracterizadas como proprietárias ou titulares desta renda.

Ademais, o Relatório elaborado pelo Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE (Comittee on Fiscal Affairs) intitulado Double Taxation Conventions and the Use of Conduit Companies desconsiderou a idéia de uma sociedade condutora estar apta a enquadrar-se como beneficiário efetivo de qualquer de tais rendas. A razão para tal conclusão reside no fato de que, nos casos analisados por tal Comitê, estes tipos de sociedades são meras fiduciárias ou administradoras temporárias atuando em nome das partes verdadeiramente interessadas nos negócios sendo estas últimas, efetivamente, as pessoas aptas a invocar a aplicação dos benefícios do tratado (estas sim os “beneficiários efetivos” de tais rendimentos).

No citado precedente holandês Royal Dutch case, considerou-se o beneficiário efetivo dos dividendos aquele que “livremente se beneficiava de sua distribuição”, sendo a pessoa que ultimamente tinha direito ao benefício da renda.

IX. Menção ao Indofood case

Importante mencionar que, da decisão do processo envolvendo a Prévost, na Corte Fiscal do Canadá, foi citado para fins de comparação, outro importante precedente internacional sobre o conceito de beneficiário efetivo, qual seja, o caso “Indofood”[27].

O Indofood case trata da disputa resultante da emissão de debêntures em 2002 pelo grupo indonésio Indofood, via um veículo de propósito específico constituído nas Ilhas Maurício. O acordo de bitributação assinado entre Indonésia e Ilhas Maurício permite que seja imposta uma tributação na fonte reduzida pela Indonésia sobre pagamentos internacionais de juros.

No entanto, o Acordo foi revogado em 2005 pela Indonésia e o emissor, i.e. Indofood, pleiteou uma “alteração contratual” autorizando o grupo Indofood a resgatar as debêntures antes de seu prazo de vencimento. Os debenturistas (ou melhor, o trustee, i.e. em nome do JP Morgan Chase Bank) contra-argumentaram com base em cláusula contratual que dispunha sobre a impossibilidade de resgate antecipado no caso de alteração legislativa que pudesse ser anulada “tomando-se medidas razoáveis” a fim de evitar impactos resultantes de alterações legislativas.

O trustee sugeriu interpor um veículo de propósito específico na Holanda por meio do qual os pagamentos de juros seriam canalizados como forma de evitar os conseqüentes impactos das alterações legislativas decorrentes da revogação do Tratado.

O esquema pode ser assim representado graficamente:

Os questionamentos perante o Tribunal de Apelação foram

  • se o veículo holandês de propósito específico poderia ser considerado como “beneficiário efetivo” nos termos do artigo 11(2) do Tratado Indonésia-Holanda,
  • se o veículo holandês de propósito específico seria considerado como residente na Holanda nos termos do Tratado Indonésia-Holanda,
  • a necessidade de interposição de um veículo de propósito específico na Holanda pelo Indofood e
  • se a cessão dos títulos para o veículo de propósito específico holandês seria considerada como constituição de “nova obrigação” (novação).

Por sua vez, o Tribunal de Apelação reverteu o julgamento proferido pela Suprema Corte[28], o qual havia sido favorável aos debenturistas, sustentando (i) que a Corte Indonésia não consideraria o veículo de propósito específico holandês como sendo “beneficiário efetivo[29]” e (ii) que não seria razoável uma reorganização comercial apenas com o fim de atender à sugestão do trustee.

Ademais, um dos juízes argumentou adicionalmente que o veículo de propósito específico constituído na Holanda não seria considerado como residente na Holanda nos termos do Tratado Indonésia-Holanda[30].

Finalmente, o Tribunal de Apelação argumentou que o veículo de propósito específico holandês não seria beneficiário direto de qualquer benefício decorrente desta transação[31], com exceção do financiamento da dívida, o que dificilmente poderia ser totalmente considerado como vantagem a fim de caracterizar o “beneficiário efetivo”.

Dessa forma, o veículo de propósito específico holandês seria apenas considerado administrador do rendimento[32].

