Direto ao ponto: Como tivemos a oportunidade de abordar neste mesmo Tax & Ponto há um ano, nossa legislação tributária prevê que são isentos dos tributos corporativos sobre renda e lucro (IRPJ e CSLL) os resultados obtidos pelo gozo de benefícios fiscais, sendo estes primordialmente aqueles relativos a regimes diferenciados de ICMS concedidos pelos Estados como estímulo a empreendimentos privados. Tendo em vista a histórica resistência do fisco federal em aceitar quaisquer incentivos de ICMS como subvenções isentas, os contribuintes vêm se socorrendo do Poder Judiciário, onde temos visto cada vez mais decisões reconhecendo seu direito. Se parte dos fundamentos é útil inclusive para pleitear a não sujeição dos benefícios de ICMS às contribuições PIS e COFINS, começam a surgir algumas discussões que agregam variáveis novas à tese, como as que ponderam sobre o cabimento de se perquirir sobre o repasse do incentivo aos contribuintes de fato do ICMS (os compradores/clientes incentivados), sobre a existência e destino de reservas de lucro e até sobre a espécie de benefício concedido (se crédito outorgado, redução de base, redução de alíquota ou diferimento, por exemplo). No final, embora configurada como efetiva oportunidade valiosa, já é possível identificar um espectro de risco nas situações em questão, variando de cenários de êxito provável até situações em que a vitória do contribuinte ainda não é tão otimista.
Histórico do tema subvenções e a isenção de IRPJ e CSLL
No já mencionado artigo de um ano atrás traçamos um resumo didático dos últimos quarenta anos de discussão do tema. Ali, é possível notar a seguinte evolução, aqui muitíssimo resumida:
- A ciência contábil há muito reconhece a realidade econômica de que governos podem incentivar empreendimentos por meio de reduções de tributos ou transferências patrimoniais, dando a ambos o nome de subvenções;
- As subvenções ganharam importância em termos tributários quando o Decreto-Lei 1.598, ainda em 1977, as dividiu entre as de custeio (mera transferência de vantagens ao particular, desvinculada a quaisquer contraprestações) e as para investimento (quando o benefício está atrelado e condicionado a investimentos do beneficiado, como a instalação de unidades fabris, geração de empregos etc);
- Isso porque a mesma legislação original previu que apenas as subvenções para investimento seriam isentas do imposto de renda corporativo, e desde que refletidas em reservas de capital, cujo destino também ficava restrito, podendo tal saldo ser utilizado apenas para absorção de prejuízos ou incorporação ao capital social;
- Até então, os contribuintes normalmente debatiam o tema com a Receita Federal do Brasil a respeito da efetiva qualificação de incentivos de ICMS como subvenções para investimento, celeuma que não raro passava pela difícil tarefa de se ponderar a respeito do quão custosas seriam as contrapartidas por eles entregues em comparação ao incentivo gozado; O destino das reservas de capital também era objeto de disputas, assim como a configuração de tais resultados como base sujeita ao PIS e à COFINS;
- Com a padronização da contabilidade brasileira ao cenário internacional, deixou de existir a reserva de capital, tendo ela sido substituída por reserva de lucros, permanecendo de certa forma a mesma discussão a respeito da qualificação dos benefícios como renda e receita tributável;
- Em 2017, com a Lei Complementar 160 e um precedente importante do Superior Tribunal de Justiça, os regimes incentivados de ICMS passaram a ser amplamente entendidos como subvenções aptas a gozar da isenção de IRPJ e CSLL, seja pela expressa previsão normativa nesse sentido na LC 160 (que fora objeto de veto presidencial, oportunamente derrubado no Congresso), seja pela interpretação de que permitir a tributação federal de incentivos estaduais feriria o constitucional pacto federativo;
- Desde então, nota-se que a resistência do fisco federal, expressa em diversas Soluções de Consulta, centra-se na suposta necessidade de que os benefícios de ICMS tenham sido conferidos pelo Estado como instrumento de incentivo à implantação ou expansão de empreendimento em seus territórios;
