I – Objeto e finalidade das Associações Sem Fins Lucrativos
Usualmente, as associações sem fins lucrativos que tem como objetivos o fomento, estudo e patrocínio de estudos jurídicosprocuraram alcançar os objetivos mencionados por meio de doações, contribuições e anuidades e valores pagos a título de cursos, congresso e palestras.
Neste sentido, é rotineira a dúvida sobre eventual incidência tributária sobre tais valores recebidos de seus associados, membros e fomentadores, em vista de eventual imunidade ou isenção que tais entidades possam vir a ter.
Desta forma, passaremos a analisar o tratamento tributário das referidas associações sem fins lucrativos voltadas ao estudo do Direito, notadamente aquelas que possuem entre seus objetos sociais e finalidades atividades como: (i) incentivar e patrocinar os estudos jurídicos em determinados ramos e áreas do Direito; (ii) incentivar pesquisas jurídicas na referida especialidade; (iii) promover a cooperação e intercâmbio entre os estudiosos da área; (iv) organizar e realizar seminários, grupos de estudo, congressos e conferências, bem como cursos e palestras; (v) fomentar e coordenar a publicação de artigos, revistas e livros na referida área; entre outros.
II – Imunidades tributárias
A imunidade tributária é uma norma de delimitação negativa de competência tributária[1] concedida pela Constituição Federal (“CF”), que impede os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de instituir e cobrar tributos sobre determinados fatos (imunidade objetiva) e entes (subjetiva).
Por ser uma associação sem fins lucrativos, a hipótese de imunidade que mais se aproximaria da entidade seria aquela prevista no art. 150, VI, “c”, e no art. 195, §7º, ambos da CF, que prevêem a imunidade de impostos e contribuições destinadas à seguridade social, conforme se verifica:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (…)
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(…)
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. (g.n.)
No entanto, como pode ser observado dos dispositivos constitucionais acima reproduzidos, existe diferença no que tange à imunidade de impostos e a imunidade de contribuições sociais.
Enquanto a primeira imunidade é aplicável a instituições sem fins lucrativos de caráter educacional, a segunda é restrita às instituições beneficentes de assistência social.
A doutrina[2] analisa a imunidade tributária das instituições de educação da seguinte forma:
(…) a imunidade, para as instituições de ensino, que atendem aos requisitos elencados na Lei Complementar (art. 14 do CTN) é abrangente, isto é, para todas as atividades de ensino. À evidência, todo e qualquer ensino está contemplado na imunidade: ciência, esporte, dança, etc. Ora, ensino é transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação ou a um fim determinado…o aluno, ao ingressar na escola, vai em busca de conhecimento, de informação, de esclarecimento. Assim, todo e qualquer curso está incluído no vocábulo ‘ensino’ (ensino de português, ensino de matemática, ensino de danças, prática de esportes, ensino de qualquer ciência, arte, ofício, etc.).
Não obstante a definição doutrinária acima transcrita, bem como o fato de a interpretação das normas de imunidade ser ampla[3], entendemos que, pela análise do objeto social e das finalidades da entidade, ainda assim não se trata de uma associação com o fim predominantemente educacional, tampouco tem a finalidade de assistência social, relacionada ao amparo de pessoas carentes, de deficientes, à proteção da família, da velhice etc., conforme disposto no art. 203 da CF[4].
Desta forma, constata-se que a entidade não pode gozar das imunidades tributárias acima elencadas. Entretanto, revisando a legislação infraconstitucional, podem ser encontrados casos de isenção em que é possível o enquadramento da entidade, os quais abordar daremos individualmente a seguir.
III – Isenção de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
Ao analisar a legislação relativa ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), verifica-se que a entidade, em virtude do seu caráter filantrópico e cultural, pode ser classificada como uma entidade isenta em relação a esses tributos, segundo o artigo 15 da Lei nº 9.532 de 1997, que assim dispõe:
Art. 15. Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.
§ 1º A isenção a que se refere este artigo aplica-se, exclusivamente, em relação ao imposto de renda da pessoa jurídica e à contribuição social sobre o lucro líquido, observado o disposto no parágrafo subseqüente.