X. Decisão da Corte Fiscal do Canadá

Ao final da exposição de sua decisão, o juiz Gerald J. Rip salienta que, sob seu ponto de vista, o beneficiário efetivo dos dividendos é a pessoa que recebe tais dividendos para seu próprio uso e fruição, e assume o risco e o controle do dividendo que recebeu. Assim, seria a pessoa que usufrui e assume todos os atributos da propriedade (ownership).

Ao mencionar o julgado pela Suprema Corte canadense conhecido como Jodrey, foi dito naquela decisão que o beneficiário efetivo é quem ultimamente exercita seus direitos de propriedade. Segundo o juiz Gerald J. Rip, a Suprema Corte não visou, com o uso da expressão “ultimamente” desconsiderar a personalidade jurídica para que os acionistas de uma companhia passassem a ser os beneficiários efetivos dos bens da sociedade, incluindo a renda auferida por tal companhia.

Neste sentido, a expressão “ultimamente” representaria o poder para que o verdadeiro beneficiário seja aquele que possa fazer o que bem entender com os dividendos, sem responder a comando de terceiros, por exemplo. Assim, só se poderia desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando a companhia é uma conduit company, ou age em nome de determinada pessoa de acordo com as instruções dessa pessoa sem qualquer direito a tomar medidas outras que não aquelas instruídas pela pessoa sob a qual age em nome.

O exemplo crasso é um corretor de ações (stockbroker), que é o titular de ações, formalmente, mas que as negocia e compra para seus clientes.

Todavia, essa não é, segundo a decisão ora em análise, a relação entre PHBV e seus acionistas, conforme o entendimento do juiz em questão. Não há provas de que a PHBV era uma conduit company em favor da Volvo e da Henlys, apesar de ter sido expressamente afirmado que a PHBV não possuía sede física ou funcionários na Holanda ou em qualquer outra jurisdição.

Entretanto, não há provas de que os dividendos pagos pela Prévost eram, desde o início, destinados a Volvo e a Henlys, por meio da PHBV como um “funil para fluir os dividendos da Prévost”.

Para haver a distribuição de dividendos da PHBV para a Volvo e a Henlys era preciso que os diretores da PHBV declarassem a existência de dividendos excedentes e, após tal declaração, que os acionistas aprovassem tal distribuição. Não havia, portanto, fluxo de caixa predeterminados ou automáticos para a Volvo e para a Henlys.

As conclusões do juiz foram que: a PHBV é uma sociedade que exerce suas atividades e operações comerciais de acordo com as leis holandesas; que ela não era parte do acordo de acionistas; que nem a Volvo nem a Henlys poderiam processar a PHBV por falha em observar e executar a política de dividendos descrita no acordo de acionistas; o artigo 24 do ato de constituição da PHBV não obriga esta sociedade a pagar quaisquer valores a título de dividendos para seus acionistas.

Assim o juiz incumbido do julgamento deste caso Prévost entendeu que a PHBV poderia utilizar os dividendos como quisera, não sendo responsável perante seus acionistas e, portanto, a PHBV era o beneficiário efetivo de tais dividendos pagos pela Prévost.

Julgou, portanto, que a Volvo e a Henlys não eram os beneficiários efetivos dos dividendos pagos pela Prévost e, portanto, aplicava-se o acordo de bitributação entre Canadá-Holanda, normalmente neste caso.

XI. Decisão da Corte Federal de Apelação

Descontente com a decisão, a Coroa do Canadá recorreu, em sede de apelação, de tal decisão, para a Corte Federal de Apelação canadense. Contudo, esta Corte rejeitou o argumento de que o termo beneficiário efetivo deve ser considerado a pessoa que pode, de fato, ultimamente se beneficiar do dividendo.

Desta forma, a Corte Federal de Apelação manteve a decisão da Corte Fiscal. Aquela decidiu que a interpretação requerida pelo Fisco canadense poderia abrir um enorme rol de possibilidades que poderiam por em risco o certo grau de estabilidade e certeza que os acordos internacionais de bitributação procuram garantir e atingir.

