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Guerra Fiscal e Federalismo: Impossibilidade de Glosa dos Créditos de ICMS Integralmente Tomados por Contribuinte Paulista Quando da Existência de Incentivos Fiscais Unilaterais em Outros Estados

Chama atenção o procedimento tomado pelo Estado de São Paulo relacionado à vedação (glosa) da manutenção de créditos escriturais de ICMS decorrentes de operações interestaduais beneficiadas por incentivos fiscais não aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”).

Vários contribuintes paulistas, quando adquirem as mercadorias alienadas por empresas sediadas nos mencionados Estados, empresas estas que usufruem dos benefícios fiscais concedidos unilateralmente por estes – sem a aprovação do CONFAZ –, creditam-se integralmente dos valores de ICMS destacados nas Notas Fiscais.

Em razão do crescente aumento de autuações fiscais por parte da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ-SP) em repelir o creditamento integral do ICMS destacado para permitir apenas o creditamento do montante de ICMS efetivamente pago (recolhido) no Estado remetente da mercadoria, emergem muitas dúvidas no sobre as medidas cabíveis para contestar tal prática.

No que tange às formas mais comuns de incentivos fiscais, destacamos aqueles de 3 Estados que têm sido bastante discutidos, notadamente:  (i) Bahia (“DESENVOLVE”); (ii) Espírito Santo (“Invest-Es”); e (iii) Santa Catarina (“Prodec”).

I – Requisitos constitucionais e legais para a instituição de benefícios fiscais de ICMS pelos Estados

É importante ressaltar que qualquer benefício fiscal estadual deve ser aprovado por Convênio ICMS entre os Estados, como preceitua o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, bem como o art. 1º, parágrafo único, III e IV, da Lei Complementar nº 24/75, senão vejamos:

Constituição Federal

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre

(…)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior

(…)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte

(…)

XII – cabe à lei complementar

(…)

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Lei Complementar nº 24/75:

Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:

I – à redução da base de cálculo;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;

III – à concessão de créditos presumidos;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

Essa exigência legal tem como objetivo evitar a chamada “guerra fiscal”[1], tendo em vista que o incentivo tributário concedido unilateralmente por um Estado pode gerar prejuízos econômicos aos demais. Portanto, é necessária a aprovação de todos os entes federados envolvidos, formalizada mediante convênio editado pelo CONFAZ.

A própria Lei Complementar prevê, em seu artigo 8º, as conseqüências de atos normativos unilaterais concessivos de incentivos, não escorados em convênio:

Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Parágrafo único – As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal.

Contudo, existem requisitos mínimos e procedimentos específicos para que tais efeitos possam se propagar e atingir o contribuinte do ICMS, conforme explicaremos a seguir.

II – Distinção entre incentivos fiscais e financeiros e suas conseqüências jurídicas

Questão que merece ser analisada, para se verificar, adiante, a validade jurídica dos benefícios oriundos dos diversos incentivos fiscais usufruídos pelo grupo, diz respeito à diferença entre incentivos fiscais e incentivos financeiros.

Isto porque a concessão de incentivos de natureza financeira não necessariamente estaria abarcada no artigo 155, §2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal, conforme defendem importantes doutrinadores brasileiros, tais como Ives Gandra da Silva MARTINS:

Tal financiamento, de natureza financeira e não fiscal, diz respeito ao Direito Financeiro e não Tributário. Pode ser realizado por força da autonomia outorgada às entidades federativas, e não viola os acordos celebrados entre os Estados, já que a lei e a Constituição impõem apenas que incentivos fiscais – e não financeiros – tenham sua concessão condicionada a acordo no Confaz.

No incentivo fiscal, a ocorrência do estímulo é anterior ao pagamento do tributo, que deixa de ser feito. Se for isenção, nasce obrigação tributária, que não se concretiza em crédito tributário, por força de estímulo (art. 175 do CTN).

Já no incentivo financeiro, nasce a obrigação tributária, nasce o crédito tributário, extingue-se o crédito tributário pelo pagamento e os recursos ingressam nos cofres estatais, nos termos da legislação e do orçamento, podendo o Estado fazer o que bem entender – pois os recursos lhe pertencem –, inclusive financiar as empresas contribuintes do ICMS.

Como se percebe, são dois tipos absolutamente distintos de estímulos, um, de natureza tributária – aquele de que cuidou a letra ‘g’ do inciso XII do artigo 155 da CF – e, outro, de natureza financeira, subordinado às regras dos artigos 165 a 168 da lei maior.

À evidência, tal tipo de incentivo não está sujeito às deliberações do Confaz, apenas competente para discutir incentivos fiscais.[2]

Enquanto os incentivos fiscais relacionam-se à obrigação tributária, transfigurando-se em isenções, concessões de créditos, ampliação de prazo para pagamento de tributos etc., os incentivos financeiros não guardam qualquer relação direta com a tributação, porquanto os recursos que serão vertidos para o oferecimento do incentivo não estão vinculados a uma obrigação tributária específica.

Há que destacar, porém, que alguns incentivos, rotulados como financeiros, em verdade são efetivas isenções tributárias. A sistemática de funcionamento do incentivo é o que define exatamente a sua natureza.

Resta saber se os benefícios oferecidos pelos Estados de Santa Catarina, Espírito Santo e Bahia são incentivos financeiros ou se tais incentivos teriam natureza fiscal.

