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Caso Janssen (Johnson & Johnson): regras de preço de transferência nos juros inbound decorrentes demútuo ativo com pessoa vinculada – antes e depois das Leis n. 12.715/12 e 12.766/12

Celso Araújo Santos[1]
Leonardo Freitas de Moraes e Castro[2]

1. Introdução

Uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) do Ministério da Fazenda noticiada pelo Jornal Valor Econômico[3] envolvendo uma sociedade do grupo Johnson & Johnson (notadamente a Janssen Cilag Farmacêutica Ltda. – “Janssen”) chama a atenção para a aplicação das regras de preços de transferência nos empréstimos contratados entre partes vinculadas (i.e., controladora e controlada) no Brasil, onde a tomadora (devedora) é sociedade não-residente e a credora é sociedade brasileira (contrato conhecido como “mútuo ativo”) e, portanto, a última recebe juros em razão do referido mútuo de dinheiro.

Como será melhor explicado no decorrer desse trabalho, no caso analisado o contribuinte emprestou, com juros, uma quantia em dinheiro para sua controladora nos EUA. De acordo com o entendimento da Receita Federal do Brasil, essa operação deve sofrer a aplicação de regras de preço de transferência previstas na Lei nº 9.430/96, que estabelece uma taxa mínima de juros nos contratos com pessoa vinculada. Isso porque juros demasiadamente baixos significam, em última análise, menor receita para a controlada, culminando em menor montante de renda que, por sua vez, implica em uma menor base de cálculo para fins do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSSL”). Evita-se, neste caso, por meio do controle dos preços de transferência, a alocação de renda do grupo econômico para a controladora no exterior, e a conseqüente redução da arrecadação dos tributos federais em comento para os cofres públicos brasileiros.

No entanto, a decisão proferida pela 3ª Turma do CARF entendeu que as regras de preço de transferência brasileiras foram obedecidas pelo contribuinte no caso em questão, ao contrário do que entenderam as Autoridades Fiscais (a decisão ainda pode ser reformada em instância superior, haja vista ter sido interposto recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais – “CSRF”). Antes de examinarmos as razões que embasaram a referida decisão, entendemos necessária uma breve explicação sobre o funcionamento dos preços de transferência no direito brasileiro, especialmente no que tange ao controle dos juros decorrentes de contratos de mútuo.

2. Considerações preliminares sobre as regras de preços de transferência

Inicialmente, convém apontar que entende-se por “preços de transferência”, resumidamente, os preços cobrados nos negócios jurídicos realizados entre “pessoas vinculadas”, isto é, partes relacionadas que não estão transacionando livremente no mercado. As pessoas vinculadas são normalmente pessoas, físicas e jurídicas, que possuem certo grau de influência, jurídica ou econômica, umas nas outras.

As transações entre partes ou pessoas vinculadas, por não serem livremente pactuadas, podem ter preços fixados de forma artificial, que não reflitam o real valor econômico do negócio no mercado. Visando coibir efeitos deletérios para a arrecadação, foram desenvolvidas regras fiscais para controle dos preços de transferência.

Vejamos a definição conferida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), presente no OECD Transfer Pricing Guidelines[4]:

“Quando empresas independentes negociam entre si, as condições de suas relações comerciais e financeiras (i.e., preço de produtos vendidos ou serviços prestados e as condições da transferência ou prestação) ordinariamente são determinadas por forças de mercado. Quando sociedades consideradas “pessoas vinculadas” (ou “empresas associadas” ou “partes relacionadas”) negociam entre si, realizando negócios jurídicos, suas relações comerciais e financeiras podem não ser diretamente afetadas da mesma forma por forças externas de mercado, embora partes relacionadas possam reproduzir a dinâmica das forças de mercado nas negociações entre elas.

Desde já, deve-se ressaltar que essas regras, a princípio, não vedam a realização desses negócios, e nem impõem preços e condições às partes. A liberdade de contratar, decorrente do princípio da autonomia da vontade, permanece incólume, já que apenas as normas de preços de transferência incidem apenas sobre os efeitos fiscais das operações, e não sobre o contrato em si. Assim, as regras de preço de transferência estabelecem o preço “para fins fiscais”, quando houver uma transação econômica (i.e., tais como compra e venda de bens, mútuo, prestação de serviços e cessão de direitos e demais operações com intangíveis).

É importante ter em mente que a necessidade de promover ajustes para aproximar das negociações sem interferência (arm’s length dealings) nascem desvinculadas de qualquer obrigação contratual assumida pelas partes para pagar um preço em particular, ou de qualquer intenção das partes em minimizar tributos. Assim, um ajuste tributário sob o princípio do arm’s length (preço praticado por terceiros, preço entre partes não-relacionadas ou preço sem interferência das partes contratantes) não deve afetar as obrigações contratuais subjacentes, de natureza não tributária, realizadas entre as partes relacionadas, podendo ser apropriados mesmo em casos em que inexista intenção de minimizar ou evitar a tributação da renda.

Note-se que as administrações tributárias não devem, automaticamente, assumir que partes relacionadas buscam manipular seus preços e realocar seus lucros entre si. Pode haver uma genuína dificuldade em determinar de forma acurada um preço de mercado em face da ausência de forças de mercado ou quando adotada uma particular estratégia comercial. Nesse sentido, a consideração do preço de transferência não deve ser confundida com a consideração de problemas de evasão fiscal ou elisão fiscal, embora políticas de preços de transferência possam ser usadas para esse propósito.

Destarte, a busca do padrão arm’s length parte da premissa básica no sentido de que preços praticados em transações entre partes relacionadas devem ser calculados sob a presunção de quais preços poderiam ter sido cobrados entre partes não relacionadas para o mesmo ou similar produto, serviço, intangível ou transação financeira, sob as mesmas circunstâncias. É dizer que, de certa forma, nas relações econômicas entre partes relacionadas, para que se verifique a mão invisível[5] (eficiência do livre mercado), as partes devem estar à distância de um braço (princípio do arm’s length), para que sejam consideradas como não-próximas, isto é, partes desvinculadas estão à uma distância mínima de um braço, distância mínima tanto para estender a mão como para sacar uma arma, metáfora que denota ausência de proximidade entre o adquirente e o vendedor/prestador na transação econômica.

Embora no Brasil a doutrina ainda não tenha sedimentado uma tradução para tal princípio, em Portugal são utilizadas as expressões “princípio da independência das sociedades”[6] ou “princípio da plena concorrência”[7]. Essa última expressão nos parece ser mais adequada que a primeira, já que preços arm’s length não envolvem apenas sociedades, mas que também pessoas físicas, associações e fundações. Ademais, é mais próxima da tradução espanhola (el principio de plena competencia).

Neste ponto, convém colacionar a doutrina de SCHOUERI[8] na definição do que se entende por at arm’s length:

“a aplicação do princípio do arm’s length implica uma comparação das condições negociais de uma transação entre empresas ligadas (controlled transaction) com aquelas prevalencentes em transações entre partes indepententes”.

As normas de preços de transferência foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 9.430/96, que também trata de outros temas. Esse diploma legal sofreu várias mudanças, tendo sido, até o momento (novembro de 2013), alcançado o espantoso número de 23 modificações[9] (nem todas relacionadas às regras de preço de transferência, é verdade), mas o que resulta em mais de uma mudança legislativa por ano, desde sua publicação. Essa constante mutação é a demonstração cabal da reprovável dinâmica oscilante da legislação tributária brasileira.

Apesar da exposição de motivos da Lei nº 9.430/96 ter mencionado que inspirou-se no princípio do arm’s length para veicular suas normas, tendo feito referência às já citadas diretrizes da OCDE para preços de transferência[10], fato é que existem consideráveis diferenças entre as diretrizes da OCDE e as regras brasileira. Vários autores brasileiros já se dedicaram ao tema[11]. Ademais, há ainda diversos trabalhos específicos sobre alguns pontos polêmicos sobre preços de transferência, como avaliação de intangíveis, métodos de apuração e aplicação de tratados, tanto deste[12] quanto de outros autores[13].

A primeira questão com relação à aplicação das regras de preço de transferência é definir seu escopo pessoal, isto é, saber quem são as pessoas vinculadas sujeitas a tais normas. De acordo com a legislação brasileira, o art. 23 da Lei nº 9.430/96 define como pessoas vinculadas:

Art. 23. Para efeito dos arts. 18 a 22, será considerada vinculada à pessoa jurídica domiciliada no Brasil:

I – a matriz desta, quando domiciliada no exterior;

II – a sua filial ou sucursal, domiciliada no exterior;

III – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, cuja participação societária no seu capital social a caracterize como sua controladora ou coligada, na forma definida nos §§ 1º2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

IV – a pessoa jurídica domiciliada no exterior que seja caracterizada como sua controlada ou coligada, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

V – a pessoa jurídica domiciliada no exterior, quando esta e a empresa domiciliada no Brasil estiverem sob controle societário ou administrativo comum ou quando pelo menos dez por cento do capital social de cada uma pertencer a uma mesma pessoa física ou jurídica;

VI – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que, em conjunto com a pessoa jurídica domiciliada no Brasil, tiver participação societária no capital social de uma terceira pessoa jurídica, cuja soma as caracterizem como controladoras ou coligadas desta, na forma definida nos §§  1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

VII – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que seja sua associada, na forma de consórcio ou condomínio, conforme definido na legislação brasileira, em qualquer empreendimento;

VIII – a pessoa física residente no exterior que for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro de qualquer de seus diretores ou de seu sócio ou acionista controlador em participação direta ou indireta;

IX – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que goze de exclusividade, como seu agente, distribuidor ou concessionário, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos;

X – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, em relação à qual a pessoa jurídica domiciliada no Brasil goze de exclusividade, como agente, distribuidora ou concessionária, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos.

Sendo as partes vinculadas, temos a aplicação das regras de preços de transferência que, como já dito, regem-se pelo princípio da plena concorrência(arm’s length principle), que busca o preço que seria praticado caso a operação fosse realizada entre partes independentes.

Apesar do Brasil não ser membro da OCDE, e das leis brasileiras que dispõem sobre preços de transferência não tratarem expressamente do princípio arm’s length (a Lei nº 9.430/96 não mencionou expressamente o princípio da plena concorrência, como fez, por exemplo, as diretrizes da OCDE sobre o tema), ainda seria possível – para alguns – concluir que tal princípio se aplica ao direito brasileiro, em razão das regras sobre preços de transferência da legislação nacional estabelecerem métodos e critérios para apurar quais seriam os preços praticados entre partes independentes. Todavia, em razão da adoção de margens fixas e métodos pré-determinados, bem como da restrição quanto aos meios de prova dos preços praticados entre partes relacionadas, entendemos que as regras brasileiras aproximam-se mais do chamado “formulary apportionment approach[14], ainda que rudimentar e, até mesmo, restrito em certos pontos.

As regras de preços de transferência mais conhecidas envolvem os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos em operações de importação (art. 18 da Lei nº 9.430/96) ou exportação (art. 19 da Lei nº 9.430/96). Todavia, a lei brasileira também incluiu regras de preço de transferência para as operações financeiras, notadamente mútuos entre partes vinculadas.

O empréstimo, conforme disposto no Código Civil (arts. 579 a 592), pode ser feito através de duas modalidades: comodato (empréstimo gratuito de coisas não fungíveis) ou mútuo (empréstimo de coisas fungíveis). Tendo em vista que o comodato, por definição, é gratuito, as normas de preços de transferência dedicam-se ao mútuo, até porque o mútuo de dinheiro é, sem dúvida, aquele mais comum entre os empréstimos internacionais, sobretudo intercompanies.

As regras de preços de transferência para os juros decorrentes de um mútuo estão elencadas no art. 22 da Lei nº 9.430/96, que se transcreve abaixo, em sua redação original (isto é, antes das alterações efetuadas pelas Leis nº 12.715/12 e 12.766/12):

Art. 22. Os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada, quando decorrentes de contrato não registrado no Banco Central do Brasil, somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real até o montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa Libor, para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de seis meses, acrescida de três por cento anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros.

§ 1º No caso de mútuo com pessoa vinculada, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente à operação, no mínimo o valor apurado segundo o disposto neste artigo.

