Leonardo Freitas de Moraes e Castro[1]
Thiago Jorge Kuhl[2]
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar a potencial incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (“IOF”) sobre a figura contratual conhecida como Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (“AFAC”), muito utilizada por sociedades de pequeno e médio porte no Brasil para transferir de forma mais célere e menos burocrática recursos entre sociedades do mesmo grupo localizadas no Brasil. Isto porque, até hoje, se discute se haveria incidência do IOF-Crédito sobre os referidos AFACs realizados entre o investidor e a sociedade investida.
A discussão versa, essencialmente, sobre a natureza jurídica do AFAC, notadamente se este seria equiparável a um mútuo (debt) ou a um aporte de capital (equity) realizado pelo investidor perante a sociedade investida. Ademais, poderia ser defendida sua qualificação como instrumento híbrido, dotado das duas naturezas jurídicas, uma delas prevalecendo sobre a outra a depender do momento examinado e de certas condições. Todavia, esta não seria propriamente uma terceira categoria, pois uma das duas naturezas jurídicas irá, eventualmente, prevalecer em algum momento.
Assim, a depender da natureza jurídica preponderante do AFAC existirão consequências tributárias distintas no que tange ao IOF, tanto em âmbito doméstico (operações realizadas entre duas pessoas jurídicas residentes no Brasil) como em âmbito internacional (operação em que o sócio investidor é não-residente, mas a sociedade investida é residente no Brasil).
Atualmente, o tema ganha importância não só em razão do incremento de sua utilização por sociedades brasileiras, devido as suas vantagens práticas, como também em face da ausência de entendimento jurisprudencial consolidado com relação à incidência de IOF sobre o AFAC.
2. Finalidade e Legislação do AFAC
O AFAC não é exclusividade do direito brasileiro. Ao contrário, tal figura existe há tempos no Direito Comparado. Por exemplo, no Direito Italiano tal figura é conhecida como “contributi in conto aumento capitale”, sendo bastante utilizada entre sociedades de pequeno e médio porta nesse país[3].
Em linhas gerais, o AFAC pode ser definido como uma transferência de valores por um investidor, com intuito de aumento de capital a posteriori em sociedade investida, condicionado à deliberação formal por seus sócios em momento oportuno e futuro. Sob a ótica prática, a realização de um AFAC justifica-se por diversos motivos empresariais, que variam dependendo do dia-a-dia de cada sociedade e atividade. Dentre os mais comuns, podemos destacar os seguintes:
- necessidade de aportar recursos de novo sócio sem que se altere a estrutura societária naquele momento específico, por exigir discussão sobre diluição e proporção da participação societária a ser conferida ao sócio ingressante;
- ausência ou impossibilidade de comparecimento de um ou mais sócios para a deliberação acerca da entrada de novo sócio ou aumento de capital de sócio existente na sociedade, por motivo de ausência do sócio e de procurador que o represente;
- impossibilidade de valoração do preço da ação no momento do ingresso de novo sócio na sociedade, em razão da necessidade e cálculo específico a ser realizado por especialistas financeiros; e
- necessidade imediata de aporte de recursos na sociedade para quitação de obrigação vencida ou vincenda por parte da sociedade, por falta momentânea de caixa, sem haver tempo hábil para deliberação dos sócios em AGE sobre a questão e proporção do capital social com base no referido aporte.
No que tange ao regramento normativo do AFAC na legislação brasileira, não existe nenhum dispositivo específico no Código Civil (Lei nº 10.406/02) ou na Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76) tratando dessa figura. Contudo, alguns dispositivos de ambas as leis[4], quando interpretados sistematicamente, servem de base normativa mínima para permitir a realização do AFAC, ainda que não sejam tratem especificamente do tema.
3. Discussão sobre a Natureza Jurídica do AFAC
Conforme mencionado, a principal discussão envolvendo a natureza jurídica do AFAC reside em saber se seria tal instrumento essencialmente um aumento de capital (equity) ou um mútuo (debt) entre o investidor e a sociedade investida.
Uma vez que seja efetuado um AFAC entre o sócio e a sociedade investida não há – naquele momento – um ato jurídico formalizando o aumento de capital social (i.e., deliberação dos sócios em assembleia ou alteração no contrato social), esse “limbo” momentâneo entre a concessão dos valores e a formalização do aumento de capital per se, gera a discussão sobre qual seria a natureza jurídica desse aporte financeiro na sociedade.
Diz-se que, no caso de existir cláusula de devolução dos montantes aportados, e não ser irretratável e irrevogável o aumento de capital futuro, o AFAC aproximar-se-ia de uma dívida condicionada da sociedade recebedora dos valores inominados perante o investidor que realizou o AFAC. Isto porque tais montantes serão devolvidos ao investidor que os aportou, caso não sejam tomados os procedimentos contratuais e societários necessários para formalizar o aumento de capital. Assim, o AFAC ganharia conotações de mútuo por prazo indeterminado.
Por outro lado, se inexistir cláusula de devolução dos montantes aportados, e o AFAC for realizado de forma irretratável e irrevogável, o AFAC aproximar-se-ia de um aumento de capital, a ser formalizado em momento futuro, uma vez que o investidor não faria jus a receber tais montantes de volta, mas somente, quotas ou ações da sociedade investida, no momento oportuno.
Outrossim, a principal discussão gira em torno de saber se, ainda que o AFAC seja celebrado com cláusula de devolução de valores ou não seja realizado de forma irretratável e irrevogável, isso seria suficiente para qualificá-lo, juridicamente, como um mútuo, e não aumento de capital social. Nos parece que, uma opção de devolução existente no contrato, quando não exercida, em nada altera a natureza jurídica originária daquele instrumento. Da mesma forma, o simples fato de um AFAC não ser realizado de forma irretratável ou irrevogável, não parece ser suficiente para desqualifica-lo como um aporte de capital, e automaticamente transformá-lo em mútuo.
Portanto, quer nos parecer que, ainda que o AFAC seja celebrado com previsão de devolução dos valores, e sem menção de que tal instrumento é irrevogável e irretratável entre as partes, haverá a possibilidade do AFAC ser classificado, juridicamente, como um aumento de capital. Por óbvio, essa análise deverá ser feita caso a caso, com base em outros indícios e provas atrelados à operação realizada entre as partes, tais como histórico de AFACs e mútuos anteriormente realizados, prazo para formalização do AFAC em aumento de capital social, exame dos demais dispositivos contratuais, etc. Não há, assim, como afirmar aprioristicamente que, em existindo previsão para devolução dos valores aportados, mediante condições suspensivas por escrito, e não sendo tal instrumento celebrado de forma irretratável e irrevogável, estar-se-á sempre diante de um mútuo sob a vestimenta de AFAC.
Feitas as considerações iniciais sobre a discussão envolvendo a natureza jurídica do AFAC – se aumento de capital ou mútuo – passaremos a examinar a fundo os impactos tributários decorrentes de uma ou outra qualificação jurídica, tanto no contexto internacional como no doméstico.
