I – Introdução
Recentemente, diversas empresas vêm sofrendo autuações fiscais, pela Receita Federal, em que são exigidos valores a título de PIS e COFINS sobre as remessas do exterior à empresas no Brasil.
Em que pese o fato gerador de tais contribuições ser entendido como “receita bruta”, o entendimento fazendário vem desconsiderando a natureza jurídica de diversas remessas de recursos efetuadas em favor das empresas residentes no país, tributando qualquer ingresso financeiro. Tal interpretação mostra-se completamente equivocada e viola normas constitucionais e legais, como se pretende demonstrar neste estudo.
Não é de todo incomum que as sociedades estrangeiras visando investir no mercado brasileiro prevejam, contratualmente, que o ônus financeiro incorrido por suas subsidiárias na fase inicial do investimento – tais como aqueles incorridos com serviços de marketing, propaganda, assessoria legal, contabilidade, controladoria e demais despesas usuais da sociedade (contas de luz, água, aluguel etc.) – seja reembolsada por aquelas. Isto se mostra necessário para que a sociedade brasileira passe a ter menos custos e possa aumentar sua influencia no novo mercado de investimento e, assim, passe a gerar receitas capazes de, gradativamente, suprir seus custos e ainda gerar parcela de lucro.
Por sua vez, estas remessas de valores a título de reembolso de despesas estariam sujeitas, segundo entendimento da Receita Federal do Brasil, à tributação pelo PIS e pela COFINS.
Desta forma, o presente estudo tem como objeto analisar esta suposta incidência e, por meio da análise do aspecto material de regra matriz de incidência tributária (“RMIT”) demonstrar que tais contribuições não incidem sobre tais quantias objeto de reembolso de despesas, feitas internacionalmente por empresa estrangeira à empresa brasileira.
II – A Regra Matriz de Incidência Tributária
Inicialmente, convém apontarmos para a impropriedade, já consagrada, do termo “fato gerador” utilizada no Código Tributário Nacional (CTN), para descrever a previsão normativa que cria a relação jurídica tributária e, destarte, enseja o dever de pagar determinado tributo.
Conforme assevera BECKER, fato gerador não gera nada senão confusão intelectual[1]. Colacionamos, no mesmo sentido, a doutrina de CARVALHO, que assevera que tal expressão é como “descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência”[2], assim como para descrever o fato que ocorre no mundo social, ou segundo o referido doutrinador “o evento jurídico tributário”[3].
Portanto, a regra-matriz de incidência tributária pode ser definida como a norma geral e abstrata que prescreve a incidência tributária, sendo a verdadeira “norma tributária em sentido estrito”[4]. Mas também integra o quadro das regras de conduta, pois define por inteiro a situação de fato, sobre qualificar deonticamente os comportamentos inter-humanos por ela alcançados. Dessa forma, regra-matriz de incidência tributaria nada mais é do que a norma que descreve os fatos e estipulam os sujeitos da relação, como também os termos determinativos da dívida.
Importante mencionar que a regra-matriz de incidência é de construção do intérprete, enquanto órgão do sistema ou na condição de um interessado qualquer, mas sempre a partir dos estímulos sensoriais do texto legislado (reduzindo o direito à forma escrita).
Desta feita, optamos por adotar a expressão “regra matriz de incidência tributária” para nos referirmos à norma decorrente da interpretação da hipótese de incidência legalmente prevista como necessária à incidência tributária dos tributos.
Feitas tais considerações iniciais, passamos à análise do da regra matriz de incidência tributária do PIS e da COFINS, notadamente seus aspectos material e quantitativo (base de cálculo), para verificarmos sua eventual adequação à tributação dos valores recebidos por empresa no Brasil a título de reembolso de despesas.
III – Aspectos Material e Quantitativo da Regra Matriz de Incidência do PIS e da COFINS no Regime Não-Cumulativo
Inicialmente, colacionamos a definição da base de cálculo feita por CARVALHO[5], para quem a base de cálculo é o padrão mensurador de fato realizado pelo sujeito passivo. Ademais, entende-se como aspecto material o próprio núcleo da hipótese de incidência tributária, que contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que consiste a própria hipótese de incidência[6].
A partir destas definições podemos apontar tais aspectos da regra matriz de incidência das mencionadas contribuições, sob a sistemática do regime não-cumulativo.
Neste ponto, convém elucidar que o regime de tributação não-cumulativa dessas contribuições foi implementado pelas Leis nº 10.637/02 e 10.863/03, em alternativa ao regime cumulativo previsto na Lei nº 9.718/98.
De acordo com a legislação aplicável, temos que hipótese de incidência stricto sensu de tais contribuições é o ingresso de receita bruta mensal no patrimônio das pessoas jurídicas, senão vejamos:
Lei nº 10.637/02:
Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Lei nº 10.833/03:
Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
No que concerne à base de cálculo, temos que o faturamento mensal é entendido, de acordo com a legislação, como a receita bruta mensal auferida pela sociedade. Esta receita, por sua vez, é o quantum tributável por ambas as contribuições, conforme se observa da legislação:
Lei nº 10.637/02:
Art. 1º (…)
§ 2º A base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep é o valor do faturamento, conforme definido no caput.
Lei nº 10.833/03:
Art. 1º (…)
§ 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido no caput.
Portanto, como se observa da legislação, tanto o aspecto material da regra matriz de incidência, como a base de cálculo do PIS e da COFINS fazem uso do conceito de “receita bruta”, para definir sua incidência. Imprescindível, destarte, adentrarmos a definição jurídica de tal termo.