II.A) Benefícios fiscais de ICMS concedidos pelo Estado de Santa Catarina

A Lei nº 13.342/05 instituiu o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (“PRODEC”), que tem como objetivo promover o desenvolvimento sócio-econômico catarinense, por intermédio da concessão de financiamentos de incentivo ao investimento e à operação ou da participação no capital de empresas instaladas em Santa Catarina.

Os incentivos fiscais do PRODEC foram regulamentados pelo Decreto nº 704/07, que assim dispôs em seu art. 16:

Art. 16. Os incentivos concedidos pelo PRODEC, obedecerão aos seguintes limites:

I – montante equivalente a até 75% (setenta e cinco por cento) do valor do incremento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS – gerado pelo empreendimento incentivado, observado o disposto nos §§ 1o e 2o;

II – até 120 (cento e vinte) meses para fruição dos incentivos, contados a partir do início das operações do empreendimento incentivado, observado o disposto no § 8º; e

III – até 48 (quarenta e oito) meses de carência para o início da amortização, contados a partir do início da fruição dos benefícios, devendo cada parcela liberada ser quitada ao final do prazo de carência (Lei 14.075/07). (…)

Como se verifica do acima colacionado, neste caso trata-se de empréstimo concedido pelo Estado de Santa Catarina, ao contribuinte que desenvolva projetos no Estado e, portanto, trata-se de um incentivo inicialmente de natureza financeira (e não tributária).

Entretanto, ainda que se possa defender que, pelo Princípio da Autonomia Política e Financeira, o Estado possa conceder empréstimos e financiamentos no bojo de incentivos financeiros[3], isso não significa que tais incentivos, pelo fato de estarem atrelados ao valor a ser pago a título de ICMS pelas empresas beneficiárias, têm tão somente natureza financeira.

Parece-nos haver margem para considerar os aludidos incentivos como fiscais, o que equivale dizer que deveriam estar respaldados por convênio celebrado junto ao CONFAZ, mas que assim não o foram.

II. B) Benefício fiscal de ICMS concedido pelo Estado do Espírito Santo

No Espírito Santo, o Decreto nº 1.951-R/07 instituiuo Programa de Incentivo ao Investimento no Estado do Espírito Santo – INVEST-ES, que tem por objeto contribuir para a expansão, modernização e diversificação dos setores produtivos do Espírito Santo, estimulando a realização de investimentos, a renovação tecnológica das estruturas produtivas e o aumento da competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução das desigualdades sociais e regionais.

De acordo com o art. 3º do referido Decreto nº 1.951-R/07, os benefícios fiscais para fins de ICMS concedidos pelo Estado do Espírito Santo são os seguintes:

Art. 3.º O INVEST-ES compreende ações de interesse do desenvolvimento do estado, consistentes na concessão de benefícios fiscais, visando à realização de projetos de iniciativa do setor privado, nas seguintes modalidades:

I – diferimento do pagamento do ICMS:

a) incidente nas operações de importação do exterior de máquinas e equipamentos destinados à integração no ativo permanente imobilizado do estabelecimento.

b) devido a título de diferencial de alíquotas, incidente nas operações interestaduais de aquisição de máquinas e equipamentos destinados à integração no ativo permanente imobilizado do estabelecimento.

c) incidente nas operações de importação do exterior de insumos e matérias-primas, destinados exclusivamente ao estabelecimento industrial importador, para o momento em que ocorrer a saída dos produtos resultante de sua industrialização, ressalvado o disposto na alínea “d”.

d) incidente nas operações de saídas internas de máquinas e equipamentos destinados à empresas vinculadas ao Programa do INVEST-ES, para integração no ativo permanente imobilizado.

II – crédito presumido, nas operações interestaduais, até o limite de setenta por cento do valor do imposto a recolher mensalmente.

III – redução de base de cálculo, nas operações internas, até o limite de setenta por cento do seu respectivo valor;

IV – outras modalidades de benefícios fiscais, desde que respeitados os limites e condições previstos neste decreto.

(…)

§ 2.º O imposto diferido na forma do inciso I, “a”, “b” e “d” do caput será pago cumulativamente com o devido pela saída realizada pela empresa destinatária vinculada ao INVEST-ES, tomando-se como base de cálculo o valor da alienação, obedecidas as limitações previstas no respectivo termo de acordo.

No presente caso estamos diante de um incentivo fiscal, isto é, de natureza tributária. Todavia, não foi aprovado pelo CONFAZ, além de ter sido criado por ato infralegal.

II.C) Benefício fiscal de ICMS concedido pelo Estado da Bahia

O benefício fiscal concedido pelo Estado da Bahia é o chamado “Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da Bahia” (“DESENVOLVE”), instituído pela Lei nº 7.980/01 e regulamento pelo Decreto nº 8.205/02, que tem por objetivo de longo prazo complementar e diversificar a matriz industrial e agroindustrial do Estado.