4. AFAC Realizado por Não-Residente (“AFAC Internacional”)
Inicialmente, vale ressaltar que não existe propriamente uma modalidade de AFAC estrangeira registrável no BACEN (“AFAC Internacional”). No momento de se registrar o aporte de montantes em sociedade brasileira, por um não-residente – ainda que a título de AFAC – no Registro Declaratório Eletrônico (RDE) do SISBACEN deve-se optar por uma das seguintes modalidades: (i) Investimento Estrangeiro Direto (IED), correspondente ao aporte de capital social; ou (ii) Registro de Operação Financeira (ROF), correspondente ao empréstimo externo.
Os ingressos internacionais de divisas registrados no BACEN estão, regra geral, sujeitos à incidência do IOF-Câmbio, na medida em que o aspecto material da hipótese de incidência do referido imposto federal é, nos termos do art. 11 do Decreto nº 6.306/07 (“RIOF”), “a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este”.
Nesse tocante, se os montantes forem registrados no BACEN sob a modalidade RDE-IED, tem-se um investimento direto, caracterizado pelo aumento de capital – equity – que estará sujeito à incidência de IOF-Câmbio à alíquota de 0,38%, conforme Art. 15-B, caput, do RIOF[5].
Por outro lado, se os montantes forem registrados no BACEN sob a modalidade RDE-ROF, tem-se um empréstimo externo, caracterizado por um mútuo internacional – debt – que também estará sujeito à incidência do IOF-Câmbio, entretanto, sob a alíquota de (i)0%[6], para contratos de mútuo com prazo médio mínimo para pagamento superior a 180 dias; ou (ii) 6%[7], para contratos de mútuo com prazo médio mínimo para pagamento de até 180 dias.
Cumpre notar, contudo, que, tecnicamente, inexiste a possibilidade de se efetuar um AFAC internacional no SISBACEN. Isto porque, o art. 5º da Lei nº 4.131/62[8], que rege o tratamento jurídico do capital estrangeiro no Brasil, dispõe que o investimento de não-residentes deverá ser registrado em até 30 dias da data de seu ingresso no País. Portanto, esgotado tal prazo de 30 dias, o ingresso de valores efetuado pelo investidor não residente (originalmente como um AFAC internacional) será automaticamente convertido em aumento de capital (equity) e, consequentemente, registrado como IED para fins do BACEN.
Corroborando o entendimento supra, o BACEN já se manifestou em seu site oficial, na seção de “Perguntas & Respostas”[9] sobre a impossibilidade de se registrar um AFAC internacional. Confira-se:
P: É possível realizar registro, no Banco Central do Brasil, de adiantamento para futuro aumento de capital – AFAC?
R: Não. O registro do capital estrangeiro no País é disciplinado pelas Leis 4.131, de 1962, e 11.371, de 2006. O prazo de registro para o investimento é de 30 dias do ingresso. (g.n.)
Neste tocante, o ingresso financeiro no país, efetuado como AFAC ou como aporte inominado ou sem destinação específica, por investidor não-residente, somente perdurará como tal durante 30 dias, o que faz com que seja também correto sustentar que o AFAC internacional existe por prazo limitado e predeterminado, sendo automaticamente convertido em IED e tratado como parte integrante do patrimônio líquido (equity) da sociedade brasileira após 30 dias. Desta feita, evidencia-se a incidência do IOF-Câmbio à alíquota de 0.38% quando da liquidação da operação de câmbio[10] atrelada ao AFAC internacional.
5. AFAC Realizado por Residente (“AFAC Doméstico”)
Ao contrário do que ocorre com a legislação aplicável ao AFAC Internacional, importa atentar para a ausência de qualquer dispositivo na legislação brasileira que limite expressamente a realização de um AFAC Doméstico a determinado prazo.
A carga tributária incidente sobre um AFAC Doméstico dependerá da natureza jurídica do referido instrumento. Todavia, uma vez que o AFAC Doméstico dispensa registro perante o BACEN, o próprio contribuinte deverá definir como premissa sua natureza jurídica e, consequentemente, aplicar-lhe o tratamento tributário que lhe seja correspondente.
Na hipótese da qualificação do AFAC Doméstico como um aumento de capital (equity) a termo, não existiria qualquer incidência de IOF nesse caso, sob qualquer de suas modalidades.
Isto porque o aporte ou aumento de capital social por investidor residente no Brasil em sociedade brasileira não se subsome a nenhum dos aspectos materiais das hipótese de incidência do referido tributo federal. Ou seja, a operação de aumento de capital social doméstico não é fato gerador de:
- IOF-Câmbio: pois não envolve liquidação de operação cambial representada pela entrega de moeda nacional ou estrangeira em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição do investidor[11];
- IOF-Título: pois não envolve aquisição, cessão, resgate, repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários[12];
- IOF-Seguro: pois não envolve recebimento de prêmio de seguro[13];
- IOF-Crédito: pois não envolve uma “operação de crédito”, haja vista que não exige a devolução do montante financeiro da transação entre as partes[14].
Por outro lado, na hipótese da qualificação do AFAC Doméstico como um mútuo (debt), poderá haver incidência de IOF nesse caso, mais especificamente, IOF-Crédito. É o que dispõe o art. 3º do RIOF, infra colacionado:
Art. 3º. O fato gerador do IOF é a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado
§ 1o. Entende-se ocorrido o fato gerador e devido o IOF sobre operação de crédito:
(…)
§ 3º. A expressão “operações de crédito” compreende as operações de:
I – empréstimo sob qualquer modalidade, inclusive abertura de crédito e desconto de títulos
(…)
III – mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física. (g.n.)
Neste caso, a alíquota de IOF-Crédito será, para empréstimos concedidos a mutuário pessoa jurídica, de 0,0041% ao dia[15], limitado a 365 dias[16], mais a alíquota adicional de 0,38% sobre tal montante[17], totalizando 1,88% sobre o valor do principal, para contratos de mútuo de um ano ou mais de duração.
6. Aspectos Contábeis do AFAC
Com relação à classificação contábil do AFAC, esta – por óbvio – deverá seguir a natureza jurídica do referido instrumento, visto que o lançamento ou registro contábil presta-se para evidenciar e refletir o que, juridicamente, ocorreu no mundo fenomênico. Não há, portanto, margem para se inverter a causa (natureza jurídica) por seu efeito (classificação contábil), visto já ser cediço que “a contabilidade tem limites nos objectivos e na própria instrumentalidade. Não pode ou não deve abarcar tudo e deve objectivar-se em informações e tratamentos que lhe são próprios”[18].
Superada essa premissa, o Pronunciamento Técnico nº 39 §11 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), define o conceito instrumento financeiro como “qualquer contrato que dê origem a um ativo financeiro para a entidade e a um passivo financeiro ou instrumento patrimonial para outra entidade”. A partir dessa definição supra, o AFAC assemelhar-se-ia um instrumento financeiro não-derivativo.
