Direto ao Ponto: a declaração da inconstitucionalidade das leis ordinárias editadas pelos estados para cobrança do ITCMD sobre a doação e herança de bens e direitos advindos do exterior em conjunto com o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 67 criou um “vácuo” de 12 meses no qual o referido imposto não poderá ser exigido, gerando um cenário altamente favorável para a realização de planejamentos sucessórios e patrimoniais que envolvam ativos no exterior.
A Constituição Federal em seu art. 155, I e §1º, III, “a” e “b”, instituiu a exigência de edição de Lei Complementar que regulamente a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) nas operações de sucessão ou de doação em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou em que o falecido possuía bens, era residente ou teve o seu inventário processado no exterior. Assim, somente há que se falar na cobrança do ITCMD naquelas hipóteses, se editada Lei Complementar que, previamente, regulamente o tema. Foi essa a decisão do STF por ocasião do julgamento do Tema 825, tendo-se fixado a seguinte tese:
“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”
Recapitulando
O Plenário do STF foi chamado a se manifestar sobre a “possibilidade de os Estados-membro fazerem uso de sua competência legislativa plena, com fulcro no art. 24, §3º, da Constituição e no art. 34, §3º, do ADCT, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação de quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, nas hipóteses previstas no art. 155, §1º, III, a e b, da Lei Maior” (Tema 825), por ocasião do reconhecimento da repercussão geral da matéria veiculada pelo Recurso Extraordinário nº 851.108.
Isso porque diversos estados da federação, valendo-se do art. 24, §3º, da Constituição Federal, que estabelece a competência para legislarem sobre direito tributário ante a inexistência de lei federal fixando normas gerais sobre dado tema, promoveram a edição de leis instituindo a cobrança do ITCMD naquelas hipóteses de doador, falecido ou bens do falecido no exterior.
Como já se adiantou, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados não possuem competência para tal imposição tributária enquanto não editada lei complementar autorizando-os a tanto. Os efeitos da decisão, todavia, foram modulados de forma a não impor aos Estados perdas bilionárias com as possíveis devoluções dos montantes pagos indevidamente pelos contribuintes desde a edição das legislações estaduais inconstitucionais.
Perda Arrecadatória pelos Estados
No entanto, em que pese a modulação dos efeitos da decisão proferida por ocasião do julgamento do Tema 825, os estados perderam arrecadação, a partir de abril de 2021, num cenário de profunda crise econômica, quando deixaram de poder exigir o ITCMD sobre doações realizadas por domiciliados no exterior ou sobre heranças de falecidos ou de bens localizados no exterior.
Assim, em uma tentativa de pressionar o Congresso para a regulamentação do imposto, editando-se a Lei Complementar necessária para tanto, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 67 que veio a ser julgada procedente, estabelecendo o prazo de um ano, a partir de 09.06.2022, para que Congresso “adote medidas necessárias para suprir a omissão”.
Vem aí um novo ITCMD
Nesse contexto, tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados três projetos de lei (PLP) sobre o assunto: (i) o PLP 363/2013, que dispõe apenas sobre a competência de instituição e cobrança do ITCMD nas operações de doação e sucessão causa mortis envolvendo ativos ou partes (doador ou falecido) no exterior; (ii) o PLP 37/2021, que delimita a competência dos estados e do Distrito Federal para a instituição do ITCMD, adentrando nas hipóteses previstas no inciso III do §1º do art. 155 da Constituição Federal, quais sejam, a transmissão causa mortis e doação nas hipóteses em que o doador tiver domicílio no exterior, ou o de cujus possuísse bens móveis, fosse residente ou domiciliado ou tenha seu inventário processado no exterior; e, por último, (iii) o PLP 67/2021, que discute de forma mais ampla e profunda as normas gerais do ITCMD, com ênfase sobre os fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes, lançamento, crédito, prescrição e decadência, entre outras disposições.
É importante dizer que, relativamente às hipóteses de incidência em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, não há qualquer menção em nenhum daqueles PLPs da possibilidade de compensação do imposto que passaria a ser legitimamente exigido pelos estados com aquele que eventualmente tenha sido recolhido no exterior sobre o mesmo fato gerador, o que, certamente, poderá gerar situações de dupla tributação.
Em que pese os PLPs de números 37 e 67 sejam mais recentes, datando de 2021, foram apensados ao mais antigo (PLP 363/2013) que, desde setembro de 2017, está em termos para ser levado à votação pelo Plenário da Câmara. Assim, inobstante tramitarem sob o regime de prioridade, depende-se, atualmente, da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados colocar os PLPs em votação, o que deveria ocorrer dentro daquele prazo de 12 meses fixado pelo STF na ADO 67.