Os benefícios fiscais concedidos pelo Estado da Bahia são, basicamente, (i) o diferimento do ICMS incidente sobre determinadas operações; e (ii) o desconto no valor do ICMS devido quando pago antecipadamente. Vejamos o que dispõe o Decreto nº 8.205/02:

Artigo 2º – Ficam diferidos o lançamento e o pagamento do ICMS relativo:

I – às aquisições de bens destinados ao ativo fixo, efetuadas por contribuintes habilitados mediante resolução do Conselho Deliberativo do DESENVOLVE, para o momento de sua desincorporação, nas seguintes hipóteses:

a) nas operações de importação de bens do exterior;

b) nas operações internas relativas às aquisições de bens produzidos neste Estado;

c) nas aquisições de bens em outra unidade da Federação, relativamente ao diferencial de alíquotas;

II – às operações internas referentes ao fornecimento de insumos “in natura” de origem agropecuária e extrativa mineral, indicados em Resolução do Conselho do Programa, a contribuintes habilitados ao DESENVOLVE, para o momento da saída subseqüente dos produtos resultantes da industrialização.

III – às importações do exterior de escória de titânio e de enxofre classificados nos códigos 8108.30.00, 2614.00.90 e 2503.00.10 da NCM/SH, respectivamente, promovidas por contribuintes enquadrados na Classificação Nacional de Atividades Econômicas/Fiscal (CNAE-FISCAL) sob o código 2419-8/00, habilitados ao DESENVOLVE, para o momento da saída dos produtos resultantes da industrialização.

IV – às operações de importação e às aquisições internas, desde que produzidos neste Estado, de partes, peças, máquinas e equipamentos, destinados a integrarem projetos industriais, efetuadas por empresas contratadas por contribuintes habilitados ao Programa Desenvolve, bem como às subseqüentes saídas internas por elas realizadas, inclusive em relação às mercadorias, acima citadas, adquiridas de outras unidades da Federação, desde que tenham como destino final o ativo imobilizado do contribuinte contratante.

(…)

Artigo 6º – A liquidação antecipada da parcela do imposto cujo prazo tenha sido dilatado ensejará desconto de até 90% (noventa por cento), de acordo com a Tabela I, anexa.

§ 1º – Os valores antecipados deverão ser recolhidos em moeda corrente até o 20º dia do mês da antecipação.

§ 2º – Para os efeitos deste artigo, entende-se por parcela do imposto a soma da parcela do ICMS com prazo de pagamento dilatado e dos encargos financeiros correspondentes.

§ 3º Ocorrendo liquidação antecipada de parte da parcela do imposto cujo prazo tenha sido dilatado, considera-se quitado o valor da parcela do imposto correspondente ao percentual que o recolhimento equivale na data em que foi efetuado.

§ 4º O percentual de desconto sobre a parcela do imposto restante será calculado considerando a quantidade de anos de antecipação, de acordo com a Tabela I, anexa.

Não restam dúvidas, neste caso, que se trata de incentivo de natureza fiscal. Também neste caso, inexistiu Convênio do CONFAZ autorizando tal incentivo fiscal.

III – Procedimento para questionamento de incentivos fiscais e financeiros unilaterais

É de competência do Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgar inconstitucionais as leis (ou atos normativos infralegais) que, sem amparo em prévio convênio, criam incentivos fiscais ou financeiros relacionados ao ICMS[4], quando da propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) ou Ação Cível Originária (“ACO”) pelo Estado que se julga lesado. Confira-se o seguinte precedente:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. “GUERRA FISCAL”. BENEFÍCIOS FISCAIS: CONCESSÃO UNILATERAL POR ESTADO-MEMBRO. Lei 2.273, de 1994, do Estado do Rio de Janeiro, regulamentada pelo Decreto estadual nº 20.326/94. C.F., art. 155, § 2º, XII, g. I. – Concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, por Estado-membro ao arrepio da norma inscrita no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, porque não observada a Lei Complementar 24/75, recebida pela CF/88, e sem a celebração de convênio: inconstitucionalidade. II. – Precedentes do STF. III. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF; Pleno; ADI 1.179/SP; Relator Min. Carlos Velloso; J. 13/11/2002; DJ 19/12/2002)

Ocorre, porém, que muitos Estados, na iminência de terem as suas normas concessivas de incentivos fiscais julgadas inconstitucionais, acabam optando por revogá-las, para então evitar a declaração do STF nesse sentido (de perda de objeto e, portanto, impossibilidade de decidir no caso concreto)[5], sem prejuízo de, posteriormente, restaurar os respectivos incentivos, com nova roupagem[6].

Ainda que tal situação enseje novos questionamentos sucessivos junto ao Poder Judiciário, por parte dos Estados que se sentem prejudicados, a declaração de inconstitucionalidade é o único meio válido para retirar as normas concessivas de incentivos fiscais unilaterais do ordenamento jurídico.

Contudo, alguns Estados combatem a concessão unilateral de incentivos fiscais de ICMS por meio da glosa de créditos, não aceitando a escrituração dos valores integrais destacados nas notas fiscais de saída, emitidas pelos contribuintes beneficiados com tais incentivos não aprovados pelo CONFAZ.

Entre tais Estados destaca-se, sobretudo, o Estado de São Paulo, que progressivamente tem intensificado o combate a tais incentivos fiscais unilaterais, por meio da glosa de créditos dos contribuintes adquirentes de mercadorias e serviços, sediados neste Estado.

