Direto ao ponto: a discussão sobre a constitucionalidade da contribuição social instituída pelo art. 1º da LC 110/2001 permanece viva. Em que pese o STF ter decidido pelo não exaurimento da finalidade para a qual foi instituída essa contribuição social, permanece pendente a análise sobre a constitucionalidade da materialidade sobre a qual incide, visto que no recente tese fixada pelo Suoremo (Sistema S – RE 559.937) não se afirmou – em sentido amplo e geral – que as bases de cálculo previstas pela EC 33/2001 são meramente exemplificativas. Ou seja, todas as demais discussões embaladas na inconstitucional oneração da folha de salários, haja vista a taxatividade da EC nº 33/2001, permanecem vivas.
Em 2001 foi editada a Lei Complementar nº 110 responsável pela criação de uma contribuição social que tinha por finalidade a recomposição dos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I das contas vinculadas ao FGTS.
Tratando-se de uma contribuição social geral, vinculada, assim, às disposições do artigo 149 da Constituição Federal, todo o produto de sua arrecadação deve ter uma finalidade e, portanto, destinação pré-determinada. A qualificação finalística da contribuição que não possui caráter previdenciário é requisito de validade da lei que a instituiu.
Aquele critério de validade das contribuições sociais gerais é unanimemente reconhecido pela comunidade jurídico-tributária, incluindo o Supremo Tribunal Federal e os grandes doutrinadores pátrios.
Com base nesse fundamento, portanto, do escoamento da finalidade para a qual foi instituída a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110/2001, os contribuintes interpuseram milhares de ações para ter reconhecido o seu direito ao não pagamento da exação que continuou a ser exigida, mesmo após a Caixa Econômica Federal (“CEF”) e os Ministérios do Trabalho e da Fazenda terem editado diversas comunicações informando a suficiência dos valores arrecadados para saldar a dívida do Tesouro Nacional para com os trabalhadores, decorrente do pagamento dos expurgos inflacionários na correção monetária dos saldos do FGTS.
O tema, deveras relevante, teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF e foi julgado nos autos do Recurso Extraordinário nº 878.313, em 17 de agosto de 2020, ocasião em que, para a surpresa da maioria, foi fixada a tese da constitucionalidade da contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, pasmem, “tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída”.
O STF, ao analisar o tema, concluiu que a contribuição social em questão não se destinava exclusivamente à recomposição dos saldos do FGTS no que concerne aos expurgos inflacionários relativos aos Planos Verão e Collor I. Feita a ressalva de que a finalidade da contribuição não pode ser confundida com os motivos determinantes de sua criação, a maioria dos Ministros entendeu que “a contribuição (…) foi criada para preservação do direito social dos trabalhadores previsto no art. 7º, III, da Constituição Federal, sendo esta sua genuína finalidade”, o que, portanto, naquela visão, autorizaria, a título de exemplo, a utilização do produto arrecadado no Programa Minha Casa, Minha Vida.
Críticas à parte à decisão com a qual não concordamos, fato é que a tese para afastamento dessa contribuição estatuída pelo art. 1º da LC nº 110/2001 ainda não morreu.
Por ocasião do julgamento do RE nº 878.313, o STF não analisou a inconstitucionalidade superveniente da contribuição que, atualmente, está, no que tange à sua base de cálculo, em desacordo com a sua regra matriz.
Isso porque, com a edição da Emenda Constitucional nº 33, em 2001, o art. 149 da Constituição Federal foi acrescido do parágrafo 2º, que dispõe que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico poderão ter alíquotas ad valorem tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.
Esse rol de materialidades possíveis já havia sido julgado taxativo pelo STF, conforme voto da Ministra Ellen Gracie, no Recurso Extraordinário nº 559.937, julgado sob a sistemática de repercussão geral e dando origem ao Tema 1. Naquela oportunidade foi esclarecido que o legislador, com o advento da EC 33/01, passou a enunciar as bases econômicas para delimitar a competência tributária relativa à instituição de contribuições de seguridade social (gerais de intervenção no domínio econômico e do interesse das categorias profissionais).
Nesse sentido, o termo “poderão” constante da redação daquele parágrafo 2º não enunciaria alternativa de tributação sobre rol de bases de incidência meramente exemplificativo. Ao contrário, o termo tem feição negativa ou limitadora. Ou seja, autoriza a tributação sobre as materialidades expressas no texto legal, limitando qualquer outra ali não contida (rol taxativo). Essa é uma forma encontrada pelo legislador para evitar a pulverização de contribuições sobre bases de cálculo não previstas no texto constitucional, evitando-se efeitos extrafiscais inesperados e adversos.
Logo, é possível concluir com facilidade, que a base de cálculo da contribuição a que se refere o art. 1º da LC 110/2001 (“montante de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS”) não se encaixa em qualquer uma das opções destacadas no texto constitucional inserido pela EC nº 33/2001 (faturamento, receita bruta, valor da operação e/ou valor aduaneiro), o que nos levaria à necessária declaração da inconstitucionalidade superveniente da exação e, portanto, de sua revogação a partir de 12/12/2001.
Esse argumento ainda pende de análise pelo STF, o que deverá acontecer por ocasião do julgamento da ADIs 5050, 5051 e 5053, ainda sem data prevista para entrar na pauta do Supremo.
A ressureição dessa tese que todos deram por morta precisará vencer também uma outra batalha no Supremo Tribunal Federal: a constante afronta ao princípio da segurança jurídica e da legalidade, em função do posicionamento meramente consequencialista de alguns Ministros.
Explicamos: recentemente tivemos o julgamento do RE 559.937, no qual foi firmada a tese de que “as contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI, com fundamento na Lei 8.029/1990, foram recepcionadas pela EC 33/2001”.
Em outras palavras, foi declarada a constitucionalidade das chamadas contribuições ao Sistema S, cuja materialidade não encontra amparo naquele mesmo parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal, em inegável abalo à segurança jurídica, haja vista a abrupta mudança de entendimento vinculante da Corte e à consequente afronta àquele Tema 1 sobre o qual comentamos acima, oriundo do julgamento do RE 559.937 e que fixara a tese de que “é inconstitucional a parte do art. 7º, I, da Lei 10.865/2004 que acresce à base de cálculo da denominada PIS/COFINS-importação o valor do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e o valor das próprias contribuições”.
Como já anunciamos, a análise do tema foi realizada sob a ótica das consequêcias econômicas que poderiam advir de uma decisão do Supremo, haja vista que “uma interpretação restritiva do texto constitucional, no tocante às contribuições sociais e interventivas, com base no artigo 149, levaria à derrogação de uma multiplicidade de incidências sobre a folha de salários”, foi a fala do Ministro Dias Toffoli.
Direito ao ponto: o que poderia ser lido como a segunda morte, e agora definitiva, da tese relacionada à contribuição instituída pelo art. 1º da LC 110/2001 abre, porém, apenas mais um capítulo da batalha entre Fisco e Contribuintes e, agora, entre Contribuintes e o Consequencialismo Judiciário, visto que a tese fixada pelo STF (RE 559.937) não o foi em sentido amplo e geral, de forma que não se afirmou que as bases de cálculo previstas pela EC 33/2001 são meramente exemplificativas. Ou seja, todas as demais discussões embaladas na inconstitucional oneração da folha de salários, haja vista a taxatividade da EC nº 33/2001, permanecem vivas, podendo ser examinadas e discutidas pelo Plenário do Supremo, sobretudo após a alteração de sua composição, com a aposentadoria por vir dos Ministros Marco Aurelio e Celso de Mello.