Direto ao Ponto: A RFB entendeu que os pagamentos de royalties por licença de uso de marca e imagem não geram crédito de PIS e COFINS, por não se adequarem ao conceito de insumos. O ponto central do fisco é no sentido de que insumos só podem ser “bens ou serviços”, e como royalties são direitos, não estariam autorizados pelas leis 10.833/03 e 10.637/02. Contudo, em razão de recente jurisprudência correlata – tal como o precedente do STF sobre licenciamento de software (direitos) estar sujeito ao ISS e não ao ICMS, o precedente do STJ sobre essencialidade e relevância para definição de insumos para PIS/COFINS, e a decisão do STF relativizando o conceito de que apenas obrigação de fazer estariam sujeitas ao ISS (englobando, assim, intangíveis) –somada à realidade empírica de os intangíveis serem, durante décadas, tributados como serviços pela RFB (sobretudo na importação, quando há remessas para o exterior), entendemos que deve-se relativizar a interpretação literal das leis que trazem a descrição de insumos e, portanto, questionar o entendimento fazendário em questão.
A Solução de Consulta Cosit 117/2020 (“Solução Cosit 117/20”) publicada pela Receita Federal do Brasil (“RFB”) no final de setembro de 2020 trouxe um entendimento restritivo sobre o conceito de insumos, fundamental para que custos e despesas incorridos pelas empresas gerem créditos para fins das contribuições PIS e COFINS (“PIS/COFINS”).
O contribuinte – uma indústria e comerciante atacadista de brinquedos e similares – afirmou que, para fabricação e comercialização de produtos licenciados, é imprescindível a aquisição de direitos autorais e pagamento de royalties, cuja sistemática de remuneração mínima descreve. Por conta disso, possui contratos de licença de uso de marca e imagem, fabricação, distribuição e comercialização de produtos licenciados, firmados com pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
O questionamento da empresa é simples: o pagamento de royalties por licença de uso de marca e imagem enquadra-se no conceito de insumos previsto nas Leis 10.637/02 e 10.833/03 de PIS/COFINS? Afinal, em caso afirmativo, tais pagamentos deveriam gerar créditos de PIS/COFINS para serem utilizados pela empresa industrial e comercial.
Como esperado, o entendimento da RFB foi restritivo ao contribuinte. Ao se basear na definição do art. 3º, II, das referidas leis 10.637/02 e 10.833/03, o Fisco Federal salientou que os termos utilizados para conceituação de insumos são “bens e serviços”, estando ausente “intangíveis” ou “direitos”, que são precisamente a natureza jurídica dos royalties (direito de uso de um direito ou, mais informalmente, o aluguel de um direito).
Assim, como royalties não são “obrigação de dar” (bens) nem “obrigação de fazer” (serviços), não estariam descritos nas leis de PIS/COFINS como passíveis de serem considerados insumos e, assim, não gerariam crédito para fins de tais contribuições federais.
A RFB, inclusive, traz o precedente do STF sobre inconstitucionalidade da incidência de ISS sobre locação de bens móveis (RE 116.121/00) – que tratou do veto ao item 3.01 da LC 116 sobre locação de guindastes não poderem ser oneradas pelo ISS – em que se decidiu que obrigação de dar (locação de bens móveis) não se sujeita ao ISS, apenas obrigações de fazer. Ademais, colaciona o RE 928.038/PE, de 2016, em que o STF decidiu que não incide ISS sobre cessão de direito de uso de marcas (royalties), por não se tratar de obrigação de fazer, inexistindo prestação de serviço (mas, sim, nas palavras do Relator, “uso de capital tecnológico (…) com natureza jurídica de aluguel (…) uma vez que a natureza jurídica dos contratos que implicam pagamento de royalties é a locação de bens incorpóreos e tendo em vista que a locação de bens não é um serviço”).
Diante desse cenário jurídico, a RFB conclui seu silogismo de forma simplória por meio da Solução COSIT 117/20, como se segue:
(1) a cessão de direito de uso não vislumbra a presença de obrigação de fazer, ou seja, não se trataria de prestação de serviço;
(2) a simples cessão de licenciamento de direitos autorais não poderia ser enquadrada como prestação de serviços, pois lhe faltaria o elemento essencial, qual seja, a efetiva prestação do serviço;
(3) logo, royalties são caracterizados como obrigação de dar, e não de fazer, não se subsumindo no conceito de prestação de serviços, o qual é essencial para a definição de insumos para fins de apuração de créditos das contribuições.