A diferenciação na forma de registro contábil, originada em razão da dúvida sobre a natureza jurídica do AFAC, culmina por gerar discussões no que tange à sua tributação, sobretudo com relação à incidência do IOF.
Para a corrente que entende ser o AFAC um instrumento de dívida (debt) e, portanto, classificado contabilmente em conta do “Passivo Financeiro”, a premissa é de que o AFAC possui, essencialmente, a natureza jurídica de um mútuo. Consequentemente, o IOF-Crédito (em operação doméstica, sob alíquota máxima de 1.88%) ou IOF-Câmbio (em operação internacional, a 6% ou 0%) incidiriam sobre tal instrumento, como já mencionado nos Itens 4 e 5 supra.
Por outro lado, para os que entendem ser o AFAC um instrumento patrimonial (equity) e, portanto, classificado contabilmente em conta do “Patrimônio Líquido”, a premissa é de que o AFAC possui, essencialmente, a natureza jurídica de aumento de capital social. Consequentemente, como “adiantamento”[19] de aporte (contribuição) de capital social, somente o IOF-Câmbio (em operação internacional) estaria apto a incidir sobre tal instrumento, sob a alíquota de 0.38%.
Importante notar que o Conselho Federal de Contabilidade – “CFC” posicionou-se no sentido que “adiantamentos para futuros aumentos de capital realizados, sem que haja a possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Patrimônio Líquido, após a conta de capital social. Caso haja qualquer possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Passivo Não-Circulante”[20] (grifamos).
No mesmo sentido, a doutrina sustenta que “se, na essência, tratar-se de um adiantamento para futuro aumento de capital, e estiver totalmente garantido que esses valores não poderão ser devolvidos e comporão, obrigatoriamente, o capital social da empresa, devem figurar dentro do patrimônio líquido”[21] (grifamos).
Neste ponto, observa-se que, para fins da forma de contabilização inicial do AFAC, a existência de cláusula de devolução dos montantes para o sócio passa a ter relevância. Há, contudo, posicionamento doutrinário mais incisivo que entende que o AFAC “não é capital subscrito e nem integralizado, não estaria compreendido entre as possibilidades legais constantes do patrimônio líquido”[22] devendo, por conseguinte, ser registrado como passivo exigível (debt).
Este é, inclusive, o entendimento contábil adotado pela Receita Federal do Brasil (“RFB”), consubstanciado no Parecer Normativo CST nº 23 de 1981 (“PN CST 23/81”), em que se afirma que “adiantamentos para futuro aumento de capital deverão ser mantidos fora do patrimônio líquido, por serem considerados obrigações para com terceiros, podendo ser exigidos pelos titulares enquanto o aumento não se concretizar”.
Aqui, todavia, vale uma importante observação. O PN CST 23/81 foi emitido na vigência do extinto sistema de correção monetária de demonstrações financeiras visando, sobretudo, fixar a data de início da correção monetária aplicável a tais ingressos financeiros realizados como AFAC em sociedades anônimas. Todavia, como é sabido, a correção monetária de demonstrações financeiras deixou de existir desde 1996, com o advento da Lei nº 9.249/95[23]. Portanto, entendemos que, em razão da perda de objeto do PN CST 23/81 e, portanto, da finalidade para qual se prestava, o entendimento da RFB baseado em tal ato infralegal carece de qualquer aplicabilidade para o AFAC nos dias de hoje.
Em síntese, pode-se afirmar que, para fins contábeis, o AFAC pode ser classificado tanto como (i) integrante do patrimônio líquido, ou seja, registrado como uma subconta de capital, representando um futuro aumento deste; ou (ii) integrante do passivo (financeiro), ou seja, registrado como instrumento de dívida, por ser exigível futuramente pela pessoa que aportou tais recursos, representando – essencialmente – um mútuo. Caso haja previsão de devolução dos montantes aportados como AFAC, o entendimento contábil prevalecente é de que devem ser classificados no passivo financeiro, ou seja, parte-se da premissa de que o negócio jurídico realizado entre investidor e sociedade investida seria um mútuo.
Todavia, a questão da existência de cláusula prevendo a possibilidade de devolução dos montantes aportados como AFAC, para fins da determinação da forma de contabilização destes, deve ser analisada em maiores detalhes, especificamente a depender do caso. A razão para tal é que a forma de contabilização do AFAC depende de sua natureza jurídica que, por sua vez, dependerá da existência de termo ou condição que possa vir a transformar, futuramente, tal instrumento (tipicamente um aporte de capital) em mútuo. Todavia, isso dependerá da redação específica de cada cláusula de devolução de um AFAC, não sendo possível eleger uma regra geral imutável, conforme analisaremos em maiores detalhes no próximo tópico.
7. Entendimento da CVM e da RFB sobre a Natureza Jurídica do AFAC
No que tange à qualificação, para fins de Direito Privado, do AFAC Doméstico como “aumento de capital” ou como “mútuo”, interessante notar que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) – nos autos do Processo Administrativo Sancionador (“PAS”) nº 21/04 – ao manifestar-se sobre o dever de diligência do administrador, consignou o seguinte entendimento sobre a natureza jurídica do referido instrumento:
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – PAS nº 21/04
(…) Eu também acompanho o voto do Diretor Relator, observando, em relação ao que foi dito da tribuna sobre os AFACs, que, a não ser que o AFAC contenha cláusula que preveja o não pagamento, estabelecendo que o aumento de capital será a única utilização possível dos recursos mutuados, ele nada mais é do que um mútuo que contempla uma opção de investimento. Portanto, a análise que se faz em primeiro lugar é de crédito, fazendo-se subsidiariamente uma análise de investimento.
Assim, ou o AFAC é um mútuo que pode ser utilizado, de acordo com a faculdade do mutuante, para aumento de capital (hipótese em que a análise que será feita inclui uma análise de crédito como outra qualquer), ou o AFAC não permite a alternativa de pagamento em dinheiro. Ele, portanto, é uma faculdade de integralização de futuro aumento de capital. E, neste caso, os deveres dos administradores que a ele aplicam são os mesmos que se aplicam à decisão de uma análise de investimento em aumento de capital. (Voto proferido pelo presidente da CVM, Marcelo Fernandez Trindade, na Sessão de Julgamento do dia 15 de maio de 2007).(g.n.)
Assim, pode-se concluir do trecho do voto proferido pelo então presidente da CVM que o AFAC seria, primordialmente, um mútuo que, subsidiariamente, contempla ser transformado em investimento, a posteriori.