§ 2º Para efeito do limite a que se refere este artigo, os juros serão calculados com base no valor da obrigação ou do direito, expresso na moeda objeto do contrato e convertida em reais pela taxa de câmbio, divulgada pelo Banco Central do Brasil, para a data do termo final do cálculo dos juros.

§ 3º O valor dos encargos que exceder o limite referido no caput e a diferença de receita apurada na forma do parágrafo anterior serão adicionados à base de cálculo do imposto de renda devido pela empresa no Brasil, inclusive ao lucro presumido ou arbitrado.

§ 4º Nos casos de contratos registrados no Banco Central do Brasil, serão admitidos os juros determinados com base na taxa registrada.

Para melhor compreensão do texto normativo, pode-se exemplificar que a sociedade hipotética ABC do Brasil, precisando de recursos para manutenção e expansão de suas atividades, resolva tomar empréstimos de sua controladora inglesa, a ABC London Inc. Para tanto, realiza um mútuo passivo (pois a sociedade brasileira recebe os valores, isto é, é o mutuário da operação) de $ 100. Se as partes da operação fossem independentes, os juros para uma transação como essa seriam, suponhamos, de 10% ao ano, de modo que a despesa com juros da ABC Brasil seria de $ 10 (10% de 100). Todavia, como a transação se deu entre partes relacionadas (nos termos do art. 23 da Lei nº 9.430/96), a controladora impôs à filial brasileira uma taxa de juros de 40% ao ano, notoriamente acima da média de mercado (em nosso exemplo, 10%). Assim, os juros pagos pela ABC do Brasil foram $ 30 superiores àqueles aplicáveis por partes não-relacionadas, aumentando consideravelmente os lucros da controladora no exterior. Além disso, os juros mais elevados culminaram por aumentar as despesas da ABC do Brasil, diminuindo o lucro tributável pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), diminuindo a carga tributária sobre a renda da sociedade controlada brasileira.

Para evitar tal prática artificial, o artigo 22 caput da Lei nº 9.430/96 originariamente estabelece que, para fins fiscais, no mútuo passivo (i.e., em que a mutuária é pessoa residente no Brasil), o preço de transferência dos juros do contrato de empréstimo entre partes relacionadas será de, no máximo, a taxa LIBOR para depósitos em dólares dos EUA pelo prazo de seis meses, mais 3% ao ano (spread). Isso significa que, ainda que as partes vinculadas disponham no contrato de mútuo uma taxa maior do que essa, a parte residente no Brasil só poderá deduzir como despesa de juros do seu lucro tributável o valor correspondente ao teto legal previsto na referida norma.

Esclarece-se que LIBOR é a sigla para London Interbank Offered Rate, ou seja, a taxa interbancária do mercado de Londres, Inglaterra. Trata-se da taxa de juros usada para grandes empréstimos entre os bancos internacionais que operam no mercado londrino e, portanto, reflete uma taxa de referência de mercado internacional comumente aceita, utilizada e conhecida mundialmente. Todavia, conforme salienta RIDOLFO NETO, “as taxas de juros no mercado internacional não são formadas de maneira tão simples, de modo que a LIBOR mais 3% não reflete necessariamente as taxas de juros “sem interferência no mercado internacional”. Somente no caso de uma excepcional coincidência isso ocorreria. LIBOR mais 3% pode ser uma taxa muito acima ou muito abaixo da taxa que seria praticada entre empresas independentes em transações semelhantes[15].

Já no mútuo ativo, o raciocínio se inverte. A pessoa jurídica domiciliada no Brasil é que empresta dinheiro para uma parte vinculada no exterior (uma subsidiária, por exemplo). Juros muito baixos em um mútuo ativo significam o reconhecimento de menos lucro por parte da pessoa jurídica brasileira, haja vista os juros serem despesas dedutíveis que, portanto, reduzem a base de cálculo do IRPJ e CSLL, quando comparado à cobrança de taxa de juros médios de mercado. Nesta hipótese, o art. 22, § 1º da Lei nº 9.430/96 impõe que a pessoa jurídica brasileira reconheça como receita, para fins tributários, os juros mínimos calculados pela taxa LIBOR mais 3% ao ano. Logo, se no mútuo passivo há um teto (i.e., valor máximo) para a despesa com juros, no mútuo ativo cria-se um piso (i.e., valor mínimo) para reconhecimento de receita tributável com os juros.

Esse é, essencialmente, o raciocínio do art. 22 da Lei nº 9.430/96, em sua redação original – vigente até dezembro de 2012. Ao analisarmos o caso específico envolvendo o grupo Johnson & Johnson no Brasil, examinaremos outros aspectos sobre o tema. Por fim, também comentaremos as alterações promovidas pelas Leis nº 12.715/12 e 12.766/12, que deram nova redação ao art. 22 da Lei nº 9.430/96, alterando substancialmente as regras de preço de transferência para os juros e que entraram em vigor em 1º de janeiro de 2013, razão pela qual não se aplicam ao Caso Janssen objeto deste estudo, mas que, em virtude da considerável mudança, merecem ser analisados, ainda que não exaustivamente.

3. Autuação fiscal e decisão do CARF

A autuação fiscal foi realizada em face da sociedade Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda. (“Janssen-Cilag”), uma indústria farmacêutica do grupo Johnson & Johnson que comercializa conhecidos medicamentos do mercado brasileiro, tais como Tylenol e Tylex (analgésicos), Imosec (gastrointestinal), Pantelmin (vermífugo), Cetonax e Nizoral (anti-fúngicos), Concerta (psicoestimulante), Systen (terapia hormonal) e Haldol (neuroléptico).

Fundada na Bélgica durante os anos 50, a os laboratórios Janssen foram depois adquiridos pelo grupo norte-americano Johnson & Johnson. A suíça Cilag também foi adquirida pela Johnson & Johnson, sendo que certas atividades das indústrias Janssen e Cilag foram reunidas sob a denominação Janssen-Cilag, enquanto outras atividades de tais empresas continuaram separadas. No Brasil, a Janssen-Cilag possui 99,99999% de seu capital social detido pela Johnson & Johnson do Brasil I. C. P. S. Ltda., e o restante pertence à Johnson & Johnson Industrial Ltda.

Por sua vez, a Johnson & Johnson do Brasil I. C. P. S. Ltda. detém 99,99% de seu capital social detido por uma subsidiária irlandesa do grupo Johnson & Johnson. Logo, conclui-se ambas as sociedades brasileiras sócias da Janssen-Cilag, são sociedades controladas pelo grupo Johnson & Johnson.

Com sede nos EUA, o grupo Johnson & Johnson goza de grande robustez econômica: é a segunda maior indústria farmacêutica do mundo, com receitas totais de cerca de US$ 65 bilhões/ano e um lucro de mais de US$ 9 bilhões/ano (dados do ano de 2012)[16]. Entre os anos de 1999 e 2001, a brasileira Janssen-Cilag realizou 8 (oito) operações de mútuo ativo com a Johnson & Johnson norte-americana, emprestando para sua controladora indireta nos EUA um valor total de US$ 86 milhões nesse período[17].

A par dessas vultuosas transações econômicas internacionais, a Receita Federal do Brasil (RFB) após fiscalizar a Janssen-Cilag, culminou por realizar lançamento fiscal em face da referida sociedade, visando à cobrança de IRPJ e CSSL, em razão da constatação de que os valores dos juros cobrados pela Janssen-Cilag (mutuante) à mutuaria (sociedade residente no exterior) foram inferiores à taxa prevista no art. 22, § 1º, da Lei nº 9.430/96 (notadamente, LIBOR mais 3%). Em razão disso, o Fisco Federal reconheceu como receita tributável do contribuinte, para fins de IRPJ e CSLL, o valor correspondente à apuração da taxa de juros legalmente prevista, e não apenas aquela receita decorrente do valor contratado e constante no contrato de mútuo celebrado entre as partes relacionadas. Assim, a RFB exigiu os referidos tributos federais sobre a diferença entre o valor previsto em lei (LIBOR mais 3%) e a taxa de juros efetivamente cobrada pela Janssen-Cilag (prevista no contrato de mútuo ativo)[18].

Ademais, cumpre mencionar que também houve autuação fiscal sobre a variação cambial ativa decorrente desses mútuos, bem como lançamentos reflexos exigindo a contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) sobre a receita financeira auferida pelo contribuinte brasileiro[19].

O contribuinte impugnou o lançamento fiscal, essencialmente alegando, como fundamento para não sofrer ajustes decorrentes das regras de preço de transferência que ocasionariam adições ao lucro líquido a servir de base de cálculo para o IRPJ e CSLL, que:

  1. O Banco Central do Brasil (BACEN) teria aprovado tacitamente as taxas de juros praticadas no contrato de mútuo entre Janssen-Cilag (mutuária) e Johnson & Johnson norte-americana; e
  2. Que a operação foi registrada no SISBACEN, razão pela qual não está sujeita à legislação de preços de transferência.

Na visão do contribuinte, se registrado o contrato de mútuo no BACEN, as taxas de juros praticados serão automaticamente aceitas para fins tributários (i.e., regras de preço de transferência) e, como os recursos objeto dos contratos de mútuo foram remetidos ao exterior por meio de transferência internacional em reais, operação sujeita a registro no SISBACEN, o controle de preços de transferência não é exigido, não devendo haver qualquer ajuste de transfer pricing no caso.

Todavia, o lançamento foi mantido pela Delegacia Regional Tributária de São Paulo. Ainda inconformada, a Janssen-Cilag interpôs recurso voluntário perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), cuja 3ª Turma da 1ª Câmara (por maioria de 4 votos a 2), proferiu acórdão concluindo que não deveria ser aplicada a regra de preço de transferência para juros prevista na Lei nº 9.430/96 nesse caso[20].

Ou seja, o CARF afastou a aplicação da taxa de juros LIBOR mais 3% prevista no art. 22, § 1º, da Lei nº 9.430/96, decidindo que o contribuinte deveria reconhecer, como renda tributável para fins de incidência do IRPJ e da CSLL, apenas o valor dos juros previsto no contrato de mútuo ativo entre as partes, sem qualquer ajuste para fins de preço de transferência aplicável aos juros. Todavia, não havia menção dos juros pactuados tanto nos contratos de mútuo originais como em seus aditivos, havendo apenas o valor final de resgate pré-fixado.

Assim, o CARF deu provimento parcial ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte para (i) excluir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL o total dos ajustes realizados para fins dos juros inbound recebidos pelo contribuinte, além da parcela correspondente à variação cambial ativa desses valores ocorrida no ano de 1999, bem como (ii) cancelar a exigência de PIS e de COFINS sobre tais receitas financeiras, por força de tributação reflexa.

Vejamos a ementa do referido Acórdão nº 1103-00.263/2010, abaixo transcrita:

Acórdão nº 110300.263

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica IRPJ

Ano calendário: 1999, 2000, 2001.

Ementa: MÚTUO ATIVO – PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

Não há previsão regulatória nem possibilidade de registro do contrato de mútuo ativo no Banco Central, sem embargo do controle por ele exercido sobre a matéria. Descabem os ajustes de preços de transferência (receita de juros), no mútuo concedido pela pessoa jurídica domiciliada no País a pessoa vinculada, na medida em que o câmbio ou a transferência internacionais em reais esteja registrada no SISBACEN, e a documentação suporte do mútuo tenha sido apresentada ao banco operador de câmbio.

VARIAÇÕES CAMBIAIS

As Variações Cambiais ativas contabilizadas a menor devem ser lançadas, porem, deduzidas das Variações Cambiais passivas.

PIS E COFINS

Em face de o STF ter declarado a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo do PIS e da Cofins, não se pode cobrar PIS e Cofins sobre receitas financeiras, no caso variação cambiais. (g.n.)

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) recorreu da decisão e, atualmente, o caso aguarda julgamento pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”), última instância administrativa para discussão de autuações tributárias federais[21].