§ 2º Não estão abrangidos pela isenção do imposto de renda os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
§ 3º Às instituições isentas aplicam-se as disposições do art. 12, § 2°, alíneas “a” a “e” e § 3° e dos arts. 13 e 14. (grifamos e negritamos)
Conforme determinado no §3º do art. 15 da Lei nº 9.532/97, para gozar dessas isenções e benefícios, a entidade deve observar os requisitos do art. 12, §2º, alíneas “a” a “e”, e §3º, dessa mesma lei, que são:
Art. 12. (…)
(…)
§ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:
a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;
b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;
c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;
e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;
(…)
§ 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.
Nesse sentido, não é outro o entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme a Solução de Consulta a seguir transcrita:
Processo de Consulta nº 115/09
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 1a. Região Fiscal
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Ementa: ASSOCIAÇÕES E ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS DE QUE TRATA O ART. 15. DA LEI nº 9.532, de 1997. Associação civil que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição do grupo de pessoas ao qual se destinam, sem fins lucrativos, de que trata o art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997, é isenta da CSLL, observadas as condições e requisitos constantes do art. 12 da IN SRF nº 390, de 2004. (…).
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: ASSOCIAÇÕES E ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS DE QUE TRATA O ART. 15. DA LEI nº 9.532, de 1997. ISENÇÃO. Associação civil que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição do grupo de pessoas ao qual se destinam, sem fins lucrativos, de que trata o art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997, é isenta do IRPJ, observadas as condições e requisitos constantes do art. 174 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 3000, de 1999. (…)
(Data da Decisão: 26.06.2009)
Note-se que o disposto no caput do art. 174[5] do Regulamento de Imposto de Renda (Decreto 3.000/99 – “RIR/99”) corresponde exatamente ao comando do art. 15, caput, da Lei nº 9.532/97, supra transcrita.
IV – Isenção de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e alíquota reduzida e base de cálculo distinta para a Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS)
No que tange à contribuição ao PIS e à COFINS, cada qual apresenta benefícios fiscais específicos para as associações sem fins lucrativos.
De acordo com o disposto no art. 14 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, as receitas relativas às atividades próprias dessas associações são isentas da COFINS. Confira-se:
Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1o de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:
(…)
X – relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o art. 13. (grifamos e negritamos).
Todavia, a isenção da contribuição para a COFINS não se aplica, automaticamente, à contribuição ao PIS.
Por força do próprio art. 13 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, as associações mencionadas sujeitam-se ao pagamento do PIS sobre a folha de salários à alíquota de 1%, o que, embora não represente uma isenção, é um benefício considerável, tanto sob a ótica da alíquota como da base de cálculo (que, ao invés de ser a receita bruta mensal é a folha de salários). Cite-se:
Art. 13. A contribuição para o PIS/PASEP será determinada com base na folha de salários, à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades:
(…)
IV – instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações, a que se refere o art. 15 da Lei no 9.532, de 1997; (g.n.)
Este também é o entendimento pacífico da Receita Federal do Brasil em relação à tributação por tais contribuições sociais, conforme se evidencia da recente solução de consulta abaixo colacionada:
Processo de Consulta nº 241/09
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 7a. Região Fiscal
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
Ementa: ASSOCIAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS. ISENÇÃO.
As receitas das atividades próprias das instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e das associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos, estão isentas da Cofins, desde que tais entidades cumpram todos os requisitos legais para gozo da isenção do IRPJ e da CSLL. (…).
Ementa: ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. A associação civil sem fins lucrativos, que preencher as condições e requisitos previstos no art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997, para o gozo de isenção do IRPJ e CSLL, é contribuinte do PIS/Pasep com base na folha de salários, à alíquota de 1% (um por cento).
Portanto, no que tange à contribuição ao PIS, a entidade está sujeito à sua incidência levando em conta a alíquota de 1% a ser aplicada sobre a folha de salários.
Contudo, convém apontar que as receitas oriundas de patrocínios, isto é, doações feitas por escritórios e empresas, podem gerar dúvidas sobre sua inclusão na isenção da COFINS supra mencionada. Isto porque, tais patrocinadores normalmente têm os nomes e logotipos de suas empresas veiculados em materiais (folhetos, brindes, etc.), anúncios (na internet e nos congresso e seminários) promovidos pela entidade.
