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Responsabilização tributária de administradores, gestores e demais fornecedores do contribuinte: novos horizontes?

Publicado originalmente em janeiro/2018, por Matheus Bueno de Oliveira e Frederico Silva Bastos

A responsabilidade tributária de terceiros é tema de inúmeras controvérsias administrativas e judiciais. Já há algum tempo as autoridades têm inadvertidamente tentado imputar a terceiros, de maneira indistinta, a condição de responsável pelos tributos devidos pelo contribuinte, aquele que efetivamente incorreu na situação tida pela lei como fato gerador da obrigação tributária (por exemplo, auferir renda, realizar receita, prestar serviço etc.).

Nesse contexto, tem-se acompanhado um crescente número de autuações atribuindo responsabilidade tributária a instituições financeiras, a administradores de fundos de investimento, bem como a outros agentes (incluindo sócios, administradores, diretores, empresas do mesmo grupo econômico, contadores, advogados, empresas de assessoria, operadores de câmbio e outros). Exemplificativamente, destaca-se que, recentemente, foi noticiado pela Secretaria da Receita Federal (“RFB”) que instituições financeiras foram incluídas como responsáveis solidárias em 187 autuações fiscais contra seus clientes.

A responsabilização pretendida pelas autoridades fiscais busca fundamento, majoritariamente, numa extensão indevida do comando do artigo 124, I, do Código Tributário Nacional (“CTN”), que atribui responsabilidade solidária com base no “interesse comum” das partes no fato gerador da obrigação tributária. Segundo a RFB, como os bancos, administradores de fundos e etc. são remunerados justamente pelos instrumentos financeiros envolvidos nas autuações, haveria interesse comum desses agentes, tal qual teria havido benefício econômico do contribuinte.

Em outras circunstâncias, as autoridades optam por imputar a responsabilização por meio da aplicação distorcida do artigo 134 do CTN, que prevê que a responsabilização recai, dentre outros casos, sobre o administrador de bens de terceiros e, portanto, poderia ser extensível a gestores de fundos, family offices, etc.

Por sua vez, é importante destacar que, em situações específicas, o CTN, nos termos do artigo 135, prevê a responsabilização de terceiros que tenham praticado atos dolosos de excesso de poderes, fraude à lei e contrários ao estatuto/contrato social da sociedade a qual possuem vínculo. Veja-se: a conduta adotada pelas autoridades fiscais não necessariamente se socorre desse dispositivo, o que implica ser desnecessária a prova do cometimento de infrações. Bastaria o interesse comum (art. 124) ou o papel de representante (art. 134).[FSB1] 

Nesse cenário, imprescindível destacar que à responsabilização tributária impõem-se critérios próprios, diferentes das regras societárias, trabalhistas e consumeristas. Assim, os fatos e fundamentos que impliquem responsabilidade tributária de terceiros devem, necessariamente, atender aos mandamentos previstos na legislação, conforme resumido abaixo. Qualquer responsabilização que extrapole esses limites será indevida e ilegal.

Base LegalArtigo 124Artigo 134Artigo 135
NaturezaSolidáriaSubsidiáriaSolidária
      Hipótese de AplicaçãoAplica-se às pessoas expressamente designadas por lei como responsável tributário e às pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal.Aplica-se diante da existência de dois pressupostos (a) a impossibilidade econômica de o contribuinte adimplir o débito; e (b) a existência de uma atuação culposa do terceiro.A aplicação do dispositivo supõe a prática dolosa de ato ilícito, tais como excesso de poderes, infração à lei, a contrato social ou a estatuto social.
Ônus da ProvaFiscoFiscoFisco

Ante o exposto, destacamos alguns pontos nevrálgicos em relação ao tema:

  • Interesse Comum: a expressão “interesse comum” tem capturado, ao menos aos olhos da fiscalização tributária, as mais variadas acepções: econômico, comercial, societário e jurídico. Majoritariamente, as discussões acerca do artigo 124 do CTN giram em torno de qual seria o alcance do conceito de “interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal”. De modo geral, verifica-se dois possíveis entendimentos. O primeiro, amplamente defendido pela administração tributária, considera que o interesse comum seria aquele de natureza econômica. Assim, bastaria que o terceiro obtivesse alguma vantagem ou benefício econômico a partir da situação que constitua fato gerador para que fosse possível obrigá-lo ao pagamento do tributo. Contudo, entende-se majoritariamente que a adoção de tal interpretação subverte as prescrições constitucionais que regulam as limitações ao poder de tributar do Estado. O segundo entendimento, por sua vez, considera que o interesse comum previsto no dispositivo teria natureza jurídica, e não meramente econômica. Deste modo, não bastaria que o terceiro obtivesse algum benefício econômico com uma operação da qual decorresse determinada obrigação tributária. Seria necessária a existência de direitos e deveres comuns entre pessoas situadas do mesmo lado de uma relação jurídica que constitua o fato jurídico tributário (o exemplo clássico: o que ocorre com os coproprietários de um imóvel em relação ao IPTU incidente sobre a respectiva propriedade). Esse entendimento pressupõe, portanto, que o terceiro que se pretende responsabilizar ocupe o mesmo polo da relação jurídica que implica tributação (no exemplo: como ambos os contribuintes estão enquadrados na condição de proprietários do imóvel, realizando a situação definida como fato gerador, é justificável a atribuição de responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto devido – ou seja, ambos podem ser cobrados pela integralidade do tributo). Sobre o tema, verifica-se a existência de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais orientando que o critério jurídico deveria ser o referencial apara a aplicação do artigo 124 do CTN, senão vejamos:

