Publicado originalmente em dezembro/2016, por Matheus Bueno de Oliveira e Frederico Silva Bastos
Em 10 de novembro, a Receita Federal (“RFB”) publicou a Instrução Normativa nº 1.669/2016 (“IN nº 1669”), regulamentando o procedimento amigável no âmbito dos acordos internacionais destinados a evitar a dupla tributação da renda de que o Brasil seja signatário.
Em todos os 32 acordos internacionais destinados a evitar a dupla tributação atualmente em vigor há previsão de aplicação do procedimento amigável. Trata-se de mecanismo não litigioso que visa estabelecer um canal específico de consulta para o contribuinte que considerar que medidas tomadas por um ou ambos os países estão em desacordo com o tratado.
Apesar de já existir a previsão do procedimento amigável nos acordos, ainda não havia uma regulamentação específica sobre o tema. A IN nº 1669 finalmente estabeleceu os procedimentos e informações necessários para tanto.
Segundo a IN nº 1669, o procedimento pode ser (a) unilateral, quando a RFB recebe, analisa e finalizada o requerimento direta e isoladamente; ou (b) bilateral, quando o fisco brasileiro atuará em conjunto com a autoridade competente do outro país para solucionar o caso não finalizado na fase unilateral, ou recebido por meio de requerimento no exterior.
A instauração do procedimento amigável deverá ser requerida mediante utilização de formulário próprio, que deverá ser apresentado em unidade da RFB. Não obstante, na hipótese em que o procedimento amigável envolva crédito tributário passível de restituição, o contribuinte deverá apresentar pedido de restituição do crédito por formulário específico para esse fim.
O requerimento deverá tratar exclusivamente do Imposto sobre a Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ou de tributos existentes no outro Estado contratante que estejam compreendidos no âmbito do acordo internacional. Todavia, o requerimento abrangendo outros impostos administrados pela RFB poderá ser conhecido caso o acordo contenha cláusula de não-discriminação.
A norma esclarece que não serão conhecidos pela RFB os requerimentos que versarem sobre (a) matéria submetida, pelo próprio requerente, à apreciação do Poder Judiciário e sobre a qual já tenha sido proferida sentença ou acórdão, ainda que recorrível; (b) matéria já decidida definitivamente pelo Poder Judiciário e cujos efeitos se estendam ao requerente; (c) matéria submetida, pelo próprio requerente, à apreciação do contencioso administrativo e sobre a qual já tenha sido proferida sentença ou acórdão, ainda que recorrível; (d) situações envolvendo sujeito passivo distinto do requerente, ainda que pertencentes ao mesmo grupo econômico; e (e) tributo relativo a período de apuração ou incidência sobre o qual se tenha operado a decadência ou a prescrição.
Assim como nos já conhecidos processos de consulta ao fisco, o procedimento amigável não será instaurado para apuração de situação em tese. Cabe ao contribuinte apresentar todos os documentos necessários quando da interposição do requerimento, sem prejuízo de poder ser notificado a apresentar informações complementares oportunamente.
O requerimento deverá apresentar diversas informações do contribuinte, inclusive a identificação do controlador direto e do final, no caso de requerimento apresentado por pessoa jurídica, bem como os respectivos países de residência para fins tributários, na hipótese de o objeto do requerimento envolvê-los.
Após a análise do requerimento, a RFB emitirá a sua decisão, ainda que parcial, por meio da formalização de um despacho fundamentado, conferindo validade ao entendimento assentado pelas autoridades fiscais. Destaca-se que não há previsão para pedido de reconsideração ou recurso no âmbito do procedimento amigável.
Nesse sentido, observa-se que a implementação da solução deverá ser precedida da (i) concordância do contribuinte e das pessoas relacionadas domiciliadas no exterior envolvidas na solução; e (ii) comprovação de desistência expressa e irrevogável das impugnações ou dos recursos administrativos e das ações judiciais que tenham o mesmo objeto do procedimento amigável, bem como renúncia a qualquer alegação de direito sobre as quais se fundamentem.
Em que pese a possibilidade de redução da litigiosidade em matéria de tributação internacional, alguns pontos importantes não foram abordados pela IN nº 1669, tais como a não atribuição de efeito suspensivo ao requerimento do procedimento amigável e a inexistência de prazo limite para sua análise.
Não obstante a existência de possíveis pontos de melhoria, a norma demonstra que a RFB vem buscando se adequar aos compromissos assumidos internacionalmente no âmbito do G-20 para a implantação do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).