Com relação ao entendimento partilhado pela RFB, o Parecer Normativo CST 17/1984 (“PN CST 17/84”) consignou o entendimento de que os adiantamentos de recursos financeiros, sem remuneração, para sociedade coligada, interligada e controlada deverão ser capitalizados na primeira Assembleia Geral Extraordinária (“AGE”) ou primeira alteração contratual da sociedade ou em, no máximo, 120 dias, contados do encerramento do período-base da sociedade tomadora dos recursos, mesmo que haja menção contratual irrevogável para o aumento de capital. Extrapolado tal prazo, a sociedade que originalmente aportou os recursos deveria reconhecer, para efeitos de IRPJ e CSLL, o valor correspondente a correção monetária calculada sobre tais aportes, nos termos do art. 21 do Decreto-Lei nº 2.065/83[24]. Vejamos os trechos do PN CST 17/84 em exame:
“7. Contudo, não se pode admitir que tais recursos fiquem indeterminadamente aguardando a capitalização pretendida, fazendo-se necessário definir um prazo máximo para o cumprimento das finalidades a que se destinem.
7.1 Entendemos como razoável que o aumento de capital seja realizado por ocasião do primeiro ato formal da sociedade coligada, interligada ou controlada, que ocorra imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros, seja assembleia geral extraordinária (AGE), para as sociedades por ações, ou alteração contratual para as demais sociedades.
7.1.1 Não ocorrendo um daqueles eventos previstos em 7.1, o prazo máximo de tolerância será de até 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a sociedade coligada, interligada ou controlada tenha recebido os recursos financeiros
(…)
8. A inobservância dos prazos referidos no item 7 acarretará a obrigatoriedade, para a investidora, do cumprimento do que dispõe o art. 21. do Decreto-Lei nº 2.065/83, reconhecendo na determinação do lucro real do período-base do vencimento do prazo demarcado, no mínimo, o valor correspondente à variação das ORTN aplicadas sobre o montante dos créditos existentes, desde a data de cada contratação”.
Consequentemente, na visão da RFB, o AFAC deve ser qualificado, juridicamente, como um contrato de mútuo (regra), exceto se houver a realização de um aumento de capital no prazo nele estabelecido (exceção). Por conseguinte, a regra geral é a de que haveria a incidência de IOF-Crédito sobre o AFAC Doméstico se, após transcorridos 120 dias, não houvesse a formalização de sua capitalização.
Mais uma vez, mostra-se de suma importância atentar para o fato de que o PN CST 17/84 teve como finalidade regular a correção monetária de demonstrações financeiras sobre o montante classificado como AFAC não capitalizado. Contudo, como já aqui mencionado, desde 1996 a correção monetária de demonstrações financeiras deixou de existir. Assim, o dispositivo legal em que se baseia o referido PN CST 17/84, notadamente o art. 21 do Decreto-Lei nº 2.065/83 foi revogado e, destarte, não integra mais o sistema jurídico tributário pátrio.
A partir dessa constatação, o efeito prático remanescente da aplicação do PN CST 17/84 pelo Fisco Federal para caracterizar o AFAC Doméstico como um mútuo reside, exclusivamente, na tentativa de se exigir o IOF-Crédito sobre tais montantes, se não houver sua capitalização na primeira alteração contratual ou após 120 dias do referido aporte financeiro. Há, inclusive, decisão administrativa consignando tal intuito fazendário, abaixo reproduzida:
Acórdão nº 15-21537, julgado em 30 de Outubro de 2009
LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. Aplica-se a regra do § 4º do artigo 150 do Código Tributário Nacional – CTN na hipótese em que houve pagamento antecipado do imposto, ainda que parcial, e a do artigo 173, inciso I do CTN quando não houve pagamento. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. OPERAÇÃO DE MÚTUO. Para que os recursos aportados em empresa controlada a título de Adiantamento para Futuro Aumento de Capital – AFAC não configurassem uma operação de mútuo, o aumento de capital deveria ter sido realizado por ocasião da primeira alteração contratual da sociedade investida que ocorresse imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros ou, não ocorrendo tal alteração contratual, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a investida recebeu os recursos financeiros. Assim não ocorrendo, resta caracterizada a operação de mútuo, sujeita à incidência do IOF. (g.n.)
Neste tocante, se mantido o entendimento veiculado no PN CST n º 17/84 – i.e., de que o AFAC Doméstico possui a natureza jurídica de mútuo a partir do 120º dia após sua não conversão em capital na sociedade investida – resta a dúvida se o IOF-Crédito seria exigido retroativamente desde o 1º dia em que o AFAC foi realizado, adicionado de juros[25] e multa[26] desde tal data, ou se, ao contrário, apenas a partir do 121º dia passaria a ser exigido o IOF-Crédito e, consequentemente, a multa e os juros. Note-se que, no primeiro caso, a premissa é de que o AFAC seria um mútuo ab initio, que poderia ser transformado em aumento de capital; ao passo que no segundo caso, a premissa é de o AFAC seria um negócio jurídico híbrido que poderia tomar a natureza jurídica tanto de aumento de capital (se convertido em até 120 dias) como de mútuo, no futuro.
Neste ponto, a existência de cláusula ou previsão de devolução dos montantes recebidos como AFAC pela sociedade ao investidor passa a ter certa importância. Isto porque, os efeitos jurídicos (e, portanto, a forma de contabilização) de um AFAC que contenha cláusula de devolução serão distintos se a devolução depender da existência de termo (evento futuro e certo) ou condição (evento futuro e incerto) atrelada a tal cláusula.
Se a devolução estiver sujeita a termo, o AFAC será, desde sua concessão, juridicamente qualificado como um mútuo, visto que haverá obrigação de, necessariamente, devolver o montante, por ex., após determinado decurso de tempo. Neste caso, inclusive, seria incorreto a intitular de AFAC esse negócio jurídico já que contém, claramente, as feições jurídicas de um típico contrato de mútuo.
Por outro lado, se a devolução do montante concedido como AFAC estiver sujeito a condição, a questão toma outros contornos. Em caso de AFAC redigido nos moldes de um aumento de capital, com condição suspensiva prevendo sua devolução, quer nos parecer que, até o momento em que ocorrer o evento previsto como condição suspensiva, o AFAC terá natureza jurídica de aumento de capital e, consequentemente, devendo ser registrado contabilmente no patrimônio líquido da sociedade investida. Quando, contudo, verificar-se a ocorrência do evento futuro e incerto, a partir de então o montante deverá ser devolvido e, a partir daí, o AFAC será, juridicamente, tratado como mútuo (implicando em sua reclassificação contábil).
Neste segundo caso, surge outra importante discussão tributária, com relação ao momento em que incidirá o IOF-Crédito, bem como os juros e multa sobre o AFAC devolvido e, portanto, requalificado como mútuo para fins jurídicos e contábeis. Em outras palavras, seria o termo inicial dos crédito tributário o dia em que foi efetuado o AFAC (1º dia) ou somente a partir da não conversão do AFAC em capital social (121º dia)?