Durante a vigência da legislação anterior, a Receita Federal do Brasil (RFB) entendia não haver tributação sobre tais valores recebidos como patrocínio, conforme infra colacionado:
ACÓRDÃO 108-05.885
1º Conselho de Contribuintes / 8a. Câmara
IRPJ e OUTROS – Exs.: 1992 e 1993
COFINS VERBA DE PATROCÍNIO RECEBIDA POR ASSOCIAÇÃO NÃO INCIDÊNCIA – A parcela efetivamente recebida a título de patrocínio, por entidade sem finalidade lucrativa, não se enquadra no conceito de faturamento previsto no art. 2 da Lei Complementar 70/91, não sendo alcançada pela incidência da COFINS, ainda que não registrada na contabilidade.
(em 20.10.1999)
Não obstante, após a alteração legislativa promovida pela edição da Lei nº 10.637/02 para instituição da COFINS, a jurisprudência administrativa da RFB vem consignando entendimento de que apenas estão sujeitas a isenção da COFINS as receitas recebidas pelas associações sem fins lucrativos que não possuam caráter contraprestacional direto, conforme se observa:
Processo de Consulta nº 115/09
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 1a. Região Fiscal
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
Ementa: Associações e Entidades sem fins lucrativos de que trata o art. 15, da Lei nº 9.532, de 1997. Associação civil que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição do grupo de pessoas ao qual se destinam, sem fins lucrativos, de que trata o art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997, e que atenda às condições previstas nesse dispositivo, é isenta da Cofins relativamente às receitas de suas atividades próprias, assim entendidas somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais. As demais receitas por elas auferidas, não decorrentes de suas atividades próprias – por exemplo, as obtidas com o comércio de bens, como venda de espaço a título de patrocínio em publicação distribuída gratuitamente, ficam sujeitas à incidência da contribuição.
(Data da Decisão: 26.06.2009)
Portanto, não estariam abrangidas pela isenção apenas as receitas com caráter econômico, isto é, contraprestacional direto, por parte da entidade. Neste ponto, a RFB entende que o caráter contraprestacional direto das receitas recebidas pela associação estaria ligado à prestação de serviços ou venda de mercadorias por parte da entidade, conforme se evidencia:
Processo de Consulta nº 87/06
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 10a. Região Fiscal
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS A Cofins não incide sobre as receitas relativas às atividades próprias das associações sem fins lucrativos, tais como as receitas auferidas com contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento de seus objetivos.A contribuição, todavia, incide sobre as receitas de caráter contraprestacional auferidas, tais como as receitas provenientes da prestação de serviços e de venda de mercadorias.
(Data da Decisão: 18.04.2006)
Processo de Consulta nº 42/07
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 6a. Região Fiscal
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS As entidades que atendam às condições para isenção, em relação ao IRPJ e CSLL, são isentas da contribuição com relação às receitas derivadas de suas atividades próprias. Incide a contribuição, entretanto, sobre as receitas da pessoa jurídica de caráter contraprestacional, decorrentes das operações de venda de bonés, camisetas, “botons”, chaveiros, e outros objetos de pequeno valor, a título de divulgação da associação,nos eventos por ela promovidos.
(Data da Decisão: 14.04.2007)
Neste sentido, a contraprestação direta refere-se, claramente, a um contrato bilateral, quanto aos seus efeitos. A essência dos contratos bilaterais é o sinalagma, isto é, a dependência recíproca das obrigações[6].
Uma vez que somente os contratos bilaterais ou sinalagmáticos comportam a exceptio non adimpleti contractus (isto é, nenhum dos contratantes pode, antes de cumprida sua obrigação, exigir a obrigação do outro[7]), para existir um sinalagma ou uma contraprestação o patrocinador da entidade deveria estar apto a suspender a contribuição em dinheiro sob condição de que a entidade incluísse os logotipos, nomes e marcas do patrocinador no material impresso e virtual disponibilizados nos congressos e seminários. Caso não o fizesse, o patrocinador poderia pleitear a devolução dos valores, inclusive, acrescida de indenização.
Todavia, não é isto que ocorre no presente caso. Não há, entre a entidade e seus patrocinadores, contrato prevendo a obrigação da entidade de divulgar a marca, logotipo e o nome dos patrocinadores mediante a remuneração. Se isto existisse, estaríamos diante de um contrato de propaganda (marketing) contendo uma contraprestação direta e, portanto dotado de caráter econômico. Nesta hipótese, as receitas auferidas com tal remuneração seriam tributadas pela COFINS, normalmente.
Como inexiste, juridicamente, um contrato de propaganda entre CONSULENTE e seus patrocinadores, estaríamos diante de uma contraprestação indireta, na qual a marca, logotipo e nome dos patrocinadores seriam divulgados não por haver obrigação contratual (e, portanto, sem qualquer direito à indenização), mas por mera liberalidade da entidade, que assim o faz para prestigiar e evidenciar seus parceiros, colaboradores e associados.
