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Delegação legal para ajustes fiscais por decreto: a nova fronteira do contencioso tributário

Publicado originalmente em agosto/2017, por Matheus Bueno de Oliveira e Katherine Borges Sato

A recente polêmica com o aumento da tributação federal de combustíveis, já suspensa e restabelecida em diferentes processos, aquece a discussão sobre a possibilidade de o Executivo definir alíquotas efetivas de tributos, matéria tradicionalmente reservada à lei.

O uso de Decretos pelo Poder Executivo para modificar e/ou aumentar tributos é instrumento já há muito conhecido pelos contribuintes, mas constitucionalmente limitado aos impostos sobre importação (“II”), exportação (“IE”), produtos industrializados (“IPI”) e operações financeiras (“IOF”), dado seu caráter nitidamente extrafiscal.

Contudo, diante das dificuldades que os representantes políticos enfrentam para debater no ambiente legislativo reformas e modificações na legislação tributária, tornou-se frequente o uso de instrumentos infralegais para outras espécies de tributos, notadamente contribuições sociais.

Até não muito tempo atrás, ao serem levadas ao Judiciário, as discussões referentes ao uso de Decretos no Direito Tributário costumavam ser resolvidas com certa facilidade. Afinal, assumia-se que, quando a Constituição Federal define que somente lei poderá exigir ou aumentar tributo (excetuados os casos do II, IE, IPI e IOF), ficava lógico concluir que qualquer outro instrumento normativo que o procurasse fazer estaria ferindo o princípio da legalidade.

Atentos a este ponto, os governantes elevaram a discussão a um novo patamar: agora os Decretos alteram a carga fiscal com base em lei prévia que lhes confere essa competência. Esse foi o caso, por exemplo, do Decreto nº 8.426, publicado em 2015. Por ele, o Chefe do Poder Executivo Federal aumentou as alíquotas do PIS/COFINS incidente sobre receitas financeiras, de 0% para 4,65%, tomando por base o disposto no art. 27, parágrafo 2º, da Lei nº 10.865/2004, que conferia ao Poder Executivo a competência para “reduzir ou restabelecer”, até o limite máximo definido por lei (1,65% e 7,6%), os percentuais de PIS/COFINS incidentes sobre as respectivas receitas.

Em reação à modificação realizada, inúmeras ações foram ajuizadas. Na visão dos contribuintes, o princípio da legalidade proibiria o aumento de tributos por Decreto, assim como proibiria que uma lei conferisse ao Poder Executivo a possibilidade de estabelecer elementos de um tributo, ainda que dentro de balizas preestabelecidas por ela.

Afinal, a necessidade plasmada no princípio da legalidade se justificaria pelo maior rigor, pois o nascimento da norma enquanto lei pressupõe seu debate pelo Poder Legislativo, simbolizando, assim, a anuência e conhecimento prévio dos governados com a nova cobrança. No caso dos citados impostos de importação, de exportação, de produtos industrializados e incidente sobre operações financeiras, a possibilidade de estabelecimento de alíquotas por meio de decreto se dá em face de seu caráter tipicamente extrafiscal.

Contrários aos argumentos acima, os governantes insistem em alegar que inexiste violação ao princípio da legalidade. No seu entender, a Constituição somente impõe a edição de lei para hipóteses de “fixação” ou “majoração” de tributos, o que não ocorre no exemplo enfrentado das receitas financeiras (ou dos combustíveis), onde haveria mera “diminuição” ou “reestabelecimento”, pelo Poder Executivo, de alíquotas máximas previamente definidas pela lei. Na visão da advocacia da União, caso o argumento dos contribuintes saia vitorioso, deveria, então, também perder efeito o decreto que previamente reduzira a zero as alíquotas de PIS/COFINS incidentes sobre as receitas financeiras. Tal fato levaria ao reestabelecimento das alíquotas de PIS/COFINS ao seu patamar máximo legal original de 9,25%.

Para reforçar o apelo acima, a procuradoria apela para argumentos menos jurídicos. Pondera que o Estado brasileiro se encontra diante de uma inegável crise econômica, de modo que qualquer decisão no sentido de invalidar o aumento do PIS/COFINS traria efeitos nefastos para o erário público e, consequentemente, para os serviços prestados pelo Estado. Além disso, alega que, a concessão indiscriminada de liminares ensejaria claro desequilíbrio no mercado devido à quebra de isonomia entre contribuintes. Todos esses fatores, de forma conjunta, levariam, por fim, a insegurança jurídica no país.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a relevância do tema e decidiu julgá-lo por meio da sistemática de recursos repetitivos. Para tanto, elegeu o Recurso Extraordinário (RE) nº 1.043.313/RS (substituto do RE 986.296/PR) como recurso paradigma, o qual, quando julgado, terá efeitos vinculantes para todos os Tribunais do país. O julgamento deste recurso também deverá ser influenciado pela análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 5.277, que cuida de caso semelhante. Qualquer das ações poderá definir a validade ou inconstitucionalidade da delegação de ajustes fiscais por meio de decreto. Já o caso do Decreto nº 9.101/2017, pertinente aos combustíveis, é objeto da Ação Popular nº 1007839-83.2017.4.01.3400 (perante a Seção Judiciária do Distrito Federal) e da ADI nº 5.748, perante o STF e sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, com liminar pendente de julgamento.

A expectativa é que, em face da intensificação desse embate, uma decisão seja logo mais proferida pelo STF.