No caso de existir condição suspensiva no instrumento de AFAC, resta claro que, para fins de Direito Civil[27], a condição suspensiva opera efeitos ex tunc, ou seja, o termo inicial para fins de incidência do IOF-Crédito, multa e juros retroagirá à data da celebração do instrumento de AFAC (1º dia), e não a data da ocorrência do evento futuro e incerto (121º dia). Ademais, o aspecto temporal da hipótese de incidência do IOF-Crédito é a disponibilidade econômica dos recursos[28], o que também exigiria seu cálculo desde o momento em que o montante financeiro foi colocado à disposição da sociedade, ou seja, 1º dia.
8. Jurisprudência sobre a Tributação do AFAC Doméstico
No âmbito administrativo e judicial existem poucos julgados sobre o tema sendo, portanto, escassa a jurisprudência sobre a incidência de IOF sobre o AFAC Doméstico. Já sobre o AFAC Internacional não há qualquer controvérsia, em razão de disposição normativa clara sobre sua impossibilidade, razão pela qual faz sentido a ausência de jurisprudência sobre este tema. Assim, atualmente, não há posicionamento jurisprudencial consolidado sobre a tributação do AFAC Doméstico, seja em favor da incidência ou da não-incidência de IOF-Crédito sobre o AFAC Doméstico se não convertido em aumento de capital em até 120 dias contados de sua realização.
Inicialmente, no que tange ao prazo de 120 dais estabelecido pelo PN CST n º 17/84, existe julgado administrativo no sentido de que o seu descumprimento não implicaria na descaracterização do AFAC e, menos ainda, poderia ocasionar ônus tributário (neste caso específico, para fins de IRPJ). Vejamos:
Acórdão nº 103-23.651, proferido em 04 de fevereiro de 2009
IRPJ. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. DESCARACTERIZAÇÃO POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE 120 DIAS PARA CAPITALIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
O não atendimento pelo contribuinte ao prazo fixado em parecer normativo para a capitalização de AFAC não pode implicar descaracterização do ato societário praticado quando celebrado em caráter irrevogável e irretratável, e, menos ainda, hipótese de imposição tributária dela decorrente.
No referido acórdão é possível extrair trecho do voto do julgador em que restou consignado o argumento da ausência de competência tributária da RFB para exigir qualquer tributo com base no PN CST nº 17/84, em razão da evidente violação do princípio da legalidade. Observe-se:
“Ao impor que o prazo para a capitalização do AFAC seria de 120 dias, o Parecer Normativo CST n° 17/84 extrapolou a sua competência, criando obrigação tributária desprovida de base legal. O Parecer Normativo não pode modificar a natureza do ato societário praticado, no caso de caráter irrevogável e irretratável, apenas pelo fato de que entende ser “razoável” e “suficiente” o prazo de 120 (cento e vinte dias) para a respectiva capitalização. Há inúmeras razões de ordem fática e jurídica para que o AFAC não seja convertido em capital no prazo assinalado pelo Parecer Normativo e tais circunstâncias não podem alterar a natureza e substância jurídica do ato praticado, especialmente quando, reitere-se, o AFAC é praticado em caráter irrevogável e irretratável. O não atendimento ao prazo fixado no parecer normativo não pode implicar descaracterização do AFAC e, menos ainda, hipótese de criação de obrigação tributária dela decorrente, como ocorre no caso. (g.n.)
Já em outro recente julgado administrativo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) decidiu ser possível a equiparação do AFAC a um contrato de mútuo, com as consequentes tributários a este inerentes (neste caso, para fins de incidência do IOF). Todavia, convém ressaltar que, no caso em questão, o CARF entendeu que a operação realizada pelo contribuinte consistia, na realidade, em um contrato de mútuo per se, e não em um contrato típico de AFAC. Por esta razão, estava-se diante de uma situação de simulação[29], em que o contribuinte sistematicamente realizava operações de mútuo (inclusive em forma de adiantamento para pagamento de despesas pela sociedade), sem formalizá-las em contrato por escrito, mas contabilizava-as como “AFAC” exclusivamente para não recolher o IOF-Crédito. Ademais, no caso em tela, restou comprovada a devolução de parte do valor adiantado ao investidor, sem a prévia redução de capital social, o que reafirma que as transações eram, essencialmente, operações de mútuo travestidas de AFAC. Veja-se a referida ementa:
Acórdão nº 3301-002.282, proferido em 27 de março de 2014
IOF. RECURSOS CONTABILIZADOS EM ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. EQUIPARAÇÃO A NEGÓCIO DE MÚTUO. POSSIBILIDADE.
Não estando demonstrado que os recursos repassados representavam realmente um pagamento antecipado para aquisição de ações ou quotas de capital (AFAC), o aporte de recursos financeiros efetuados sistematicamente caracterizam-se como uma operação de crédito correspondente a mútuo, nos exatos termos da configuração do fato gerador do IOF, previsto no art. 13 da Lei nº 9.779/99. A ocorrência de uma operação de crédito, para fins de incidência do IOF, independe da formalização de um contrato de mútuo.(g.n.)
No que tange à esfera judicial, a o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (“TRF-5”) afastou a possibilidade de interpretação do instrumento de AFAC como contrato de mútuo. Confira-se:
“TRIBUTÁRIO. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL – AFAC. INCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DO IOF – IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS.
(…)
II. O AFAC – adiantamento para futuro aumento de capital corresponde a valores recebidos pela empresa de seus acionistas ou quotistas destinados a serem utilizados como futuro aporte de capital. Na hipótese, a autora informou ter realizado em favor de suas empresas coligadas o adiantamento para futuro aumento de capital, demonstrando não ter a operação configuração de mútuo para fins de incidência do IOF, sobre parte do crédito constituído no processo administrativo n.º 10510.003371/2006-41.
(…)
IV. No caso de não haver autorização no estatuto (art. 166, II c/c o art. 168 da Lei n.º 6.404/76), o aumento do capital será realizado em assembleia geral extraordinária, a qual não possui prazo para acontecer. Também na legislação societária não se verifica prazo para que o aumento do capital ocorra.”
(TRF 5 – APELREEX 25015-SE no Processo nº 0000966-12.2011.4.05.8500, julgado em 20 de novembro de 2012 – Quarta Câmara – Rel. Des. Ivan Lira de Carvalho)
No voto do Desembargador Relator, restou evidenciado o entendimento de que “realmente, não se vislumbra na hipótese a caracterização da existência de mútuo para a aplicação do IOF”, visto que os AFACs “não registram qualquer obrigação de restituição dos respectivos valores, não poderia o fisco dispensar tratamento previsto para os contratos de mútuo”[30].
Ademais, também foi mencionado no voto que, na ausência de regras específica e não demonstrado o dolo, simulação ou fraude, deve-se reconhecer o princípio da autonomia privada, cuja maior garantia é o princípio da legalidade tributária e, por conseguinte, não haveria exigência do IOF-Crédito na realização de AFAC não-convertido após 120 dias, exclusivamente por descumprimento desse prazo por parte do sócio ou acionista[31].
