Direto ao Ponto: Estariam os contribuintes comerciais atacadistas e varejistas autorizados, seja pela legislação de regência do PIS e da COFINS, seja pela decisão do STJ, em sede do Recurso Especial repetitivo nº 1.221.170, a creditar-se do PIS e da COFINS sobre insumos aferidos à luz dos critérios da essencialidade ou relevância para suas operações? Ou são restritivas as disposições do art. 3º, inc. II, das Leis nos 10.833/2003 e 10.637/2002? Veremos que existem sólidos argumentos para a ida desses contribuintes à Juízo garantir que não sejam onerados inconstitucional e ilegalmente as mercadorias por eles revendidas.
De acordo com a legislação de regência da contribuição ao PIS e da COFINS na sistemática não-cumulativa, notadamente Leis nos 10.833/2003 e 10.637/2002, poderão ser descontados, do valor apurado a título dessas contribuições, créditos calculados em relação a “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda” (art. 3º, inc. II, das mencionadas Leis).
Grandes discussões surgiram no cenário jurídico atual sobre o conceito de insumos, objeto de regulamentação pela Receita Federal do Brasil (“RFB”) que objetivou restringi-lo aos moldes da legislação do Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI), no sentido de que apenas os bens e serviços diretamente vinculados à produção permitiriam a tomada de créditos das contribuições.
Os contribuintes levaram, então, a discussão que gira em torno do conceito de insumos ao Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no início de 2018, julgou, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial nº 1.221.170, definindo que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
No entanto, não restou diretamente respondida uma outra questão que diz respeito à possibilidade de creditamento sobre esses insumos por empresas comerciais atacadistas e varejistas que não estariam expressamente abrangidas por aquelas disposições do art. 3º, inc. II, das Leis nos 10.833/2003 e 10.637/2002.
Nos parece que a solução está atrelada à origem da própria sistemática não-cumulativa da contribuição ao PIS e da COFINS. Isso porque, essas contribuições, ao onerar cada um dos componentes (ou insumos) e tornar a incidir sobre o produto obtido a partir deles (incidência em cascata), aumenta o fardo tributário. Para que se evite esse fenômeno do sobrepeso da tributação se criaram institutos como a não cumulação de encargos tributários, evitando-se incidência sequenciais que, ao fim e ao cabo, aumentam os preços das mercadorias e serviços.
O legislador constituinte, no art. 195 da CF/88, com alterações promovidas pela EC 42/2003, permitiu que o legislador ordinário definisse os setores para os quais as contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento, caso do PIS e da COFINS, seriam calculadas de forma não-cumulativa.
Usando dessa prerrogativa, foram, então, editadas as Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, a fim de racionalizar a tributação, fazendo referência ao sistema da não-cumulatividade, com características e atributos próprios que distinguiam esse sistema daquele relativo à apuração do ICMS e do IPI.
Sobre essa distinção, vale transcrever as palavras do Exmo. Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filhos, por ocasião do acórdão do REsp nº 1.221.170:
“O creditamento no IPI e no ICMS – digo isso apenas para recordar – vincula-se ao quantum recolhido nas operações anteriores porque os fatos geradores desses impostos são, respectivamente, a industrialização e a circulação comercial de mercadorias ou alguns serviços. No caso do PIS/COFINS, o creditamento consiste em verdadeiro ou autêntico desconto, pois essas contribuições têm por fato gerador o próprio faturamento da empresa ou da entidade a ela equiparada; a distinção é formidavelmente gritante, como se percebe.” (Destacamos)
Um tributo, tal qual o IPI, que incide sobre produtos, tem seus créditos vinculados aos insumos respectivos. Já o PIS e a COFINS que incidem sobre o faturamento têm seus créditos atrelados às despesas do contribuinte, não devendo importar para a concretização dessa sistemática se esse contribuinte é industrial, prestador de serviço ou comerciante varejista ou atacadista porque todos eles, igualmente, se submetem à sistemática não-cumulativa, devendo, assim, fazer jus aos créditos atrelados às despesas essenciais e relevantes para as suas atividades.
A regulamentação levada a efeito pelo Poder Executivo, a quem interessa mais a arrecadação, desvirtua o propósito da não-cumulatividade, restringindo o conceito de insumos para fins de creditamento, pretendendo equiparar essa sistemática àquela do IPI ou do ICMS.
