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Prestação de serviços para fundos de investimento: enquadramento fiscal

Publicado originalmente em janeiro/2018, por Matheus Bueno Oliveira e Fernanda Soares Lains Higashino

A Lei do ISS, Lei Complementar nº 116, de 2003 (“LC 116”), foi recentemente alterada pela Lei Complementar nº 157, de 2016 (“LC 157”), com o claro objetivo de amenizar a guerra fiscal entre os Municípios.

Dentre as alterações promovidas, destacamos aquela que modificou a competência ativa para arrecadação do ISS incidente, dentre outros serviços, sobre os de “administração de fundos quaisquer” (item 15.01 da Lista de Serviços anexa à LC 116).

Nesse sentido, o ISS antes devido para o Município em que localizado o estabelecimento prestador foi deslocado para o Município de domicílio do tomador daquele serviço de administração de fundos.

Considerando que a LC 157 não definiu, nos casos dos fundos, quem seriam os tomadores do serviço de administração, um novo impasse foi criado em torno da exigência do imposto. Assim, nesse artigo, serão analisados o enquadramento e a consequente tributação dos serviços prestados pelos gestores e administradores dos fundos de investimento.

A Instrução CVM nº 555, de 2014 (“Instrução CVM 555”), é o normativo que regulamenta a constituição, administração, funcionamento e divulgação das informações dos fundos de investimento. De acordo com essa Instrução, (i)  administrador do fundo é a pessoa jurídica autorizada pela CVM para o exercício da administração de carteira de valores mobiliários; e (ii) gestor é a pessoa natural ou jurídica autorizada pela CVM responsável por perseguir a estratégia do fundo, escolhendo e realizando seus investimentos, de acordo com o estipulado em seu regulamento.

Os serviços prestados por cada um desses agentes diferem em sua essência e por isso devem ser analisados de forma detida, a fim de que possam ser corretamente enquadrados dentre aqueles listados do anexo da LC 116.

Ressalte-se que o correto enquadramento de um serviço é medida que se impõe para a sua correta tributação, não só quanto ao local de pagamento do ISS, mas também quanto ao valor devido (base de cálculo e alíquota de incidência do imposto).

A interpretação de cada um dos itens da lista de serviços, anexa à LC 116, antes entendida como uma relação taxativa dos serviços tributados pelo ISS, é cada vez mais elástica, conforme vem sendo autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), a exemplo do ocorrido nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 361.829/RJ (“leasing”) e nº 651.703/PR (“planos de saúde”).

Nos termos em que decido pelo STF naquelas oportunidades, a LC 116 “a) arrola serviços por natureza; b) inclui serviços que, não exprimindo a natureza de outro tipo de atividade, passam à categoria de serviços, para fim de incidência do tributo, por força de lei, visto que, se assim não considerados, restariam incólumes a qualquer tributo; e c) em caso de operações mistas, afirma a prevalência do serviço, para fim de tributação pelo ISS.”[1]

Em outras palavras, nesses últimos julgados, a Corte Suprema defendeu quea incidência do ISS não estaria limitada àquelas atividades que implicam obrigação de fazer, pois assim não constaria definido pela Constituição Federal, de 1988 (“CF/88”).

Para fins de análise da subsunção de dado serviço à norma de incidência do ISS é imperioso lançar mão da interpretação sistemática, visto que esse imposto, por se tratar de tributo sobre o consumo, assimila aspectos econômicos, o que implica na necessária interação entre Direito e Economia, substituindo, assim, aquele formalismo da interpretação que considerava, exclusivamente, a definição dos institutos, conceitos e formas de Direito Privado para tal enquadramento.

O STF, naquele mesmo julgamento noticiado acima, destacou que “o conceito de prestação de serviços não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador.”

Assim, nesse contexto da interpretação mais elástica conferida aos itens da Lista de Serviços, anexa à LC 116, é que propomos seja feita uma análise mais crítica do enquadramento dos serviços prestados pelos gestores e administradores dos fundos de investimento.

Da interpretação econômica do resultado dos serviços prestados por cada um desses agentes, entendemos adequado o enquadramento de ambos no item 15.01 da Lista de Serviços: “Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.”

Diante do enquadramento proposto, tem-se que os gestores e administradores dos fundos de investimento poderiam ser afetados pelas recentes alterações promovidas na LC 116 pela LC 157, relativamente à competência ativa para a exigência do ISS.

Isso porque os Municípios de localização dos cotista dos fundos, ultrapassadas questões relativas à fiscalização e operacionalização da cobrança, tendem a editar normas regulamentadores para exigir o imposto devido sobre os serviços prestados pelos gestores e administradores.

Esses gestores e administradores, por sua vez, localizados, em sua grande maioria, nos Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, encontram na própria regulamentação de suas atividades pela CVM, através da Instrução 555, de 2014, fundamentos legais para questionar a exigência que lhes poderá ser imposta pelas municipalidades de localização dos cotistas.

De acordo com a Instrução CVM 555, artigo 3º, o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros.

A administração desse fundo, ou seja, dos recursos nele depositados, compete ao administrador, que prestará serviços relacionados direta ou indiretamente ao seu funcionamento e manutenção.

A “eleição” do administrador é realizada pelo fundo, por ocasião de sua constituição, e sua remuneração é “financiada” com os recursos aportados neste fundo pelos cotistas. Assim, é de fácil percepção que o administrador não presta qualquer tipo de serviço aos cotistas, mas sim ao fundo que o elegeu e que administra.

Na mesma linha, os gestores, contratados pelos administradores dos fundos, são responsáveis pela escolha e realização estratégica dos ativos do fundo. Os serviços por eles prestados o são para e em favor deste fundo e não para os cotistas, meros detentores de cotas dos fundos, no qual aportam seus recursos financeiros. Não há que se falar em prestação de serviços pelos gestores aos cotistas dos fundos.

Sendo os fundos os tomadores dos serviços prestados por seus gestores e administradores, o ISS será devido ao Município em que localizados estes fundos, que coincide com a aquele em que se localiza o seu administrador. Isso porque os fundos não têm personalidade jurídica e sua existência depende, notadamente, dos atos de seu administrador, que os representem, o que justifica, pois, a coincidência dos domicílios fiscais, para fins de exigência do ISS.

Os Municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro já antecipando essa nova disputa arrecadatória que deverá ser instaurada no mercado financeiro, editaram, respectivamente, o Parecer Normativo nº 2 e a Instrução Normativa nº 28 indicando que o “prestador do serviço de administração de fundos quaisquer, previsto no subitem 15.01 da lista (…) é o administrador do fundo, sendo o fundo de investimento o tomador do referido serviço”[2], razão pela qual seria irrelevante a localização do cotista para fins de determinação do Município que teria a competência ativa para exigência do ISS.


[1] STF. RE nº 651.703/PR. Rel. Min. Luiz Fux, j. 29.9.2016, DJe 26.4.2017.

[2] Artigo 2º, caput, do Parecer Normativo SF nº 02/2017.