9. Nosso Entendimento sobre a Natureza Jurídica do AFAC
Como já aqui destacamos, jamais foi editada qualquer norma que definisse expressa ou claramente a natureza jurídica do AFAC. Assim, para que possamos qualificá-lo como aumento de capital ou mútuo, faz-se necessária uma breve digressão sobre a natureza jurídica de cada um desses institutos para, posteriormente, analisarmos a carga tributária aplicável. Isto porque, nos termos do art. 109 do Código Tributário Nacional (“CTN”), é permitida a utilização dos princípios gerais do direito privado para pesquisa de definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos[32].
Ora, o aumento de capital social é a contribuição em dinheiro ou sob qualquer espécie de bens suscetível a avaliação em dinheiro, realizada nos moldes definidos pela Lei nº 6.404/76[33], para fazer parte do montante de recursos que os sócios ou acionistas pactuaram e subscreveram para o exercício da empresa[34].
Por sua vez, o mútuo encontra definição no artigo 586 do Código Civil de 2002, infra transcrito:
“Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. (g.n.)
Assim, deve-se destacar que o mútuo, por definição, possui necessariamente caráter temporário, caso contrário transformar-se-ia em outro instituto que não aquele inerente ao empréstimo, como leciona PEREIRA:
“O mútuo é um contrato substancialmente temporário. É de sua essência a restituição. Se fosse perpétuo confundir-se-ia com a doação, o gratuito, e com a compra e venda, o oneroso”[35].
Já no caso do aporte ou aumento de capital social, em razão do postulado da continuidade da empresa[36], seu intuito é o de que ele não seja temporário, ou melhor, que não seja devolvido até o fim do prazo de duração da sociedade, se determinado. Para as sociedades sem prazo de duração, o aumento de capital tem, por óbvio, prazo de restituição indeterminado e, destarte, não é temporário.
Uma vez que a finalidade precípua de um AFAC típico e legítimo não é a de que o investidor receba de volta seu aporte de outra forma que não como participação naquela sociedade, somando-se às razões pelas quais na rotina empresarial o AFAC torna-se necessário, entendemos que o instrumento financeiro aqui discutido possui natureza jurídica típica de aumento de capital (equity), e não de mútuo (debt) devendo, consequentemente, ser contabilizado e tributado como tal.
Ao contrário do que ocorre no contrato de mútuo, em que deve haver a restituição do montante em dinheiro, em um típico contrato de AFAC sequer há cláusula prevendo a devolução dos montantes aportados ao investidor, já que tais valores deverão ser convertidos em capital, no momento em que a sociedade julgar mais oportuno, o que pode ocorrer após 120 dias e em AGE ou alteração contratual que não a posteriormente imediata a realização do AFAC. A devolução de um AFAC típico implica, necessariamente, no desfazimento desse negócio jurídico, i.e., cancelam-se os efeitos do aumento de capital em momento futuro, e voltam as partes (investidor e sociedade) ao status quo ante. O simples fato de existir cláusula prevendo a devolução dos montantes aportados como AFAC serve apenas para reger, antecipadamente, as regras para o desfazimento do negócio, se este vier a ocorrer.
Sendo assim, os montantes relativos ao AFAC não podem ser requalificados como mútuo simplesmente por decurso temporal (ou pela sua não conversão após a primeira AGE ou alteração contratual desde o AFAC).
A adoção dessa postura, por parte da RFB, representa claramente violação (i) do princípio da legalidade tributária, visto que não cabe ao Fisco – por meio de norma infralegal – definir o fato gerador de obrigação tributária do AFAC, conforme o art. 150, I da Constituição Federal[37] e o Art. 97, III do Código Tributário Nacional (“CTN”)[38]; e (ii) do artigo 110 do CTN, visto que não pode o Fisco requalificar a natureza de um instituto de direito civil (AFAC, i.e., aumento de capital) para exigir tributo (IOF-Crédito) devido sob outra modalidade (mútuo)[39], muito menos por ato infralegal.
Nesse sentido, não obstante o IOF ser um tributo de acentuado cunho extrafiscal[40], razão pela qual está excetuado do princípio da anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, §1º da CF[41]), bem como pode ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, nas condições e limites da lei (art. 153, §1º da CF[42]), vale relembrar que cabe à lei complementar estabelecer o fato gerador dos tributos (art. 146, III, “a” da CF[43]). Assim, conforme o artigo 63, I, do CTN, o IOF-Crédito tem como fato gerador “quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado”. Nota-se, destarte, que o AFAC, per se, não está englobado no aspecto material da hipótese de incidência do referido imposto federal, o que impediria a incidência de IOF-Crédito sobre AFAC exclusivamente por força de mero decurso dos 120 dias, ainda que assim fosse previsto por lei ordinária e, sobretudo, quando previsto por norma complementar (i.e., parecer normativo).
Desta feita, a tentativa inconstitucional e ilegal da RFB de utilizar o PN CST nº 17/84 como uma espécie de norma anti-simulação (ou anti-fraude) específica para as operações com AFAC – em que o contribuinte estaria chamando de AFAC algo que sempre possuiu natureza jurídica de mútuo – tem contribuído sobremaneira para confundir o tratamento tributário a ser dispensado ao AFAC típico. Como aqui demonstramos, o AFAC típico (e, portanto legítimo) é, e continuará a ser, um aumento de capital que, por diversos motivos, está pendente de formalização final por parte dos sócios da pessoa jurídica investida. E, como tal, será – posteriormente – a sua realização, convertido em aumento de capital social.
É verdade que, ao utilizar o instrumento de AFAC para tentar ludibriar (por meio de simulação) a RFB, visando realizar operações de mútuo sem o devido recolhimento de IOF-Crédito, alguns contribuintes contribuíram para fomentar o repúdio por parte do Fisco Federal a tal instrumento, fazendo com que, mesmo após o fim da correção monetária de demonstrações financeiras, o PN CST nº 17/84 ganhasse sobrevida, passando a ser, até hoje, aplicado (sem base legal) em autuações fiscais relacionadas ao IOF-Crédito. Fato é que, para os típicos casos de simulação praticada pelos contribuintes, não só o IOF-Crédito (à alíquota máxima total de 1.88% ao dia), como também multa ex officio qualificada (de 150%[44]) e juros (taxa SELIC) serão devidos.
Entretanto, é importante ressaltar que a patologia que eiva de vício o negócio jurídico praticado por alguns contribuintes, que utilizam dolosamente a vestimenta jurídica de AFAC para celebração de verdadeiros mútuos, não é suficiente para desqualificar por inteiro e de forma generalizada tal instituto, devidamente reconhecido pela legislação civil e pelos tribunais brasileiros, tampouco dar a ele tratamento tributário de outro instituto. Aceitar esse raciocínio imposto pela RFB, baseado no critério infundado de 120 dias como regra apriorística de combate à simulação, significa “incorrer na denominada falácia de inversão do efeito pela causa”[45], ao dizer que regime tributário define a natureza jurídica negócio jurídico, quando o contrário é que se mostra correto.