Nesta esfera judicial, o juiz Robert Décary salientou que o Fisco canadense queria criar “uma visão pejorativa das holding companies”, que a legislação doméstica canadense, a comunidade internacional nem o governo canadense tinham apoiado anteriormente.

Portanto, em 26 de fevereiro de 2009, a apelação feita pela Coroa canadense foi julgada improcedente (dismissed the appeal in favour of Prévost).

A Coroa canadense tinha até 27 de abril de 2009 para entrar com um recurso para a Suprema Corte do Canadá (Supreme Court of Canada), mas não o fez até o referido prazo, razão pela qual, a Prévost, isto é, o contribuinte, venceu pela primeira vez em uma questão versando sobre o conceito de beneficiário efetivo em acordos internacionais contra a bitributação.

Tal decisão é, portanto, um marco para o direito tributário internacional, sendo de extrema relevância e ineditismo.

XII. Conseqüências do “Caso Prévost” nos planejamentos tributários internacionais

Como se observa do recente Prévost case, a Receita Federal do Canadá (Canada Revenue Agency) quebrou um paradigma, visto que esteve, na grande maioria dos casos, inclinada a contestar o direito dos contribuintes aos benefícios dos acordos de bitributação celebrados pelo Canadá (treaty entitlement).

Um caso célebre no qual tentou-se aplicar o entendimento não-favorável ao contribuinte foi o MIL Investments S.A. vs The Queen, no qual o Fisco canadense julgou supostos abusos ou desvirtuamento de uso legítimo dos acordos de bitributação utilizando-se da regra geral anti-abuso (general anti-avoidance rule) da legislação interna canadense que, desde 2005, foi alterada para também ser aplicada às normas de acordos internacionais.

No caso MIL Investments S.A. vs The Queen, o Fisco canadense não foi vitorioso tanto na Corte Fiscal como na Corte Federal de Apelação. Já no caso Prévost, novamente o Fisco canadense não foi vitorioso, deste vez pelo fato de que o conceito de beneficiário efetivo no Acordo Canadá-Holanda não foi interpretado como sendo abusivo ou fazendo parte de um treaty shopping.

Convém ressaltar que, apesar do Canadá possuir cláusula de limitação de benefícios (LOB clause) em praticamente metade dos acordos internacionais de bitributação por ele assinados, a única LOB clause relevante está no Acordo Canadá-Estados Unidos.

Verifica-se, no decorrer dos julgados no Canadá, que o Fisco tem perdido nas alegações de treaty shopping, seja baseando-se nas regras gerais anti-abuso da lei interna; nas regras implícitas anti-abuso dos acordos de bitributação; e, recentemente, sob o argumento da definição do beneficiário efetivo da renda. Essa constatação pode, para muitos, ser o início de uma revisão, por parte do Canadá, nas suas cláusulas de limitação de benefícios, o que pode levar este Estado a rever a redação destas LOB clauses e, nos acordos de bitributação futuros, inseri-las de forma mais árdua, tal como ocorre com aquela existente no Acordo Canadá-Estados Unidos.

Finalmente, não obstante a vitória do contribuinte no caso Prévost aqui analisado, é importante chamar a atenção para o fato de que neste caso foi constatado que a holding holandesa não possuía sede própria, funcionários nem outros negócios ou operações, além dos investimentos na Prévost, o que é de todo inusitado em uma decisão sobre abuso de tratados e planejamento tributário internacional.

Assim, ainda que o caso Prévost represente um passo mais favorável à compreensão e consagração do papel das holding companies em estruturas internacionais de investimentos, vale observar que os casos Royal Bank of Scotland e Indofood demonstram que a caracterização de simulação e do abuso, respectivamente, tem sido feita por meio de comprovação fática da efetividade das operações e da substância dos atos declarados pelo contribuinte.