Portanto, como não existe a exceptio non adimpleti contractus no caso em questão, é descabido se falar em contraprestação direta decorrente dos valores concedidos aa entidade a título de patrocínio e, assim, entendemos que a isenção da COFINS se mantém para tais valores doados pelos patrocinadores.
V – Contribuições Previdenciárias
Conforme mencionado anteriormente no item II, com relação às contribuições previdenciárias, a CF estabelece, em seu artigo 195, §7º, imunidade[8] para as entidades beneficentes de assistência social, condicionando o aproveitamento desse benefício ao cumprimento das exigências previstas em lei.
A lei que regulamentou a questão é a Lei nº 12.101/09, recentemente publicada, e que revogou, em seu art. 44, I, o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, que tratava do tema. Vejamos o novo dispositivo da Lei nº 12.101/09 sobre a questão:
Art. 1 A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.
Como se observa, as associações sem fins lucrativos que não se dediquem às atividades de (i) saúde; (ii) educação; (iii) assistência social não podem gozar da isenção de contribuições previdenciárias.
Em tese, a única hipótese em que se poderia enquadrar a entidade nas situações elencadas seria como entidade voltada para a área de educação. Para tanto, a entidade deveria atender as condições listadas no art. 13 da Lei nº 12.101/09[9] que são voltadas para escolas, faculdades e afins, não sendo, enfim, essa a sua realidade.
Desta forma, a entidade não faz jus à imunidade no que tange as contribuições previdenciárias, devendo arcar normalmente com a contribuição previdenciária patronal e com a retenção da contribuição previdenciária dos seus eventuais funcionários e colaboradores (autônomos contratados).
VI – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)
Como a entidade recebe freqüentemente doações (contribuições voluntárias) em dinheiro de membros e patrocinadores, convém analisarmos a eventual incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre tais doações.
Ao analisarmos a legislação do Estado de São Paulo relativa ao ITCMD, verifica-se que a entidade poderia, em princípio, ser enquadrado na hipótese de não-incidência legalmente qualificada bem como na hipótese de isenção, desde que atendidos alguns requisitos fixados na respectiva legislação.
A hipótese de não-incidência está prevista no art. 4º, do Decreto Estadual SP nº 46.655/02:
Art. 4º – O imposto não incide na transmissão de bens ou direitos ao patrimônio:
I – da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios;
II – de autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
III – de templos de qualquer culto;
IV – dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.
Todavia, como já expusemos no item V supra, entendemos que a entidade não pode ser considerado, propriamente, uma entidade educacional e, portanto, não faria jus a essa não-incidência prevista em lei.
Assim, por entendermos que a entidade não se enquadra propriamente na definição de “instituição de ensino”, restaria a possibilidade de enquadrá-lo na hipótese de isenção prevista para as associações com objetivos voltados à promoção da cultura, isto é, produção de “conhecimento, de informação, de esclarecimento” na área jurídica, mais especificamente voltada à tributação internacional.
Isto porque o §1º do art. 6º do Decreto Estadual nº 46.655/02 determina que as entidades sem fins lucrativos estarão isentas do pagamento do ITCMD quando os seus objetivos sociais forem vinculados a apenas três hipóteses: direitos humanos, cultura ou preservação do meio ambiente. Cite-se:
Art. 6º (…)
Parágrafo 1º – Ficam também isentas as transmissões “causa mortis” e sobre doação de quaisquer bens ou direitos a entidades sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais sejam vinculados à promoção dos direitos humanos, da cultura ou à preservação do meio ambiente, observado o procedimento para reconhecimento de isenção na forma prevista no art. 9º. (grifamos e negritamos)
A partir da leitura do art. 216, III, da CF, pode-se concluir que o conceito de cultura abrangeria o desenvolvimento científico e as formas de expressão, conforme pode ser verificado:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
(…)
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;” (grifamos e negritamos)
Uma vez que o Direito é uma Ciência[10], poder-se-ia entender que a entidade estaria enquadrado nessa situação.