4. Nossos comentários sobre os fundamentos jurídicos do “Caso Janssen”

Após uma breve introdução sobre a sistemática das regras de preço de transferência e, mais especificamente, as normas aplicáveis aos juros até 31 de dezembro de 2012 (ou seja, durante a vigência da redação original do art. 22 da Lei nº 9.430/96), e relatados os fatos e fundamentos que deram supedâneo à decisão administrativa proferida pelo CARF no julgamento do Caso Janssen aqui examinado, passaremos a tecer nossos comentários sobre os fundamentos jurídicos do caso, bem como emitiremos nossa opinião sobre os principais argumentos que justificaram a decisão pelo afastamento das regras de preços de transferência em tal caso. Por fim, também serão abordados os comentários desse julgado realizados na reportagem do jornal Valor Econômico[22].

4.1. “Registro” do contrato de mútuo ativo perante o BACEN

Inicialmente, o contribuinte buscou cancelar a atuação fiscal argumentando que, no caso analisado, deve ser aplicado o § 4º do art. 22 da Lei nº 9.430/96, o qual estabelece que, sendo os contratos registrados no Banco Central do Brasil, serão admitidos os juros determinados com base na taxa de juros contratuais, ou seja, ao invés de se utilizar a taxa legal (LIBOR mais 3% ao ano), poderá ser utilizada a taxa contratual que a autoridade monetária registrou. O § 4º seria assim uma regra de safe harbour (“porto seguro”), uma situação em que o contribuinte estaria protegido da aplicação das regras de preço de transferência em função do mero registro do contrato de mútuo no BACEN.

Ocorre que esse argumento foi rapidamente afastado pela Delegacia Regional Tributária de São Paulo, a qual afirmou que o contrato não foi registrado no BACEN.

O contribuinte então, ao recorrer perante o CARF, explanou melhor a situação: na verdade, o registro propriamente dito do contrato não foi efetuado, já que o BACEN não criou um “registro” especificamente para esse tipo de operação (mútuo ativo). Embora o empréstimo em moeda seja passível de registro no BACEN, ele é feito apenas para o mútuo passivo, ou seja, aquele em que a sociedade brasileira é mutuária, e não mutuante como ocorrera no caso da Janssen-Cilag.

Destaque-se que contratos de mútuo passivo, assim como outras operações financeiras internacionais, são registrados no BACEN por via eletrônica (utilizando-se o Sistema de Informações do Banco Central do Brasil – “SISBACEN”), pelo Registro de Operações Financeiras (“ROF”), um módulo do sistema de Registro Declaratório Eletrônico (“RDE”) de capitais estrangeiros no país. São de registro obrigatório no RDE-ROF as operações referentes a (i) arrendamento simples; (ii) aluguel; (iii) empréstimos em moeda por meio da colocação de títulos; (iv) financiamentos; (v) franquias; (vi) licença para cessão de marca e patente; entre outras. A obrigatoriedade desses registros deriva do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais – “RMCCI” (instituído originalmente pela Circular BACEN nº 3.280/05, art. 1º), que por sua vez encontra fundamento legal na Lei nº 4.131/62 (“lei de capitais estrangeiros”), que já previa, em seu art. 3º, a necessidade de tais registros[23].

De acordo com o contribuinte, efetuou-se apenas o registro do câmbio das transferências internacionais por meio do SISBACEN. Como não há registro do contrato de mútuo ativo, o registro da remessa pelo SISBACEN seria suficiente para que o contribuinte usasse a taxa pactuada, e não aquela prevista na Lei nº 9.430/96. No relatório do referido acórdão, é imputado ao contribuinte o argumento de defesa de que “a única interpretação possível para o caso de empréstimos efetivados por meio de remessas financeiras em reais é que o registro no SISBACEN da remessa respectiva conforme artigo 11 da Circular BACEN n.º 2.677/96 satisfaz a questão” (pág. 5 do acórdão).

Porém, é relevante frisar que, nenhum dos julgadores do CARF acatou essa posição proposta pelo contribuinte. Neste ponto, concordamos com os julgadores. O SISBACEN é um conjunto de recursos de tecnologia da informação, interligados em rede, utilizado pelo BACEN na condução de seus processos de trabalho. Portanto, não contempla o registro de empréstimos internacionais concedidos por pessoa jurídica brasileira a pessoas sediadas no exterior. O mero registro da remessa de capital no SISBACEN não se equipara ao registro do contrato de mútuo, com a submissão à análise do BACEN de todas as suas cláusulas, termos e condições.

Sobre essa questão, MOSQUERA et al salientam que, ao contrário do que ocorreu com o regramento do mútuo passivo, não há qualquer norma que trata ou prevê o registro dos contratos de mútuo ativo no BACEN, mas apenas obrigação de prestação de informações (por ex., Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior – “DCBE”, bem como registro, no SISBACEN, das operações de câmbio que suportam os investimentos no exterior[24]). Assim, para o referendado autor, inexistiria qualquer “registro” a ser realizado no caso de “mútuo outbound[25] (ou mútuo ativo).

Há, inclusive, decisão administrativa anterior ao caso sob análise tratando dessa mesma questão, conforme se observa:

Acórdão nº 108-08.712

1º Conselho de Contribuintes / 8a. Câmara / Publicado no DOU em: 21.12.2006

IRPJ e OUTRO – EX.: 1998 a 2000

IRPJ – REVISÃO DE LANÇAMENTO – As condições para revisão do lançamento estão contidas no artigo 149 do CTN.

PAF – IRPJ – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO LANÇAMENTO – NULIDADE – ERRO NA FORMALIZAÇÃO – Impossível prosperar o lançamento quando não há subsunção do fato à norma aplicada.

IRPJ – REGISTRO DE CAPITAIS NO BACEN – O registro de capitais no Bacen, desde a edição da Lei nº 4.131, de 1962, não contempla um sistema de registro dos capitais brasileiros destinados ao exterior e sim o dever de prestar informações. A Lei nº 9.430/96 ao dispor sobre o registro dos contratos de mútuo no Banco Central do Brasil não trata do registro na forma existente para os capitais estrangeiros, uma vez que o mesmo inexiste. Permanecer a pretensão fiscal equivaleria à norma ter criado uma condição impossível para o contribuinte. Somente com a edição da MP 2.224, de 2001, foi restabelecida a obrigatoriedade de declaração, para o Bacen, de capitais brasileiros detidos no exterior. O Conselho Monetário Nacional e o Bacen instituíram a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior, a ser prestada anualmente a partir de 2002.

Recurso de ofício negado.

É possível que o motivo para a ausência de registro do contrato de mútuo ativo junto ao BACEN possa ser explicado pela alteração efetivada ao final do ano de 1996, ano de publicação da Lei nº 9.430/96. Em 13 de dezembro de 1996, foi editada a Circular BACEN nº 2.731[26], que instituiu o Registro Declaratório Eletrônico (“RDE”), dentre os quais o Registro de Operações Financeiras (“ROF”) passou a ser aplicável para os casos de contratos de mútuo. Assim, deixou de ser exigida a aprovação prévia do BACEN para o registro dos contratos de mútuo, bastando, a partir do final de 1996, que o próprio residente no Brasil realizasse esse registro, ele mesmo, pela via eletrônica. Nesse sentido, o BACEN não faz qualquer exame prévio das condições e termos do contrato de mútuo, tampouco tem competência para impedir o registro do referido contrato exclusivamente com base em exame do montante utilizado como taxa de juros aplicável.

Não é atribuição do BACEN ou de qualquer um de seus órgãos ou divisões controlar as taxas de juros com o fim de evitar superfaturamento (mútuo passivo) ou subfaturamento (mútuo ativo) para fins de redução de receita tributária federal. A preocupação do BACEN relaciona-se com o controle do fluxo de recursos que ingressam e saem do país[27].

Portanto, o mero registro (de natureza declaratória) do contrato de mútuo com parte não-residente no Brasil perante o BACEN (órgão responsável por controlar o fluxo financeiro internacional) não se mostra como instrumento hábil e eficiente para fins de controle do preço de transferência, i.e., garantir a aplicação de taxa de juros à valor de mercado em transações entre partes não-relacionadas, visando evitar a alocação desproporcional, artificial ou abusiva de renda para outras jurisdições.

Para se concluir sobre a questão da existência ou não do registro do mútuo ativo no BACEN, e suas conseqüências, devemos analisar a fundo a questão do “safe harbour” para os juros, o que demanda um exame exegético cuidadoso do art. 22 e seus parágrafos, conforme iremos realizar a seguir.

4.2. Safe harbour para juros: registro do contrato de mútuo como exceção para não-aplicação da taxa LIBOR mais 3%

A utilização de margens pré-determinados e métodos pré-estabelecidos para apuração dos preços de transferência mostram-se justificáveis em razão da praticabilidade, que é o alicerce que fundamenta a escolha pelo formulary apportionment formula. Normalmente, os cálculos dos métodos dos preços de transferência são de alta complexidade, sobretudo para preços at arm’s length, o que demanda vastas pesquisas de mercado e conhecimento de informações que muitas vezes não estão disponíveis e, quando estão disponíveis, possuem um elevado custo. Por tal razão, SCHOUERI[28] é da opinião de que a adoção de tais margens predeterminadas aliada à “dispensa de comprovação do preço praticado em operações entre partes relacionadas” (conhecidos como safe harbours) foi uma boa escolha do legislador brasileiro.

Isto porque, com a utilização de safe harbours, há vantagens tanto para o Fisco (que se abstêm de analisar um volume considerável de operações menos expressivas economicamente ou menos preocupantes tributariamente) como para o contribuinte (que deixa de incorrer em tempo e recursos financeiros – i.e., compliance costs – na elaboração de cálculos complexos, obtenção de documentos e organização de procedimentos para fins de atendimento da fiscalização). Assim, estar-se-ia próximo ao que os norte-americanos coloquialmente chamam de “win-win situation”, ou seja, onde qualquer que seja o desfecho da situação, o sujeito obtém uma vantagem (vitória).

Sobre o uso dos “safe harbours” na legislação brasileira de preço de transferência, AMARAL assevera que:

a legislação procurou definir critérios objetivos para aferição dos preços de transferência, com a fixação presumida de margens de lucro (…) houve a previsão de ‘safe harbours’, de maneira a excluir da aplicação dos métodos determinadas transações (ainda que não em caráter definitivo, uma vez que poderão posteriormente ser objeto de análise pelo Fisco)[29].

As regras de safe harbour (por vezes grafado como “safe harbor”), também referido como safe haven, podem ser definidas como “previsões excepcionais inseridas no ordenamento jurídico tributário, porquanto conferem às transações compreendidas em determinada faixa o benefício de aceitação pelo Fisco sem maiores questionamento, os quais como regra geral se aplicam às demais transações”[30]

O posicionamento ora enunciado, isto é, de que o registro do contrato de mútuo (passivo) no BACEN consiste em clara norma de safe harbour, portanto, regra excepcional àquelas de preço de transferência presentes na legislação brasileira, encontra supedâneo na doutrina brasileira.Confira-se:

“outro safe harbour disciplinado pela redação original da Lei nº 9.430/96 versava sobre o caso dos juros, quando se via que, para contratos registrados no Banco Central do Brasil, o parágrafo 4º do artigo 22 admitia quaisquer juros, desde que determinados com base na taxa registrada[31].

Destarte, deve-se relembrar que, a rigor, o Poder Público poderia exigir que todas as operações entre partes vinculadas se sujeitassem às regras gerais de preço de transferência, sem a previsão de qualquer safe harbour. Por essa razão, em virtude da natureza de “regras de exceção”, os safe harbours não existem para cumprir exigência do princípio do at arm’s length, mas sim para flexibilizar essas exigências[32].

Cumpre notar que, no Caso Janssen, o contribuinte fez uso de um segundo argumento (caso o argumento inicial de que houve um registro não fosse admitido): considerando que não há como o contrato de mútuo ativo ser registrado no BACEN, não se pode exigir o impossível da mutuante brasileira. Não sendo exigível tal registro, a sociedade brasileira deveria ter o direito de apurar seu lucro pela taxa pactuada no contrato de mútuo (safe harbour), e não pela taxa prevista no art. 22 caput da Lei nº 9.430/96 (i.e., LIBOR mais 3%).

