Direto ao ponto: neste artigo apresentamos os avanços alcançados pelos Contribuintes e pelo Fisco no ambiente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) com foco na construção de relação verdadeiramente paritária que objetive a justiça tributária, notadamente com o fim do voto de qualidade e com o aumento do limite de valor dos casos que podem ser levados às sessões virtuais de julgamento. Listamos, ao final do texto, algumas das razões pelas quais entendemos que os contribuintes devam se aproveitar desse ambiente profícuo para estimular o debate de seus casos no ambiente virtual, permitindo o julgamento de seus processos administrativos antes de encerrada a análise das ADIs nos 6.399, 6.403 e 6.415 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é o órgão colegiado da Receita Federal do Brasil (RFB) responsável por julgar recursos de ofício e voluntário interpostos contra decisões de 1ª instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente aos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
As Turmas de Julgamento do CARF são paritárias e, portanto, integradas por 8 (oito) conselheiros, sendo 4 (quatro) representantes da Fazenda Nacional e 4 (quatro) representantes do Contribuintes. Os presidentes e os vice-presidentes das Turmas são designados, respectivamente, dentre os conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos Contribuintes que as compõem. Notem: a presidência das Turmas julgadoras do CARF é sempre designada a conselheiro representante da Fazenda Nacional.
Essa ressalva é relevante porque a Turma do CARF, ao julgar um recurso, dispõe de um voto para cada julgador, num total de 8 (oito) votos. É possível, portanto, que o resultado desse julgamento seja um empate e, anteriormente à edição da Lei nº 13.988/2020, quando isso acontecia a votação era decidida pelo voto de qualidade, que ficava a cargo de um conselheiro indicado pela Fazenda Nacional, o presidente da Turma (§9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/1972).
No entanto, editada a Lei nº 13.988/2020, quando o julgamento tratar de determinação e exigência tributária, esse voto de qualidade deixa de existir, resolvendo-se o recurso favoravelmente ao contribuinte.
Como o voto de qualidade era proferido por um representante da Fazenda Nacional, costumava favorecer o Fisco em detrimento do contribuinte, na maior parte das vezes. Com o seu fim, a perspectiva em casos de empate era mais favorável aos contribuintes nos processos administrativos fiscais no âmbito federal, tendência que se confirmou ao longo do último ano.
Em alguns temas o fim de voto de qualidade representou uma mudança na jurisprudência do CARF, como nos casos envolvendo (i) a amortização de ágio interno (“caso Unilever”); (ii) a aplicação da trava de 30% ao ano para o aproveitamento de prejuízos fiscais na redução da base de cálculo tributária no caso de extinção da empresa; e (ii) a possibilidade de concomitância da multa de ofício e multa isolada.
A retomada das atividades do CARF no ambiente virtual ocorreu em meio à pandemia de COVID-19, sendo, então, realizados os julgamentos por videoconferência. No período de junho a dezembro de 2020 foram pautados apenas os processos que discutiam exigências de até R$ 1 milhão. Posteriormente, esse limite foi sendo paulatinamente aumentado até os atuais R$ 36 milhões, o que permitiu que processos mais complexos entrassem em pauta de julgamento.
No entanto, juntamente com essa alteração foi permitido que o contribuinte requeresse a retirada dos autos de pauta de julgamento, inicialmente sem a necessidade e apresentação de qualquer justificativa. Assim, muitos desses contribuintes passaram a adiar julgamentos sob o argumento de mitigação da atuação de seus representantes legais nesse Órgão Colegiado. Atualmente, a retirada de processo de pauta de julgamento virtual do CARF deve ser acompanhada de sólida justificativa.
Não bastasse os empecilhos impostos à não utilização do ambiente virtual do CARF pelos Contribuintes, chamamos atenção neste artigo para a janela de oportunidade aberta com a edição da Lei nº 13.988/2020. O fim do voto de qualidade tem como uma de suas consequências, a apreciação de temas complexos de maneira mais equilibrada entre decisões favoráveis ao fisco e aos contribuintes, bem como um maior respeito à representação paritária, atribuindo-se maior relevância às decisões dos conselheiros indicados pelos contribuintes.