Ressalte-se, inclusive, que o Fisco brasileiro já possui mecanismos para combater a prática de simulação e fraude em negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, notadamente, o art. 149, VII (norma geral anti-simulação)[46] e art. 116, § único (norma geral anti-abuso), ambos do CTN, sendo o primeiro plenamente eficaz e o segundo ainda ineficaz no âmbito federal[47]. Portanto, utilizar-se do PN CST nº 17/84 para tais fins mostra-se completamente descabido, inconstitucional e ilegal, caracterizando patente desvio de finalidade[48] da mencionada norma complementar emanada pela Administração Pública e, portanto, não produz efeitos perante os contribuinte, por ser nula .
Por fim, importa consignar que, ainda que o AFAC típico e legítimo tenha sido, equivocadamente, registrado contabilmente como um “mútuo”, é a natureza jurídica que determina a classificação contábil, e não o inverso. Nesse caso, deve-se corrigir o lançamento contábil do AFAC de “mútuo” para “aumento de capital”, formalizando corretamente a operação realizada. Por tal razão, mostra-se de todo infundado que, em razão de um lançamento contábil equivocado, haveria prova suficiente para o Fisco Federal exigir o IOF-Crédito sobre o AFAC, sob o argumento de que o contribuinte teria, ele próprio, reconhecido a natureza jurídica de dívida daquele instrumento. Ademais, ainda que a norma contábil exija que, no primeiro momento, o AFAC com cláusula de devolução dos valores, seja contabilizado como “mútuo”, isso em nada altera o tratamento tributário do AFAC, não sendo eventual divergência entre norma contábil e fiscal suficiente para ensejar a incidência do IOF-Crédito. Neste sentido, vale transcrever doutrina[49] que bem sintetiza a questão:“(…) não será adequado invocar que, em caso de divergências entre a lei fiscal e a lei contabilística, uma delas fique derrogada. É que tem de observar-se que quando lei contabilística e lei fiscal impõem critérios divergentes fazem-no, cada uma delas, para os seus fins próprios”.
10. Conclusões
Em razão dos argumentos jurídicos aqui expostos, no que tange ao AFAC Internacional, resta afastada sua existência por prazo superior ao de 30 dias, uma vez que todo investimento estrangeiro direto deve ser capitalizado dentro deste prazo, por força de lei. Sendo assim, como regra geral, no AFAC Internacional o IOF-Câmbio incidirá à 0.38%.
Já com relação ao AFAC Doméstico entendemos que, em qualquer hipótese, não haverá a incidência de IOF, sob qualquer de suas modalidades, desde que legitimamente realizado, mesmo que o AFAC tenha sido contabilizado como Passivo Financeiro, pelo próprio contribuinte, e mesmo que ultrapassados os 120 dias sem sua plena formalização e conversão em aumento de capital. Isto porque, o AFAC típico e legítimo – seja doméstico ou internacional – possui a natureza jurídica de aporte/aumento de capital, e jamais de mútuo. A existência de cláusula prevendo devolução dos montantes, sob condição suspensiva, em nada altera esse entendimento, mas tão somente se a cláusula em questão estabelecer a devolução dos montantes a termo (por ex., em prazo temporal determinado).
Não obstante a vigência do PN CST 17/84, o prazo de 120 dias para a efetiva capitalização dos AFACs, sob pena de que estes sejam requalificados como mútuos, mostra-se completamente inválido. Isto porque, não cabe ao Fisco expandir o fato gerador dos tributos por meio de norma infralegal, sendo tal tarefa de competência exclusiva de lei complementar, por força do princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I e 146, III, “a” da CF.
Além disso, de acordo com o art. 110 do CTN, não cabe à lei tributária, em qualquer hipótese, modificar a definição de instituto de direito privado com o objetivo de ampliar sua competência tributária. Sendo assim, não é admissível requalificar o AFAC como um mútuo exclusivamente por força de descumprimento do prazo de conversão em comento, uma vez que para haver mútuo deverá haver, necessariamente, a restituição da coisa fungível, objeto deste contrato, característica alheia ao AFAC típico e legítimo.
Cumpre salientar, ademais, que o AFAC – típico e legítimo – pode inclusive conter cláusula prevendo a devolução de montantes adiantados pelo investidor para a pessoa jurídica investida, caso em que tal instrumento será considerado um instrumento financeiro híbrido, que poderá tomar a natureza jurídica de dívida ou de capital, a depender de evento futuro e incerto. Se implementada, pelo investidor, a cláusula de devolução dos montantes adiantados a título de AFAC, isto significará que, somente naquele momento – e não antes – o AFAC deixará de ser caracterizado como aporte de capital, adquirindo a natureza jurídica de mútuo e, a partir daquele momento, deverá ser tratado como tal, para fins fiscais (ensejando a incidência de IOF-Crédito, juros e multa retroativa à data inicial do AFAC) e, para fins contábeis, deverá ser reclassificado como passivo financeiro.
Excepcionadas desta regra estão, por óbvio, as hipóteses de simulação e fraude, em que o AFAC é mero disfarce para a vestimenta jurídica originária de mútuo, caso em que, desde a transferência inicial dos valores para a investida, será devido IOF-Crédito sobre os montantes disponibilizados à sociedade, além de multa qualificada. Todavia, vincular as hipóteses de simulação à mera extrapolação do prazo de 120 dias para formalizar a capitalização do AFAC na investida é um evidente desvio de finalidade da norma veiculada no PN CST 17/84 sendo, portanto, nula para fins fiscais.
Em síntese, entendemos que o Fisco Federal não tem competência tributária para exigir o recolhimento de IOF-Crédito sobre AFAC Doméstico – típico e legítimo – ainda que transcorridos mais de 120 dias sem sua efetiva integralização no capital social da sociedade investida, mesmo que haja previsão de cláusula de devolução dos montantes sob condição suspensiva. Em nossa opinião, isso torna letra morta o disposto no PN CST 17/81, para fins da incidência de IOF, desde sua publicação, por inexistir respaldo constitucional ou legal para referida exigência temporal ter sido veiculada por ato normativo infralegal, visto que tal atribuição de criar novos fatos geradores é claramente reservada à Lei Complementar.
Publicação original: Revista Tributária e de Finanças Públicas. , v.114, p.291 – 315, 2014.
[1] Doutorando em Direito Tributário Internacional pela Universiteit Leiden, Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, Master of Laws (LL.M.) in Taxation pela Georgetown Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, Professor e Advogado em São Paulo.
[2] Advogado em São Paulo.
[3] PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 333.
[4] Por ex., artigo 166 e artigo 171 §2º da Lei 6.404/76, e artigo 1.053, parágrafo único, do Código Civil, dentre outros.
[5] “Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções:”.