No entanto, a fim de combater essas distorções o Ministro Relator em seu voto paradigmático volta a atrelar o critério da essencialidade à atividade econômica da empresa, qualquer que seja ela, de modo que devem ser considerados, no conceito de insumos, “todos os bens e serviços que sejam pertinentes ao processo produtivo ou que viabilizem o processo produtivo, de forma que, se retirados, impossibilitariam ou, ao menos, diminuiriam o resultado final do produto”.
Retirar alguns setores da economia, notadamente os comerciantes atacadistas e varejistas, da sistemática da não-cumulatividade do PIS e da COFINS em sua integralidade, da possibilidade de tomar créditos sobre todas as despesas que se mostrem essenciais e necessárias para a sua operação, inviabiliza o fim ao qual a própria sistemática se propõe: a tributação exclusiva do valor agregado da mercadoria.
Creditamento não consiste em benefício fiscal e, portanto, não lhe são aplicáveis as disposições do art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN), no que se refere à interpretação necessariamente de forma literal ou restritiva, como querem fazer crer aqueles que restringem o disposto no art. 3°, inciso II, das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, de forma a afirmar que apenas industriais ou prestadores de serviços poderiam creditar-se dos insumos essenciais às suas operações.
Ademais, existem suficientes argumentos não só jurídicos, mas também econômicos, para sustentar a aplicação da sistemática da não-cumulatividade do PIS e da COFINS em sua integralidade também pelos contribuintes comerciais atacadistas e varejistas, não devendo ser interpretada restritivamente a regra inserta naquele dispositivo legal (art. 3°, inciso II, da lei n° 10.833/2003).
Para a devida eficácia do sistema da não-cumulatividade do PIS e da COFINS é fundamental que se admita que as despesas efetuadas também pelos comerciantes atacadistas e varejistas constituam créditos utilizáveis na apuração da base de cálculo do tributo devido porque têm natureza de receita consumida, de forma essencial e necessária para que se leve ao cabo tal operação.
As lições de Ricardo Lodi Ribeiro deixam claro a necessidade de que a técnica de não-cumulatividade no caso do PIS e da COFINS observe “base contra base” porque tem conexão direta com a receita ou faturamento:
“Assim, se em relação às mercadorias e produtos, a não-cumulatividade significa que o imposto a ser pago na operação de saída é a diferença entre o mesmo imposto incidente nesta e os que foram pagos nas operações anteriores, o mesmo não acontece quando o instituto é transmitido para os tributos incidentes sobre a receita bruta o faturamento. Nestes, não-cumulatividade significa que o tributo a pagar é encontrado pela aplicação da alíquota sobre a diferença entre as receitas auferidas e as receitas necessariamente consumidas pela fonte produtora (despesas necessárias).” (A não-cumulatividade das contribuições incidentes sobre o faturamento na Constituição e nas leis, in Revista Dialética de Direito Tributário n. 111, p. 102. Destacamos.)
É de se concluir, portanto, que as regras da não-cumulatividade do PIS e da COFINS não se assemelham àquelas do ICMS e do IPI, impostos que, como já se adiantou, incidem sobre produtos e cuja regra da não-cumulatividade serve para evitar a tributação em cascata, estabelecendo-se um sistema de créditos que poderá ser usado como forma de pagamento de tributo.
Esse sistema, como visto, não é replicável para o PIS e COFINS que incidem sobre o faturamento e cujas regras de não-cumulatividade têm outra materialidade.
Para concluirmos, não poderiam ser melhores as palavras da Ministra Regina Helena Costa em seu voto no REsp nº 1.221.170:
“Cabe observar que o regramento estampado nas Instruções Normativas SRF nos. 247, de 2002, e 404, de 2004, ao autorizar o creditamento das aquisições de bens e serviços utilizados como insumos na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, ou na prestação de serviços, traduz o conceito de insumo inerente ao sistema de não-cumulatividade próprio de impostos incidentes sobre operações que tenham por objeto bens, no caso, do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
Dessarte, exsurge claro o descompasso existente entre o sistema de não-cumulatividade estabelecido para contribuições cuja base de cálculo é a receita bruta ou o faturamento, e a disciplina de creditamento, instituída administrativamente, que considera insumos apenas as despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços utilizados na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, ou na prestação de serviços, inspirada na disciplina do IPI.