Este argumento, foi decisivo para que os quatro Conselheiros da 3ª Turma da 1ª Câmara do CARF adotassem uma posição favorável ao contribuinte na decisão. No entanto, como explicaremos mais adiante, embora atraente, essa não nos parece a melhor interpretação do dispositivo legal aplicável.

O fundamento desse argumento subsidiário trazido pelo contribuinte remonta à expressão ad impossibilia nemo tenetur (“ninguém está obrigado ao impossível”) expressão esta já presente no Digesto de Justiniano. Ou, nas palavras do Conselheiro que proferiu o voto vencedor, “não se pode exigir o que é inexigível”. Nesse sentido, SCHOUERI[33] já advertiu para a chamada probatio diabolica[34] no campo dos preços de transferência, que ocorre quando a prova revela-se, por força de lei, impossível para o contribuinte, porque o conjunto probatório é exaustivo ou de difícil acesso, o que culmina por transformar a presunção relativa da lei em presunção absoluta, violando princípios constitucionais intrínsecos ao arm’s length tais como capacidade contributiva e proporcionalidade, em razão da praticabilidade.

A principal idéia é a de que o contribuinte não pode ser prejudicado pela ausência de controle próprio do BACEN, em razão de falha regulatória (i.e., ausência de norma infra-legal regulamentando o procedimento de registro do mútuo ativo internacional), pois impediria o contribuinte de obter o seu “porto seguro”, culminando por ter que sofrer a aplicação da margem mínima prevista pela taxa do art. 22 caput da Lei nº 9.430/96.

O princípio da praticabilidade[35] (que, ressalve-se, não é unanimemente considerado pela doutrina como um princípio jurídico[36]) determina que as normas devem ser passíveis de serem cumpridas, conforme definição de DERZI:

“Os princípios da igualdade e da capacidade contributiva são abrandados por meio do princípio da praticidade ou praticabilidade. Por meio desse último princípio devem ser evitadas execuções muito complicadas da lei, especialmente naqueles casos em que se deve executar a lei em massa”[37].

Aqui cabe chamar atenção para a menção feita por SCHOUERI: “ao legislador cabe temperar as concessões efetuadas em nome da praticabilidade, diante da capacidade contributiva e seus desdobramentos[38].

Desse modo, argumenta-se que o art. 22, § 4º da Lei nº 9.430/96, no tocante ao mútuo ativo, é impraticável, dada a inércia do BACEN em regulamentá-lo. E por isso, sustenta-se que o contribuinte deveria estar apto a utilizar a taxa de juros livremente pactuada com a pessoa vinculada, escapando à regra de ajuste de preço de transferência em razão dessa “falha regulatória”.

Embora a premissa do raciocínio esteja correta, isto é, ninguém está obrigado a cumprir o impossível, a conclusão lógica não necessariamente leva à aplicação do safe harbour neste caso. Para explicar esse ponto, é importante apurar-se a ratio da norma em questão: a referida norma permite que, mesmo em um contrato com partes vinculadas em que se aplicam normas de preços de transferência, tais normas não sejam aplicadas, pois uma autoridade estatal já realizou a análise do preço utilizado naquele contrato, e concluiu ser um preço at arm’s length, ou seja, um preço semelhante àquele praticado entre partes independentes no mercado.

Desse modo, se o BACEN verificou que a taxa de juros do contrato de mútuo está dentro daquela que seria aceitável entre partes independentes (realizando isso por meio do requisito de registro do contrato de mútuo), não haveria razão para uso de uma regra de preço de transferência que impusesse uma taxa mínima legal. Porém, a ausência dessa verificação pela autoridade monetária não significa que há uma presunção de que a taxa pactuada deve, necessariamente, ser adotada nessa operação financeira. As críticas da doutrina, nesse tocante, são inúmeras.

Na opinião de VASCONCELLOS[39], a adoção do safe harbour para a apuração dos preços de transferência dos juros, até as alterações promovidas pelas Leis nº 12.715/12 e 12.766/12, por representar critério estritamente formal, não é o mais apropriado, dificultando, inclusive, a própria aplicação dos referidos métodos.

Entendendo que a lei brasileira de preços de transferência não adotou o princípio do arm’s length para os juros em operações entre partes vinculadas, BIFANO et al[40] asseveram que o Brasil não seguiu, como outros países assim fizeram, a prática do mercado como parâmetro.

Para ANDRADE FILHO, a condição de o contrato de mútuo ser registrado no BACEN para fins de não-aplicação das regras de preço de transferência limita a dedubitibilidade dos juros apenas em transações realizadas entre partes vinculadas e, portanto, haveria uma discriminação da fonte do recurso que não se mostra racional[41].

Retomando a análise do Caso Janssen, visto que o BACEN sequer regulamentou a possibilidade de registro de contratos de mútuo ativo internacional, o ordenamento jurídico prevê, como instrumento para solucionar esse conflito, a possibilidade de impetração de mandado de injunção, ação cabível sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos, nos termos do art. 5º, LXXI da Constituição Federal (“CF”). À semelhança do mandado de segurança, qualquer prejudicado, pessoa física ou jurídica, pode manejar esse remédio constitucional e assegurar seus direitos.

É certo que, não obstante o mandado de injunção seja uma demanda de rito sumarizado, essa solução acarretaria inúmeros transtornos ao contribuinte, que necessitaria do trânsito em julgado da lide para obter uma regulamentação do BACEN e, só então, efetivar o referido empréstimo internacional. Mas só se chega a essa penosa e precipitada conclusão quando se adota um equivocado ponto de partida.

Isto porque essa não é a solução para essa questão específica envolvendo a suposta “ausência de regulamentação de registro de mútuos ativos pelo BACEN”, porque, como será visto adiante, não existe regra de safe harbour para os mútuos ativos; precisamente por essa razão é que, não existe e jamais poderia existir, norma infra-legal para regulamentar algo não previsto em lei, por óbvio.

O BACEN, felizmente, tem historicamente regulamentado todas as suas competências, efetuando os registros que a lei assim determina. As determinações ausentes em lei, evidentemente, carecem de regulamentação. E mais: na hipótese de haver ato do BACEN regulamentando algo não previsto em lei, o contribuinte não poderia se valer desse ato se a lei assim não permitisse.

Dessa forma, entendemos que a interpretação do § 4º do art. 22 veiculada no Caso Janssen é que tem de ser revista, em uma visão sistemática e lógico-jurídica de todo o dispositivo legal. É o que passaremos a explicar.

4.3. Interpretação do art. 22, § 4º, da Lei nº 9.430/96: ausência de safe harbour para mútuos ativos

Ao contrário do que foi sustendo pelo contribuinte e acolhido pela maioria da 3ª Turma do CARF, nem mesmo com o registro do contrato de mútuo ativo no BACEN deve ser afastada a regra de preço de transferência que impõe uma taxa mínima de juros legal para fins fiscais.

Isso porque, para nós, ao contrário do que foi exposto no voto vencedor no Caso Janssen[42], o § 4º do art. 22 refere-se apenas ao caput do artigo. Observe que a norma por trás do texto do caput é, em síntese, que os juros pagos a pessoa vinculada, quando decorrentes de contrato não registrado no BACEN, somente serão dedutíveis até o valor dos juros calculados com base na taxa LIBOR mais 3% ao ano, proporcionais ao período do empréstimo. O mesmo ocorre quando os juros são creditados, que não deixa de ser uma forma de quitação.

Em uma fórmula ainda mais resumida, temos que, no mútuo passivo com parte vinculada, de contrato não registrado no BACEN, utiliza-se a taxa LIBOR mais 3% ao ano como teto para cálculos dos juros a serem deduzidos do lucro da mutuária brasileira.

Já o art. 22, § 1º, da Lei nº 9.430/96, ao tratar do mútuo ativo com parte vinculada, não menciona o registro no BACEN. Apenas diz que “no caso de mútuo com pessoa vinculada, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente à operação, no mínimo o valor apurado segundo o disposto neste artigo”, ou seja, no mínimo o valor dos juros calculados com base na taxa LIBOR mais 3% ao ano.

Relembrando que o BACEN não registra mútuo internacional ativo, e que a Lei nº 4.131/62 só previu que a autoridade monetária registrasse o ingresso de capital e a saída de juros do país (e não o inverso), faz sentido que o legislador da Lei nº 9.430/96 não tenha previsto o registro para o mútuo ativo.

Por isso, o § 4º do art. 22 só é aplicável ao caput (mútuo passivo), e não ao § 1º (mutuo ativo). Não há safe harbour para o mútuo ativo, já que a autoridade monetária apenas registra contratos de mútuo passivo. Tal conclusão foi bem exposta pelo Conselheiro Mário Sérgio F. Barroso, que restou vencido no Caso Janssen, ao afirmar que: “de fato, entendo que não há necessidade de registro do contrato para o caso da mutuante domiciliada no Brasil. Assim, as regras de preço de transferência se aplicam sempre ao caso”. E quais seriam essas regras? Precisamente a regra para os casos de mútuo ativo expressamente mencionada no § 1º do art. 22 (LIBOR mais 3%).

Em 1997, MOSQUERA analisou os preceitos recém-veiculados pela Lei nº 9.430/96 aplicáveis aos juros e foi claro em aduzir que “no caso específico de mútuos ativos, isto é, quando a empresa brasileira é credora da pessoa vinculada, estabelece o legislador que a empresa mutuante deverá reconhecer, no mínimo, o valor anteriormente mencionados, isto é, LIBOR + 3%[43]. O referido autor, notório especialista na área de tributação financeira, não fez qualquer observação ou mencionou qualquer exceção referente ao registro do contrato no BACEN, quando tratou do mútuo ativo em seu estudo. Quer nos parecer que, já naquela época, o entendimento era esse, ainda que não expressamente mencionado pela doutrina.

Um contra-argumento a essa posição é de que o § 4º do art. 22 não foi explícito sobre sua incidência apenas para o mútuo passivo (caput). No entanto, esse contra-argumento não subsiste, já que uma leitura de forma sistemática, de todo o artigo (caput e seus parágrafos), permite observar que o legislador apenas procurou estabelecer qual seria a consequência se o contrato for registrado no BACEN (uso da taxa contratada entre as partes). E fez isso por que se não for registrado, o caput já definiu a taxa aplicável. A falta de menção expressa para registro de contratos de mútuo ativo, representa verdadeiro “silêncio eloqüente” do legislador, que não comporta analogia ou interpretação extensiva.

Nesse sentido, temos que:

“só se aplica a analogia quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam ‘silêncio eloquente’ (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia” [44].

Em outras palavras, o que está implícito no texto é: sendo hipótese de registro do contrato no BACEN, e assim fazendo-o, serão admitidos os juros determinados com base na taxa registrada. Não nos parece que a interpretação mais adequada seja “para qualquer contrato registrado do contrato no BACEN, serão admitidos os juros determinados com base na taxa registrada”.

Em reforço à posição ora defendida, verifica-se que a Lei Complementar nº 95/98 – que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis – estabelece que, para obtenção de ordem lógica de um diploma legal, os parágrafos devem ser complementares ao caput e não aos parágrafos (precisamente o que propusemos em nossa análise do art. 22 da Lei nº 9.430/96 para os mútuos ativos). Confira-se o disposto na Lei Complementar nº 95/98:

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

(…)

III – para a obtenção de ordem lógica:

a) reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;

b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;

d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. (…) (grifamos)

Portanto, temos o seguinte cenário: o caput do art. 22 da Lei nº 9.430/96 aplica-se exclusivamente para mútuo passivo, apenas na modalidade não registrado. Nesse caso, o safe harbour para fixação dos juros é taxa LIBOR mais 3%. Essa é a regra geral para mútuo passivo.

A regra geral para mútuo ativo está veiculada no § 1º do art. 22 da Lei nº 9.430/96, que diz que no mútuo ativo, sem diferenciar a modalidade registrado ou não registrado, o safe harbour é o mesmo. Para fazer remissão a essa mesma regra do caput, o § 1º contém a expressão “segundo o disposto nesse artigo”.