No entanto, essa janela está próxima de se fechar. Isso porque será objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 13.988/2020 através das ADIs nos 6.399, 6.403 e 6.415. O julgamento do caso já foi iniciado e o relator, Ministro Marco Aurélio, já proferiu seu voto pela inconstitucionalidade do dispositivo em razão do vício formal no processo legislativo, uma vez que foi incluído em uma alteração legislativa que não tinha pertinência temática, o famoso “jabuti”.
Empatando o julgamento, foi proferido o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, em cuja análise concluiu que o desempate a favor do contribuinte é constitucional, desde que seja mantida a possibilidade de a Fazenda Pública ajuizar ações visando restabelecer o lançamento tributário, hipótese em que o CARF se transformaria em mera instância de passagem.
O julgamento está atualmente interrompido pelo pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes. No entanto, a prevalecer qualquer dos entendimentos dos Ministros que apresentaram seus votos, saem perdendo os contribuintes seja pela retomada do modelo em que o Fisco teria voto duplo, seja pela mera burocratização do CARF.
Considerando-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é o órgão mais técnico para a discussão de questões tributárias complexas, inclusive aquelas com nuances contábeis, as discussões entre Fisco e Contribuinte ocorrem com maior profundidade, conferindo um maior equilíbrio processual. É esse ambiente profícuo que os contribuintes não deveriam desperdiçar nesse período de ausência do voto de qualidade dado pelo Presidente da Turma e pendência de julgamento das ADIs.
Por essa razão, listamos a seguir algumas razões para os contribuintes levarem ou manterem o julgamento de seus casos em sessões virtuais do CARF:
- (i) Não há uma data prevista para o retorno das atividades presenciais do CARF. Essas sessões virtuais poderão ser mantidas e, nesse caminho, vem sendo ampliados os limites de valores dos casos que podem seguir ao Plenário Virtual;
- (ii) O julgamento das ADIs nos 6.399, 6.403 e 6.415 pelo STF poderá ser retomado a qualquer tempo e, caso venha a ser declarada a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 13.988/2020, será retomado o modelo do voto de qualidade para casos em que julgamentos tenham tido votação resultando em empate, tendendo a decidir-se em favor da Fazenda a maioria dos casos empatados;
- (iii) Para preservação da segurança jurídica, contraditório e ampla defesa, é autorizado aos advogados dos casos que façam suas sustentações orais e que participem das sessões virtuais de julgamento, suscitando o debate contribuinte com esclarecimentos e informações para a melhor solução da questão controvertida;
- (iv) O uso correto e proveitoso do ambiente virtual, das ferramentas de tecnologia existentes e colocadas à disposição do CARF e dos contribuintes, pode contribuir para que se chame atenção dos Conselheiros para o debate que se pretende instaurar, fazendo contundentes e esclarecedoras apresentações aos julgadores;
- (v) Dar celeridade à solução de um processo administrativo que poderia ficar parado por prazo indeterminado aguardando-se o retorno das atividades presenciais do CARF; e
- (vi) No caso de o contribuinte sagrar-se vitorioso nessa esfera administrativa, evitar-se-ia o acesso ao Judiciário, notadamente ao STF, onde muitos dos julgamentos de matéria tributária têm ocorrido sob um viés consequencialista, e não jurídico, trazendo resultados inesperados e indesejados aos contribuintes.
Direito ao ponto: Advocacia combativa junto ao CARF mostra-se urgente nesse momento em que processos relevantes podem ser levados à julgamento virtual, em um ambiente em que não impera o voto de qualidade, sem a subserviência dos contribuintes aos desígnios arrecadatórios do Fisco, de modo que se impõe mudança de jurisprudência, não por favorecimento, agora, dos contribuintes, mas por Justiça Fiscal.