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Contrato de conta corrente entre coligadas e o IOF: no CARF e no Judiciário

Direto ao Ponto: Trata-se de tema extremamente relevante para grupos econômicos, visto que os contratos de conta corrente entre partes ligadas atraem risco de exigência de IOF sobre as operações de crédito, em que pese o CARF e o Judiciário comecem a colocar certa luz sobre a natureza desse arranjo afastando a exigência do imposto.

Inicialmente impõe-se esclarecer a natureza do contrato de conta corrente entre partes ligadas, que encontra amparo legal na Lei nº 7.357/85, em seu art. 4º, parágrafo 2º, “b”. Trata-se de contrato tácito entre as partes que se caracteriza por diversos recebimentos e cessões de prestações de diversas naturezas entre as partes, podendo haver, periodicamente, a apuração de saldo devedor a quem de direito, credora que não pode ser identificada ou determinada no momento inicial das transações.

Essas transações, vale dizer, são controladas através de registros em contas contábeis próprias. Nessas contas contábeis registram-se, mutuamente, créditos e débitos, os quais decorrem de transferências efetuadas pelas partes ligadas. Vale esclarecer que não necessariamente são remetidos fundos de uma parte a outra. 

Haja vista que ocorre espécie de centralização de caixa das partes ligadas, as movimentações financeiras são fictas e podem se dar, por exemplo, na forma de quitação de obrigação de uma por outra.

Ademais, também não é praxe que haja qualquer ajuste ou acordo entre as partes acerca da quitação do saldo credor ou de eventuais acréscimos remuneratórios ou moratórios que devam a ele ser acrescidos.

Fica claro o fato de estar-se diante de contrato atípico de conta corrente entre partes ligadas.

Havendo liquidação daquelas mencionadas contas contábeis que estruturam o contrato de conta corrente entre partes ligadas, é possível supor dois cenários: o primeiro, de empate entre créditos e débitos registrados pelas partes, não havendo que se falar em posição credora ou devedora; e o segundo, apontando tais figuras de credor e devedor, haja vista uma das partes – credora – ter disponibilizado recursos financeiros em maior volume à outra no período de existência daquelas contas contábeis.

Vejam, portanto, que há um fluxo bilateral de valores entre as pessoas jurídicas envolvidas nas operações de conta corrente, o que impossibilita, no início dessa cadeira, indicar posição credora ou devedora.

No entanto, é justamente esse fluxo financeiro do conta corrente que vem sendo interpretado pelas autoridades fazendárias como mútuos entres as partes ligadas, sob o argumento de que o mútuo é pressuposto primeiro da própria existência do contrato de conta corrente.

Todavia, contrato de mútuo é contrato típico, cujas características estão fixadas pelo Código Civil em seu art. 586, as quais consistem no empréstimo de coisas fungíveis, que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, por meio do qual o devedor obriga-se a restituir ao credor o que dele recebeu, em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Destaque-se das características do contrato de mútuo (i) a necessidade de que haja devolução da coisa objeto do empréstimo; e (ii) que a coisa restituída seja da mesma espécie da emprestada.

Ambas as características não se verificam no contrato de conta corrente. Como se mencionou, não necessariamente há a liquidação das contas de registro contábil com a apuração de saldo credor por uma das partes envolvidas; os recebimentos e cessões havidas não necessariamente acontecem em espécie, razão pela qual não se poderia presumir da devolução do objeto do empréstimo dentro da mesma espécie da coisa emprestada; e, por fim, em função do fluxo bilateral de recursos, não se poderia apontar credor e devedor.

Em que pese a clara diferenciação do contrato de mútuo daquele de conta corrente, a 3ª Seção do CARF tem jurisprudência unificada (acórdãos nos 9303-005.583, 9303-009.257, 9303-009.884, 9303-009.885), no sentido de que o contrato de conta corrente pressupõe, necessariamente, a tomada de um crédito, esta sujeita ao IOF, independentemente de consubstanciar-se em mútuo.

Referido entendimento administrativo dominante, inobstante apontar para a necessária diferenciação entre conta corrente e mútuo, mantém a exigência do IOF sob o argumento de que o imposto incide sobre o crédito e não sobre o mútuo.

Não se sustenta tal afirmação pela simples leitura do art. 13 da Lei nº 9.779/99:

“Art. 13. As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.”

A hipótese incidência delineada na Lei pressupõe a ocorrência de operação de crédito correspondente a contrato de mútuo. Daí resulta indispensável que essa operação de crédito não seja operação de crédito qualquer, mas tão somente aquelas que correspondam a mútuo nos exatos termos em que delineado pelo Código Civil.

A Lei não se utiliza de palavras dispensáveis! Assim, se contrato de conta corrente não se adequa a mútuo não haveria que se falar em incidência de IOF. É necessário, portanto, que os contribuintes analisem com grano salis as operações com entidades ligadas, oferecendo à tributação pelo IOF exclusivamente aquelas que como mútuo se revestirem (CARF, Acórdão 1201-003.844). 

Isso porque, apesar da posição consolidada do CARF em torno do tema, e que eventualmente poderia ser alterada com o fim do voto de qualidade, como se tem observado em outros assuntos a revisão da jurisprudência administrativa, permanece ainda uma possível discussão na esfera judicial, em especial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A matéria em questão teria sido – de certa forma – apreciada pelo STJ nos idos de 2011, nos autos do Recurso Especial 1.239.101/RJ, no qual ficou decidido que o IOF incide sobre as operações realizadas ao abrigo de contrato de conta corrente entre empresas coligadas. A ementa do acórdão menciona textualmente que “no contexto do fato gerador do tributo [IOF] devem ser compreendidas também as operações realizadas ao abrigo de contrato de conta corrente entre empresas coligadas com a previsão de concessão de crédito.

Salta aos olhos o fato de que o caso fático analisado tratava de contratos de conta corrente que pressupunham a concessão de crédito por ocasião da operação inaugural. Havia efetiva disponibilização de crédito à contratante com a obrigação de pagamento do valor sacado em prazo determinado, bem diferente do que se costuma ver dos habituais contratos de conta corrente entre partes ligadas nos termos descritos no início desse artigo. 

Certamente, as inúmeras decisões administrativas desfavoráveis que vem sendo proferidas sobre o assunto, levarão o tema a uma nova apreciação pelo STJ, que poderá fazê-lo desde que realizado o distinguish desses novos casos daquela já analisado pela Corte.

As características peculiares de um contrato de conta corrente entre partes ligadas e que não envolva qualquer abertura de crédito poderão levar o STJ a uma decisão diferente daquela de 2011, levando a um overruling.

Direto ao ponto: Os contribuintes devem revisitar suas operações com empresas ligadas, segregando o que envolva a concessão de crédito, caracterizando mútuo, de contrato de conta corrente em que há fluxo de recursos bilateralmente, sem a obrigação de devolução de saldo, operações essas sobre as quais pode não incidir IOF e que, portanto, poderiam ser levadas à análise do Judiciário para chancela.

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