Direto ao ponto: Há décadas a legislação tributária permite a concessão de benefícios fiscais como estímulo a empreendimentos privados, sendo igualmente antigo o debate entre a Receita Federal do Brasil (RFB) e os contribuintes a respeito da sujeição desses benefícios (em especial os pertinentes ao ICMS) ao IRPJ (e também à CSLL). Embora a legislação tenha avançado e deixado de exigir contraprestações dos contribuintes para a configuração das chamadas subvenções para investimento (exceto a constituição de reserva, de uso limitado), o fisco permanece relutante em aceitar a não sujeição de benefícios de ICMS a tributos federais. Enquanto a Administração Fazendária segue reiterando sua posição em Soluções de Consulta, acumulam-se diversos precedentes do CARF e do Judiciário em favor dos contribuintes, muitos deles lastreados no respeito ao pacto federativo, que impede a União de tributar aquilo que Estados deliberadamente deixaram de onerar.
O início: distinção entre subvenções para custeio e subvenções para investimento + Guerra Fiscal de ICMS
O tema das chamadas subvenções e seus impactos tributários é de conhecimento de qualquer tributarista brasileiro, tamanha sua abrangência e longevidade. Em apertado resumo, podemos dizer que as subvenções são espécie de incentivos concedidos pelo Governo aos particulares, sendo previstas já no Decreto Lei 1.598/77 que traduziu a então recente Lei das Sociedade Anônimas e seus diversos meandros contábeis para a legislação do Imposto de Renda.
Ali havia o conceito de subvenção como gênero divisível entre duas espécies: subvenções para custeio e subvenções para investimento. As do primeiro tipo eram equivalentes a meras doações, transferências voluntárias do Governo aos beneficiários sem contrapartida por parte destes. Já as subvenções para investimento tinham o especial propósito de impulsionar o desenvolvimento regional e por isso exigiam que os contribuintes contemplados entregassem algo em retorno.
Como o regramento legal da época dava isenção de Imposto de Renda apenas às subvenções para investimento, o que se viu durante décadas de contencioso tributário foi um embate entre contribuintes e fisco a respeito da qualificação de determinados regimes privilegiados de ICMS. No cerne da questão estava a evidenciação de que o contribuinte gozava do benefício não gratuitamente, mas mediante um esforço dele para com o ente concessor do regime, seja via instalação de plantas, geração de empregos etc.
É verdade que a subvenção para investimento não era em si isenta de IR, dependendo ainda da constituição de reserva de capital, que só poderia ser utilizada para absorver prejuízos ou ser capitalizada. Mas o debate tributário estava via de regra gravitando ao redor dos requisitos para a configuração do regime especial de ICMS como subvenção para investimento, a qual (se atendida a condição de ser destinada a reservas) estaria então isenta do IR (e consequentemente da CSLL). No vácuo dessa discussão havia ainda a tese que pregava não serem as subvenções para investimento sujeitas a PIS e COFINS, eis que seus valores não poderiam ser enquadrados como espécie de receita, já que destinadas diretamente à reserva de capital no PL, sem transitar por resultado.
A discussão das subvenções como qualificadas para investimento também sempre foi impulsionada pela chamada Guerra Fiscal do ICMS, quando virtualmente todos os Estados brasileiros e o Distrito Federal disputavam novos empreendimentos em seus territórios atraindo investidores mediante regimes especiais do imposto, via de regra permitindo uma carga mais amena do imposto estadual, e não raro sem o constitucionalmente previsto aval do CONFAZ.
A redução de impostos sempre foi tida como uma das possibilidades de se concederem subvenções às empresas. As discussões tributárias começavam na constitucionalidade da guerra fiscal (haja vista a ausência de Convênio CONFAZ), passavam pela qualificação daqueles regimes especiais como espécie de “subvenção para investimento” (o que exigiria contrapartidas) e terminavam na existência de reserva de capital (e na ocorrência de receita).
Anos 2000: novos PIS/COFINS e regras contábeis, debates acalorados
Durante a primeira década deste século o panorama tributário brasileiro foi afetado por profundas alterações na nossa legislação e jurisprudência. Do lado da contribuição ao PIS e da COFINS, o até então tradicional regime cumulativo deu espaço à adoção cada vez mais presente da chamada não cumulatividade, que, diferentemente da experiência com o ICMS e o IPI, até então únicos tributos de valor agregado em terras tupiniquins, se buscava mediante um sistema de creditamento “base contra base” (e não “imposto contra imposto”, como naqueles).
Mais que isso, as contribuições PIS e COFINS passaram a ter uma base de cálculo muito alargada, eis que, antes, ficava restrita ao conceito singelo de faturamento enquanto resultado da venda de mercadorias ou serviços, tendo passado a contemplar quaisquer ingressos no patrimônio da entidade. (Nota: a tentativa de fazer essa evolução sem base constitucional culminou no julgamento, pelo STF, da inconstitucionalidade da Lei nº 9.718, algo que foi logo resolvido com a edição das Leis nos 10.637 e 10.833.) Felizmente, as “receitas” com subvenções foram expressamente excluídas das bases de PIS/COFINS.