[6] “Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções:
(…)
XI – nas liquidações de operações de câmbio de ingresso e saída de recursos no e do País, referentes a recursos captados a título de empréstimos e financiamentos externos, excetuadas as operações de que trata o inciso XII: zero”.
[7] “Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções:
(…)
XII – nas liquidações de operações de câmbio para ingresso de recursos no País, inclusive por meio de operações simultâneas, referente a empréstimo externo, sujeito a registro no Banco Central do Brasil, contratado de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional com prazo médio mínimo de até cento e oitenta dias: seis por cento”.
[8] “Art. 5º O registro do investimento estrangeiro será requerido dentro de trinta dias da data de seu ingresso no País e independente do pagamento de qualquer taxa ou emolumento. No mesmo prazo, a partir da data de aprovação do respectivo registro contábil, pelo órgão competente da empresa, proceder-se-á ao registro dos reinvestimentos de lucros”.
[9] In: “Perguntas Frequentes – FAQ Cambio – Investimentos e empréstimos”, conforme website oficial do BACEN, disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/investimento.asp#3.
[10] Art. 11, parágrafo único, do RIOF.
[11] Art. 11, caput, e parágrafo único do RIOF. Também não envolve operação com ouro, ativo financeiro, ou instrumento cambial (art. 36 do RIOF).
[12] Art. 25 do RIOF.
[13] Art. 18 do RIOF.
[14] Art. 3º, caput, e parágrafo 1º do RIOF.
[15] Art. 7º, I, a), 1 e Art. 7º, 2, b), 1 do RIOF.
[16] “Art. 7º. A base de cálculo e respectiva alíquota reduzida do IOF são:
(…)
§ 1o. O IOF, cuja base de cálculo não seja apurada por somatório de saldos devedores diários, não excederá o valor resultante da aplicação da alíquota diária a cada valor de principal, prevista para a operação, multiplicada por trezentos e sessenta e cinco dias, acrescida da alíquota adicional de que trata o § 15, ainda que a operação seja de pagamento parcelado”.
[17] “Art. 7º. A base de cálculo e respectiva alíquota reduzida do IOF são:
(…)
§15. Sem prejuízo do disposto no caput, o IOF incide sobre as operações de crédito à alíquota adicional de trinta e oito centésimos por cento, independentemente do prazo da operação, seja o mutuário pessoa física ou pessoa jurídica”.
[18] FERREIRA, Rogério Fernandes, A tributação dos rendimentos: retrospectiva, actualidade, tendências. Coimbra, Almedina: 2007, p. 258.
[19] FIPECAFI, Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP. Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Atlas, 2013, p. 447.
[20] Resolução CFC 1.159/2009, Itens 68 e 69.
[21] FIPECAFI, op. cit., p. 447.
[22] HOOG, Wilson Alberto Zappa. Manual de contabilidade: plano de contas, escrituração e as demonstrações financeiras de acordo com as IFRS. Curitiba: Juará, 2013, p. 358.
[23] Conforme Lei nº 9.249/95: “Art. 4º. Fica revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de que tratam a Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989, e o art. 1º da Lei nº 8.200, de 28 de junho de 1991.
Parágrafo Único. Fica vedada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários”.
[24] “Art. 21. Nos negócios de mútuo contratados entre pessoas jurídicas, coligadas, interligadas, controladoras e controladas, a mutuante deverá reconhecer, para efeito de determinar o lucro real, pelo menos o valor correspondente à correção monetária calculada segundo a variação do valor da ORTN”.
[25] Juros à taxa SELIC, conforme Artigo 61, parágrafo 3º da Lei 9.430/96.
[26] Multa de mora de 0,33% ao dia, limitada à 20%, conforme Artigo 61 caput e parágrafo 2º da Lei 9.430/96.
[27] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Sucessões. Vol. 6. 17a ed. São Paulo: Sairava, 2003, pp. 191-192
[28] Artigo 3º, parágrafo 3º, I do RIOF.
[29] Confira-se trecho do voto vencedor, do Conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal: “Reputo correta a apuração efetuada pela fiscalização. De acordo com o termo de verificação fiscal foi constatado que a empresa disponibilizava recursos para as empresas ligadas de forma sistemática. Portanto, não há que falar em valor de principal, pois ele é desconhecido ante a ausência de contrato formal de mútuo, ou seja, são operações de crédito em que o valor do principal é desconhecido e muito menos se havia parcelamentos no seu desembolso” (pág. 24 do Acórdão nº 3301-002.282).
[30] Pág. 4 do acórdão.
[31] Idem.
[32] “Artigo 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
[33] Artigo 166 da Lei nº 6.404/76.
[34] HOOG, Wilson Alberto Zappa. Manual de Contabilidade: plano de contas, escrituração e as demonstrações financeiras de acordo com as IFRS. Curitiba: Juruá, 2013, p. 374.
[35] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 313.
[36] FIPECAFI, Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP. Manual de Contabilidade Societária. 6a ed. Atlas: São Paulo, 2003, p. 53.
[37] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”
[38] “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(…)
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal”.
[39] “Artigo 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
[40] “(…) imposto sobre operações financeiras – IOF, tem função predominantemente extrafiscal. Efetivamente, o IOF é muito mais um instrumento de manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim como de títulos e valores mobiliários, do que um simples meio de obtenção de receitas (…)” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 339).
[41] “Art. 150 (…)
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I”.
[42] “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(…)
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
(…)
§ 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”.
[43] “Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” (g.n.)
[44] Conforme o disposto no Artigo 44, §1º da Lei 9.430/96, nos casos de sonegação, fraude ou conluio a multa de ofício de 75% poderá ser aplicada em dobro, totalizando 150%.
[45] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “Tributo e classificação das espécies no sistema tributário brasileiro”. In FISCOSOFT, publicado em 19/03/2012. Disponível em:http://www.fiscosoft.com.br/a/5qd0/tributo-e-classificacao-das-especies-no-sistema-tributario-brasileiro-eurico-marcos-diniz-de-santi.
[46] “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação”.
[47] Para maiores considerações sobre o escopo, amplitude e eficácia das referidas normas anti-simulação e anti-abuso, vide: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; SANTOS, Celso Araújo. “Caso Donizete Oliveira. Tributação das receitas de contrato de licença de uso de imagem auferidas por pessoa jurídica detida por desportistas – antes e depois do art. 129 da Lei nº 11.196/05”. In CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Planejamento Tributário: Análise de Casos, vol. 3. São Paulo: MP Editora, 2014, pp. 281-332.
[48] Note-se que o desvio de finalidade consiste em vício de nulidade do ato praticado pela Administração Pública, conforme se observa: “Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício – denominado “desvio de poder” ou “desvio de finalidade” – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 95).
[49] FERREIRA, Rogério Fernandes, A tributação dos rendimentos: retrospectiva, actualidade, tendências. Coimbra, Almedina: 2007, p. 292.