Para os contribuintes que correm o risco de serem autuados por tomarem o crédito integral de ICMS no caso de bens decorrentes de operações nas quais o remetente fez uso de benefício fiscal unilateral temos que, hoje existem, ao nosso ver, 2 alternativas:

  • Discussão administrativa e, posteriormente, judicial sobre a legalidade e constitucionalidade da glosa de créditos de ICMS por parte do Estado de São Paulo;
  • Creditamento do ICMS pelo valor do montante efetivamente pago (líquido), por parte do fornecedor/remetente das mercadorias.

Na 1ª hipótese, a defesa do contribuinte se basearia nos argumentos a serem melhor esclarecidos no item V deste artigo.

Já com relação a 2ª alternativa, esta parece ser a mais conservadora para os contribuintes, na medida em que reduzirá os valores dos créditos de ICMS a serem escriturados pelos adquirentes de mercadorias e tomadores de serviços intermunicipais e interestaduais e de comunicação sediados em São Paulo.

Independentemente da opção adotada pelo contribuinte fato é que, para evitar autuações fiscais de períodos anteriores outubro de 2009, atualmente, no Estado de São Paulo, há a possibilidade de pagar os débitos fiscais (incluindo juros e multas) com desconto.

A Lei nº 13.918/2009 do Estado de São Paulo trouxe dispositivos específicos sobre a regularização dos créditos de ICMS relativos a operações realizadas ao abrigo de incentivos fiscais e financeiros, sem observância dos requisitos previstos no artigo 155, § 2º, XII, g, da CF/88 e na Lei Complementar nº 24/1975.

De acordo com o art. 15 da Lei 13.918/09, tais créditos de ICMS, referentes a fatos geradores realizados até 31 de outubro de 2009, poderão ser reduzidos da parcela do ICMS efetivamente recolhida nas etapas anteriores, desde que se efetue o recolhimento do valor remanescente de acordo com as normas estabelecidas pelo Poder Executivo.

Esta regularização de créditos de ICMS é opcional e deve ser exercida pelo contribuinte mediante requerimento específico, implicando em confissão irretratável do débito fiscal e expressa renúncia a qualquer defesa ou recurso administrativo ou judicial, e desistência dos já interpostos.

O recolhimento do débito fiscal ora em comento poderá ser feito de 3 formas, pelo contribuinte, conforme abaixo:

Forma de PagamentoMulta PunitivaMulta MoratóriaJuros (sobre o ICMS e sobre a multa punitiva)SELIC sobre as parcelas
Parcela única75%75%60%Não
12 parcelas mensais60%60%50%Sim (1% ao mês)
Até 60 parcelas mensais50%50%40%Sim (1% ao mês)

Desta forma, não obstante o procedimento a ser tomado pelo contribuinte paulista a partir deste ano, referente a débitos de ICMS originados a partir de 1 de novembro de 2009, não restam dúvidas  que pode ser vantajoso, caso a caso, o pagamento de tais valores para evitar autuações e discussões administrativas e judiciais sobre esse período, sobretudo no caso de pagamento em parcela única.

Todavia, esta é uma decisão individual de cada contribuinte e, na medida em que existem bons argumentos jurídicos para ingresso com medida judicial, a discussão sobre a constitucionalidade/legalidade da glosa de créditos de ICMS também pode ser feita pelo contribuinte.

IV – Atitude do Estado de São Paulo em relação aos créditos de operações beneficiadas por incentivos fiscais unilaterais

Não obstante as considerações suscitadas no item anterior, alguns Estados, buscando proteger-se contra incentivos fiscais ou financeiros unilateralmente concedidos, vêm adotando, já de longa data, o procedimento de não aceitar créditos do ICMS decorrentes de aquisição de mercadorias e serviços beneficiados com os aludidos incentivos exigindo, ainda, juros e multa sobre tais débitos fiscais.

Visando coibir o aproveitamento de benefícios concedidos unilateralmente, o Estado de São Paulo editou norma expressa na Lei Estadual nº 6.374/89 prevendo o não reconhecimento dos créditos ICMS se o remetente das mercadorias usufruiu de qualquer benefício fiscal concedido unilateralmente por um ente da Federação:

Art. 36. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não-cumulativo, compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco.

(…)

§3º- Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal.

No mesmo sentido, a SEFAZ-SP editou o Comunicado CAT nº 36/04, que lista todos os benefícios fiscais de ICMS concedidos por outros Estados da Federação que não foram autorizados por convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24/75. Vejamos o teor do referido ato administrativo paulistano:

(…)

Considerando a necessidade de esclarecer o contribuinte paulista e de orientar a fiscalização quanto a operações realizadas ao abrigo de atos normativos concessivos de benefício fiscal que não observaram a legislação de regência do ICMS para serem emanados, esclarece que:

1 – o crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, correspondente à entrada de mercadoria remetida ou de serviço prestado a estabelecimento localizado em território paulista, por estabelecimento localizado em outra unidade federada que se beneficie com incentivos fiscais indicados nos Anexos I e II deste comunicado, somente será admitido até o montante em que o imposto tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem;

2 – o crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou recebimento de serviço com origem em outra unidade federada somente será admitido ou deduzido, na conformidade do disposto no item 1, ainda que as operações ou prestações estejam beneficiadas por incentivos decorrentes de atos normativos não listados expressamente nos Anexos I e II.

Os Anexos I e II que acompanham o Comunicado CAT nº 36/04 incluem de forma exemplificativa, isto é, não exaustiva, os incentivos fiscais e financeiros “condenados” pelo Estado de São Paulo.