- Com igual força, mas sentido contrário, temos decisões reconhecendo a inaplicabilidade do raciocínio do fisco federal, o que vem motivando contribuintes a nem sequer buscarem guarida judicial para assumirem isentos de IRPJ e CSLL seus respectivos resultados; Por vezes, tal conduta é igualmente aplicada na apuração das contribuições PIS/COFINS e alcança diferentes tipos de incentivos que não apenas os chamados créditos outorgados, objeto dos precedentes judiciais mais reiterados;
Aparentemente, da mesma forma que o tema subvenções se tornou onipresente nos debates sobre eficiência tributária em 2022, diversas foram as interpretações e variáveis agregadas à tese por contribuintes e autoridades. Dessas novas frentes de argumentação, destacamos as seguintes:
Nova variável 1 à tese: existência e destino das reservas de lucro de incentivo
Com o julgamento, em 2017, pelo STJ, de que as subvenções estaduais de ICMS não podem ser tributadas pelo fisco federal porque tal conduta afrontaria o pacto federativo, surgiu um flanco explorado pelos contribuintes: de que seria igualmente inconstitucional a exigência (pelo artigo 30 da Lei 12.973) de que tais resultados fossem destinados a reservas de lucro, assim como a condição de que, presentes tais reservas, fossem elas utilizáveis exclusivamente para capitalização ou absorção de prejuízos.
De fato, se levado a ferro e fogo o argumento de que fere a autonomia dos entes federados a tributação pela União federal de benefícios concedidos às custas dos cofres estaduais, não se pode negar que a eventual inobservância da constituição e/ou destino da reserva não poderia ser suficiente a permitir uma tributação inconstitucional sob aquela ótica.
Quanto a esta questão, o que notamos é que por vezes os contribuintes possuem a reserva e a destinam apenas aos fins indicados pelo mencionado artigo 30, de modo que as decisões judiciais ali aplicáveis não se debruçam sobre o tema, porque desnecessário o seria. Existem precedentes que deram maior valor à condição da reserva, reputando-a condição legal para que o fisco federal deixe de exigir IRPJ/CSLL. Por outro lado, a tese permanece com força, pois não haveria como o federalismo conviver com aquela condição, tal qual já afirmado pelo Judiciário.
Nova variável 2: espécie de incentivo fiscal de ICMS e o problema do “crédito negativo”
Possivelmente influenciada pela enxurrada de decisões negativas (sob seu ângulo) no tema subvenções, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional criativamente lançou em juízo um debate tão complexo quanto diverso (e algo equivocado): o de que nem todo regime beneficiado de ICMS poderia ser encarado como subvenção para investimento, ainda que atendidos estejam as condições do artigo 30 (recordando: i. incentivo à implantação ou expansão de empreendimento; ii. constituição de reserva de lucros; e iii. destinação limitada da mesma reserva).
De fato, vimos este ano decisões abordando o argumento habilmente lançado pela PGFN no sentido de que, ao contrário dos precedentes do STJ (favoráveis aos contribuintes) em que a situação de fundo se relacionava a créditos outorgados de ICMS, onde existe uma supostamente real e inescapável necessidade de se lançarem créditos nos livros fiscais e contábeis das empresas, situações de “mera” isenção de ICMS, entre outras, não representariam hipótese alcançada pela isenção de IRPJ e CSLL.
Na ótica do argumento, enquanto créditos outorgados de ICMS merecem ser considerados subvenções, isenções não, pois equivaleriam a um “crédito negativo”(?!), incapaz de gerar resultados passíveis de serem alcançados pela não incidência dos tributos federais.
Por ora, parece-nos cedo para que se possa definir se a distinção entre o tipo de benefício vá ganhar tal relevância. Contudo, de imediato parece exagerada a conclusão de que o lucro decorrente de uma economia de ICMS mereça ou não ser isento de tributos federais a depender do mecanismo adotado pelo Estado para tanto.