O art. 9º do Decreto Estadual nº 46.655/02 condiciona a isenção do ITCMD à observância dos requisitos exigidos em Resoluções Conjuntas com outros órgãos e, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo estabelece a necessidade de a Secretaria da Fazenda Estadual de São Paulo reconhecer o direito à isenção por meio de um documento denominado “Declaração de Isenção do Imposto sobre a Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação”, como pode ser observado:
Art. 9º – Para fins de reconhecimento pela Secretaria da Fazenda da isenção para as entidades cujos objetivos sociais sejam vinculados à promoção dos direitos humanos, da cultura ou à preservação do meio ambiente, deverão ser observados os procedimentos estabelecidos e as condições exigidas em resoluções conjuntas editadas pela Secretaria da Fazenda e, de acordo com a natureza da entidade, pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, pela Secretaria da Cultura ou pela Secretaria do Meio Ambiente .
Parágrafo 1º – Para efeito de reconhecimento do direito à isenção, a Secretaria da Fazenda emitirá o documento denominado “Declaração de isenção do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD”, conforme modelo por ela aprovado, por prazo determinado, que:
1 – será utilizado pela entidade nos processos em que for interessada;
2 – poderá ser cassado a qualquer tempo por meio de ato publicado no Diário Oficial do Estado sempre que se verificar que a entidade deixou de preencher os requisitos que ensejaram a emissão desse documento ou de requerer a renovação do reconhecimento do seu direito à isenção no prazo estabelecido na resolução mencionada no “caput”.” (grifamos e negritamos)
A Resolução Conjunta SF/SC nº 01/02 da Secretaria da Fazenda e Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo estabelece os requisitos para que a sociedade sem fins lucrativos com objeto social destinado à promoção da cultura obtenha o reconhecimento da isenção por meio da Declaração de Isenção acima mencionada.
Dentre os requisitos estabelecidos pela Resolução Conjunta consta a obtenção de um Certificado de Reconhecimento de Instituição Cultural que deve ser obtido junto à Secretaria da Cultura, mediante protocolo de Pedido de Reconhecimento de Isenção.
Para a obtenção desse Certificado, a Instituição deve declarar, conforme prevê o art. 3º, II, da Resolução Conjunta SF/SC nº 01/02, que satisfaz os requisitos do art. 14 do Código Tributário Nacional, isto é, que: (i) não distribui qualquer parcela do seu patrimônio; (ii) aplica integralmente no país os seus recursos na manutenção dos seus objetivos constitucionais; e, (iii) mantém escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”
Desta forma, entendemos que a entidade está apta a gozar da isenção do ITCMD sobre as importâncias recebidas em doação, afastando, portanto, o ônus desse tributo (hoje incidente à alíquota de 4% no Estado de São Paulo, conforme o art. 29 do Decreto Estadual nº 46.555/02), desde que sejam cumpridas as condições elencadas no art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN) e seja obtido o certificado acima indicados.
Entretanto, convém ressaltar que existem chances de a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entender que a entidade não é uma associação voltada à promoção da cultura, negando-lhe o Certificado de Reconhecimento de Instituição Cultural.
Caso isto ocorra, a entidade poderá ingressar em juízo para pleitear o reconhecimento do direito à isenção ou, caso não deseje adotar medida judicial, deverá recolher os 4% sobre os valores recebidos como doações, a título de ITCMD.
Cumpre mencionar, por fim, que há uma isenção objetiva, aplicável para valores recebidos durante o ano-calendário (entre 1º de janeiro e 31 de dezembro), relativamente ao mesmo doador, que não superem 2.500 UFESP, o que equivale, atualmente, a R$ 39.625,00[11].
VII – Imposto sobre Serviços (ISS)
De acordo com o Decreto nº 50.896/09, do Município de São Paulo, que aprovou o Regulamento de ISS, inexiste qualquer isenção aplicável à entidade, isto é, isenção de ISS na prestação de serviços por associação sem fins lucrativos.
Desta forma, os serviços prestados pela entidade estão, em regra, sujeitos à tributação pelo ISS, de acordo com o tipo de serviço, a alíquota mínima de 2% e máxima de 5% sobre o preço do serviço.
Especificamente sobre os cursos, congressos, palestras e seminários organizados e ministrados pela entidade, estaríamos diante dos serviços listados no item 8 do art. 1º do Regulamento do ISS de SP, quais sejam, “8 – Serviços de educação, ensino, orientação pedagógica e educacional, instrução, treinamento e avaliação pessoal de qualquer grau ou natureza”, e no subitem “8.02 – Instrução, treinamento, orientação pedagógica e educacional, avaliação de conhecimentos de qualquer natureza”.
