Direto ao ponto: Como temos dito, a Emenda Constitucional n.º 132/2023, que
consolida a Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil, inaugurou um ciclo de
profundas transformações no ambiente de negócios. No entanto, às vésperas de sua
implementação notamos que para uma grande parcela dos empresários e gestores a
reforma permanece como um tema árido e distante, debatido em círculos jurídicos e
contábeis, mas com consequências práticas ainda difíceis de mensurar. É nesse
contexto que as “calculadoras da reforma tributária” emergem como ferramentas de
utilidade estratégica inestimável, transformando o abstrato do Direito Tributário em
números concretos e tangíveis para a gestão empresarial. Como seres humanos,
somos movidos por emoções, e nada como o contraste de se vislumbrar o impacto
concreto das novas normas nos números da empresa para, ainda que numa mera
simulação, para despertar engajamento dos afetados. Contudo, é crucial entender que
a sofisticação da ferramenta deve ser acompanhada pelo envolvimento proativo dos
decisores e uma inteligência estratégica que vá além da mera simulação.
O Choque do Contraste “DE/PARA”: Do Jurídico ao Financeiro
O grande mérito dessas ferramentas reside em sua capacidade de oferecer um
contraste imediato e fundamentado entre o cenário fiscal atual e o futuro. Partindo da
premissa de que as empresas brasileiras já geram e entregam ao Fisco um vasto
volume de dados fiscais e contábeis — a base real de sua operação —, as
calculadoras utilizam esses inputs para simular a aplicação das novas regras do
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços
(CBS).
Em essência, a ferramenta realiza um exercício elementar e fundamental, mas não
necessariamente acessível de outra forma: subtrai a carga tributária atual (ICMS, IPI,
PIS, COFINS) do preço de compra e venda de produtos e serviços, chegando ao valor
líquido dos tributos. Em seguida, aplica as alíquotas e as regras de creditamento e de
cálculo por fora dos novos tributos sobre o consumo, projetando assim como seriam
os preços, custos e, consequentemente, as margens de lucro da empresa em um
cenário pós-reforma, a maioria delas permitindo inclusive uma calibragem nas
premissas futuras do negócio.
Costumamos dizer a nossos clientes: a reforma é tão impactante que deveria se
chamar “Reforma dos Negócios”, não “Tributária”. Essa profundidade e amplitude dos
impactos foi propositadamente impressa pelos autores da Emenda Constitucional, que
reconheciam a complexidade e opacidade do sistema atual, que muitas vezes
colocava o agente econômico decisor (o empresário) em situações que, não fossem
os tributos e regimes existentes, não fariam qualquer sentido negocialmente.
Essa procurada neutralidade é tão distante do que vimos na construção de nossa
cultura tributária brasileira que costumamos aqui dizer aos clientes que o exercício de
se preparar para a nova legislação poderia ser comparado à tarefa de estudarmos a
reabertura da empresa em um novo mercado, um novo país, com novas regras,
avaliando se valeria para ali levar a estratégia, estrutura, pessoal, fornecedores e
clientes atuais. Detalhe: esse novo país é o “Brasil pós reforma”.
Como a implementação da reforma se dará numa transição algo longa, sem que o
sistema atual seja deixado de lado imediatamente, ainda que a prometida melhora do
ambiente de negócios seja efetivamente verificada, primeiro teremos um período de
piora para somente depois notarmos as melhorias de fato.
Mas tudo isso é algo distante e teórico se ficarmos apenas avaliando e criticando os
princípios de se implementar os novos IVAs. Na nossa experiência, é quando
traduzimos para números do próprio cliente esses conceitos e ideias científicos e
acadêmicos que a reforma ganha cor e aderência à vida real.
Esse exercício DE/PARA propiciado pelas calculadoras é, dessa forma, excelente para
evidenciar em números o que, de outra forma, seria complexo de compreender. A
Reforma Tributária, que afeta a base econômica de qualquer transação, não é um
assunto que possa ser ignorado por fornecedores, clientes ou concorrentes. A
simulação numérica é o despertador que transforma uma questão técnica em uma
questão essencial de sobrevivência e competitividade para o negócio, forçando os
administradores a encarar os impactos da mudança na sua linha de receitas e
despesas.
