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Dress code: a correta roupagem da distribuição antecipada de lucros

Direto ao Ponto: Vestindo a distribuição antecipada de lucro das corretas formalidades que antecedem esse ato, deveria restar afastada a pretensão das autoridades fazendárias de tributação do excesso de lucro pelo imposto de renda à alíquota de 34% como se rendimento sem causa fosse e pela contribuição previdenciária, na qualidade, totalmente incongruente, de rendimento pelo trabalho dos sócios beneficiados. Vejam em detalhes a roupagem a ser utilizada.

Lucro e Distribuição de Dividendos

Os sócios de uma sociedade dela contribuem com seu capital e, eventualmente trabalho. Contribuem com capital na expectativa de tê-lo remunerado através dos lucros que serão produzidos e distribuídos por essa sociedade. Contribuem com trabalho quando assim útil para a administração ou consecução dos objetivos da sociedade, sendo, nessa hipótese, remunerado, tal qual um empregado seria por seus esforços.

O lucro, objetivo primordial de qualquer sociedade, é apurado ao final do exercício social, anualmente, quando, então, as pessoas jurídicas elaboram as suas demonstrações financeiras, com base em sua escrituração contábil. Essas demonstrações financeiras somente produzem efeitos perante terceiros, se aprovadas em assembleia geral, momento em que os sócios deliberam sobre a destinação de eventual lucro apurado, que pode ser distribuído, constituída reserva ou até mesmo reinvestido na própria sociedade.

Vejam: somente há que se falar na existência de lucro no final do exercício, após a aprovação das demonstrações financeiras da sociedade, lucro esse apto a ser distribuído como dividendo definitivo aos sócios.

Tributação da Remuneração dos Sócios

Mencionamos, então, que os sócios podem ser remunerados tanto pelo capital investido, na forma de distribuição de dividendos pela sociedade, como pelo trabalho executado em favor da pessoa jurídica, na forma de pagamento de pró-labore.

A remuneração recebida pelo sócio na forma de lucro diz respeito ao risco corrido por ele ao investir seu capital na sociedade. Afinal, por ocasião desse investimento não era possível prever se a operação dessa sociedade seria ou não lucrativa, nem em qual medida.

Já o pró-labore é a remuneração pelo trabalho do sócio em favor da sociedade, trabalho esse relativo aos atos de administração da pessoa jurídica, no que se refere às sociedades limitadas e simples, e/ou exercido no âmbito do objeto social da empresa, notadamente nos casos das sociedades simples. 

Assim, no que tange ao imposto de renda, os dividendos são isentos por ocasião de sua distribuição. Já o pró-labore, na condição de renda do sócio, é tributado na fonte, de acordo com a tabela progressiva.

Relativamente à contribuição previdenciária patronal, os dividendos estão fora de sua área de incidência que abrange, exclusivamente, as remunerações destinadas a retribuir o trabalho, nos termos do art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991. Portanto, apenas o pró-labore pago aos sócios é objeto de tributação pela contribuição previdenciária patronal à alíquota de 20%.

Distribuição de Dividendos Inexistentes ou Insuficientes

Como visto anteriormente, somente há que se falar em lucro apurado, em lucro definitivo, ao final do exercício. Porém, a Lei nº 6.404/1976 prevê a possibilidade de que, havendo autorização estatutária, as sociedades:

  1. Levantem balanços intermediários;
  2. Aprovem esses balanços junto aos seus órgãos de administração; e
  3. Deliberem pela distribuição de lucro eventualmente apurado.

É o que chamamos de distribuição antecipada de lucros, prática muito comum nas sociedades simples, tais quais as profissionais, mas também utilizada por sociedades limitadas.

No entanto, é possível que a posição lucrativa da sociedade não venha, por qualquer razão, a se concretizar ao final do ano de exercício, ocasião em que estaríamos, relativamente às antecipações realizadas, diante de lucros inexistentes. Há também a hipótese em que o lucro se confirme, mas em valor insuficiente para fazer frente aos dividendos distribuídos aos seus sócios ao longo do período. São estes os lucros insuficientes.

É de rigor, então, que os lucros distribuídos em excesso sejam requalificados, porque, afinal, lucro não houve e, assim, oferecidos à correta tributação.