(…) A aplicação da responsabilidade passiva solidária, contida no art. 124, I, do CTN, exige a presença de interesse jurídico comum, ou seja, que as pessoas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato gerador. O mero interesse econômico entre tais sujeitos – ou mesmo o interesse jurídico reflexo, oriundo de outra relação jurídica – afasta a aplicação do mencionado dispositivo legal. (…)” (Acórdão nº 2301-004.800).

“(…) O interesse comum a ensejar a responsabilização solidária, constante do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional, deve ser o interesse jurídico, estando as partes no mesmo polo da relação obrigacional, situação inocorrente no presente caso. (…)” (9303-004.242).

Atuação culposa:  o artigo 134 do CTN prescreve, para as pessoas ali elencadas (pais, em relação a menores; tutores e curadores, em relação a tutelados e curatelados; administradores de bens de terceiros; inventariantes, pelo espólio; síndicos e comissários, pela massa falida ou concordatário; serventuários; e sócios, na liquidação da sociedade) dois pressupostos de aplicação: (a) a impossibilidade econômica de o contribuinte solver o débito e (b) a atuação culposa do responsável para que isso ocorra. Diante do texto legal verifica-se ser possível sustentar (I) o caráter subsidiário da responsabilidade de terceiros, bem como que (II) a responsabilização aplicar-se-á tão somente quando restar cabalmente demonstrada a ação/omissão do agente a ser responsabilizado.

Atuação dolosa: a hipótese prevista no artigo 135 do CTN contempla norma de exceção, pois a regra é a de que a obrigação tributária pertence ao próprio contribuinte, e não a terceiros. Trata-se de responsabilidade exclusiva de terceiros que agem dolosamente, e que, por isso, substituem o contribuinte na obrigação tributária, nos casos em que tiverem comprovadamente praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Assim, inexistente o ato doloso, inaplicável a responsabilização.

Ônus da Prova: no âmbito do processo administrativo tributário, o Fisco é o responsável por evidenciar os atos e fatos que comprovem e ofereçam sustentação para a responsabilização de terceiros. Independentemente da natureza da responsabilização atribuída (124, 134 ou 135), deve restar comprovado pela atividade fiscalizatória, bem como pelo processo administrativo correspondente, a relação entre o surgimento da obrigação tributária e o comportamento do agente indicado como responsável tributário.

Compliance e Know Your Client: as hipóteses finitas previstas no CTN para a responsabilização tributária não podem ser ignoradas pela administração tributária e, tampouco, pelo Poder Judiciário. Caso isto ocorra, estar-se-á diante de um ato ilegal. Contudo, não se pode ignorar que inúmeros agentes, seja em razão de normas emitidas por órgãos reguladores ou seja em razão da adoção das melhoras práticas de mercado, possuem o dever de solicitar e verificar a informação de seus clientes. Nesse contexto, tais agentes devem se preocupar em documentar todo o seu procedimento interno de solicitação, análise, guarda e atualização de informações de seus clientes. Sob essa ótica, mitigar-se-ia a possibilidade de responsabilização com base nos argumentos de omissão (art. 134) e fraude à lei (art. 135).

Redirecionamento da Execução Fiscal: o assunto tratado no presente artigo não diz respeito, necessariamente, ao redirecionamento da execução fiscal em relação a terceiros. Embora esse seja um tema relevante e que tangencie a questão aqui abordada, a responsabilização ora discutida trata exclusivamente da sujeição passiva atribuída no momento da autuação fiscal, ainda no âmbito do processo administrativo.

Novo horizonte? Não cremos. Há tempos as autoridades fiscais vêm imputando a terceiros, de maneira indistinta, a condição de responsável pelos tributos devidos pelo contribuinte. A despeito da exigência legal da presença dos pressupostos mencionados para a responsabilização tributária sob os artigos 124, 134 e 135, verifica-se que muitos casos pendem da verificação obrigatória sobre (i) a relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato gerador para fins de determinação do interesse comum; (ii) a impossibilidade econômica do contribuinte para fazer frente aos débitos existentes (responsabilidade subsidiária, portanto); (iii) os atos efetivamente culposos praticados – ou omissão deliberada –  pelo agente indicado como responsável tributário, de modo a comprovar a íntima relação de causa e efeito das respectivas ações ou omissões; e (iv) os atos dolosos de excesso de poderes, ilegais e contrários ao estatuto/contrato social da sociedade pela qual mantinham vínculo.