O fato de eventuais benefícios unilaterais concedidos por outros Estados não estarem listados nos referidos Anexos não constitui argumento jurídico sequer fático para defesa e, portanto, é indiferente que o Comunicado CAT nº 36/04 liste expressamente os incentivos fiscais concedidos no bojo dos programas PRODEC, INVEST-ES e DESENVOLVE.

Convém apontar, não obstante, que a doutrina rechaça com veemência a validade do Comunicado CAT acima referido, bem como outras medidas do gênero. De acordo com Ives Gandra da Silva MARTINS:

(…) nenhum dos dispositivos chamados à baila pelo Comunicado CAT 36/04 dá-lhe consistência, nem sendo, inclusive, admitida a delegação de competência legislativa que o §3º do artigo 36 [da Lei nº 6.374/75], teoricamente, ofertaria ao Executivo para atingir a legislação dos Fundos de Participação e Fomentos do Estado de Goiás criados pela Lei nº 11.180/90, assim como toda a legislação posterior do Estado, na mesma linha. Trata-se de um modesto ato administrativo eivado de manifesta ilegalidade direta e inconstitucionalidade indireta, no que diz respeito aos incentivos financeiros lá outorgados. Mais do que isto, seria também de manifesta ilegalidade direta e inconstitucionalidade indireta, no que diz respeito à delegação de competência legislativa, que a lei suprema não oferta ao Executivo, senão nas hipóteses de medida provisória ou da lei delegada, no plano federal. Sendo o ato administrativo um mero regulamentador da lei, não pode nem extravasá-la, nem reduzir sua eficácia e, muito menos, criar hipóteses de derrogação de outras leis, fundadas na Constituição, emanadas de outras entidades federativas [7].

A doutrina é vasta neste sentido. De acordo com Souto Maior BORGES[8]:

Não pode entretanto um Estado-membro da Federação impugnar, glosando-o, o crédito de ICMS destacado em documento fiscal, sob pretexto de violação ao art. 155, §2º, ‘g’, da CF. Caberá em tais hipóteses o recurso ao Poder Judiciário para invalidar a norma atributiva do crédito desse tributo em desacordo com a CF. Não será correto reconhecer ao Estado-membro competência para, independentemente de um posicionamento jurisdicional, sobretudo em ação declaratória de inconstitucionalidade da lei ou dos atos infralegais impugnáveis, glosar o crédito havido como indevido. Ser ou não devido o creditamento do ICMS, nas relações interestaduais, é algo que somente pode ser sindicado, em nosso regime federativo, pelo Supremo Tribunal Federal. O contrário importaria admitir pudesse um Estado-membro desconstituir por portas travessas a legalidade editada por outro, com comportamento ofensivo à federação, naquilo que é atributo essencial do pacto federativo nacional, a harmonia interestadual. E portanto instaurar-se-ia o império da desarmonia, contra a arquitetônica constitucional do federalismo brasileiro”.

No mesmo raciocínio, Roque Antônio CARRAZZA[9] ressalta que “Todavia, é igualmente certo que, tendo amparo em documentos formalmente em ordem, quem adquire mercadorias ou toma serviços em outras unidades federadas não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS, pela pessoa política que se julgue prejudicada. (….) Sendo assim, o art. 155, § 2º, I, da CF confere ao contribuinte do ICMS o direito público subjetivo, oponível ao Estado ou ao Distrito Federal, de fazer o abatimento (quando presentes os requisitos constitucionais)”.

Paulo de Barros CARVALHO[10], partilha da mesma opinião, concluindo pela impossibilidade da existência de medidas unilaterais que prevejam a glosa de créditos de ICMS nos casos de incentivos fiscais não aprovados por Convênio.

Uma vez que o artigo 8º da Lei Complementar nº 24/75 é invocado como fundamento para se glosar créditos de ICMS relativos às aquisições de produtos ou serviços beneficiados por incentivos unilateralmente concedidos por outros Estados, Marco Aurélio GRECO, em parecer publicado, consignou o seguinte entendimento:

Porém, poucas vezes é sublinhado que a hipótese de incidência desse artigo 8º supõe a emissão de um ato específico pelo qual, à vista de determinado caso concreto, se reconheça certa qualidade e se afirme categoricamente ter havido uma previsão, conduta, ato, lei etc. que deixou de observar os preceitos da LC n. 24/75.

(…)

Ora, a legislação do Estado de São Paulo assegura, como regra, a plenitude do crédito do imposto destacado em documentário fiscal hábil emitido quando das operações interestaduais. Portanto, existe, originariamente, o direito pleno de creditar que, aliás, resulta da não-cumulatividade constitucionalmente garantida.

Por outro lado, toda e qualquer legislação editada no Estado de origem, desde a sua publicação, goza da presunção de validade que se exprime na presunção de constitucionalidade da lei e na presunção de validade dos atos administrativos com base nela emitidos. Ou seja, a presunção de que a lei é constitucional e não houve violação (inobservância) à LC n. 24/75.[11]

Como se percebe, a doutrina aponta no sentido de que, em linhas gerais, tais medidas unilaterais de glosa de créditos:

  • carecem de fundamento legal válido, especialmente em vista da presunção de validade e constitucionalidade das normas concessivas de incentivos;
  • a depender da forma como são veiculadas, podem padecer de ilegalidade direta e inconstitucionalidade indireta;
  • violam o princípio da não-cumulatividade, ao desrespeitarem o direito ao crédito do ICMS; e
  • desrespeitam o pacto federativo afirmado na Constituição Federal.

