Direto ao ponto: Aguarda-se para o fim de dezembro a promulgação da nova Lei de Recuperação Judicial, trazendo importantes mudanças discutidas no âmbito Projeto de Lei 4.458/2020 e aprovadas pelo Congresso Nacional. Justamente por conta de o foco da norma ser a recuperação de empresas que passam por dificuldades financeiras, efeitos tributários foram previstos, com sensível avanço em relação ao texto de quinze anos atrás, mas deixando importantes aspectos não resolvidos.
Contexto: uma lei para recuperar empresas, mais importante do que nunca.
Ainda no início da crise deste ano, quando todos discutiam sua duração e a velocidade de recuperação da economia, negócios corriam para se reinventar e criar provisões para o pior (cash is king!). A agenda das lideranças desses empreendimentos era praticamente tomada pela análise de diversos cenários de risco, que muitas vezes passava pela possibilidade de se buscar uma recuperação judicial ou extrajudicial – procedimento em que devedores e credores buscam entrar em um acordo, com ou sem a intervenção da Justiça, negociando alternativas para a empresa em dificuldades continuar a funcionar (via de regra, descontos e prazo para pagamento de obrigações).
Passados dez meses de tempestade, os sobreviventes podem vir a ter novas regras para permitir o conserto de suas embarcações: a modificação da lei que, ao contrário do que seu antigo nome (“lei de falências”) faz supor, é feita para salvar empresas, algo especialmente importante neste momento. O Projeto de Lei 4.458 foi recentemente aprovado no Congresso e aguarda-se a sanção ou veto presidencial até o Natal deste ano.
O projeto em questão, convergência de outros anteriormente apresentados e muito discutidos, altera não apenas a já antiga lei de recuperação de empresas (Lei 11.101, de 2005) mas também a Lei 10.522, de 2002, que se refere à cobrança de tributos federais, entre outras normas. Seu principal objetivo declarado é o de acelerar a conclusão do processo, havendo importantes impactos na seara tributária, adiante resumidos.
Resumo das novidades da Nova Lei de Recuperação Judicial (fruto do Projeto de Lei 4.458/2020)
Não aplicação da trava de prejuízos em ganhos de capital: Sobre o ganho de capital na alienação de ativos (bens ou direitos – filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor e ativo permanente), a pessoa jurídica pode aproveitar prejuízos ficais para abatimento total dos lucros obtidos pela sociedade sem a limitação da “trava dos 30%”, prevista pela Lei 9.065/1995.
“Haircut” sem PIS/COFINS e sem a trava de prejuízos: As receitas decorrentes de perdão de dívidas (haircut) decorrentes da renegociação de dívidas não serão computadas na base de cálculo de PIS/Cofins. Essas receitas, no entanto, compõem a base de cálculo para o IR/CS, cuja compensação com prejuízos fiscais pode ocorrer sem a “trava do 30%”.
Novo parcelamento em 10 anos: Deferido o processamento da recuperação judicial, as dívidas com a Fazenda Nacional, constituídas ou não, inscritas e dívida ativa ou não, de natureza tributária ou não tributária, poderão ser parceladas em até 120 meses. Em relação a débitos administrados pela RFB há possibilidade de abatimento de até 30% com prejuízos fiscais. Adicionalmente, se o devedor optar por incluir débitos em discussão administrativa ou judicial nessas modalidades de parcelamento, deverá comprovar a desistência de impugnações, recursos e ações judiciais, conforme o caso, bem como a renúncia quanto às alegações de direito correspondentes (procedimento de praxe nos casos de Refis).
Prazo e descontos via acordo (transação) com a PGFN: A nova lei possibilita a transação de débitos tributários inscritos em dívida ativa. O devedor em recuperação judicial deve apresentar proposta de transação tributária à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Dessa forma, a empresa devedora poderá propor a liquidação de seus débitos fiscais inscritos em dívida ativa em até 120 meses, com limite máximo de 70% de reduções. A apresentação da proposta suspenderá o andamento das execuções fiscais. Para admitir a proposta, a PGFN deverá considerar princípios como o da isonomia; capacidade contributiva; preservação da atividade empresarial; razoável duração dos processos e outros, além de se pautar por parâmetros como a recuperabilidade do crédito e proporção entre passivo fiscal e total das dívidas da sociedade.
Direto ao ponto: após anos de embate entre os juízos da recuperação e o de execuções fiscais, a nova lei de recuperação de empresas busca aproximar o fisco da renegociação financeira a que se sujeitam os credores comuns da entidade, sem equipará-los, contudo. Há avanços no que se refere ao prazo de parcelamento das dívidas, uso de prejuízos acumulados e até negociação de descontos com a Procuradoria (transação), mas ainda ficaram sem ser atendidas demandas importantes do mercado, como as pertinentes ao tratamento fiscal do haircut (que melhorou, mas persiste sendo injustamente tributado). Na seara tributária, de qualquer forma, a nova lei parece mais ajudar do que atrapalhar, reduzindo custos para a equalização de um plano que tem por finalidade última a manutenção a longo prazo de empregos, produção e mesmo arrecadação. A manutenção dos compromissos assumidos pelo recuperando perante o Fisco fica ainda mais atrelada à sobrevivência do plano, contudo.