Portanto, tais serviços estão sujeitos ao ISS à alíquota de 5%, (art. 18, IV, do RISS/SP).
VIII – Conclusões
Diante do exposto, concluímos que a entidade não poderia gozar de imunidade tributária, mas poderia perfeitamente gozar da isenção de uma série de tributos federais, como o IRPJ, CSLL e COFINS, além de sujeitar-se a uma sistemática diferenciada para pagamento da contribuição ao PIS (1% sobre a folha de salários), desde que atenda aos requisitos determinados na legislação de cada um desses tributos.
Com relação às contribuições previdenciárias, inexiste imunidade ou isenção aplicável à entidade e, portanto, haverá a incidência de tais contribuições normalmente, na medida em que ocorram os respectivos fatos geradores.
Já no que tange ao ITCMD, existe isenção no Estado de São Paulo aplicável a instituições voltadas às atividades culturais. Para gozar de tal isenção sobre os valores recebidos como doação, a entidade deverá cumprir integralmente os requisitos referidos no art. 14 do CTN, bem como na legislação estadual própria desse tributo.
Ainda assim, caso o Fisco Estadual não concorde com o caráter cultural das atividades da entidade, irá negar-lhe a referida isenção. Em não sendo obtido o reconhecimento da isenção, a entidade ficará sujeito ao ITCMD à alíquota de 4% aplicável sobre o valor de cada doação, cabendo – em nossa opinião – discussão em juízo.
Lembramos que, para doações de um mesmo doador recebidas em espécie pela entidade durante o ano-calendário e cujo valor não supere R$ 39.625,00, será aplicável isenção de ITCMD, independentemente das considerações anteriores sobre esse mesmo tributo.
Finalmente, em relação ao ISS, não há qualquer isenção na legislação do Município de São Paulo aplicável à entidade que evite a incidência deste imposto sobre os serviços prestados por tal associação. Assim, os cursos, palestras e seminários organizados e ministrados pela entidade estão sujeitos ao ISS à alíquota de 5%.
Publicado originalmente na . Revista de Direito Tributário da APET. , v.26, p.47 – 63, 2010
[1]“Noutras palavras, a competência tributária é desenhada também por normas negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de imunidades tributárias. Neste sentido, podemos dizer que a competência tributária se traduz numa autorização ou legitimação para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo)” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Editora Malheiros; 23ª edição. 2007: São Paulo, pág. 695).
[2] GONÇALVES, Antônio Manoel. A imunidade de sociedade de educação sem fins lucrativos. CDTFP nº 14, RT, 1996, p. 114 apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 254.
[3] Cf.: STF, RE 102.141-RJ, RTJ 116/267: “admite-se a interpretação ampla de modo a transparecer os princípios e postulados nela consagrados”.
[4] Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
[5] Art. 174. Estão isentas do imposto as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.
[6] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 99.
[7] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 48.
[8] Apesar do § 7º do art. 195 utilizar a expressão “isenção” ao invés de imunidade, tanto a doutrina como a jurisprudência já reconheceram que se trata, evidentemente, de imunidade: “como norma constitucional que proíbe a tributação, para o custeio da seguridade social, das entidades beneficentes, cuida-se de imunidade e não, propriamente, de isenção” (PALSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 560). Na jurisprudência, vide ADIN 2.028-DF.
[9] Art. 13. Para os fins da concessão da certificação de que trata esta Lei, a entidade de educação deverá aplicar anualmente em gratuidade, na forma do § 1o, pelo menos 20% (vinte por cento) da receita anual efetivamente recebida nos termos da Lei no 9.870, de 23 de novembro de 1999.
§ 1o Para o cumprimento do disposto no caput, a entidade deverá:
I – demonstrar adequação às diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação – PNE, na forma do art. 214 da Constituição Federal;
II – atender a padrões mínimos de qualidade, aferidos pelos processos de avaliação conduzidos pelo Ministério da Educação; e
III – oferecer bolsas de estudo nas seguintes proporções:
a) no mínimo, uma bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes da educação básica;
b) bolsas parciais de 50% (cinqüenta por cento), quando necessário para o alcance do número mínimo exigido.
[10] Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva: 2005, pág. 2/3.
[11] Cf. artigo 6º, inciso II, alínea “a”, da Lei nº 10.705/2000 e do artigo 31, II, “b”, do Decreto nº 46.655/02.