Por tais razões entendemos que existem argumentos jurídicos para o ingresso de medida judicial no caso de glosa de créditos de ICMS pela SEFAZ-SP.

V – Entendimento jurisprudencial sobre o tema

O STF já proferiu acórdão emblemático sobre o tema, senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N. 989/03, EDITADO PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SENADO FEDERAL PARA FIXAR A ALÍQUOTA DO ICMS, NOS TERMOS DO PRECEITO DO ARTIGO 155, § 2º, INCISOS IV E V, DA CB/88. ICMS. IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO. A CONCESSÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS, SEM A PRÉVIA CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL, AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O decreto n. 989/03, do Estado do Mato Grosso, considera como não tendo sido cobrado o ICMS nas hipóteses em que a mercadoria for adquirida nos Estados do Espírito Santo, de Goiás, de Pernambuco e no Distrito Federal 2. O contribuinte é titular de direito ao crédito do imposto pago na operação precedente. O crédito há de ser calculado à alíquota de 7% se a ela efetivamente corresponder o percentual de tributo incidente sobre essa operação. Ocorre que, no caso, a incidência dá-se pela alíquota de 12%, não pela de 7% autorizada ao contribuinte mato-grossense. 3. Pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/75, afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal”. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional o decreto n. 989/2003, do Estado do Mato Grosso. (STF; Pleno; ADI 3.312/MT; Relator Min. Eros Grau; J. 16/11/2006; DJ 09/03/2007 – grifamos)

Em outras palavras, apesar de ser irregular o incentivo fiscal unilateral, em matéria de ICMS, concedido sem a aprovação do CONFAZ, os Estados prejudicados não podem negar o direito ao crédito para os contribuintes situados em seus respectivos territórios em relação às mercadorias adquiridas com tais benefícios, tampouco aplicar qualquer penalidade, até que este incentivo seja, expressamente, declarado inconstitucional pelo STF.

Há, ainda, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível com Revisão nº 529.218-5/0-00 (Oitava Câmara de Direito Público, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 10/10/2007) consignando o mesmo entendimento, conforme se verifica:

(…) busca-se, na presente demanda, o reconhecimento do direito ao aproveitamento e utilização integral dos créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais de compra e venda de gado bovino em pé e de carne bovina junto a contribuintes de outras unidades da federação, sem as restrições impostas pela ré, constantes do Comunicado CAT nº 36/2004 e do artigo 36, § 3º, da Lei Estadual nº 6.374/89, invocando, no particular, a inconstitucionalidade dessas disposições legais por violarem o princípio da não-cumulatividade insculpido no artigo 155, § 2º, inciso I, da Carta Magna.

Nesse contexto, como as restrições ora impugnadas têm por objetivo vedar os lançamentos de créditos porque se entende que estão em desacordo com a legislação tributária e decorrem concretamente de cada operação realizada com o que já foi recolhido nos Estados de origem de mercadoria adquirida, forçoso reconhecer que inexistem aí situações meramente abstratas e sem previsão no ordenamento jurídico, razão pela qual é legítima a pretensão deduzida na petição inicial de modo a por fim à dúvida existente diante da resistência manifestada pelo Fisco Estadual.

No que toca ao mérito, o reclamo recursal igualmente não merece acolhida.

Impede considerar, aqui, que a autora faz mesmo jus ao aproveitamento pleno de seus créditos de ICMS, relativos às operações interestaduais supra aludidas com o que foi efetivamente exigido e pago.

No caso vertente, não colhe a alegação de impossibilidade de aproveitamento desses créditos, ao argumento de que essas operações estão amparadas por benefícios fiscais concedidos sem a celebração de convênio aprovado pelo CONFAZ.

Ora, o contribuinte que, fundado em documentos formalmente em ordem adquire mercadorias ou toma serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue prejudicada, sob pena de violação ao princípio da não-cumulatividade insculpido no art. 155, § 2º, I, da CF.

Como bem realça o douto magistrado a quo:

se existem atos contra os quais outras unidades da federação praticam e a demanda entende que são prejudiciais à sua receita, pode e deve dirimi-los pelas vias legais cabíveis, não sendo certo transferir o ônus aos contribuintes.

É princípio geral de direito a boa-fé que se deve presumir, não se podendo dai extrair ilação tal qual sustentou a ré.

Vale dizer, se o fisco entende que a glosa de créditos de ICMS assegurada no comunicado impugnado pela parte contrária só ocorre quando decorrente de imposto não recolhido, total ou parcialmente não operações interestaduais, a ele cabe especificamente em cada caso demonstrar tal ocorrência e ai sim opor-se à compensação, mas não fazê-lo de forma prévia e indistinta, recusando-se a reconhecer sem qualquer motivação o direito de as empresas adquirentes radicadas neste Estado de aproveitarem-se dos créditos, sob pretexto de que não autorizados por convênio, ou abrigo de atos normativos de benefícios fiscais que não observaram a legislação de regência do ICMS.