Observe-se que a vedação ao creditamento de despesas efetuadas a título de insumos implica ofensa imediata à sistemática da não-cumulatividade disciplinada nos diplomas legais apontados e, em conseqüência, ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que tal proceder acarreta, ao revés, a cumulatividade das mencionadas contribuições na hipótese em foco.” (destacamos)
Uma vez entendido que a sistemática da não-cumulatividade se estende para contribuintes como os comerciais varejistas e atacadistas, é fundamental definir o conceito de insumos para estes, de despesas essenciais e necessárias às suas operações.
O STJ inclinou-se à uma leitura dos dispositivos legais, de acordo com a qual os dispêndios incorridos com bens e serviços pertinentes, direta ou indiretamente, relevantes ou essenciais ao processo produtivo, autorizam a tomada de créditos de PIS e de COFINS.
Relativamente ao processo produtivo, o STJ, ao se afastar da corrente advogada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), admitiu que o emprego indireto dos insumos nesse processo, sem a necessidade de serem diretamente consumidos, seria suficiente para autorizar o creditamento, para fins de apuração do PIS e da COFINS, desde que demonstrada a essencialidade ou relevância desses insumos no contexto produtivo em que inseridos.
Por essencial o STJ entendeu o insumo que subtraído do processo produtivo torne impossível tal produção. De acordo com o voto da Ministra Regina Helena Costa, o insumo essencial é aquele item do qual a pessoa jurídica dependa intrínseca e fundamentalmente para a produção do produto ou para a prestação do serviço, constituindo-se como elemento estrutural e inseparável do processo produtivo.
Entendeu por relevante, aquele Tribunal, o item que subtraído da produção/prestação de serviço implique em substancial perda de qualidade, quantidade ou suficiência (no sentido de completude) do produto ou serviço daí resultante. Mais uma vez a Ministra Regina Helena Costa esclarece em seu voto que também se trata de insumo relevante aquele que, embora não indispensável, não essencial, pela sua singularidade, agrega qualidade ao produto/serviço ou, ainda, aumenta a eficiência do próprio processo produtivo.
Em brevíssima síntese, o STJ referiu-se a tudo aquilo que a pessoa jurídica não produz sem (essencial) ou ao que a leva a fazer bem menos (relevante), se diminuído do processo produtivo, para fins de definição do termo “insumo”.
Chamamos atenção para o critério da relevância que é utilizado pelo STJ, no julgado que consagrou vencedora a tese intermediária ora comentada, para justificar a autorização da tomada de créditos de PIS e de COFINS sobre a aquisição de insumos consumidos indiretamente no processo produtivo.
Como se pode perceber, o critério da relevância é mais amplo do que aquele da essencialidade, a ponto de permitir, por exemplo, a tomada de crédito sobre um equipamento de proteção individual, que não é aplicado diretamente na produção ou na execução do serviço, ou até mesmo daqueles gastos decorrentes de uma imposição legal. O Ministro Campbell deixa expresso em seu voto que as despesas decorrentes de imposição legal representam insumos, para fins de creditamento de PIS e de COFINS.
A apreciação é, sem dúvida, casuística e, para fins de creditamento de PIS e de COFINS, o insumo deverá, como detalhado acima, guardar relação de essencialidade e relevância com o processo produtivo do contribuinte.
Direto ao ponto: contribuintes comerciais atacadistas e varejistas têm sólidos argumentos jurídico-econômicos para defender a tomada de créditos, na sistemática não-cumulativa de apuração do PIS e da COFINS, que leva em consideração o faturamento ou a receita auferida pelos contribuintes e, de outro lado, a parcela dessa receita ou faturamento consumidos por despesas essenciais e necessárias, não havendo que ser interpretado restritivamente o inc. II, do art. 3º, das Leis nos 12.637/2002 e 10.833/2003. Ultrapassada essa barreira, cabe, ainda, uma análise casuística com vistas a identificar os insumos que se inserem em sua operação de forma essencial e relevante, originando créditos de PIS e de COFINS, além da elaboração de dossiê legal que ateste a vinculação entre tais insumos e a atividade comercial, a fim de acobertar e proteger o contribuinte em caso de qualquer questionamento fiscal.