A exceção às regras acima mencionadas vem no § 4º do art. 22 da Lei nº 9.430/96, que diz que quando houver contrato registrado no BACEN, os juros serão fixados com base na taxa constante do contrato. Não é especificado a qual contrato a expressão “contratos registrados” se refere: se a mútuo ativo, passivo ou ambos.

Todavia, existem 3 argumentos para suportar o entendimento de que o § 4º (exceção) se aplica exclusivamente ao caput do art. 22 da Lei nº 9.430/96 (i.e., mútuo passivo).

O primeiro é que, quando a regra do caput aplicável ao mútuo passivo foi redigida, ela própria fez a distinção entre (a) mútuo passivo registrado e (b) mútuo passivo não-registrado. Portanto, se o caput trouxe apenas a regra geral para uma das modalidades (no caso, a modalidade mútuo passivo não-registrado), por óbvio resta necessária uma outra norma que veicule a regra geral para a outra modalidade. E essa norma existe: é o § 4º, que dispõe que nos mútuos (passivos) registrados, a regra geral é outra, que não o safe harbour (i.e., caput).

Esse entendimento mostra-se em plena sintonia com o art. 11, III, “c” da Lei Complementar nº 95/98, que dispõe que os parágrafos de um artigo devem conter uma complementação ou uma exceção ao caput. Neste caso de mútuo passivo (caput do art. 22), o § 4º do art. 22 trouxe uma exceção. Indiscutivelmente, o § 4º aplica-se aos mútuos passivos registrados no BACEN.

Já a regra geral aplicável ao mútuo ativo, prevista no § 1º, não contém distinção entre (a) mútuo ativo registrado e (b) mútuo ativo não-registrado. Simplesmente contém a regra de que o mútuo ativo (qualquer que seja), deverá obedecer a seguinte regra para fins de preço de transferência: LIBOR mais 3%, exatamente a mesma regra aplicável ao mútuo passivo não-registrado. Para isso, a regra geral do § 1º fez referência ao caput, na medida em que utilizou a expressão “segundo o disposto neste artigo”. Como já dito, a função do parágrafo é complementar ou excetuar a regra do caput. Neste caso, contudo, a regra do mútuo ativo estava contida no próprio parágrafo (e não no caput). Assim, o mais correto, de acordo com a redação das leis nos termos da Lei Complementar nº 95/98 seria que outro artigo (ou seja, artigo adicional) previsse em seu caput a regra geral aplicável ao mútuo ativo, e não um parágrafo de um artigo que, em seu caput, possua outra regra distinta (mútuo passivo).

Ainda assim, uma vez que a regra de mútuo passivo segregou sua incidência ao limitar o escopo da regra LIBOR mais 3% apenas para contratos não-registrados, mas a regra de mútuo ativo não fez qualquer limitação dessa natureza, resta concluir que, não obstante o equívoco em não incluir a regra do §1º em um artigo próprio ou na redação do caput do art. 22, é inquestionável que a regra para mútuo ativo, onde quer que esteja no diploma legal, não adota distinção entre contrato registrado ou não registrado. Isso, todavia, não se pode dizer da regra para mútuo passivo que, por ter incluído uma qualificadora no seu campo de incidência (modalidade não-registrado), necessitou incluir em um parágrafo a exceção para essa regra específica, qual seja, uma regra para mútuo passivo com outra qualificadora (modalidade registrado).

Caso o § 4º não existisse, restaria faltante a regra de preço de transferência para o mútuo passivo registrado, uma vez que não seria possível, tanto lógica como juridicamente, aplicar a regra do caput do art. 22, em razão de sua expressa limitação de incidência. Todavia, o mesmo não pode ser dito para o mútuo ativo: se não existisse o § 4º, a regra do § 1º seria plenamente aplicável a todo tipo de mútuo ativo (registrado ou não-registrado), uma vez que inexiste qualquer qualificadora limitando a incidência da regra de LIBOR mais 3% para o (todo e qualquer) mútuo ativo. Esse argumento, para nós, é irrefutável.

O segundo argumento para suportar nosso posicionamento reside no fato de que a regra geral do mútuo ativo não deriva do caput do art. 22 da Lei nº 9.430/96, mas sim, de seu § 1º. Portanto, ao aplicarmos as regras previstas na Lei Complementar nº 95/98, sobretudo o art. 11, III, “c”, chegamos à conclusão de que os parágrafos não interagem entre si, mas somente com o caput e com os incisos. Portanto, o § 4º não pode completar ou excetuar o § 1º, pois dois parágrafos – via de regra – não podem conter regras que afetem uns aos outros. Assim, seguindo as prescrições da Lei Complementar nº 95/98, o § 4º deve complementar ou excetuar a regra específica do caput do art. 22. Ora, é exatamente isso que ele faz: a regra do § 4º (“taxa de juros para mútuo passivo registrado será a taxa do contrato”) excetua a regra do caput (“taxa de juros para mútuo passivo não-registrado será LIBOR mais 3%).

Ainda que se alegue que, tecnicamente, o § 4º não seria uma exceção à regra do caput uma vez que cada um desses dispositivos contém regra autônoma, em razão da limitação do campo de aplicação de cada uma delas (uma se aplica para mútuo passivo registrado e outra para mútuo passivo não-registrado), nesse caso estaríamos diante de uma complementação da regra do caput, i.e., o § 4º complementa uma regra específica para outro caso específico, distinto daquele mencionado no caput. De qualquer forma, seja por exceção ou por complementação, a interação dos enunciados do § 4º com o caput mostra-se não só lógica como necessária, por cada uma delas tratar de uma situação distinta da outra.

Entretanto, o mesmo não ocorre quando se aplica o § 4º ao § 1º do art. 22: dois parágrafos só poderiam interagir por referência expressa de um na redação do outro, como precisamente ocorre no § 3º desse mesmo art. 22. Ora o §3º diz que “o valor dos encargos que exceder o limite referido no caput e a diferença de receita apurada na forma do parágrafo anterior serão adicionados à base de cálculo do imposto de renda devido pela empresa no Brasil, inclusive ao lucro presumido ou arbitrado”. Como se verifica, o § 3º faz expressa menção ao § 2º, razão pela qual a interação entre os enunciados prescritivos de ambos os parágrafos está apta a ocorrer.

Contudo, o § 4º do mesmo artigo 22 não faz essa menção ao § 1º. Para que fosse possível concluir pela interação entre § 4º e § 1º seria necessário que o § 4º fosse assim redigido, por exemplo: “Nos casos de contratos registrado no Banco Central do Brasil, serão admitidos os juros determinados com base na taxa registrada, excetuado o disposto no § 1º”. Todavia, essa última menção (“excetuado o disposto no § 1º”, ou expressão similar como “não sendo aplicável o disposto no § 1º”, ou qualquer outra redação de significado equivalente) inexiste.

Desta forma, na ausência da referência expressa prevendo a interação entre os parágrafos, não se pode utilizar um parágrafo como forma de excluir ou complementar o significado de outro, de forma a transformá-lo em outra regra (i.e., a regra “LIBOR mais 3%”, quando interagida com outro parágrafo, resultar na regra “taxa de juros pactuada no contrato”). Esse raciocínio não encontra supedâneo na Lei Complementar nº 95/98, tampouco na lógica interpretativa.

Por fim, além dos dois argumentos de ordem lógica e jurídica mencionados acima, isto é (i) ausência de distinção e/ou qualificadora para mútuo ativo; e (ii) impossibilidade de interação implícita entre parágrafos para exceção à regra expressa no caput de um artigo, existe o argumento teleológico que orienta as regras de preços de transferência, que serviria como um terceiro argumento para suportar nosso entendimento. Como já expusemos no início do presente estudo, as regras de preço de transferência buscam equalizar o preço, para fins de tributação da renda envolvida, praticado em transações realizadas entre partes vinculadas, como se fossem praticados em condições normais de mercado entre partes independentes, evitando a alocação de renda de forma artificial ou abusiva.

Portanto, ao estabelecer regras para regular o preço, para fins fiscais, de uma transação envolvendo juros, o legislador escolheu um método específico para essas operações. O safe harbour aplica-se, tecnicamente, apenas para mútuo passivo (na modalidade não-registrado). Se registrado, o mútuo passivo deixa de seguir o safe harbor e passa a seguir a regra eleita pelo pacta sunt servanda[45], i.e., taxa de juros escolhida pelas partes. Todavia, a regra para mútuo ativo não contém, tecnicamente, um safe harbor, pois só existe uma regra: a regra do LIBOR mais 3%. Ou seja, o safe harbour do mútuo passivo é a regra única do mútuo ativo.

Um vez que um safe harbour significa uma alternativa presumida na lei, mais prática e objetiva que a regra geral, e a regra geral é uma norma subjetiva e que requer comprovação ou atos por parte do contribuinte, o safe harbuor sempre existe ao lado de outra regra, ou seja, é sempre uma opção (e não norma única). O fato de existir uma alternativa para o mútuo passivo não significa, necessariamente, que deve haver uma alternativa para o mútuo ativo. E foi assim que o legislador escolheu: elegeu 2 regras (regra geral e safe harbour) para o mútuo passivo, mas apenas uma regra para o mútuo ativo (que, não coincidentemente, possui o mesmo conteúdo do safe harbour do mútuo passivo). Note-se, portanto, que a regra eleita pelo legislador brasileiro, em sintonia com o chamado formulary apportionment approach[46](também conhecido como “unitary method”), foi o de estabelecer uma regra presumida (LIBOR mais 3%) para os mútuos ativo e passivo.

Todavia, resolveu-se criar uma alternativa ao formulary apportionment adotado no Brasil, isto é, uma exceção baseada no princípio do at arm’s length especificamente para o mútuo passivo (considerando a posição econômica e histórica do Brasil como importador de capital, ou seja, majoritariamente um país de mútuos passivos), permitindo uma segunda regra subjetiva e que requer comprovação documental por parte do contribuinte, para fugir da regra geral. Ora, as pessoas brasileiras, em 1996, eram na sua grande maioria mutuárias (realizam mútuos passivos), e não mutuantes (realizadoras de mútuos ativos). A exceção do safe harbour, portanto, que passava a aplicar o princípio do at arm’s length (que pressupõe os juros baseados nos preços praticados no livre mercado) para, precisamente, evitar que as sociedades brasileiras endividadas deixassem de deduzir como despesa de juros o valor justo da transação. Para analisar o que se entenderia como “valor justo” para fins fiscais, a regra do at arm’s length deu – sabiamente – competência ao BACEN (órgão que controla o fluxo de entradas e saídas financeiras no país bem como determina a taxa de juros a ser praticada) para que, ao registrar o mútuo passivo, examinasse se aquelas taxas de juros cobradas entre partes relacionadas estavam economicamente de acordo com o mercado naquele momento. Nada mais correto, por parte do Governo brasileiro, sobretudo para garantir a competitividade internacional das empresas brasileiras, que ao deduzirem despesas em montantes maiores àqueles do safe harbour (LIBOR mais 3%) – se permitido pelo BACEN – pagariam menos tributos e, portanto, teriam mais recursos disponíveis para aplicar em seu negócio, favorecendo o crescimento econômico do país, por meio do desenvolvimento das multinacionais que possuíam presença no Brasil por meio de subsidiárias ou controladas. Esse parece ter sido o espírito (mens legis) por trás da exceção ao safe harbour trazida para os mútuos passivos. 

Por tal razão, como regra de exceção que é, o registro de contrato de mútuo passivo no BACEN aplica-se restritivamente a esse tipo de mútuo e, precisamente por isso, não é possível se estender uma regra de exceção qualificada à uma hipótese geral que não possui qualificadora e que, portanto, não deveria conter exceções desde sua criação. A adoção do formulary apportionment approach (ainda que rudimentar[47]) para orientar os métodos de apuração do preço de transferência foi a regra da legislação brasileira; já a adoção do arm’s length para orientar o método do preço de transferência para os juros decorrentes de mútuo passivo é, claramente, a exceção. Salvo exceção expressamente consagrada na lei, não há como estendê-la ao mútuo ativo, pois a exceção deve ser interpretada estritamente em seus limites, nem a mais, nem a menos do que se propõe[48].