Neste sentido, é importante salientar que, conservadoramente, a estrutura com holdings internacionais devem, para ser considerada válida e legítima, evidenciar a existência de operações, sede própria, funcionários contratados, etc., de forma a evitar qualquer caracterização de mail box company, as chamadas “empresas de papel”. Isto garante maior segurança para que o contribuinte possa invocar a aplicação dos benefícios do acordo internacional de bitributação.

A partir deste momento, ainda resta muita insegurança e incerteza na caracterização do termo beneficiário efetivo e a definição do que se considera um treaty abuse, no direito tributário internacional, sendo necessárias mais decisões de cortes internacionais de outros países para que, gradativamente, se possa tentar chegar a uma definição razoável de tais conceitos para a legítima e lícita estruturação de planejamentos tributários em âmbito internacional.

Contudo, uma vez que o caso Prévost foi o 1º precedente internacional favorável em se tratando do conceito de beneficiário efetivo e a não caracterização de treaty shopping, houve uma quebra no paradigma que vinha sendo firmado no âmbito internacional desde o caso Aiken Industries e, mais recentemente, os casos Indofood e Royal Bank of Scotland, todos julgados a favor do Fisco.

            O tema ainda é bastante movediço e necessita de aprimoramento, sendo nossa opinião que uma definição no próprio texto da Convenção Modelo da OCDE seria o mais adequado, não obstante cada Estado Contratante poder incluir uma redação própria decorrente de suas próprias negociações.

Publicação original: Tributacao Internacional: Analise de Casos. 1 ed. Sao Paulo: MP Editora, 2010, v.1, p. 221-246.



[1] IBFD. International Tax Glossary. Susan M. Lyons (Editor). 2ª ed. Amsterdam, 1992, p. 260.

[2] SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty shopping. São Paulo: RT, 1995, p.20-21.

[3] Idem, p. 21.

[4] O treaty abuse é assim definido pela doutrina: “Use that has the sole (predominant) intention to avoid the tax of either or both of the contracting states and that defeats the fundamental and enduring expectations and policy objectives shared by both states and therewith the purpose of the treaty in a broad sense” (van WEEGHEL, Stef. The Improper Use of Tax Treaties – with particular reference to the Netherlands and the United States. Series of International Taxation n. 19. Kluwer Law International. 1998, pag. 258).

[5] ROSEMBLOOM, David H. Tax treaty abuse: policies and issues” in LIP, v. 15, n. 3, p. apud SCHOUERI, Luis Eduardo. op.cit., p. 22-23.

[6] SCHOUERI, Luis Eduardo. op. cit., p. 22.

[7] Idem, p. 25.

[8] Idem, p. 140.

[9] VOGEL, Klaus. Et al. Vogel on doubel taxation conventions. 3 ed. Kluwer: The Hague, 1997, Pre. Art. 10-12, n. 6, p. 561.

[10] Black’s Law Dictionary. 7 ed. St. Paul: West, 1999.

[11] Em inglês “beneficial owner”; em francês “bénéficiaire effectif”; em alemão “Nutzungsberechtigte”; em espanhol “beneficiario efectivo”; e em italiano “l’effettivo beneficiário”.

[12] DU TOIT, Charl P. Beneficial ownership of Royalties in Bilateral Tax Treaties. IBFD, Amsterdam, 1999, p. 146.

[13] Tradução livre. No original: “any person resident in Contracting State to whom that State attributes the dividend for purpose of its tax.”

[14] IBFD. International Tax Glossary. Susan M. Lyons (Editor). 2ª ed. Amsterdam, 1992, p. 260.

[15] Para um estudo específico sobre a possibilidade das entidades híbridas poderem invocar os benefícios dos tratados, vide nosso estudo sobre o tema: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Considerações sobre o tratamento das entidades híbridas e dos instrumentos financeiros híbridos na Convenção Modelo da OCDE. In Revista de Direito Tributário Internacional nº 12, São Paulo: Quartier Latin, 2009.

[16] Prévost Car Inc. X Her Majesty the Queen; Citation 2008TCC231, datado de 22 de abril de 2008.

[17] No original: “(…) the Minister applied the reduced rates of taxation of 15 and 10% from Canada-Sweden Tax Treaty and Canada-U.K. Tax Treaty respectively to the dividends paid even though the treaties had no application”.