(v. fls. 148/149)

Há que mencionar, porém, manifestações isoladas[12], por parte de Ministros do STF, que suspendem os efeitos de decisões judiciais que concluem pela impossibilidade de glosa de créditos de ICMS, sob o argumento de que, do contrário, haveria grave lesão à economia pública. Tais decisões, embora não tratem do mérito das ações a que dizem respeito, validam temporariamente a glosa de créditos de ICMS até que ocorra o julgamento em definitivo.

Saliente-se ainda que, na esfera administrativa, há recente acórdão do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP) favorável ao contribuinte, notadamente o Processo DRT-15-830537/2006, publicado em sessão de 21/08/2008. Vejamos:

“ICMS. APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DE ICMS NO EQUIVALENTE AO DESTACADO EM NOTAS FISCAIS TIRADAS POR REMETENTE DE MERCADORIA QUE, ESTABELECIDO NO ESTADO DA BAHIA, DESFRUTA DE INCENTIVO FISCAL CONCEDIDO À MARGEM DE APROVAÇÃO DO CONFAZ. IRROGADA AO ESTABELECIMENTO PAULISTA A PRÁTICA DE INFRAÇÃO RELATIVA AO CRÉDITO DO IMPOSTO. IMPROCEDÊNCIA.

I. (…)

II. Os Órgãos Julgadores que se ocupam do processo administrativo paulista não têm competência para declarar ilegal, ou inconstitucional – nem direta, nem indiretamente -, seja ato administrativo expedido por outra Unidade da Federação, seja legislação concebida pelos Poderes de outra Unidade da Federação.

III. Lesão patrimonial experimentada pelo Erário paulista em decorrência de benefício fiscal indevidamente concedido deve ser reparada por quem o concebeu, não pelo favorecido, nem pelo estabelecimento que do último recebeu mercadoria.

IV. Negar ao estabelecimento paulista o aproveitamento de crédito de ICMS no equivalente ao imposto destacado nas notas fiscais que acobertam as operações interestaduais teria como efeito deveras singular o enriquecimento, em decorrência de incentivo fiscal irregularmente concebido pelo Estado da Bahia, do próprio Estado de São Paulo. Sabendo-se que o ordenamento jurídico brasileiro é informado pelo princípio da vedação do enriquecimento sem causa, não é de ser prestigiada a autuação. Precedentes do STF.

Não obstante esta decisão administrativa favorável ao contribuinte, praticamente todas as decisões nesse sentido são revertidas nas Câmaras Reunidas do TIT-SP, em favor da Fazenda Estadual. Restaria, sob a ótica pragmática, apenas a via judicial para discussão da inconstitucionalidade/ilegalidade de tal glosa pela SEFAZ-SP.

VI – Conclusões

Todo e qualquer benefício ou incentivo fiscal relacionado ao ICMS deve ser aprovado por meio de Convênio editado pelo CONFAZ.

Os incentivos fiscais concedidos unilateralmente (i.e., sem aprovação por meio de Convênio editado pelo CONFAZ) estão sujeitos a medidas judiciais que envolvem a propositura de ADI ou ACO, por parte do Estado lesado (São Paulo) em face da medida unilateral concedida pelo outro Estado, cabendo a decisão final sobre tal questão ao STF.

O contribuinte sediado em São Paulo não pode ser, juridicamente, o sujeito penalizado por tal medida estadual, uma vez que está apenas cumprindo os mandamentos da lei estadual. Ademais, o Estado de São Paulo não teria o direito (legitimidade) para questionar lei promulgada por outro Estado, em razão do pacto federativo, autonomia dos Entes da Federação, entre outros princípios e regras constitucionais.

Todavia, sob o ponto de vista pragmático, o contribuinte paulista que creditar-se do ICMS incidente em operação interestadual abarcada por algum de tais benefícios fiscais concedidos unilateralmente por outro Estado, listados ou não no Comunicado CAT nº 36/04, estará sujeito à glosa de tal crédito (i.e., desconsideração do montante integralmente creditado), acrescida pela cobrança de juros e multa.

Nesse sentido, as atuais chances de êxito do contribuinte em eventual defesa administrativa, decorrente de autuação fiscal pelo Estado de São Paulo, podem ser consideradas, infelizmente, como remotas, uma vez que as Câmaras Reunidas do TIT-SP têm, até o momento, decidido em favor da Fazenda Estadual.

Todavia, na esfera judicial entendemos que, em face da robusteza de argumentos jurídicos e da jurisprudência até o momento existente no STF, as chances de êxito do contribuinte em eventual demanda judicial podem ser consideradas como possíveis.

Em conclusão, o que deve restar consignado de forma indubitável é que o contribuinte paulista que contabiliza tais créditos de ICMS de forma integral, quando adquire mercadorias ou toma serviços de contribuintes sediados em outros Estados que concedem incentivos fiscais unilaterais (sem aprovação do CONFAZ), não pode ser penalizado.

O foco da discussão e, portanto, da sanção cabível nesta hipótese deve ser o Estado que burlou o normativo constitucional e de lei complementar, jamais o contribuinte sediado em São Paulo, que não tem qualquer responsabilidade ou dever de apurar se o incentivo fiscal ao qual seu fornecedor ou prestador faz jus em outro Estado da Federação – Estado este ente político dotado de autonomia legislativa, de acordo com o Pacto Federativo – tão somente limita-se a cumprir o mandamento constitucional da não-cumulatividade sobre o ICMS que onerou a operação anterior.

