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Difal 2022: um caso perdido diante da imparcialidade dos Tribunais de Justiça?

Direto ao Ponto: interessa ao contribuinte entender como pagar corretamente o Difal, a partir da nova sistemática de exigência do imposto instituído pela LC 190 e posteriores regulamentações estaduais (aqui), e como recuperar o que será pago indevidamente em 2022, haja vista a imoralidade e imparcialidade com que têm agido os Tribunais de Justiça ao revogar, com fundamento em convicções pessoais e argumentos econômicos, liminares que afastavam tal exigência com base em argumentos jurídicos.

Recentemente foi noticiada a derrubada de centenas de liminares que suspendiam a cobrança imediata, nesse ano de 2022 ou, quando menos, nos seus três primeiros meses, do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS.

A discussão tributária sobre o Difal tem origem no julgamento do Tema 1.093 em repercussão geral pelo STF que decidiu que o diferencial do ICMS somente poderia ser cobrado pelos Estado após a edição de Lei Complementar (LC) que instituísse as matrizes para tanto, tal qual obriga a Constituição Federal (CF/88).

No entanto, ao contrário do que se esperava, o Congresso Nacional demorou a sair em socorro dos Estados, editando a LC 190 somente em 20.12.2021. Não bastasse a falta do senso de urgência do Legislativo, o Executivo, em virtude das férias presidenciais, atrasou a sanção e publicação da Lei Complementar que veio a acontecer somente em 05 de janeiro de 2022.

Cinco dias separam a possibilidade de os Estados cobrarem ou não o Difal em 2022. Isso porque a criação e a majoração de tributos devem atender aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, previstos constitucionalmente.

Para sermos mais exatos, de acordo com o art. 150 da Constituição Federal, é assegurado ao contribuinte a “não-surpresa” no que se refere à majoração de tributo já existente ou à instituição de novo. Nesse sentido, a CF/88 fixa a regra de que só poderá ser exigido um determinado tributo no exercício seguinte ao de sua criação ou majoração e desde que transcorrido, pelo menos, 90 dias da data de sua publicação.

A atual discussão JURÍDICA entre Fiscos estaduais e contribuintes gira em torno da natureza do Difal, se se trata de tributo novo, de tributo (pré-existente) majorado, ou nem um, nem outro, mas sim mera técnica de distribuição de recursos arrecadados (ICMS) quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados. A partir da definição da natureza do Difal, será possível apontar a necessidade, ou não, da observância das anterioridades anual e nonagesimal. Repito: essa é a discussão jurídica trazida ao Judiciário decorrente da edição da LC 190.

O que vimos foi uma corrida dos contribuintes ao Judiciário e a obtenção de inúmeras liminares, em primeira instância. As liminares garantiam aos contribuintes o recolhimento do Difal somente a partir de 2023, sob diferentes argumentos que variam desde (i) o entendimento de que a LC 190, ao definir a forma de cálculo do ICMS nas operações interestaduais, equivaleria a aumento de tributo exigindo a observância das anteriores nonagesimal e anual; até (ii) o fato de alguns Estados, que editaram Lei para exigência do Difal ainda em 2022, terem inobservado a anualidade e a noventena para tal exigência, prazos esses que somente poderiam ser contados a partir da publicação da Lei Complementar.

No entanto, e agora entramos no cerne desse artigo, essas centenas de liminares concedidas vêm sendo derrubadas pelos Tribunais de Justiça dos principais Estados brasileiros, sob um mesmo argumento que nos parecer fugir da tecnicidade e imparcialidade esperados de um Tribunal: o risco de lesão à economia dos Estados decorrente do efeito multiplicador das liminares.

A imparcialidade do Juiz é pressuposto de validade do processo e, dada sua importância, consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo X:

“Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”

Objetivando garantir essa imparcialidade, evitando-se o tratamento privilegiado de uma parte em detrimento da outra, é que devemos nos apresentar combativos contra o ativismo judiciário. Sobra ao contribuinte apenas a fé no Supremo Tribunal Federal e, para alcançá-lo, a contínua impetração de mandados de segurança e a interposição de custosos recursos.

Colocarmo-nos contra o ativismo judiciário, significa buscar seja o juiz imparcial, que não tenha interesse no objeto do processo, nem queira favorecer uma das partes, proferindo, assim, uma sentença justa, dando razão àquela parte cujos atos encontram amparo no ordenamento jurídico vigente. Deve vencer aquele que tem razão perante a lei!

Para que o juiz possa agir com tamanha isenção, exercendo o seu papel de fiel da balança, deve se manter ausente de qualquer vínculo com as partes ou com o objeto da lide. De acordo com o Código de Ética da Magistratura, artigo 8º, “o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Não se espera que o magistrado seja neutro. Como ser humano terá sua compreensão do mundo, sua visão da realidade. No entanto, independentemente de suas convicções de toda sorte (econômicas, políticas, religiosas, sociais), o juiz deve se colocar imparcial, sob pena de corromper a jurisdição, atuando para o resultado que lhe convém ou que convém àquelas suas convicções.

Juiz não é parceiro da União, dos Estados ou dos Municípios. O Judiciário não é instituição arrecadadora. O Judiciário não age para consertar os atrasos ou os erros do Legislativo e do Executivo. O Judiciário age para aplicar a lei, estando sujeito a ela. A sujeição à lei, além de ser pilar do Estado Democrático de Direito, é para o povo e também para todos os Poderes, inclusive para o Judiciário, cujos magistrados, portanto, não podem agir com arbítrio.

O efeito multiplicador das liminares que obstavam a cobrança do Difal em 2022 foi tomado de empréstimo da seara econômica pelos Tribunais Estaduais porque sequer consta codificado pelo Direito. Por efeito multiplicador daquelas liminares entende-se a multiplicação de seus efeitos que passam atingir não apenas o bolso do particular, enquanto contribuinte, mas também as contas públicas estaduais e, a título de exemplo, todos os serviços públicos aos quais se faz frente com aquele caixa.

No entanto, suprir uma eventual falta de caixa dos Estados ou reorganizar as contas estatais não é função do Judiciário! Não cabe aos Tribunais de Justiça remendar o atraso na edição da LC 190 por meio de decisões proferidas de acordo com as convicções político-econômicas dos magistrados, baseadas em argumentos de natureza econômica. 

Esperava-se do Judiciário decisões fundamentadas na análise imparcial do direito posto por ambas as partes. No entanto, as questões jurídicas trazidas à baila pelo contribuinte sequer restam analisadas, ao menos não pelos Tribunais de Justiça Estaduais, restando aos contribuintes aguardar o pronunciamento final do STF, desembolsando caixa ao longo de todo um ano para pagamento do Difal indevido para, então, depois de anos de batalha judicial, recuperar o indébito tributário.

Ponto final: As decisões dos Tribunais de Justiça estão sugerindo que se encham os cofres públicos à luz da inconstitucionalidade do diferencial do ICMS exigido em 2022. Caem por terra os pilares da democracia, afinal não vence aquele que tem razão perante a lei, vence aquele que demonstra maior prejuízo financeiro ao magistrado que age, agora, como fiel da balança bancária e não mais da Justiça. Cabe ao contribuinte e, especialmente, aos seus advogados permanecerem combativos, impetrando mandados de segurança contra os atos ilegítimos de cobrança dos Estados (e, vejam, há prazo prescricional para tanto!) e levando os – infelizmente – necessários recursos ao Supremo Tribunal Federal, esperando que este Tribunal, enquanto guardião da Constituição, faça, ao fim do dia, Justiça e autorize a recuperação de todo o Difal pago indevidamente durante esse ano de 2022.