[18] TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: RT, 2001, p. 266.

[19] NEVES, Tiago Cassiano. Estratégia de Internacionalização e Sociedades Holding na Europa: aspectos práticos e compartivos. In: Revista de Direito Tributário Internacional nº 2, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 305.

[20] R.S., 1985, c.I-4 (“ITCIA”).

[21] Segundo BAKER, a remissão dinâmica mostra-se em maior sintonia com o entendimento de que os acordos internacionais de bitributação, mesmo com o passar do tempo, devem ser interpretados em face das alterações legais internas dos Estados Contratantes para atingir os mesmos objetivos para os quais foram celebrados (BAKER, Philip. Double taxation conventions. London: Sweet and Maxwell, 2002, p. E-26 apud SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: qualificação de partnership joint venture. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 133).

[22] Neste ponto é possível traçar um paralelo entre a chamada interpretação estática (static approach) e interpretação dinâmica (ambulatory approach) dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, e o comando legal canadense sobre a remissão dinâmica da lei interna para fins do Artigo 3 (2) dos acordos de bitributação, nos termos de seu Income Tax Act. Evidencia-se que o Canadá adota, para fins de interpretação da legislação interna subsidiária aos acordos de bitributação, o entendimento de que a remissão de tais normas internas deve ser dinâmica, razão pela qual, presume-se que seja esta também a sua interpretação para os casos dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE aplicáveis, isto é, supõe-se que o Canadá deve aplicar os Comentários vigentes à data da aplicação da norma tributária convencional, e não aqueles existentes no momento da negociação ou assinatura do acordo de bitributação, por parte do Canadá. Todavia, este entendimento não foi confirmado, sendo nossa opinião sobre o tema.

[23] SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Idem.

[24] Entende-se como treaty override atransgressão explícita ou implícita às cláusulas de uma convenção sobre a renda e o capital (…) promovida por um (ou ambos) os Estados contratantes (…) derivada seja da aplicação deliberada do direito interno, sem observância das normas convencionais, seja da edição de regras tributárias conflitantes com o disposto na convenção, que, expressamente, limitem a aplicação” (TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação…, p. 634).

[25] O treaty abuse é assim definido pelo professor: “use that has the sole (predominant) intention to avoid the tax of either or both of the contracting states and that defeats the fundamental and enduring expectations and policy objectives shared by both states and therewith the purpose of the treaty in a broad sense” (van WEEGHEL, Stef. The Improper Use of Tax Treaties – with particular reference to the Netherlands and the United States. Series of International Taxation n. 19. Kluwer Law International. 1998, pag. 258)

[26] TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 115.

[27] Indofood International Finance Ltd. V. JP Morgan Chase Bank, Filial de London (2 de março de 2006) EWCA Civ 158, recurso do julgado de Evans-Lombe J (2005) EWCH 2103.

[28] EWCH 2103.

[29] Note que as autoridades fiscais da Indonésia, atendendo à solicitação do grupo Indofood, emitiram seu entendimento em 24 de junho de 2005 segundo o qual o Indofood não seria considerado como titular dos benefícios com base em abuso do Tratado e/ou treaty shopping.

[30] O Tribunal de Apelação não se posicionou sobre o quarto ponto, i.e. novação. Este ponto é relevante na medida em que de acordo com o artigo 11 (4) do Tratado Indonésia-Holanda empréstimos contratados por um período superior a dois anos seriam qualificados como isentos da retenção do imposto indonésio. No caso em questão, caso seja caracterizada a novação, não há que se falar em usufruir do beneficio do Tratado.

[31] Note que a estrutura proposta não objetiva qualquer compensação ou spread para o veículo de propósito específico holandês.

[32] RUSSO, Antonio. Seminário Alumni Leiden de 2006: precedentes sobre interpretação dos tratados internacionais – caso indofood: conceito de beneficiário efetivo. In Revista de Direito Tributário nº 7, São Paulo: Quartier Latin, 2007.

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