IV – O Conceito de Receita para Fins de Incidência do PIS e da COFINS
Conforme o exposto na legislação de regência de tais contribuições, suas bases de cálculo são a totalidade das receitas da pessoa jurídica, assim entendidas a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.
Em relação ao reembolso de custos e despesas, a matéria ainda é controversa, visto que, em face do conceito de receita acima transcrito, discute-se a possibilidade de que o ressarcimento de despesas consistiria em uma receita para a sociedade que originalmente as receber.
Este, todavia, não é o nosso entendimento. Em que pese o fato de as despesas ressarcidas serem registradas, contabilmente, a crédito na conta de resultados, isso não as caracteriza como receitas.
Tem-se que as receitas são uma geração de ativo, sem o respectivo aumento de passivo exigível. Assim, pessoa (física ou jurídica) que aufere receita tem o seu patrimônio ou sua riqueza alterada, pois para haver receita, conforme preceitua MORAES, a entrada financeira deve se integrar ao patrimônio líquido, na medida em que existem entradas financeiras que não se apresentam como receitas, visto não constituírem fatos modificativos do patrimônio[7].
Sobre o tema, ATALIBA já asseverou com propriedade que:
“o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres de determinada entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é entrada que passa a pertencer à entidade.
Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha integrar o patrimônio da entidade que a recebe. É que estas não pertencem à entidade que as recebe. Têm caráter eminentemente transitório. Ingressam a título provisório, para saírem, com destinação certa, em breve lapso de tempo”[8].
Importante mencionar que o conceito de receita decorre, originariamente, da seara do direito financeiro[9], tendo sido apropriado pelo direito tributário para instituir a materialidade e o aspecto quantitativo da hipótese de incidência das referidas contribuições especiais.
Destarte, a definição de receita parte de sua noção para o ente Público, conforme já preconizava BALEEIRO, ao elucidar que “receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”[10] (grifamos).
Ao utilizar tal conceituação advinda do direito financeiro, somada à definição proposta por ATALIBA, pode-se chegar à conclusão de que receita não é, a priori, todo e qualquer ingresso, mas tão somente aquele que, efetivamente, se incorpora ao patrimônio do contribuinte.
Concordando com tal entendimento, BARRETO salienta que receita é a entrada que, sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, se integra ao patrimônio da empresa, acrescendo-o ou incrementando-o[11].
Imprescindível ressaltar que o conceito de receita deve ser diferenciado do conceito de “entrada” ou “ingresso”. De acordo com GRECO[12], a própria Constituição Federal reconhece uma diferença entre receita/faturamento e mera movimentação financeira ou transmissão de valores, na medida em que previu contribuição específica (Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, hoje extinta) para abranger a materialidade de determinado tributo como sendo a movimentação financeira ou créditos e valores desta natureza.
Neste sentido, nem todo recurso que “entra” no universo da disponibilidade da pessoa jurídica integra a base de cálculo do PIS e da COFINS: é preciso que tal “entrada” seja um ingresso com a intenção de permanência e que resulte da exploração de atividade que corresponde ao seu objeto social (ou dele decorrente), sendo que mera entrada de dinheiro não é receita para fins da base de cálculo de PIS e COFINS[13].
A unificação e a centralização das estratégias de marketing, bem como demais serviços de controladoria, contabilidade e afins visam reduzir custos, padronizar as matérias veiculadas, proporcionar maior eficiência e planejamento. Quando as sociedades no Brasil não exploram especificamente as atividades de agência publicitária, empresa de contabilidade ou demais serviços terceirizados, e sequer tem como objeto social a intermediação destes serviços, tais valores devem ser entendidos como reembolso de despesas e não como receita de prestação de serviços.
Assim, para que seja considerada uma receita, a entrada de ativo deve corresponder à saída de um produto ou à prestação de um serviço, o que não ocorre no caso de reembolso ou ressarcimento de custos e despesas.
Há precedentes na vigência da antiga legislação de PIS e COFINS (contudo, sob o regime cumulativo instituído pela Lei nº 9.718/98) que consagram tal entendimento, senão vejamos:
Processo de Consulta nº 112/98
Ementa: Os valores recebidos a título de ressarcimento pela energia elétrica repassada a terceiros não configuram receita, mas, sim, recuperação de custos/despesas; tais valores, portanto, não compõem a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS. (g.n.)[14]
Contudo, nos últimos anos foram publicadas Soluções de Consulta que expuseram entendimento de que as despesas reembolsadas são consideradas receitas, passíveis, portanto, de tributação, in verbis:
Processo de Consulta nº 145/07
Ementa: Reembolso de despesa. Integram o faturamento, base de cálculo da Cofins, os valores contabilizados como reembolso de despesas.
Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep.
Ementa: Reembolso de despesa. Integram o faturamento, base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep, os valores contabilizados como reembolso de despesas.[15]
Solução de Consulta nº 15/2005
“RECUPERAÇÃO/ REEMBOLSO DE DESPESAS. Integram o faturamento, base de cálculo da COFINS, os valores contabilizados como recuperação de despesas. No caso, os valores recebidos em virtude do uso compartilhado de gastos com pessoal, serviços de consultoria/assessoria e estrutura, custeados por uma das empresas do grupo, representam receitas de serviços e integram o faturamento.”
Contudo, entendemos que as decisões acima merecem reparos. Isto porque, a incidência de tais contribuições, conforme GALHARDO, exige o ingresso efetivo de recursos (novas receitas) e a mera redução de despesas não constitui juridicamente receita, estando fora do alcance da incidência de tais contribuições[16].