Publicação original: Revista de Direito Tributário da APET. , v.25, p.61 – 86, 2010.


[1] Sobre a guerra fiscal e os tipos de incentivos vide MELO, José Eduardo Soares de. O ICMS, os Benefícios Fiscais Concedidos unilateralmente por Certos Estados, as Medidas de Defesa Judicial e Extrajudicial Adotadas por outros Estados e Conseqüências para os Contribuintes. In Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. Vol. 9. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2005. p. 331-332.

[2] Martins, Ives Gandra da Silva. O ICMS e o Regime Jurídico de Incentivos Financeiros Outorgados pelos Estados e o Comunicado CAT nº 36/04 de São Paulo – Distinção entre Incentivos Financeiros e Fiscais. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 112. São Paulo: Dialética, 2005. p. 141.

[3] Martins, Ives Gandra da Silva. Incentivos Fiscais do Estado de Mato Grosso do Sul – Prática Usual em todas as Unidades Federativas – Aspectos Jurídicos. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 52. São Paulo: Dialética, 2000. p. 135-136.

[4] V.g.: STF; Pleno; ADI 1.467/DF; Relator Min. Sydney Sanches; J. 12/02/2003; DJ 11/04/2003; STF; Pleno; ADI 260/SC; Relator Min. Ilmar Galvão; J. 01/07/2002; DJ 20/09/2002; STF; Pleno; ADI 1.587/DF; Relator Min. Octavio Gallotti; J. 19/10/2000; DJ 07/12/2000; STF; Pleno; ADI-MC 429/DF; Relator Min. Celio Borja; J. 04/04/1991; DJ 19/02/1993; STF; Pleno; ADI 84/MG; Relator Min. Ilmar Galvão; J. 15/02/1996; DJ 19/04/1996; STF; Pleno; ADI-MC 1.247/PA; Relator Min. Celso de Mello; J. 17/08/1995; DJ 08/09/1995; STF; Pleno; ADI-MC 902/SP; Relator Min. Marco Aurélio; J. 03/03/1994; DJ 22/04/1994; STF; Pleno; ADI-MC 2.377/MG; Relator Min. Sepúlveda Pertence; J. 22/02/2001; DJ. 07/11/2003.

[5] Nessas hipóteses, o entendimento do STF, manifestado em vários precedentes (v.g.: ADI 2.157/BA, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 6/6/03; ADI 254-QO/GO, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 5/12/03; ADI 1.445-QO/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 29/4/05; ADI 951/SC, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 19/4/05; ADI 3085/CE, Relator Ministro Eros Grau, DJ de 28/4/2006; ADI 1.454/DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 3/8/07; ADI 3.831/DF, Relator Ministra Cármen Lúcia, DJ de 24/8/07), é no sentido de que a ação perde o seu objeto, devendo ser julgada prejudicada.

[6] ARZUA, Heron. Incentivos Fiscais (ICMS) no Brasil e no Paraná – a Questão do Direito Adquirido das Empresas. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 73. São Paulo: Dialética, 2001. p. 140.

[7] MARTINS, Ives Gandra da Silva. O ICMS e o Regime Jurídico de Incentivos Financeiros Outorgados pelos Estados e o Comunicado CAT nº 36/04 de São Paulo – Distinção entre Incentivos Financeiros e Fiscais. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 112. São Paulo: Dialética, 2005. p. 143.

[8] BORGES, Souto Maior. O ICMS e os Benefícios Fiscais concedidos Unilateralmente por Estado-membro. In Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 4º volume. São Paulo: Dialética, 2000. p. 123-124.

[9] CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS, 11ª edição, Malheiros: 2006, p. 306-307.

[10]As unidades federadas devem exercitar suaautonomia dentro dos parâmetros fixados pela Lei Maior. Exatamente porque a inconstitucionalidade não se pressupõe, cabe sempre ao Poder Judiciário, por manifestação de sua mais elevada Corte de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, declarar a inconstitucionalidade. Por isso, é inconcebível dispositivo legal ou infralegal que determine a glosa de créditos. Ao agir desse modo, o Estado ou Distrito Federal estará invocando a si mesmo uma função que a Constituição determinou fosse desempenhada especificamente pelo Poder Judiciário, arranhando, grosseiramente, o princípio da separação dos poderes” (CARVALHO, Paulo de Barros. “Guerra fiscal” e o princípio da não-cumulatividade no ICMS. Revista de Direito Tributário vol. 95, PP. 7-22)

[11] Greco, Marco Aurélio. ICMS – Glosa Unilateral de Créditos por Operações Interestaduais – a Posição do Estado de São Paulo – Lei Estadual n. 6.374/89 e Comunicado CAT n. 36/2004 – Necessidade de Prévio Acesso ao Poder Judiciário. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 148. São Paulo: Dialética, 2008. p. 115-116.

[12] V.g.: STF; SS/3482; Rel. Min. Ellen Gracie; DJE 14/02/2008, cujo dispositivo é o seguinte: “(…) Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução do acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da Apelação Cível nº 518.847-5/5-00, que concedeu a ordem pleiteada nos autos do Mandado de Segurança nº 053.05.005391-4”.

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