O objetivo da Lei nº 9.430/96 é regular por meio de métodos o preço praticado entre partes relacionadas, e o métodos escolhidos pelo Brasil para regular os juros foi a instituição de uma taxa pré-determinada em lei, salvo exceções expressas. Essa é a teleologia e a pragmática dos métodos eleitos pela lei brasileira de preços de transferência. Se a escolha pelo formulary apportionment approach ou a pré-fixação de taxa de juros foi a melhor opção ou não, essa é uma discussão que, apesar de interessante sob a ótica da política fiscal brasileira, foge ao escopo do presente caso, e também deste trabalho.

Portanto, com a devida vênia, ousamos discordar do Conselheiro Marcos Takata – relator do voto vencedor no Caso Janssen – que expõe que “a questão ou a problemática do registro no Banco Central demarca o safe harbour sobre as regras de ajustes de transfer pricing, em matéria de juros, sejam ativos ou passivos, como as receitas e as despesas financeiras que não sejam juros (…) Não vejo como, portanto, deixar de reconhecer a aplicação do safe harbour no caso vertente, sob pena de legislar” (pag. 11 do acórdão). Para nós, uma interpretação lógica e sistemática nos leva a concluir que § 4º do art. 22 da Lei nº 9.430/96 não se aplica ao § 1º, mas apenas ao caput do artigo. Também pela interpretação teleológica e histórica é possível chegar a esse resultado, conforme supra demonstrado.

4.4. Vigência e aplicação da Lei nº 9.430/96: tempus regit actum frente ao caráter real e unilateral dos contratos de mútuo

Um último ponto interpretativo ainda precisa ser esclarecido. De acordo com a reportagem de divulgação do caso[49], um terceiro argumento poderia ser usado em favor do contribuinte: o de que os empréstimos entre a Janssen-Cilag e a Johnson & Johnson norte-americana não podem ser atingidos pela Lei nº 9.430/96, pois foram pactuados antes dessa data (i.e., previamente à data de edição da lei, 1996, e da data de vigência das regras de preço de transferência, notadamente, 1º de janeiro de 1997[50]).

Ora, a segurança jurídica é princípio constitucional que tem por consequência o fato de que a lei não pode prejudicar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI da CF), Ademais, na seara tributária a CF é explícita: é vedado cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado (art. 150, inc. III, alínea “a” da CF).

Isso significa que, se os oito contratos de mútuo foram pactuados e assinados (suponha-se), em 1995, então a Lei nº 9.430/96 não seria aplicável a tais contratos? Embora a resposta pareça positiva, a conclusão é negativa, pois depende de outro importante fato.

É que o contrato de mútuo, diferentemente da maioria dos contratos, é um contrato real. Ou seja, se perfaz apenas com a entrega do bem fungível emprestado. Esse enquadramento do mútuo como contrato real decorre da expressa dicção do artigo 586 do Código Civil: “o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.

Verifica-se que o texto legal não definiu o mútuo como o contrato em que o mutuante é obrigado a entregar coisa fungível e o mutuário é obrigado a restituir. O Código Civil só menciona a obrigação de restituir, porque é no momento da entrega que o contrato nasce. Antes disso, não há mútuo. É por isso que o mútuo é contrato do tipo unilateral (ainda que oneroso, como é o caso do mútuo feneratício[51]), pois apenas o mutuário assume uma obrigação principal do contrato, a obrigação de restituição da coisa emprestada.

A doutrina, nesse ponto, não deixa dúvidas: “trata-se de um contrato real, pois só existe o empréstimo uma vez entregue a coisa ao mutuário, pelo mutuante. É a entrega requisito da constituição do mútuo (…) essencialmente, é unilateral o contrato, visto que unicamente o tomador do empréstimo assume obrigações. O mutuante desincumbe-se de compromissos com a entrega da coisa[52].

No caso ora analisado, os votos dos Conselheiros apontam que os valores emprestados (US$ 86 milhões) foram entregues entre 1999 e 2001. Esse é o termo inicial de vigência de cada um dos contratos, ainda que as empresas tenham se comprometido anteriormente e, portanto, em razão do princípio do tempus regit actum (i.e., atos jurídicos se regem pela lei da época que ocorreram), a aplicação da norma veiculada em 1996 (e vigente a partir de 1997) na data de nascimento da obrigação unilateral do mútuo (anos de 1999, 2000 e 2001) é plenamente cabível, não havendo que se refutar a eficácia plena das regras de preço de transferência brasileira nesse caso.

Logo, para contratos juridicamente vigentes entre 1999 e 2001, não há vedação à aplicação das regras de preço de transferência da Lei nº 9.430/96, já plenamente aplicável a tais contratos, ainda que tais contratos de mútuo tenha sido pactuados e mesmo assinados entre as partes anteriormente à 1996.

5. Alterações promovidas pelas Leis nº 12.715/12 e 12.766/12 na redação do art. 22 da Lei nº 9.430/96

A redação original do art. 22 em comento continha, resumidamente, as seguintes regras:

  • Contrato de Mútuo Passivo não registrado no BACEN: juros máximos dedutíveis (despesa) calculados à taxa LIBOR de 6 meses mais 3% anual (spread);
  • Contrato de Mútuo Ativo (registrado ou não no BACEN): juros mínimos (receita) calculados à taxa LIBOR de 6 meses mais 3% anual (spread);
  • Contrato de Mútuo Passivo registrado no BACEN: juros máximos dedutíveis (despesa) calculados pela taxa constante no contrato registrado (vontade das partes).

Todavia, as Leis nº 12.715/12 e 12.766/12 alteraram de forma significativa esse regramento, conforme descrito de forma individualizada abaixo.

5.1. Alterações promovidas pela Lei nº 12.715/12

A questão central analisada no presente artigo, qual seja, se o registro no BACEN de um contrato de mútuo ativo entre partes vinculadas é capaz de afastar as regras de preço de transferência, foi superada com uma recente alteração do art. 22 da Lei nº 9.430/96.

A mudança promovida pela Lei nº 12.715/12 (regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 1.312/12), alterou a redação do caput do art. 22, revogando o § 4º e inserindo o § 5º. Observe-se a nova redação abaixo, a partir de então:

Art. 22. Os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada, quando decorrentes de contrato de mútuo, somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real até o montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa London lnterbank Offered Rate – LIBOR, para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América pelo prazo de 6 (seis) meses, acrescida de 3% (três por cento) anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros.

§ 1º No caso de mútuo com pessoa vinculada, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente à operação, no mínimo o valor apurado segundo o disposto neste artigo.

§ 2º Para efeito do limite a que se refere este artigo, os juros serão calculados com base no valor da obrigação ou do direito, expresso na moeda objeto do contrato e convertida em reais pela taxa de câmbio, divulgada pelo Banco Central do Brasil, para a data do termo final do cálculo dos juros.

§ 3º O valor dos encargos que exceder o limite referido no caput e a diferença de receita apurada na forma do parágrafo anterior serão adicionados à base de cálculo do imposto de renda devido pela empresa no Brasil, inclusive ao lucro presumido ou arbitrado.

§ 4º – (revogado)

§ 5º – O Ministro de Estado da Fazenda poderá reduzir o percentual de spread, bem como restabelecê-lo até o valor fixado no caput. (sublinhamos)

Como se verifica, essa alteração legislativa retirou do art. 22 a menção a registro do contrato no BACEN (com a revogação do § 4º), de modo que, a partir da vigência da nova lei (1º de janeiro de 2013), a regra de preço de transferência para apuração dos juros nos contratos de mútuo com pessoa vinculada passou a ser aplicada independentemente se o mútuo é ativo ou passivo, ou se o contrato foi ou não registrado no BACEN.

Adicionalmente, a inclusão do § 5º permitiu que o Ministro de Estado da Fazenda reduza e restabeleça o percentual de spread do caput. Ou seja, o Ministro da Fazenda poderá determinar que uma taxa de juros entre zero e 3% ao ano, conforme entender oportuno e conveniente.

Esse mecanismo foi elogiado na mídia por Heleno Taveira TORRES, ainda durante a tramitação da nova lei no Congresso Nacional, ao asseverar que ele atende aos anseios dos contribuintes, uma vez que o spread seria ajustado de acordo com os juros de mercado e o contexto econômico, de modo a estimular a tomada de empréstimos. “Temos que parar com esse medo de que o ministro tomará medidas arbitrárias”, afirmou[53].

Observe- que a Lei nº 12.715/12 resultante da conversão da Medida Provisória nº 563/12, a qual fazia parte do Plano Brasil Maior, visando estimular a economia e o desenvolvimento do país, trazendo ainda uma série de benefícios fiscais, sobretudo ao setor industrial. Embora tais objetivos sejam louváveis, essa possibilidade de mudança dos juros por ato do Ministro da Fazenda encontra como obstáculo intransponível o art. 150, I da CF, que veda o aumento de tributo sem lei (princípio da legalidade tributária ou princípio da reserva legal).

Isso porque a inserção do § 5º no art. 22 concedeu ao Ministro da Fazenda, por ato infra-legal, o poder de possibilidade a majoração da taxa de juros de zero para 3%, aumentando assim a base de cálculo do IRPJ e da CSLL para os casos envolvendo mútuos passivos (em caso de redução para zero da referida taxa) e mútuos ativos (se houvesse redução da taxa de 3% para zero, por exemplo, e depois um aumento). A título de exemplo no Caso Janssen ora examinado, a taxa de 3% de um empréstimo de R$ 86 milhões seria um valor de R$ 2,58 milhões. Aplicando-se uma alíquota de 34% relativa ao IRPJ e CSLL (tributos incidentes sobre a renda dos juros), seria possível um aumento de tributo de R$ 877.200,00, derivado de um ato infra-legal (Portaria do Ministro da Fazenda).

Ressalte-se que essa possibilidade de redução e restabelecimento de carga tributária por ato do Poder Executivo é permitida para alguns tributos, como Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IPI, IOF e CIDE-combustíveis. Mas todas essas hipóteses encontram fundamento constitucional (para os casos citados, vide art. 153, § 1º, e art. 177, § 4º, I, “b” da CF), o que não é caso do IRPJ e CSLL, inteiramente submetidos ao princípio da legalidade tributária. Por isso, entendemos que o § 5º, por conceder ao Poder Executivo exclusivamente a competência para determinar o valor da taxa de juros para fins de aplicação das regras de preço de transferência do art. 22 da Lei nº 9.430/96, é inconstitucional, por violar o art. 150, I da CF.

5.2. Alterações promovidas pela Lei nº 12.766/12

Cerca de três meses depois da edição da Lei nº 12.715/12, foi publicada a Lei nº 12.766, de 27 de dezembro de 2012, resultante da conversão da Medida Provisória nº 575/12. Aproveitando-se do projeto de conversão da MP, o Governo Federal procurou aperfeiçoar a alteração feita meses antes, de modo que as mudanças previstas na Lei nº 12.715/12 acima descritas (que passariam a viger em 1º de janeiro de 2013), nem chegaram a vigorar, posto que foram quase totalmente superadas pelas disposições da Lei nº 12.766/12. Desse modo, conferiu-se mais uma vez uma nova redação ao art. 22 da Lei nº 9.430/96, transcrito a seguir (suprimimos os §§ 1º, 2º, 3º, pois se mantiveram inalterados):

Art. 22. Os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real até o montante que não exceda ao valor calculado com base em taxa determinada conforme este artigo acrescida de margem percentual a título de spread, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Fazenda com base na média de mercado, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros. (…)

§ 4º – (revogado)

§ 5º – (revogado)

§ 6º – A taxa de que trata o caput será a taxa:

I – de mercado dos títulos soberanos da República Federativa do Brasil emitidos no mercado externo em dólares dos Estados Unidos da América, na hipótese de operações em dólares dos Estados Unidos da América com taxa prefixada;

II – de mercado dos títulos soberanos da República Federativa do Brasil emitidos no mercado externo em reais, na hipótese de operações em reais no exterior com taxa prefixada; e

III – London Interbank Offered Rate – LIBOR pelo prazo de 6 (seis) meses, nos demais casos.

§ 7º – O Ministro de Estado da Fazenda poderá fixar a taxa de que trata o caput na hipótese de operações em reais no exterior com taxa flutuante.