Corroborando com tal posicionamento, GRECO aduz que a mera redução de despesas (feita por meio de ressarcimento ou recuperação de custos incorridos) não configura receita. Conforme o renomado autor:
“Ao atribuir competência para alcançar as receitas, a CF-88, automaticamente, excluiu do campo da tributação as “despesas” (= feição negativa) (em sentido lato, abrangendo custos, dívidas etc.) realizadas pela pessoa jurídica. Assim, o universo das receitas se opõe ao universo das despesas e este último não foi qualificado pela norma constitucional (…)
Isto implica reconhecer que as vicissitudes das despesas não compõem a base de cálculo da contribuição, nem mesmo quando, por via inversa, tenham algum reflexo no seu dimensionamento, reduzindo-as (…)
Um menor dispêndio não equivale, juridicamente, a uma receita”[17].(g.n.)
Nesse sentido, o entendimento consubstanciado em tais decisões em processo de consulta não pode prosperar, pois ferem o conceito de receita,
Ademais, no ano de 2006, foi proferida decisão que confirma todo nosso entendimento sobre a impossibilidade de tributação, pelo PIS e pela COFINS, das receitas recebidas a título de rateio de despesas, conforme transcrita:
“PIS/COFINS – RECEBIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE RATEIO DE DESPESAS – NATUREZA DE RECUPERAÇÃO DE CUSTOS/DESPESAS – INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE RECEITA – O pressuposto de incidência do PIS e da COFINS é o aferimento de receitas, não podendo haver a incidência das contribuições, pois, no mero ingresso de recursos em que a entidade empresarial esta, tão somente, recebendo de terceiros valores a ele imputável em função do rateio de custos/despesas entre as partes estipulado”[18] (negritamos).
Por este motivo, ainda que venham a existir questionamentos por parte das autoridades fiscais acerca da tributação no que tange aos PIS e a COFINS, inexistem argumentos jurídicos para tal exigência, sendo completamente descabida esta tributação. Tal entendimento é ratificado tanto na doutrina[19] como por meio de diversas decisões do Conselho de Contribuintes Federal neste mesmo sentido.
V – Natureza Jurídica do Reembolso de Despesas
O “reembolso” pode ser definido, em termos contábeis, como a quantia que corresponderá ao custo da atividade, ou seja, o custo da matéria-prima somado ao custo da mão-de-obra e às despesas grais de produção, estas entendidas como as despesas que, embora não se integrem de forma material ao produto final, são necessárias ao processo de industrialização ou de prestação de serviços[20].
Neste ponto colacionamos a definição de GALHARDO, autora da obra pioneira no país sobre este tema:
“O reembolso ou a recuperação de custos ou despesas representa uma entrada de ‘caixa’ para a pessoa jurídica centralizadora dos custos e despesas, mas que merece ser diferenciado do conceito de receita. As entradas ou simples ingressos contábeis não correspondem necessariamente a acréscimos patrimoniais ou elementos novos e positivos”[21].
Para haver reembolso, o valor exigido para aquisição de determinada mercadoria ou serviço deve corresponder ao exato esforço ou sacrifício, financeiramente, incorrido na realização da atividade objeto de ressarcimento.
Note-se, destarte, que no reembolso de custos ou despesas inexiste “preço”, mas somente ressarcimento ou recomposição patrimonial por gastos incorridos.
Assim, o conceito de reembolso não se harmoniza com a aferição de lucros (remuneração) na realização da atividade objeto de rateio ou compartilhamento de custos. Inclusive, os valores reembolsados sequer se adequam ao conceito de “preço” que, segundo CHIARA, é “o quantum do pagamento em moeda que se constitui na prestação pela qual se assegura a satisfação a ser obtida pela contraprestação de natureza diversa da prestação”[22].
De acordo com BARRETO, ao expor que “custo significa o preço de produção ou o valor monetário pelo qual a coisa foi adquirida, enquanto preço abrange o custo e um ‘plus’ representativo da lucratividade”[23].
É importante verificar, assim, que o conceito de reembolso ou ressarcimento de custos ou despesas se contrapõe diametralmente ao conceito de preço. No primeiro, não há o objetivo de lucro, mas de recomposição do patrimônio diluído, ao passo que no segundo conceito há sempre uma margem adicionada ao valor pago, margem esta chamada de lucro (imediato).
No que tange aos créditos em favor da sociedade brasileira, concedidos pela sociedade no exterior, não há qualquer intuito de lucro ou “plus” acrescido ao valor de tais créditos, uma vez que tais valores são exatamente os valores constantes das faturas de serviços de marketing e afins pagas pela sociedade no Brasil aos seus prestadores.
Ou seja, o custo suportado pela sociedade brasileira, incorrido no pagamento dos serviços de propaganda e marketing no país, é inteiramente ressarcido pela sociedade no exterior, sem qualquer ágio (acréscimo no valor do custo incorrido) ou deságio (decréscimo no valor do custo incorrido) sobre o preço da fatura reembolsada, não havendo enriquecimento de nenhuma das partes envolvidas.
Portanto, o valor dos créditos concedidos à pessoa jurídica sediada no país se molda perfeitamente ao conceito de reembolso de custo, e não ao de remuneração por preço, pois não constituem remuneração por um serviço prestado ou por venda de mercadorias e, por tal razão, não geram “receita” para nenhuma das partes.