No entanto, considerando-se o atual cenário político em que há um grande jogo de forças entre os Poderes Legislativo e Judiciário, é possível que o Congresso Nacional não se curve à decisão do STF, sob forma de repúdio a qualquer intervenção no processo de produção de Leis. Essa possibilidade é aventada diante da inexistência de previsão de imposição de qualquer tipo de penalidade aos congressistas que não cumprirem o quanto ordenado pelo STF, ou seja, se não colocarem aqueles PLPs para votação em Plenário até junho de 2023.
Oportunidade
Em meio às incertezas que transpassam o tema, é importante destacar que o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis estaduais que antes existiam e que exigiam o ITCMD sobre operações envolvendo patrimônio estrangeiro e a fixação de prazo limite para que o Congresso Nacional regule essas situações, nos termos do que decidido pelo STF na ADO 67, criaram um temporário “vácuo” caracterizado pela ausência de legislação e consequentemente cobrança do ITCMD sobre doações realizadas por domiciliados no exterior ou heranças deixadas no ou por domiciliados no exterior, terminando por gerar um cenário favorável para a realização de planejamentos sucessórios ou patrimoniais aproveitando-se tal lapso temporal, tendo em vista a impossibilidade de exigência do imposto até a edição de lei complementar.
Apesar do cenário favorável, o planejamento patrimonial ou sucessório compreende diversas etapas complexas para a sua concretização, de modo que sua realização não deve ser postergada, como forma de garantir o completo aproveitamento do período de impossibilidade de cobrança do ITCMD sobre o patrimônio estrangeiro.
Vejam que, a princípio, o contribuinte também teria aquele mesmo prazo de 12 meses, que se encerrará em junho de 2023, para percorrer todas as etapas do planejamento, destacando-se a:
- compreensão das necessidades, desejos e do patrimônio do titular;
- identificação dos direitos dos beneficiários (legais ou voluntários);
- realização do planejamento, propriamente dito, por meio da definição de estratégias e de quais serão os instrumentos utilizados para viabilizá-la;
- e efetiva concretização do instrumento selecionado, podendo ser feito por meio de: testamentos, holdings internacionais, constituição de companhias offshore, trusts, fundos de investimentos, joint tenancy with rights of survivorship, dentre outros.
Ultrapassado o período de vácuo para o qual chamamos atenção nesse artigo, a realização do mesmo planejamento sucessório e patrimonial ficará mais cara diante do provável aumento da tributação – e até mesmo da possibilidade de dupla tributação – das doações realizadas por domiciliados no exterior e da sucessão causa mortis de patrimônio de falecidos domiciliados no exterior ou cujo patrimônio se localize em território estrangeiro.
Novo Contencioso
A urgência do planejamento patrimonial e sucessório se impõem também pela possibilidade de os estados, no caso da contínua inércia do Congresso Nacional, após aqueles 12 meses fixados pelo STF na ADO 67, voltarem a editar lei para exigência do ITCMD das operações envolvendo ativos no exterior.
A declaração da inconstitucionalidade da omissão reiterada do Congresso Nacional poderia levar os estados a entender pelo seu direito a lançar mão de sua competência tributária plena para fins de regulamentação do ITCMD nas hipóteses em Lei Complementar não o tenha feito.
Certamente estaríamos em um ambiente que favorece o surgimento de um novo contencioso judicial para o questionamento da constitucionalidade das novas leis estaduais editadas para a regulamentação da matéria.
Entendemos que, inobstante a decisão do STF na ADO 67, as legislações estaduais não estão autorizadas a extrapolar os limites constitucionais de sua competência tributária. O ITCMD sobre ativos no exterior é temática que, como mencionado, pode gerar conflitos de competência entre nações e estados brasileiros, razão pela qual se impõe, necessariamente, a edição de Lei Complementar pelo Congresso que detém maior capacidade de promover um debate político sobre os critérios de fixação das normas gerais de competência tributária, evitando-se conflitos futuros de competência e o risco da bitributação.
Ponto Final: a decisão do STF na ADO 67 estabeleceu o prazo de 12 meses para o Congresso Nacional editar lei complementar regulamentando a incidência do ITCMD sobre doações realizadas por domiciliados no exterior ou sucessão de patrimônio no ou do domiciliado (falecido) no exterior. Se aprovados os PLPs que tramitam no Congresso Nacional, a consequência primeira será o aumento da carga tributária sobre essas operações, existindo ainda o risco de dupla tributação, o que impõe urgência da realização de planejamentos patrimoniais e sucessórios. A Corte Suprema não fixou nenhuma consequência para o eventual descumprimento daquele prazo pelo Legislativo, potencializando o risco da edição de novas legislações estaduais sobre a matéria, o que acarretaria, igualmente, o aumento da carga tributária sobre as operações em questão, além de um novo contencioso sobre a constitucionalidade das leis que vierem a ser editadas. Em um cenário ou em outro, o melhor momento para a realização do planejamento patrimonial e sucessório é agora!