§ 8º – Na hipótese do inciso III do § 6º, para as operações efetuadas em outras moedas nas quais não seja divulgada taxa Libor própria, deverá ser utilizado o valor da taxa Libor para depósitos em dólares dos Estados Unidos da América.

§ 9º – A verificação de que trata este artigo deve ser efetuada na data da contratação da operação e será aplicada aos contratos celebrados a partir de 1º de janeiro de 2013.

§ 10. Para fins do disposto no § 9º, a novação e a repactuação são consideradas novos contratos.

§ 11. O disposto neste artigo será disciplinado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, inclusive quanto às especificações e condições de utilização das taxas previstas no caput e no § 6º. (sublinhamos)

A Lei nº 12.766/12 manteve a mudança que retirou do art. 22 a menção a registro do contrato de mútuo no BACEN (§ 4º). Assim, mais uma vez asseveramos que, a partir da vigência da nova lei (1º de janeiro de 2013), a regra de preço de transferência para apuração dos juros nos contratos de mútuo com pessoa vinculada passou a ser aplicada independentemente se o mútuo é ativo ou passivo, ou se o contrato foi ou não registrado no BACEN, da mesma forma que ocorrera com a edição da Lei nº 12.715/12

A principal mudança da nova lei deu-se quanto à quantificação dos juros. Vimos que, originalmente, a Lei nº 9.430/96 previa que os juros seriam, basicamente, a taxa LIBOR, mais spread de 3% ao ano. Com a Lei nº 12.715/12, os juros continuaram pela LIBOR mais spread 3%, com a possibilidade do Ministro da Fazenda reduzir ou aumentar esse spread por ato infralegal. Já com a Lei nº 12.766/12, os juros passarão a ser determinados pela taxa LIBOR ou pela taxa de mercados dos títulos soberanos emitidos no mercado externo, mais spread a ser definido pelo Ministro da Fazenda, desta vez com base na média do mercado.

Com isso, restou superada a inconstitucionalidade mencionada anteriormente, decorrente da edição da Lei nº 12.715/12. Na medida em que a definição do spread será pela taxa média de mercado, ao Ministro da Fazenda cabe, apenas, apontar por ato administrativo a referida taxa média para o período. Não caberá mais a tal autoridade aumentar ou diminuir o tributo discricionariamente, e assim não fica configurada a violação ao princípio da legalidade tributária. Houve, assim, uma sutil porém importantíssima diferença com relação à determinação dos spread para fins de quantificação dos juros, quando da aplicação das regras de tranfer pricing, tanto no mútuo ativo como no passivo.

A Lei nº 12.766/12 ainda trouxe uma terceira mudança relevante, ao estabelecer que a verificação (da taxa a ser utilizada, presume-se) deve ser efetuada na data da contratação da operação e será aplicada aos contratos celebrados a partir de 1º de janeiro de 2013. O legislador procurou esclarecer um ponto que abordamos acima, quando examinamos as características dos contratos de mútuo (espécie do gênero empréstimo): o momento em que ocorre a incidência da legislação de preços de transferência para fins os casos de juros. Como já dito, o contrato de mútuo, sendo um contrato real, se perfaz com a entrega da coisa (valor a ser emprestado) pelo mutuante ao mutuário.

Por fim, observe-se que a Lei nº 12.766/12 apontou expressamente que a novação é considerada um novo contrato, o que se mostra correto, já que a celebração de novos contratos simultaneamente com extinção dos anteriores desencadeia novas obrigações. Ao criarem-se novas obrigações em 2013, a legislação aplicável aos contratos de mútuo será aquela vigente no momento de ocorrência do evento jurídico necessário para formar a existência desse contrato: a entrega do montante de dinheiro pelo mutuante ao mutuário.

Ou seja, a partir de 1o de janeiro de 2013, após a vigência da Lei nº 12.766/12, ficou claro que o registro do contrato de mútuo no BACEN em nada influencia a taxa de juros para fins de determinação das regras de preço de transferência em operações financeiras entre partes relacionadas, tanto para mútuo passivo como ativo. Assim, andou bem a legislação em corrigir o safe harbour unilateral anteriormente existente para os mútuos passivos quando previa que o registro do contrato no BACEN afastava a incidência da taxa de juros máxima de LIBOR mais 3% para essas operações, deixando – a partir de 2013 – um tratamento equânime para ambos os mútuos inbound e outbound, sem qualquer distinção como havia anteriormente. Para os mútuos ativos, a nova legislação em nada altera a regra anteriormente existente, uma vez que o safe harbour valia apenas para mútuos passivos.

6. Conclusões

O Caso Janssen (Johnson & Johnson) permitiu uma crítica análise das regras de preço de transferência envolvendo os juros decorrentes de contratos de mútuo ativo entre pessoas vinculadas, mediante o enfrentamento dos principais argumentos levantados em torno desse julgado tanto pelo CARF como pela mídia. Ademais, esse caso serve também para atualizar o regramento aplicável a essa questão, analisando a considerável mudança legislativa envolvendo o art. 22 da Lei nº 9.430/96, único diploma legal no ordenamento brasileiro no que tange a preços de transferência para os juros.

De todo o exposto, pode-se sintetizar as conclusões obtidas da seguinte forma:

A) Redação original do art. 22 da Lei nº 9.430/96 (efeitos para juros pagos ou vencidos até 31.12.2012):

  1. Nos contratos de mútuo passivo entre partes vinculadas que tenham sido registrados no BACEN, os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL até o montante calculado com base na taxa registrada, entendida como aquela prevista no contrato de mútuo celebrado entre as partes (art. 22, § 4º da Lei nº 9.430/96 );
  1. Caso os contratos de mútuo passivo entre partes vinculadas não tenham sido registrados no BACEN, os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL somente no montante que não exceder ao valor calculado com base na LIBOR, para depósitos em dólares dos EUA pelo prazo de seis meses, acrescido de 3% anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros (art. 22, caput da Lei nº 9.430/96);
  1. Nos contratos de mútuo ativo entre partes vinculadas, por inexistir o safe harbour que permitiria a aplicação de taxa contratualmente prevista em caso de registro do contrato no BACEN, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente à operação para fins de IRPJ e CSLL, no mínimo o valor apurado segundo a fórmula anterior, isto é, LIBOR para depósitos em dólares dos EUA pelo prazo de seis meses, acrescida de 3% anuais a título de spread, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros (art. 22, § 1º da Lei nº 9.430/96);
  1. O § 4º do art. 22 não se aplica ao mútuo ativo, por isso o registro do contrato no BACEN não afasta a regra de preço de transferência do § 1º do mesmo artigo. E mesmo que afastasse, a exigência do registro do contrato não poderia ser desconsiderada diante de registro da mera remessa de capital (ROF), declaração de capitais brasileiros detidos no exterior (DCBE) ou em razão da inércia da autoridade monetária em regulamentar o registro dessa operação (ausência de procedimento específico de registro para mútuos ativos pelo BACEN);
  1. Os fundamentos que embasam nosso entendimento sobre a inaplicabilidade do safe harbour de registro do contrato no BACEN para os mútuos ativos são: inexistência de qualquer qualificadora limitando a incidência da regra de LIBOR mais 3% para o mútuo ativo no art. 22 da Lei nº 9.430/96; (ii) ausência da referência expressa prevendo a interação entre os §§ 4o e 1o do art. 22, o que impede, nos termos da Lei Complementar nº 95/98, que a regra de um parágrafo se aplique para o outro parágrafo; e (iii) a exceção do safe harbour exclusivamente para os mútuos passivos segue a política fiscal adotada pelo Brasil (formulary apportionment rudimentar), sobretudo considerando o momento econômico e contexto histórico envolvidos na época da edição da norma brasileira de preços de transferência; e
  1. Esse nosso entendimento restou mitigado na decisão do Caso Janssen, por força de decisão do CARF quando do exame desse assunto (decisão essa da qual discordamos), apesar de, expressamente, os conselheiros terem mencionado que inexistia possibilidade de registro de mútuo ativo perante ao BACEN.

B) Nova redação do art. 22 da Lei nº 9.430/96, após as Leis nº 12.715/12 e 12.766/12 (efeitos para juros pagos ou vencidos a partir de 01.01.2013):

  1. Foi inconstitucional a redução ou restabelecimento, por ato do Ministro de Estado da Fazenda, da taxa de spread para quantificação dos juros nos contratos de mútuo entre partes vinculantes, constante do § 5o do art. 22 (redação pela Lei nº 12.715/12) em virtude do princípio da legalidade tributária (art. 150, inc. I, da Constituição Federal), porém essa norma não chegou a viger no sistema jurídico brasileiro;
  1. Nos contratos de mútuo entre partes vinculadas formados de 1º de janeiro de 2013 em diante, a dedução (no caso do mútuo passivo) ou o reconhecimento de receita (no caso do mútuo ativo) de juros serão apurados pela taxa LIBOR ou pela taxa de mercados dos títulos soberanos emitidos no mercado externo (a depender da moeda a qual o mútuo tenha sido indexado), mais spread definido pelo Ministro da Fazenda com base na média do mercado (art. 22, caput e §§ 6º, 7º e 8º da Lei nº 9.430/96), atualmente de 2,5% (para mútuos ativos) e 3,5% (para mútuos passivos), conforme Portaria MF nº 427/2013[54];
  1. A conclusão anterior será aplicável também para mútuos pactuados ou novados de 1º de janeiro de 2013 em diante, isto é, formados a partir de 2013, inclusive (art. 22, §§ 9º e 10º da Lei nº 9.430/96); tal conclusão será aplicável aos contratos em questão independentemente de serem ou não registrados no BACEN (revogação do art. 22 § 4º pelo art. 79 da Lei nº 12.715/12);
  1. É constitucional a previsão legal de utilização da taxa média de mercado para apuração taxa de spread de juros nos contratos de mútuo entre partes vinculadas, cabendo ao Ministro da Fazenda apenas apontar tal média, mediante ato vinculado (art. 22, caput, in fine, com redação pela Lei nº 12.766/12), pois neste caso não há discricionariedade ao Ministro da Fazenda quanto à determinação da base de cálculo do IRPJ e CSLL; e
  1. A partir de 01.01.2013, o registro dos contratos de mútuo no BACEN foi finalmente extinto como regra de exceção (safe harbour) para determinar os juros aplicáveis no caso dessas operações realizadas entre partes vinculadas, não existindo mais qualquer efeito advindo desses registros a partir dessa data, seja para mútuos ativos ou passivos.

Finalmente, convém ressaltar que a decisão que embasou o presente trabalho, i.e., Caso Janssen, não possui, até o presente momento (novembro de 2013), caráter definitivo, sendo possível sua posterior reforma pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF.

Publicação original: Tributação Internacional: Análise de Casos – Volume 3. 1 ed. São Paulo: MP Editora, 2014, v.3, p. 239-282.


[1] Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

[2] Doutorando em Direito Tributário Internacional pela Universiteit Leiden, Holanda. Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo – USP (honras e nota máxima). Master of Laws (LL.M.) in Taxation pela Georgetown University Law Center, EUA (Graduate Tax Scholarship e Dean’s Certificate award). Pós-Graduado em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi associado estrangeiro do escritório Milbank, Tweed, Hadley and McCloy LLP em Nova Iorque (2011-2012). Atualmente é o Tax Section Reporter representante do Brasil na International Bar Association (IBA) de Londres (biênio 2012-2013). Membro da International Fiscal Association (IFA), da American Bar Association (ABA) e da Federal Bar Association, D.C. Chapter. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação e Extensão na Escola Superior de Advocacia da OAB-SP; da Trevisan Escola de Negócios; da Fundação Armando Álvares Penteado de São José dos Campos; da Associação Paulista de Estudos Tributários; da GVLaw e do IBDT. Advogado em São Paulo.

[3] POMBO, Bárbara. Conselho afasta aplicação do preço de transferência. Valor Econômico, São Paulo, 08 de março de 2012. Caderno Legislação & Tributos.

[4] OECD Transfer Pricing Guideliness for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Paris: OCDE 1995-2010, item 1.2.