Após a análise da natureza jurídica dos valores concedidos à sociedade brasileira, resta claro que tal conceito de reembolso de custos não está sujeito, juridicamente, à tributação pelo PIS e pela COFINS.
VI – Impossibilidade de Tributação pelo PIS e pela COFINS de Receitas de Terceiros
Adicionalmente ao argumento de que os valores objetos de ressarcimento ou reembolso de custos não podem sofrer tributação por parte do PIS e da COFINS, por não se adequarem ao conceito de receita, há também outro argumento jurídico para embasar tais não-incidências, notadamente, a impossibilidade de tributação de receita de terceiros.
Inicialmente, quando o PIS e a COFINS foram originariamente instituídos por meio da Lei nº 9.718/98, havia dispositivo específico em tal lei vedando a incidência das contribuições em questão sobre as receitas que fossem objeto de posterior repasse a demais pessoas jurídicas, conforme se observa:
“Art. 3º (…)
§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:
(…)
III – os valores que, computados como receita, tenham sido transferidos para outra pessoa jurídica, observadas normas regulamentadoras expedidas pelo Poder Executivo”
Contudo, a Medida Provisória nº 1.997-18/99 revogou este dispositivo. Mesmo diante da revogação do dispositivo supra citado, a questão sobre a possibilidade de tributação, pelo PIS e pela COFINS, das receitas de terceiros permaneceu sob discussão.
Comentando tal dispositivo revogado, HIGUCHI et al salienta que tal revogação não implica em mudança de entendimento jurídico sobre tal exclusão de receitas de terceiros, para fins da incidência do PIS e da COFINS, bem como que aponta a evidente desnecessidade de lei ou ato infra-legal dispondo expressamente esta conclusão evidente. Vejamos a citação do autor, ipsis literis:
“aquela revogação não altera em nada a exclusão, da base de cálculo, de receitas que originariamente já são de terceiros. Nesses casos não há necessidade de autorização por lei ou ato administrativo”[24].
Ademais, conforme já exposto, “receita” necessariamente constitui um “plus” que se integra ao conjunto de bens e direitos da titularidade da empresa. Portanto, as receitas ingressantes na contabilidade das pessoas jurídicas não podem ser tributadas quando tiverem como contrapartida a saída desses mesmos valores[25]. Ou seja, receita é sempre algo novo, que se incorpora a determinado patrimônio (“plus jurídico”)[26].
Em outras palavras, se a receita ingressante no caixa da sociedade tiver seu destino final o caixa de outra empresa (a que efetivamente prestou o serviço de marketing), sendo a primeira sociedade (emissora da fatura de reembolso de despesas) que recebeu tais valores apenas um agente cobrador dos valores. Assim, não poderá haver tributação pelo PIS e pela COFINS de tais valores.
Neste caso, por não se configurar o conceito de receita bruta, estamos diante de verdadeira não-incidência tributária, caracterizada quando o fato jurígeno ocorrido no mundo fático foge por completo ao fato jurídico previsto na lei tributária e na Constituição Federal, não se adequando a tal norma impositiva de tributo.
Por fim, é interessante notar que, ao tratar da receita dos prestadores de serviços públicos, a Receita Federal esclareceu por meio do Ato Declaratório nº 7, de 2000, substituído pelo art. 34 da Instrução Normativa nº 247/02, que os valores recebidos por empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público de transporte urbano de passageiros, subordinadas ao sistema de compensação tarifária, que devam ser repassados a outras empresas do mesmo ramo, por meio de fundo de compensação criado ou aprovado pelo Poder Público Concedente ou Permissionário, não integram a receita bruta, para os fins da legislação tributária federal[27].
Este ato administrativo acima mencionado demonstra, ainda que indiretamente, que o raciocínio jurídico que embasa tal exclusão de receita é precisamente o mesmo do aqui utilizado para o caso sob análise: receita de terceiros não está sujeita a tributação do PIS e da COFINS por parte da pessoa jurídica que apenas os repassa, não obstante tais valores serem contabilmente registrados nesta.
VII – Jurisprudência Administrativa Sobre a Não-tributação pelo PIS e pela COFINS da Receita de Terceiros
O precedente que tratou do referido tema, no antigo Conselho de Contribuintes[28], considerado caso paradigmático, dizia respeito às receitas de roaming nacional.
À época, uma empresa de telefonia celular, por possuir clientes em trânsito – que realizavam viagens em áreas cobertas apenas por outras operadoras de telefonia móvel – faturava para seus usuários o valor das ligações realizadas utilizando a rede da outra operadora “visitada”, que era repassado a esta última, a título de remuneração pelo serviço de telefonia prestado a clientes da operadora “visitante”, intitulado de roaming[29].
Reproduzimos a seguir trecho do voto do Conselheiro Relator do caso em tela:
“Com efeito, como a prestação do serviço de telefonia celular por parte da Recorrente depende, fora de sua área de concessão, da utilização da rede de outras operadoras, as quantias cobradas de seus clientes – o chamado roaming – são integralmente repassadas àquelas, não configurando receita para a Recorrente.
Assim, não vislumbro como óbice ao deferimento da pretensão da Recorrente a fundamentação invocada pelo d. julgador de primeira instância no sentido de que o art. 3º, § 2º, III, da Lei nº 9.718/98 dependeria de regulamentação para ser aplicável. Entendo que o mencionado dispositivo legal tão-somente repetia a regra geral segundo a qual não se pode tributar aquilo que não se amolde perfeitamente ao conceito técnico de receita.
Desta feita, ingressos transferidos a terceiros (…), como o roaming, não se consubstanciam em receitas, inexistindo o fato gerador da contribuição em tela”[30].