As Armadilhas da Simulação: Premissas, Regulação e Variáveis
Contudo, por mais valiosa que seja para dar visibilidade aos efeitos da reforma, a
calculadora fornecem apenas simulações. A premissa de que a operação da empresa
continuará exatamente como é hoje é um ponto de partida útil, mas ingênuo para a
estratégia de longo prazo.
As simulações podem ser algo limitadas por fatores cruciais, e seus resultados devem
ser tomados como um início, não a solução final para o planejamento da empresa.
Afinal, entre outros pontos, vale recordar:
- Regulamentação Incompleta: Acreditamos que 90% das regras estão postas. Não
temos as alíquotas de referência ainda, mas podemos trabalhar com premissas
conservadoras. Ainda assim, é fato que a Reforma Tributária ainda depende da edição
de ao menos uma valiosa Lei Complementar e de um vasto aparato regulatório.
Premissas fundamentais, como alíquotas definitivas e regimes específicos de
transição ou de tributação, ainda estarão sujeitas a alterações legislativas ou a
interpretações subsequentes. - Variáveis Internas e Externas: O resultado fiscal de uma empresa não é estático. A
simulação atual não pode prever cenários de segunda ordem que serão
desencadeados pela própria reforma: - Mudança no mix de produtos/serviços: O que era marginalmente lucrativo pode se
tornar central, ou vice-versa, sob as novas regras. - Reengenharia da Cadeia de Suprimentos: A otimização da logística e do sourcing
para minimizar o spread entre o imposto pago e o imposto devido (o chamado “cash-
flow” do crédito) pode ser decisiva. - Revisão de Preços de Transferência e Commodities : O impacto do IBS/CBS na
cadeia de valor de grandes grupos econômicos. - Reação de Concorrentes: Como os players do mercado irão reagir e ajustar seus
preços?
A utilidade estratégica da calculadora, portanto, é a de ponto de partida . Ela permite
imprimir urgência para o tema, conscientizar os stakeholders, possibilita aos
administradores projetar cenários futuros, estabelecer limites para investimentos (
payback esperado) e dar o pontapé inicial para a reestruturação.
Da Ferramenta à Estratégia: O Papel dos Decisores e Assessores
De nada adianta uma ferramenta sofisticada gerando gráficos e relatórios se não
houver o envolvimento interessado dos decisores e de times internos multidisciplinares
. A reforma tributária não é um problema apenas do time Fiscal ou Contábil; ela afeta
todos, em especial:
•Vendas/Comercial: Estrutura de preços e negociação com clientes.
• Suprimentos/Logística: Escolha de fornecedores e localização de centros de
distribuição (impacto do destino ).
• Jurídico: Revisão de contratos de longo prazo, cláusulas de repasse tributário e
due diligence em fusões e aquisições.
A inteligência estratégica é agregada quando as simulações se tornam a base para o
diálogo de gestão sobre o futuro do negócio. É nesse ponto que a experiência de
craques no negócio e na legislação tributária, sejam eles do time interno ou
assessores externos especializados, se torna um diferencial. Eles não só auxiliam na
calibração das premissas regulatórias, como também trazem o benchmark de mercado
, ajudando a antecipar como o setor como um todo pode reagir.
Muito provavelmente, o trabalho que se inicia agora, com o compliance na emissão de
documentos fiscais no período de teste da reforma, amadurecerá para um
planejamento profundo, onde as calculadoras terão seu papel, mas se estenderá em
uma cauda longa de demandas, provavelmente avançando durante os anos de
transição, cada uma delas provavelmente demandando times e projetos individuais,
com objetivos e encadeamento adequados. As calculadoras permitirão, por exemplo,
simular preços novos nos solavancos principais da transição (mudanças de tributos
em 2027 e de 2029 a 2033), mas por mais avançada que seja a máquina o piloto
adequado precisa estar preparado para explorar esses atributos.
Direto ao ponto: A validade e o valor das calculadoras da reforma tributária são
inquestionáveis para quantificar e visualizar o impacto fiscal em bases reais. No
entanto, a alta administração não pode delegar o processo de adaptação à mera
tecnologia ou ferramentas, por mais didáticas e impressionantes que pareçam. A
chave do sucesso está na transição da simulação para a estratégia: o envolvimento
efetivo e multidisciplinar dos stakeholders internos, suportado pelo conhecimento de
assessores externos, é o que permitirá agregar inteligência aos cenários, definir as
ações de segunda ordem e tomar decisões cruciais antes que o custo da inércia se
torne alto demais para a saúde e competitividade do negócio.


