Publicado originalmente em julho/2016, por Matheus Bueno de Oliveira e José Mário Neves David
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei no. 13.254/2016, tem por fundamento a regularização de ativos de origem lícita detidos no exterior por residentes no Brasil em 31.12.2014. Determinadas especificidades desse regime têm suscitado questionamentos e insegurança em especialistas e possíveis interessados.
A Receita Federal do Brasil (RFB), no intuito de esclarecer tais dúvidas, publicou em seu sítio eletrônico uma seção específica de perguntas e respostas acerca dos termos do regime. Contudo, o posicionamento adotado pelo Fisco, embora tenha elucidado algumas das questões, também contribuiu para aumentar outras polêmicas.
Questionamentos esclarecidos
Entendemos que determinados posicionamentos da RFB sobre o regime foram claros e contribuíram para a compreensão do tema. Destacamos os seguintes:
(i) ativos possuídos em condomínio deverão ser declarados na proporção da titularidade da pessoa declarante, isto é, somente em relação ao quinhão do ativo detido em 31.12.2014;
(ii) recursos, bens e direitos de pessoa residente fiscal no Brasil em 31.12.2014 e falecida após tal data poderão ser declarados à RFB em nome do de cujus;
(iii) a declaração de adesão ao RERCT poderá ser retificada quantas vezes for necessário até 31.10.2016, preferencialmente em momento anterior ao pagamento do imposto e da multa devidos, vez que a tributação no âmbito do regime é definitiva (não está sujeita a ajustes após o pagamento);
(iv) O imposto e a multa devidos deverão ser pagos via Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF) gerado pelo próprio programa do RERCT, nunca por DARF emitido manualmente;
(v) Há dispensa das multas por atraso das declarações CBE (Capital Brasileiro no Exterior), do Banco Central, e DAA (Declaração de Ajuste Anual), da RFB;
(vi) não cabe à pessoa que aderir ao RERCT entregar ao Banco Central do Brasil (BACEN) cópia da declaração de adesão ao regime, o que será feito diretamente pela RFB; e
(vii) os recursos, bens e direitos declarados deverão ser discriminados pelo valor que possuíam em 31.12.2014, ainda que tenha havido alteração posterior de tais montantes.
Posicionamentos polêmicos do fisco
Determinadas respostas da RFB, infelizmente, concorreram para o surgimento de novos questionamentos, entre elas:
(i) bens que foram parcialmente consumidos anteriormente a 31.12.2014 deverão ser declarados pelo saldo remanescente naquela data e, também, quanto à parte consumida até então.
Esse posicionamento (reiterado em parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de 01.07.16) é polêmico, pois a redação literal da lei refere-se ao saldo de 31.12.2014, referindo-se a períodos anteriores apenas em relação a bens já inexistentes ou que deixaram de ser de propriedade do contribuinte. Além disso, não se esclarece até que prazo a retroação se aplicaria. Por outro lado, a resposta da RFB andou bem ao reconhecer não declaráveis as desvalorizações temporais de um ativo;
(ii) possibilidade de regularização de bens adquiridos na condição de não residente, mediante retificação da DAA a partir do período em que obtida a residência fiscal no País.
Embora louvável a conclusão, não há segurança quanto a uma possível tipificação do crime de evasão de divisas, já que a RFB não se manifesta sobre o tema penal, alheio à sua competência; e
(iii) pessoa identificada como beneficiária de trust em 31.12.2014 e que desconheça tal condição até 30.10.2016 estará sujeita a penalidades nas esferas tributária e criminal, caso mencionado ativo seja identificado pela RFB a partir de novembro/2016.
Esse entendimento ignora a boa-fé do contribuinte e toca no delicado tema da prova impossível, pois o desconhecimento da condição de beneficiário inviabiliza a declaração, cabendo unicamente às autoridades o ônus de demonstrar a falta do particular.
Considerando persistirem dúvidas acerca do RERCT e seus efeitos, é possível que novos esclarecimentos sejam publicados ou revistos até 31.10.2016, prazo final para adesão.
É importante ressaltar que, embora a RFB esteja liderando a relação com os interessados na anistia, seu posicionamento sobre temas atinentes às searas criminal, regulatória e administrativa pode ser visto como irregular, pois tais matérias escapam à sua competência, restrita a elementos de natureza tributária.