Há outro julgado semelhante[31], também sobre valores recebidos a título de roaming, por empresa “visitante”, em que se defende que tais valores não poderiam ser tributados.
Ademais, o setor de radiodifusão e agências de publicidade também já foi alvo de decisões sobre este tema, na esfera administrativa federal. Nesses julgamentos, constatou-se que há diferença entre “receita própria” (aquela que é paga à emissora de rádio ou TV como forma de remuneração pela difusão da mensagem) e “receita alheia” (aquela que, embora paga à emissora de rádio ou TV, corresponde ao montante da comissão que deverá ser repassada à agencia de publicidade)[32], conforme abaixo reproduzido:
“COFINS. BASE DE CÁLCULO. VALORES FATURADOS EM NOME PRÓPRIO, REPASSADOS A TERCEIRO COMO COMISSÃO DE AGÊNCIA. DISTINÇÃO ENTRE RECEITAS E ENTRADAS. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. Os valores faturados em nome próprio por veículo de propaganda e depois repassados, a título de comissão, à agência de publicidade, conforme disposições legais e regulamentares e a praxe do mercado, não são receitas daquele nem integram a base de cálculo da contribuição por ele devida. Distinção necessária entre receita e meras entradas. Se o legislador, constituinte originário, elegeu como base de cálculo da COFINS signo presuntivo de riqueza, importa em desvalia do próprio constitucional da capacidade contributiva a tributação de valores que não se agregam ao patrimônio do contribuinte, mesmo quando faturados em seu nome, por efetivamente pertencerem a terceiro, a quem posteriormente são repassados. A interpretação das normas deve se conformar à Constituição Federal”[33]. (g.n.)
Em face do que se expôs neste ponto sobre a não-tributação pelo PIS e pela COFINS dos valores ingressados no patrimônio de pessoa jurídica, mas que constituem receita de terceiros e não desta pessoa jurídica, concluí-se que, não apenas por argumentos de ordem doutrinária, mas também com supedâneo na jurisprudência administrativa federal, tal tributação é completamente infundada.
Isto porque, os ingressos contábeis somente constituirão receita tributável quando se destinarem a incorporar o patrimônio da empresa. No caso de a empresa atuar como mera intermediária pela qual transitam os valores de titularidade de outras pessoas jurídicas, não será correto falar em receita auferida e, portanto, não haverá incidência do PIS nem da COFINS.
VIII – Irrelevância da Forma de Pagamento do Reembolso de Despesas para fins de Não-incidência do PIS e da COFINS
Na medida em que os valores ressarcidos pelas empresas estrangeiras às sociedades brasileiras podem ser feitos de diversas maneiras, isto é, adiantamento de caixa, ressarcimento de custos e despesas a posteriori, investimento por meio de aumento de capital, crédito em descontos de dívidas entre as empresas, acerto de contas de fornecedores e mercadorias, etc., surge a dúvida se, a forma pelo qual o reembolso de despesas é feito seria relevante para fins de sua potencial tributação pelo PIS e pela COFINS.
Isto porque, muitas vezes, no “acerto de contas” entre as sociedades estrangeira e nacional, inexiste qualquer remessa efetiva de divisas ao Brasil, isto é, não há fluxo financeiro, mas sim, créditos contabilizados para futuro abatimento no preço de mercadorias e/ou serviços entre as empresas, muito comum nos grupos econômicos.
Inicialmente, cabe apontar que a forma de pagamento não modifica a natureza jurídica substancial do recurso, isto é, a causa da remessa de divisas bem como a causa do crédito para abatimento no preço de mercadorias é precisamente a mesma: reembolso de custos incorridos com marketing e propaganda, contabilidade, assessoria jurídica, etc.
O fato de não haver ingresso de recursos é indício de ausência de receita, como já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sobre a não caracterização da receita, quando não há ingresso positivo e efetivo de recursos, senão vejamos:
“Como bem exposto pelo parquet de 1º grau, ‘se não pode computar uma venda cancelada, porque esta efetivamente não ingressou como faturamento ou receita bruta da empresa, de forma análoga, não é possível incluir no valor referente à dívida perdoada, uma vez que sequer chegou a ser efetuada’.“[34]
Contudo, a falta de ingresso de caixa não é suficiente para descaracterizar o conceito de receita sob a ótica econômica (diminuição de custos enseja, financeira e economicamente, um ganho). Sob a ótica jurídica, o que importa não é a forma de pagamento ou de ressarcimento, mas a natureza jurídica de tais valores, ou seja, a causa de tal ingresso ou creditamento.
Portanto, a única ressalva que deve ser feita no caso de concessão de crédito ao invés de remessa de divisas no país relaciona-se ao cumprimento das normas do Banco Central do Brasil (“BACEN”), em relação à vedação existente de “compensação privada de créditos e débitos”[35] que, de acordo com o Decreto nº 23.258/33 e Decreto-lei nº 9.025/46, é expressamente vedada pela legislação cambial em vigor.
Todavia, no caso de a sociedade brasileira celebrar contratos de câmbio simbólico sobre tais valores objeto de crédito que não ingressam efetivamente no país, não haveria violação de norma do BACEN.
Assim, ao realizar o fechamento do câmbio simbólico a sociedade no Brasil não só cumpre com as normas cambiais do BACEN, descaracterizando a operação de compensação privada de créditos e débitos, bem como recolhe o IOF incidente sobre tal câmbio[36], adimplindo com a obrigação tributária, não havendo qualquer perda de receita fiscal para União Federal neste caso.