No lado do Imposto de Renda e da CSLL, as principais mudanças que interessam ao tema “subvenções” vieram da adoção pelo Brasil de novos parâmetros de contabilidade, parâmetros esses sintonizados com a prática internacional e que podem ser resumidos num distanciamento do formalismo em prol da busca da essência das operações registradas pela ciência contábil (Lei nº 11.638).
O avanço foi tão significativo que o Brasil preferiu inicialmente manter as regras fiscais sobre os parâmetros contábeis anteriores (via o chamado Regime Tributário de Transição – Lei nº 11.638), até finalmente ajustar (em parte) seu regulamento tributário (Lei nº 12.973). O tema subvenções permaneceu, contudo, gerando debates entre fisco e contribuintes.
2017: Evolução na legislação e jurisprudência. Benefícios de ICMS presumidamente como subvenções para investimento e limites à União em respeito ao pacto federativo
Após anos assistindo o STF julgar regimes especiais de ICMS conferidos sem aval do CONFAZ como inconstitucionais, apenas para ver os mesmos benefícios serem reinstituídos em novos diplomas legais, e Estados que apontavam o dedo contra outras unidades repetirem o pecado àquelas atribuídos, o Brasil parece ter percebido quão custosa é a insegurança de se manterem empreendimentos e arrecadações relevantes sob a espada do Judiciário.
Em 2017, finalmente, uma trégua à Guerra Fiscal do ICMS parece ter surgido, quando então a Lei Complementar 160 foi promulgada (com a derrubada de vetos do então Presidente da República a trechos importantes da norma). Em síntese, a LC 160 permitiu a convalidação dos regimes especiais até então vigentes (afastando deles o risco de condenação como inconstitucionais) e novo quórum para deliberações no CONFAZ.
Especificamente no que interessa à tributação, pela União, das subvenções, a LC 160 trouxe o seguinte: “Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas neste artigo.”
Como se observa, ao menos para os incentivos de ICMS, a LC 160 terminou com a distinção entre as espécies subvenção para custeio e subvenções para investimento, eis que passou a existir uma presunção legal de que aqueles sempre serão deste segundo tipo, o que por consequência atrai a isenção de IRPJ e CSLL (se os valores forem registrados contabilmente como reserva de lucros – condição mantida).
Para sacramentar essa realidade foi também inserido o §5º ao artigo 30 da Lei nº 12.973, dispondo que a presunção acima aplicar-se-ia inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.
Tanto assim o é que existem diversos precedentes do CARF avaliando o tema e concluindo que, com o advento da LC 160, não se permite mais sequer avaliar a existência de contrapartidas pelo contribuinte beneficiado.
Em paralelo, na mesma época em que o Congresso aprovava a LC 160 o Judiciário, mais especificamente o Superior Tribunal de Justiça, julgava importante precedente no sentido de que, em homenagem ao princípio do pacto federativo, não pode a União pretender onerar com tributos aquilo que foi economizado pelos contribuintes por conta de regimes especiais tributários concedidos pelos Estados. Em outras palavras, é vedado que um ente federativo se aproveite de um sacrifício concedido por outro ente, raciocínio este que veio a ser repercutido em outros precedentes.
O cenário atual: persistência dos questionamentos do fisco
Embora tenha havido um grande salto nos últimos quatro anos no que se refere à regulamentação legal das subvenções, deixando o clima mais propício a uma trégua nos debates entre RFB e contribuintes a respeito da tributação federal sobre subvenções, ainda não há paz no tema.
No âmbito federal, Soluções de Consulta dos últimos meses vem indicando a tendência das autoridades fiscais de analisarem o mérito de cada benefício de ICMS buscando entender qual teria sido de fato a vontade do legislador estadual ao outorgar aquelas vantagens a determinado grupo de contribuintes para então somente classificar como subvenções para investimento, supostamente legitimadas a usufruir da isenção de IRPJ/CSLL, aquelas em que se vislumbrar haver estímulo à expansão ou implantação de empreendimento.
O fundamento da RFB estaria no caput do artigo 30 da Lei 12.973, que considera isentas as subvenções concedidas com o objetivo de impulsionar a economia local: “As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: (…).”
Note-se que tal dispositivo é o mesmo em que a LC 160 inseriu os antes referidos §§ 4º e 5º presumindo serem todos os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS como subvenções para investimento, “vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas neste artigo”.
Direto ao ponto: A nosso ver, tendo em conta os precedentes hoje existentes, os contribuintes tem prognóstico favorável em uma eventual demanda contra a tributação pelo IRPJ e CSLL dos benefícios estaduais, primeiro porque a LC 160 expressamente presumiu como subvenção para investimento quaisquer regimes especiais de ICMS, segundo porque a mera concessão de incentivos de ICMS são inevitavelmente espécie de norma indutora que representa efetivo “estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”, e terceiro porque onerar com tributos federais uma economia conferida às custas de cofres estaduais é nitidamente contrário ao pacto federativo.