[5] Expressão cunhada por Adam Smith em sua célebre obra “A Riqueza das Nações”.

[6] Vide, por exemplo, o Código de Conduta para a efetiva implementação da Convenção relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas (Jornal Oficial da União Europeia, 30 dez 2009, p. C322).

[7] Vide, por exemplo, Comunicado da Comissão das Comunidades Europeias relativa aos trabalhos efetuados pelo Fórum Conjunto da UE sobre Preços de Transferência entre Março de 2007 e Março de 2009 e a uma proposta de Código de Conduta revisto para a efetiva implementação da Convenção de Arbitragem, de 14 set. 2009, e a decisão da Comissão das Comunidades Europeias de 13 de maio de 2003 (Jornal Oficial da União Europeia, 28 jan. 2004, p. L23).

[8] SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2ª edição, São Paulo: Dialética, 2006, p. 36.

[9] A versão original da Lei nº 9.430/96 foi alterada pelas Leis nº 9.532/97, 9.959/00, 10.451/02, 10.637/02, 10.833/03, 11.051/04, 11.033/04, 11.196/05, 11.488/07, 11.508/07, 11.727/08, 11.941/09, 12.249/10, 12.350/10, 12.382/11, 12.431/11, 12.715/12, 12.766/12; 12.788/13, 12.873/13, 12.844/13, 12.873/13 e Medida Provisória nº 627/13, até o presente momento.

[10] OCDE, Transfer Pricing guidelines for enterprises and tax administration. Paris: OCDE, 2001.

[11] SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2013; BARRETO,Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001; GREGÓRIO, Ricardo Marozzi. Preços de Transferência: arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011 (Série Doutrina Tributária, Vol. V).

[12] CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes. Normas brasileiras de preços de transferência e o princípio do arm’s length no Brasil: hipótese de treaty override. Revista de Direito Tributário da APET, v. 23, p. 67-94, 2009. Vide ainda: CASTRO, Leonardo. F. M. Treatment of synergy for transfer pricing purposes: Code Secs. 367(d), 482 and 936 A critical analysis based on TAM 200907024 and the Obama Administration’s proposals. International Tax Journal, v. 37, p. 39-59, 2011.

[13] Nesse sentido, ver compilação de artigos reunidos em Tributos e Preços de Transferência, 1º vol., 1997 (coordenado por Valdir de Oliveira Rocha), 2º vol., 1999 (coordenado por Valdir de Oliveira Rocha), 3º vol., 2009 (coordenado por Luís Eduardo Schoueri) e 3º vol., 2013 (coordenado por Luís Eduardo Schoueri), todos pela editora Dialética, São Paulo. Há compilações também em Manual de Preços de Transferência no Brasil (coordenado por Alexandre Siciliano Borges e outros). São Paulo: MP, 2007 e Preços de Transferência (coordenado por Edison Carlos Fernandes). São Paulo: Quartier Latin, 2006.

[14] Sobre formulary apportionment vide: AVI-YONAH, Reuven S.; CLAUSING, Kimberly A.; DURST, Michael C. Allocating Business Profi ts for Tax Purposes: A Proposal to Adopt a Formulary Profit Split, University of Michigan Law School, Public Law and Legal Theory Working Paper Series, Working Paper No. 138 (2008); BUCKS, Dan; MAZEROV, Michael. The State Solution to the Federal Government’s International Transfer Pricing Problem, 46(3) NAT’L TAX J. 385 (1993); DURST, Michael, A Statutory Proposal for U.S. Transfer Pricing Reform, 115 TAX NOTES 1047 (2007); SHACKELFORD, Douglas; SLEMROD, Joel. The Revenue Consequences of Using Formula Apportionment to Calculate U.S. and Foreign-Source Income: A Firm-Level Analysis, 5(1) INT’L TAX AND PUB. FIN. 41 (1998); e WEINER, Joann M. Redirecting the Debate on Formulary Apportionment, 115 TAX NOTES 1164 (2007); dentre outros.

[15] RIDOLFO NETO, Arthur. Controle Fiscal das Operações Financeiras. In FERNANDES, Edson Carlos (coord.). Preços de Transferência. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 217.

[16] Essas e as outras informações sobre Janssen-Cilag e demais empresas que compõem o grupo Johnson & Johnson aqui mencionadas foram obtidas no website das respectivas empresas, verbetes obtidos na internet, nas fichas cadastrais da Junta Comercial do Estado de São Paulo, comprovantes de inscrição e de situação cadastral da Receita Federal do Brasil, dados da lista Fortune 500 e relatórios estatísticos da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e do IMS Health Institute. Todas essas informações são de conhecimento público e de livre acesso para qualquer interessado, e nenhuma informação que serviu de base para a elaboração e estudo desse trabalho possui natureza confidencial ou sigilosa.

[17] Pág. 3 do Acórdão nº 1103-00.263 de 2010.

[18] A fiscalização verificou que em seis dos oito contratos de mútuo, a remuneração juros acordados contabilizados foi inferior ao que estabelecia a legislação tributária à época.

[19] Essas incidências tributárias reflexas, i.e., variação cambial e incidência de PIS/COFINS, por se desviarem do tema deste artigo, não serão analisados em nosso estudo, por não se relacionarem especificamente com as regras de preço de transferência aplicáveis aos juros.

[20] Acórdão nº 1103-00.263, 1ª Câmara, 3ª Turma Ordinária, julgado na sessão de 3 de agosto de 2010, relator conselheiro Mário Sérgio Fernandes Barroso.

[21] O Recurso Especial interposto pela Fazenda Nacional atualmente aguarda exame de admissibilidade pela 1ª Câmara do Conselho Superior de Recursos Fiscais, desde 24/08/2012.

[22] POMBO, Bárbara. Conselho afasta aplicação do preço de transferência. Valor Econômico, São Paulo, 08 de março de 2012. Caderno Legislação & Tributos.

[23] “Art. 3º. Fica instituído, na Superintendência da Moeda e do Crédito, um serviço especial de registro de capitais estrangeiros, qualquer que seja sua forma de ingresso no País, bem como de operações financeiras com o exterior, no qual serão registrado: a) os capitais estrangeiros que ingressarem no País sob a forma de investimento direto ou de empréstimo, quer em moeda, quer em bens; b) as remessas feitas para o exterior com o retorno de capitais ou como rendimentos desses capitais, lucros, dividendos, juros, amortizações, bem como as de “royalties”, ou por qualquer outro título que implique transferência de rendimentos para fora do País;”

Ressaltamos que a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) era a autoridade monetária da época da edição da lei, tendo sido extinto em 1965 com a criação do Banco Central do Brasil (BACEN).

[24] Resolução CMN nº 1.453/88

[25] MOSQUERA, Roberto Quiroga; e FREITAS, Rodrigo de. Reflexos Financeiros dos Preços de Transferência: Conceito de Registro no Banco Central nas Operações de Mútuo “Inbound” e “Outbound”. In SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 233-234.

[26] Atualmente, a Resolução CMN nº 3.844/10 consolidou, em um único normativo, as disposições gerais relacionadas ao capital estrangeiro no País e seu registro junto ao Banco Central do Brasil. Já a Circular BACEN nº 3.491/10 regulamentou a matéria, inserindo no âmbito do Regulamento de Câmbio e de Capitais Internacionais (RMCCI) as disposições aplicáveis.

[27] RIDOLFO, Arthur. Controle fiscal das transações financeiras. In: FERNANDES, Edison Carlos (coord.). Preços de Transferência. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 220.

[28] SCHOUERI, Luís Eduardo. Margens predeterminadas, praticabilidade e capacidade contributiva. In SCHOUERI, Luis Eduardo (coord.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 121.

[29] AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. O preço de transferência e critérios de comparabilidade. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 2. São Paulo: Dialética, 1999, pp. 74-75.

[30] SCHOUERI, Luis Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro, cit., p. 384.

[31] SCHOUERI, Luis Eduardo. idem, p. 386.

[32] Cf. SCHOUERI, idem, p. 380.

[33] SCHOUERI, Luís Eduardo. Margens Predeterminadas, Praticabilidade e Capacidade Contributiva. In SCHOUERI, Luis Eduardo (coord.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 119.

[34] MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.317.

[35] Sobre o tema vide COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e Justiça Tributária: Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007.

[36] CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 250: “Fala-se, muito, no princípio da ‘praticabilidade’. Ao meu sentir, este tal não foi e jamais será princípio jurídico. É simples tendência para igualar e simplificar, sem considerar os princípios da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva”.

[37] DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 789.

[38] SCHOUERI, Luís Eduardo. Margens Predeterminadas, Praticabilidade e Capacidade Contributiva. In SCHOUERI, Luis Eduardo (coord.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 119.

[39] VASCONCELLOS, Roberto França de. Reflexos Financeiros e Cambiais dos Preços de Transferência. In SCHOUERI, Luis Eduardo (coord.). Tributos e Preços de Transferência, vol. 3. São Paulo: Dialética, 2009, pp. 224-225.

[40] BIFANO, Elidie; e AGUIAR, Luciana. Anotações sobre Operações Internacionais com Finalidade de Cobertura (Hedge). In Revista de Direito Tributário Internacional nº 9. São Paulo, Quartier Latin, p. 111.

[41] ANDRADE FILHO. Edmar Oliveira. Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Atlas, 2004, p. 322.

[42] “E, como já deduzido, a meu ver, separar o § 1º do art. 22 da Lei 9.430/96 do caput desse artigo seria não só contraditar a ratio legis, como contrariar o § 4º do mesmo art.22, além de desertar a interpretação sistemática e criar uma autonomia que a lei não previu(não se está diante de um art. 22A posteriormente criado, nem de um art. 23)” – Pág. 14 do acórdão do Caso Janssen.

[43] MOSQUERA, Roberto Quiroga. O Regime Jurídico-Tributário dos Preços de Transferência e a Lei nº 9.430/96. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Tributos e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 1997, p. 99.

[44] Excerto do voto do Min. Moreira Alves no julgamento, pela 1ª Turma do STF, do RE 130.522/SP, jun/91, RTJ 136/1342.

[45] A definição do referido princípio é a de que “contratos devem ser respeitados”, i.e., primazia da vontade das partes na regulação dos negócios jurídicos.

[46] O modelo “fracionado” ou “formulary apportionment”, conhecido como método unitário, é um padrão diferente para os preços de transferência, utilizado em contraste com o padrão arm’s length. Em 1934, quando a Liga das Nações sugeriu que as autoridades fiscais devessem buscar a aproximação dos resultados que teriam sido obtidos se as entidades fossem não-relacionadas e tivessem negociado umas com as outras at arm’s length, o método unitário ou o formulary apportionment foi rejeitado, optando-se pela adoção do “princípio” at arm’s length para esses casos. (LEVEY, Marc M.; WRAPPE, Steven C. Transfer Pricing: Rules, Compliance and Controversy. Chicago, CCH: 2010, p.41).

[47] Também criticando a adoção dos métodos existentes para apuração do preço de transferência na legislação brasileira, aduzindo que parâmetros mais objetivos deveriam ser buscados, por meio de métodos e fórmulas mais minuciosos, vide VASCONCELLOS, Roberto França de. op.cit., p. 227.

[48] Esse também é o posicionamento da doutrina: “as normas de safe harbour devem ser interpretadas de forma estrita, mas não restritiva, possibilitando que o sentido das disposições que trazem seja seguido como se apresenta, sem sofrer restrição ou extensão” (SCHOUERI, Luis Eduardo. op.cit., p. 384).

[49] POMBO, Bárbara. Conselho afasta aplicação do preço de transferência. Valor Econômico, São Paulo, 08 de março de 2012. Caderno Legislação & Tributos.

[50] Conforme o art. 87 da Lei nº 9.430/96: “Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 1997”.

[51] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 606.

[52] RIZZARDO, Arnaldo. op.cit., p. 603.

[53] “Comissão aprova novas regras para o preço de transferência”. Valor Econômico, São Paulo, 06 jul. 2012.

[54] Essa margem de spread, contudo, foi reduzida a zero às operações ocorridas entre 01.01.2013 e 02.08.2013, ou seja, período prévio à publicação da Portaria MF nº 427/2013.

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