Portanto, a forma pela qual o reembolso de custos é realizado, isto é, por meio de concessão de crédito para futuro abatimento ou efetiva remessa de divisas no país produzirá – desde que haja o fechamento do câmbio simbólico por parte da sociedade no Basil – os mesmos efeitos cambiais e tributários, não sendo relevante a modalidade de tal reembolso, para fins de determinar a incidencia de ambas as contribuições.
Isto porque, conforme já mencionamos, somente têm natureza de receita ou para fins de incidência de PIS e COFINS aqueles ingressos que tenham juridicamente reflexo patrimonial de acréscimo de riqueza nova perene, e não transitória.
IX – Contabilidade e Direito: Intangibilidade para Fins de Incidência Tributária
No que se refere a ótica contábil, segundo HIGUCHI[37] a parcela do custo que vai ser reembolsado pelas empresas deve ser escriturada numa conta transitória do Ativo Circulante que será creditada no recebimento do reembolso, não havendo receita para a base de cálculo do PIS e da COFINS.
Entretanto, é de suma relevância consignarmos que, não é forma pela qual será registrado determinado fato contábil que determinará a natureza jurídica deste, para fins de incidência tributária. A contabilidade retrata a realidade, mas não cria realidades jurídicas novas, desatreladas da substância subjacente.
Como bem retrata MARIZ DE OLIVEIRA, procedimento contábil não pode ensejar efeitos jurídicos. Vejamos as palavras do referido autor:
“como tantas vezes já foi apontado nos estudos tributários, seja em doutrina, seja em jurisprudência, a contabilidade nada cria, pois apenas registra, através de métodos científicos e confiáveis e segundo a linguagem das partidas dobradas os fatos tais como se encontram na realidade fenomênica que lhe é externa, composta esta quase sempre por fatos e atos jurídicos, de tal maneira que os registros contábeis não podem ser efetuados em contradição com as disposições jurídicas que regem este ou aquele fato objeto de contabilização”[38].
Neste ponto, em vista das normas contidas no art. 1º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, segundo a qual a receita bruta deve ser entendida independentemente da “classificação contábil adotada”, interpretações mais descuidadas admitem que toda e qualquer prática contábil possa conduzir à receita, por não ser relevante a classificação contábil praticada.
Entretanto, receita, para fins de incidência do PIS e da COFINS, são conceitos “jurídico-substanciais e não contábeis”[39], de tal sorte que primeiro é preciso ter a natureza de receita ou faturamento para, depois, a forma de contabilizá-los seja irrelevante.
Destarte, é indiferente, para fins tributários, a forma de contabilizar tais créditos a título de reembolso. Se assim não o fosse, bastaria um lançamento à conta de receita para incidirem as duas contribuições, ou um não-lançamento a essa conta para eliminá-las[40] o que, evidentemente, seria um absurdo jurídico desprovido de qualquer fundamentação.
X – Não Tributação por Caracterização de Exportação de Serviços: Imunidade
Há, ainda, um terceiro argumento jurídico que embasa a não-incidência das referidas contribuições sobre os valores reembolsados à empresa brasileira, a título de despesas, relaciona-se diretamente com a própria pretensão do Fisco Federal em tributá-los.
Expliquemos. A Receita Federal do Brasil, ao eventualmente tentar tributar tais valores reembolsados simbolicamente por meio da concessão de crédito à sociedade brasileira, somente poderá se valer do argumento de que tais créditos constituem “receita” para a empresa residente no Brasil. Isto porque esta é a própria base de cálculo bem como o aspecto material da hipótese de regra matriz de incidência, isto é, receita bruta.
Nesse sentido, se tais valores forem considerados como “receita” é porque decorreram de uma das duas operações possíveis: (i) venda de mercadorias; ou (ii) prestação de serviços, pois estas são as duas únicas formas possíveis para sociedade no Brasil receber pagamentos (geração de caixa e, conseqüentemente, receita).
Assim, o Fisco Federal deverá se valer, como premissa para a tributação pelo PIS e pela COFINS sobre tais créditos, do argumento de que a sociedade brasileira prestou algum tipo de serviço para a sociedade estrangeira, que gerou a contraprestação financeira objeto de tributação.
É bastante comum, nos casos de reembolso de despesas, que o Fisco Federal (para tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) e o Municipal (para tributação pelo ISS) aleguem que o contribuinte prestou serviços de intermediação de negócios, compliance, agenciamento comercial ou serviços administrativos de cobrança e pagamento em geral.
Desta forma, ainda que no objeto social da sociedade brasileira não haja previsão da prestação destes serviços ou, ainda, de nenhuma prestação de serviços, a única possibilidade de tributar a receita supostamente gerada por estes valores seria com base no faturamento desses serviços.
No entanto, na medida em que se pressupõe uma prestação de serviços por parte da empresa sediada no Brasil resta claro que o único tomador possível (contratante) de tais serviços será a sociedade estrangeira, que é um não-residente, ou seja, está sediado no exterior.
Portanto, a própria pretensão impositiva de tributar tais receitas cai por terra, visto que, neste caso, estar-se-á diante de uma exportação de serviços, constitucionalmente prevista como imune das contribuições ao PIS e à COFINS, conforme se observa do art. 149, § 2º, I, da CF:
“Artigo 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”.