Como se verifica, a RFB entendeu que o pagamento de royalties concernentes à obtenção de licenciamento de direitos autorais (marca e imagem) não permitem a apuração de créditos da não cumulatividade para fins de PIS/COFINS porque não se trata de aquisição de serviços.
O racional da Fazenda Pública Federal é extremamente simplório e obsoleto. Desconsidera diversas discussões jurisprudenciais recentes dos tribunais superiores (STJ e STF) que influenciam diretamente a conclusão pelo creditamento das despesas de royalties para fins de PIS/COFINS.
Em primeiro lugar, ignora o fisco o precedente do STJ (REsp 1.221.170-PR) que determinou que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. O uso do termo “bem e serviço” pelo STJ é mera referência em forma de remissão à lei que trouxe tais expressões, mas obviamente não restringe as despesas somente com bens e serviços, precisamente porque o critério orientador é a essencialidade e relevância de tais gastos, em razão da atividade econômica do contribuinte. Assim, seria paradoxal ou, no mínimo, incongruente entender que a essencialidade e relevância de um gasto com um direito ou intangível estaria fora desses critérios apenas por, em 2002 e 2003, não ter sido expressamente descrita na letra da lei.
Em segundo lugar, o fisco não considerou os precedentes do STF sobre incidência de ISS sobre licenciamento de programas de computador (software) – Ações Direta de Inconsticionalidade “ADI” 1.945 e 5.659 – e não de ICMS, ocasião em que o Ministro Dias Toffloli salientou que “a interpretação do texto constitucional não pode ficar alheia a essas novas realidades”. Ora, o mesmo vale para o texto legal. Se é constitucional (e legal) a incidência de ISS sobre licenciamento de direitos e seu uso (royalties equivalentes a uma obrigação de ceder, não dar nem fazer), é evidente que se trata de uma equiparação a serviços para fins tributários e, portanto, isso deve ser observado para fins de sua natureza jurídica, inclusive para fins federais.
Em outras palavras, não se pode determinar constitucional e legal a natureza jurídica de licença de uso e cessão de uso de direitos como passível de ser “serviço” para fins de ISS, mas não ser “serviço” para fins de creditamento de PIS/COFINS, uma vez que não se trata de conflito de competência entre Munícipio e União Federal, mas sim, da determinação da natureza jurídica de licença e cessão de uso (royalties) pelo Supremo Tribunal Federal, para fins constitucionais – que vale para qualquer fim tributário.
Em terceiro lugar, a posição da RFB também conflita com recente decisão do STF que relativizou o conceito histórico de que o ISS apenas incidiria sobre obrigações de fazer (ou seja, podendo englobar intangíveis – i.e., direitos – no campo de incidência do ISS como “serviços”). Isso faz com que o conceito de serviços e sua menção nas leis de PIS/COFINS passe, consequentemente, a ser relativizada. É dizer que, se o conceito de prestação de serviços, segundo o recente entendimento do STF (RE 651.703/PR), “não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador”- segundo o Relator Min. Luiz Fux destacou – resta claro que a menção de “serviço” como passível de ser insumo gerador de crédito para PIS/COFINs engloba, também, intangíveis como os royalties e direitos de autor.
Portanto, recorrer ao Poder Judiciário à luz da recente jurisprudência pode ser favorável ao contribuinte que tenha despesas consideráveis com royalties e direitos de autor, sendo vantajoso fazê-lo antes de qualquer outra decisão indiretamente relevante ao tema pelo STJ e STF.
Direito ao Ponto: Embora o entendimento restritivo da RFB seja pela impossibilidade de despesas com royalties gerarem créditos de PIS/COFINS, a recente jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e STF) nega tal interpretação literal e estagnada no tempo, permitindo que se dê novo alcance às expressões utilizadas pelos textos legais e constitucionais, sobretudo no que se refere a “serviços”. Especialmente quando se trata de intangíveis, em face da nova realidade econômica do mundo digital, são inúmeros os exemplos a confirmar que “serviços” – sobretudo para fins de direitos e garantias dos contribuintes (direito ao crédito de PIS/COFINS) – devem incluir direitos/intangíveis, de forma a evitar uma interpretação restritiva que, ao negar direito ao crédito, aumente a carga tributária sem lei expressa que assim preveja, criando indiretamente incremento de carga tributária ilegal e inconstitucionalmente.