Nova variável 3: pacto federativo x isenção heterônoma
Em ao menos um dos recentes precedentes judiciais sobre subvenções, a PGFN lançou o argumento de que um benefício de ICMS não poderia trazer consigo uma isenção de IRPJ/CSLL porque tanto seria equivalente a permitir que Estados conferissem reduções de arrecadação federal, configurando espécie de isenção heterônoma, proibida com base no mesmo princípio do federalismo usado pelo STJ para não permitir a tributação federal de subvenções estaduais.
Aqui podemos ser mais enfáticos, traçando uma crítica simples e mortal a tal argumento: ele não sobrevive à lógica. Não há como se considerar que subvenções de ICMS (estadual) trazem consigo uma isenção de IRPJ/CSLL (federal) porque o que elas trazem consigo é meramente um resultado positivo (lucro do contribuinte), equivalente ao tributo (ICMS) economizado. Se esse resultado é isento, tal decorre de uma expressa norma de IRPJ/CSLL, que não é de autoria dos Estados, mas de nosso Congresso brasileiro = conjunção da lei 12.973 com a lei complementar 160.
Nova variável 4: alvo e destino dos incentivos
Como vimos, à medida que mais e mais contribuintes e setores se valem da tese de que subvenções de ICMS geram resultados que são sempre isentos de IRPJ e CSLL, variantes da tese surgem e demandam posicionamento do judiciário.
Entre elas, podemos por fim destacar a que avalia se a eventual destinação da economia obtida com o ICMS é significante para a reflexa isenção dos resultados a tributos federais.
Nesse sentido existe a oportuna questão: pode o contribuinte de ICMS se valer da isenção de IRPJ/CSLL, com base na tese de que se trata de subvenção merecedora do benefício, se o incentivo do tributo estadual estiver direcionado a seu cliente? Em outras palavras, existe espaço para a isenção federal se o resultado em questão estiver atrelado a uma economia de ICMS que, seja pela forma obtida (isenção, redução de base ou alíquota, créditos outorgados e outros), é repassada no preço das mercadorias, ou está explicitamente direcionada a privilegiar não o fornecedor (contribuinte de direito do imposto) mas seu cliente (contribuinte de fato)?
Quanto a essa variável, ainda não vimos decisões dando importância ímpar ao destino do incentivo. Ainda que eventualmente existam condições na própria legislação estadual, ou sua exposição de motivos e tramitação perante a assembleia legislativa indiquem tal desejo, o fato de o benefício de ICMS impactar o preço e o mercado em que inserido o contribuinte parece ter menos importância para fins de isenção de IRPJ/CSLL do que para outras questões (como na exigência de prova de não repasse ou autorização do contribuinte de fato para ressarcimento do indébito estadual, tal qual imposto pelo artigo 166 do Código Tributário Nacional). Acaso se dê tal importância, seria efetivamente complexo e quiçá economicamente inviável se evidenciar que não teria havido o repasse, porque se os preços forem reduzidos haveria um natural obstáculo à criação de uma reserva de lucros equivalente. Por ora, esta é uma variável ainda pouco explorada, sendo de qualquer forma combatida pela ausência de tal condição na maioria dos incentivos estaduais.
Direto ao ponto: Como já antes dissemos, a nosso ver, tendo em conta os precedentes hoje existentes, os contribuintes tem prognóstico favorável em uma eventual demanda contra a tributação pelo IRPJ e CSLL dos benefícios estaduais, primeiro porque a LC 160 expressamente presumiu como subvenção para investimento quaisquer regimes especiais de ICMS, segundo porque a mera concessão de incentivos de ICMS são inevitavelmente espécie de norma indutora que representa efetivo “estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”, e terceiro porque onerar com tributos federais uma economia conferida às custas de cofres estaduais é nitidamente contrário ao pacto federativo. Ponderar a respeito da necessidade de constituição de reservas, seu destino ou a espécie de regime fiscal estadual privilegiado agrega variáveis, mas não nega a essência da tese, que fica, na pior das hipóteses, com seu êxito rebaixado de provável a possível.