Como se não bastasse a imunidade concedida por norma constitucional, também a legislação federal reiterou tal imunidade, desta vez intitulando-a como hipótese de não-incidência legalmente prevista, conforme se verifica:
“Lei 10.833/03
Art. 6º A COFINS não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de:
I – (…);
II – prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas;
Lei 10.637/02
Art. 5º A contribuição para o PIS/Pasep não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de:
I – (…);
II – prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas;”
Diante de tal exportação de serviços, caracterizada quando um prestador residente no Brasil presta serviços para um residente no exterior, não há qualquer base para cobrança do PIS nem da COFINS, ainda que os argumentos de (i) reembolso de despesas não constituir receita, e (ii) impossibilidade de tributação de receita de terceiros, já expostos, sejam plenamente desconsiderados pelas autoridades fiscais.
Ressalte-se, por fim, que para fazer jus a imunidade e a não-incidência legalmente prevista tanto para o PIS como para a COFINS, há o requisito de que tais exportações de serviços impliquem em ingresso de divisas no país. Para tanto, faz-se necessário o cumprimento das normas cambiais junto ao BACEN, notadamente com o fechamento de câmbio, ainda que simbólico, conforme se observa das decisões abaixo colacionadas:
Processo de Consulta nº 128/08
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EXPORTAÇÃO. NÃO-INCIDÊNCIA.
Não incide a Cofins sobre as receitas decorrentes de prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas, desde que atendidos os demais requisitos normativos e legais aplicáveis, em especial o contido na seção 2 do capítulo 9 do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI);
Ainda, é indispensável a comprovação do nexo causal entre o pagamento recebido pela pessoa jurídica domiciliada no País e a efetiva prestação dos serviços a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior.
(…)
Não incide a Contribuição para o PIS/Pasep sobre as receitas decorrentes de prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas, desde que atendidos os demais requisitos normativos e legais aplicáveis, em especial o contido na seção 2 do capítulo 9 do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI); Ainda, é indispensável a comprovação do nexo causal entre o pagamento recebido pela pessoa jurídica domiciliada no País e a efetiva prestação dos serviços a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior[41].
XI – Conclusão
Por todo o exposto, entendemos que as contribuições ao PIS e à COFINS não incidem sobre os valores reembolsados por sociedade estrangeira à sociedade no Brasil, a título de reembolso de custos e despesas, não importando a forma pela qual tal reembolso seja, financeiramente, efetuado.
Neste sentido entendemos que:
(i) O reembolso de custos e despesas, seja feito por crédito contábil para futuro acerto de contas, seja feito por fluxo de caixa representando ingresso de divisas no país, não constitui juridicamente “receita”, que é a base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS. Isto porque, juridicamente, “receita” deve ser um acréscimo de riqueza nova ao patrimônio da sociedade, e não um ressarcimento ou recuperação de custos incorridos, verdadeira recomposição patrimonial.
(ii) Ainda que a Receita Federal do Brasil adotasse o entendimento de que o crédito contábil para futuro encontro de contas ou mesmo o ingresso de divisas, fossem considerados contabilmente como “receita”, haja vista que economicamente houve uma “redução de um gasto futuro” em virtude do reembolso pela sociedade não-residente, essa suposta “receita” contábil não se adéqua ao conceito jurídico de receita, uma vez que a contabilidade não cria realidades jurídicas.
(iii) Em terceiro lugar, ainda que se fosse alegado que tal crédito ou entrada financeira não possui a natureza jurídica de reembolso de despesas, restaria demonstrado que tais valores emergiram de um custo com terceiros, isto é, com os prestadores de serviços de marketing, contabilidade e assessoria legal. Desta forma, visto que as receitas tributáveis pelo PIS e pela COFINS são somente aquelas de titularidade da pessoa jurídica que as aufere, não podem ser tributados os ingressos de valores que serão repassados a terceiros (“receita de terceiros”), pois somente transitam pela contabilidade da pessoa jurídica por questões comerciais e de praticidade, incorridos pela empresa brasileira em nome da empresa estrangeira.
(iv) Em outras palavras, tais valores têm natureza jurídica de receita apenas para os terceiros (prestadores), ao passo que para a empresa intermediária, sociedade no Brasil, possuem natureza jurídica de reembolso de custos e despesas lato sensu ou indiretos, jamais de receita;
(v) Ademais, em quarto lugar, se tais créditos ou recursos reembolsados fossem entendidos como receita, pressupor-se-ia a ocorrência de venda de mercadoria ou prestação de serviços que originasse tal receita para a empresa no Brasil. Neste caso, apenas restaria possível a alegação de que a empresa brasileira prestou serviços de marketing, administrativos de cobrança e compliance, para o tomador residente no exterior.
(vi) Todavia, quando há prestação de serviços por empresas brasileiras para beneficiários e tomadores sediados no exterior, a Constituição Federal prevê a imunidade das contribuições que incidem sobre a receita, ou seja, o PIS e a COFINS. Ademais, as próprias Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 também estipulam a “não-incidência” (sic) de tais contribuições nestes casos, bastando apenas o fechamento do contrato de câmbio simbólico (inclusive recolhendo o IOF incidente em tal operação), que a sociedade brasileira deverá fazer junto ao BACEN.
Portanto, entendemos que os valores objeto de reembolso de custos e despesas, internacionalmente remetidos de sociedade no exterior para sociedade residente no Brasil não estão sujeitos à incidência das contribuições ao PIS e à COFINS, sendo juridicamente infundada tal exigência, que violaria normas constitucionais e legais.
Publicado originalmente na Revista de Direito Tributário da APET. , v.24, p.77 – 106, 2010.
[1] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. Saraiva, 1963, p. 288.
[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 248.
