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STF cria novo tipo de crime: deixar de pagar impostos. E agora?

Direto ao ponto: ao decidir que o não recolhimento de impostos é crime, o STF contrariou a opinião da imensa maioria de especialistas em direito tributário e penal. O tribunal restringiu a criminalização a certa categoria de contribuintes, chamados de “devedores contumazes”. Mas ainda há muita insegurança sobre quando a mera inadimplência torna-se ato criminoso.

No dia 11 de dezembro de 2019 o STF decidiu que é possível condenar como criminoso quem deixa de recolher os impostos confessados e devidos por ele próprio, desde que esteja configurada não mera inadimplência, mas reiterada conduta abusiva por parte do devedor.

A decisão do tribunal ficou no meio do caminho entre dois extremos: não ocorreu a criminalização irrestrita de qualquer inadimplência, mas também não foi mantida a visão até então pacífica nos tribunais, segundo a qual nunca haveria crime, contanto que não houvesse fraude (falta de declaração do devido ou não repasse de tributos retidos de terceiros).

O julgamento acabou adotando uma linha intermediária, firmando a tese de que “[o] contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º, II, da Lei 8.137/1990”. Ou seja, não basta a mera inadimplência. O contribuinte deve reiteradamente deixar de recolher o tributo que tenha sido “cobrado” de seu cliente.

Esse veredito é criticável por diversos motivos, como tivemos a chance de antecipadamente analisar em artigo publicado no dia do julgamento (link). Apenas para ilustrar o cenário dantesco criado pela decisão: uma das principais diferenças entre inadimplência e crime estaria no “dolo de apropriação”, mas como provar que este não existe sempre se ao não recolher o imposto o contribuinte sempre se apropria do respectivo numerário? A outra diferença seria o fato de o crime só existir quando a ausência de recolhimento for contumaz, reiterada. Mas quantas guias não pagas são necessárias para que se configure um devedor contumaz?

O Supremo não traçou limites objetivos para nenhumas das questões, então na prática o Ministério Público e as Procuradorias estarão com relativa autonomia para interpretar o julgado e perseguir quem lhes parecer fazer da falta de recolhimento um modelo de negócios abusivo. E mesmo para os poucos Estados em que há legislação própria definindo o que se considera “devedor contumaz” tributário, tal definição é criticável por ter consequências criminais, matéria que é de competência federal.

Na prática, o que devem fazer os contribuintes? Em primeiro lugar: mais cautela. Até hoje, prevalecia no meio empresarial o conceito de que, em matéria tributária, os tributos retidos de funcionários (por exemplo, INSS ou IRRF) ou cobrados antecipadamente de clientes (ICMS-ST) deveriam sempre ser pagos, sob pena de problemas penais de apropriação indébita. Agora, além dessas situações, o administrador da empresa também deve preocupar-se em não ser encarado como péssimo pagador de seus próprios tributos (aqueles não retidos ou antecipados em nome de terceiros). Em segundo lugar: atenção com a legislação de seu Estado, pois ela pode prever uma definição de devedor contumaz que serviria de ponto de partida para a responsabilização criminal. Deve-se a todo custo evitar tal pecha. Em terceiro lugar: se a inadimplência for um cenário inescapável, deve-se tentar colecionar elementos de prova de tal situação econômica, pois no julgamento houve uma unânime sinalização de que não haveria crime quando a empresa simplesmente não tem recursos para arcar com suas obrigações.

Muitos entendem que ao usar remédio tão drástico o STF pode ter acabado por incentivar a sonegação. Afinal, se a mera inadimplência já pode implicar um empresário criminalmente, ele poderia se sentir propenso a simplesmente não declarar o tributo devido (sonegação) e assumir o risco de sua fraude jamais ser descoberta. Outros são simpáticos à ideia de o tribunal ter colocado um enorme desincentivo ao uso do atraso de tributos como capital de giro, criando um ambiente competitivo mais equânime. O fato é que, gostando-se ou não da fundamentação e do veredicto, a decisão só permite a criminalização em hipóteses que deveriam ser excepcionais.

Direto ao ponto: o julgamento do STF é um divisor de águas na doutrina penal tributária. Pela primeira vez, previu-se que o não recolhimento de impostos é ato criminoso, ainda que se trate de tributos próprios e confessados pelo próprio contribuinte. Mas o tribunal restringiu o crime aos chamados devedores contumazes, que fazem da inadimplência fiscal parte de sua rotina. Ainda há muita incerteza quanto ao que separa esses agora chamados de criminosos de um contribuinte inocente, que deixa de recolher tributos por meras dificuldades financeiras, mas até que haja uma definição legal federal de “devedor contumaz”, tributos destacados na cobrança de clientes merecem mais atenção.

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