A Receita Federal do Brasil, nos termos das Instruções Normativas nos. 11/96 e 93/97, vinha impondo aos contribuintes que o excesso do lucro distribuído aos sócios fosse caracterizado como renda e tributado pela fonte pagadora de acordo com a tabela progressiva do imposto de renda.

No entanto, em que pese tais Instruções Normativas não tenham sido expressamente revogadas, a RFB editou, em 2017, a IN nº 1.700, alterando o seu entendimento para passar a exigir que os dividendos distribuídos em excesso sejam tributados pelo imposto de renda à alíquota mais gravosa de 34% sobre base reajustada, nos termos do art. 61 da Lei nº 8.981/1995. Isso porque entende que o excesso de dividendos não tem causa, visto não apurado, ao final do período, lucro qualquer ou em valor suficiente para lhes fazer frente.

A melhor interpretação sistemática da legislação tributária certamente apontará para a ilegalidade da IN RFB nº 1.700/2017. Posto que, ao menos com relação ao excesso oriundo de lucros insuficientes apurados pela sociedade no final do exercício, não há que se falar em razão ou origem ignorada, não sabida para o pagamento ocorrido que lhe impusesse a tributação gravosa do art. 61 da Lei nº 8.981/1995.

A distribuição antecipada de lucros foi realizada porque assim previsto estatutariamente e porque autorizado pela legislação em vigor. Ademais disso, os balanços intermediários levantados, devidamente aprovados pelos órgãos de administração e elaborados de acordo com os registros contábeis da empresa, apontavam lucro naquele determinado período do ano, sendo essa a causa dos dividendos antecipados aos sócios.

Ou seja, desde que não haja manipulação ou fraude com relação aos balanços intermediários levantados pela sociedade e havendo previsão estatutária para a distribuição antecipada de lucros, não haveria elementos para a RFB apontar um pagamento sem causa.

Assim, outra conclusão não haveria senão a requalificação desses valores como rendimentos das pessoas físicas, essas sim sujeitas à eventual autuação fazendária pelo não oferecimento desses valores à tributação pelo imposto de renda, à tabela progressiva, por ocasião da entrega de sua Declaração Anual ao Fisco, na qual esse tipo de ajuste é mandatório.

Ademais disso, aquele entendimento fazendário, exposto na IN nº 1.700/2017, não condiz com a exigência que costumeiramente se segue a do imposto de renda, aquela relativa à contribuição previdenciária patronal que, lembremos, incide apenas sobre remunerações pagas a qualquer título com o objetivo de retribuir trabalho (IN RFB nº 971/2009).

Em outras palavras: as contribuições previdenciárias patronais não incidem sobre qualquer tipo de rendimento/renda, tal qual o imposto de renda, mas tão somente sobre aquelas que retribuam trabalho

Assim, não poderia o excesso de lucro ser, para fins de imposto de renda, rendimento sem causa e, para fins de contribuição previdenciária, remuneração em retribuição a trabalho. São absolutamente incompatíveis tais qualificações fazendárias e as exigências fiscais delas derivadas.

Acreditamos que esse imbróglio previdenciário somente pode ser resolvido se respondida a seguinte questão: a inexistência ou insuficiência de lucro é suficiente para atribuir a natureza de remuneração pelo trabalho aos rendimentos recebidos pelos sócios? 

Nossa resposta é não, resposta à qual segue o alerta relativo à observância das formalidades que precedem à antecipação de dividendos aos sócios: previsão estatutária dessa sistemática, manutenção de registros contábeis regulares, levantamento de balanço intermediário, aprovação desse balanço pelos órgãos de administração da sociedade e deliberação pela distribuição do lucro na forma de dividendos.

São essas formalidades que darão substância ao argumento de que causa houve para o pagamento de dividendos intermediários aos sócios, ainda que, ao final do exercício, não se apure lucro suficiente para tanto. Causa (lucro) no momento da antecipação de dividendos havia, razão pela qual a requalificação do excesso deve implicar na tributação desse rendimento à tabela progressiva do imposto de renda.

A roupagem dada à distribuição antecipada de lucros é relevante também no âmbito previdenciário, pois demonstram a intenção da sociedade, por ocasião do levantamento de seu balanço intermediário, de remunerar o capital de seus sócios e não seu trabalho. Não havendo que se falar em remuneração pelo trabalho, de rigor o afastamento de qualquer exigência de contribuição previdenciária patronal, haja vista a especificidade de sua hipótese de incidência.

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