[3] Idem.
[4] A título de complementação, um dos critérios possíveis para classificar as normas é aquele que as separa em: (a) normas que demarcam princípios; (b) normas que definem a incidência do tributo; e (c) normas que fixam providencias administrativas. (CARVALHO, Paulo de Barros. op.cit., p. 241).
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Base de Cálculo como fato Jurídico e a Taxa de Classificação de Produtos Vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário nº 37, 1998, p. 130.
[6] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 95.
[7] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p 520.
[8] ATALIBA, Geraldo. ISS – base imponível. Estudos e Pareceres de Direito Tributário. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 88.
[9] BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 116.
[10] BALEEIRO, Aliomar. idem.
[11] BARRETO, Aires F. A nova Cofins: primeiros apontamentos. Revista Dialética de Direito Tributário nº 103. São Paulo, 2004, pp. 11-12.
[12] GRECO, Marco Aurélio. Cofins na Lei 9.718/98 – variações cambiais e regime de alíquota acrescida. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 50, São Paulo, 1999, p. 111-151.
[13] Conforme GALHARDO, Luciana Rosanova. Rateio de Despesas no Direito Tributário. São Paulo Quartier Latin: 2004, p. 135.
[14] Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 7a. Região Fiscal.
[15] Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 1a. Região Fiscal..
[16] GALHARDO, Luciana Rosanova. op. cit., p. 144.
[17] GRECO, Marco Aurélio. op. cit., p. 130-131.
[18] Acórdão 107-08.710. 1º Conselho de Contribuintes / 7a. Câmara. Publicado em 17.08.2006.
[19] Concordando com a não-incidência de tais contribuições sobre os valores objeto de reembolso de custos e ressarcimento de despesas vide MARTINS, Natanael. Rateio de custos/despesas entre empresas sob controle comum – tratamento tributário aplicável. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Planejamento Fiscal – teoria e prática, São Paulo: Dialética, 1998, p. 157.
[20] FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. São Paulo, Atlas: 2006, p. 188-190.
[21] GALHARDO, Luciana Rosanova. op.cit., p. 134.
[22] CHIARA, José Tadeu de. Moeda e Ordem Jurídica. Tese de Doutoramento. USP, São Paulo: 1986, p. 112.
[23] BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2005, p. 357.
[24] HIGUCHI, Hiromi; HIGUCHI, Fábio Hiroshi. HIGUCHI, Celso Hiroyuki. Imposto de Renda das Empresas – interpretação e prática. São Paulo, 34ª Ed. IR Publicações: 2009, p. 913.
[25] MOREIRA, André Mendes. PIS/COFINS – Não incidência sobre receitas de terceiros. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 141. São Paulo: Dialética, jun. 2007, pp. 42-43.
[26] MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Conceito de receita como hipótese de incidência das contribuições para a seguridade social (para efeitos da COFINS e da Contribuição ao PIS). In Repertório IOB de Jurisprudência nº 1/2001, 2001, p. 43 e 22.
[27] Conforme HIGUCHI, Hiromi. op. cit., p. 913.
[28] A partir da Medida Provisória nº 449/08, a nova nomenclatura passou a ser “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”, conforme o art. 43 de tal diploma preconiza.
[29] Vide art. 146 da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações).
[30]Segundo Conselho de Contribuintes Federal, 3ª Câmara, Acórdão nº 203-08.793, Processo nº 10166.000888/2001-31, DJ 12.03.2004, Relator Francisco de Albuquerque Silva.(g.n.)
[31] Desta vez, a justificativa foi a de que “a base de cálculo da contribuição é a receita própria, não se prestando o simples ingresso de valores globais, nele incluídos os recebidos por responsabilidade e destinados desde sempre a terceiros, como pretendido ‘faturamento bruto’ para, sobre ele, exigir o tributo” (Acórdão CSRF/02-02.223, Processo nº 10166.005507/2008-91, Recurso nº 203-122881, julgado em 24.01.2006).
[32] MOREIRA, André Mendes. op. cit., p. 44.
[33]Segundo Conselho de Contribuintes Federal, 2ª Câmara, Acórdão nº 202-14.979, Processo nº 10945.009549/96-32, Recurso nº 105.110, julgado em 12.08.2003. Também foi julgado no mesmo sentido o Acórdão nº 201-73.944 (Segundo Conselho de Contribuintes Federal, 1ª Câmara, Processo nº 10950.002334/99-19, Recurso nº 113.145, julgado em 16.08.2000).
[34] Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.70.00.064862-0/PR. DJU 30.06.04. Des. Fed. Relator Dirceu de Almeida Soares.
[35] De acordo com o artigo 1º do Decreto nº 23.258/33 são consideradas operações de câmbio ilegítimas (ou seja, operações caracterizadas como “compensação privada de créditos e débitos”) as realizadas entre bancos, pessoas naturais ou jurídicas, domiciliadas ou estabelecidas no país, com quaisquer entidades do exterior, quando tais operações não transitem pelos bancos habilitados a operar em câmbio, mediante prévia autorização da fiscalização bancária a cargo do Banco Central do Brasil.
[36] Artigo 11, do Decreto nº 6.306/07.
[37] HIGUCHI, Hiromi. op. cit., p. 896.
[38] MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Repertório IOB de Jurisprudência, nº 001/2001, p. 40.
[39] Expressão utilizada por GRECO, Marco Aurélio. op.cit., p. 131.
[40] Conforme MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. op.cit., p. 40.
[41] Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 9a. Região Fiscal. Publicado em 04.06.2008.