Direto ao ponto: embora haja algum rumor de que o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/COFINS também afetaria o valor dos créditos dessas contribuições sobre aquisições de serviços e bens revendidos ou utilizados como insumo, a verdade é que a chamada “tese do século” nunca alcançou esses efeitos, mas apenas o conceito de receita. Sendo a não cumulatividade das contribuições PIS/COFINS ordinariamente apurada pelo conceito “base contra base”, o valor efetivamente pago pelo fornecedor a título de PIS/COFINS não impacta o crédito do adquirente, que via de regra segue sendo apurado pela alíquota de 9,25% sobre o valor da operação de fornecimento.
Após um prolongado e penoso suspense, o STF encerrou o julgamento da chamada “tese do século” em favor dos contribuintes, tendo reconhecido não ser constitucional o cômputo do valor do ICMS destacado nas notas fiscais de venda como receita do vendedor, de modo a reduzir a base de cálculo das contribuições PIS e COFINS devidas.
Como abordado em alguns eventos e artigos nossos sobre o tema (exemplo aqui), há diversos reflexos desse caso, com sensíveis discussões envolvidas, mas em um resumo geral podemos dizer que há notável economia fiscal na cadeia de suprimento de bens, sendo inclusive provável uma renegociação de preços entre fornecedores e seus clientes.
Um dos desafios novos será a formação de preço, já que a decisão inova em uma rotina bem sedimentada. O ICMS sempre incidiu e segue incidindo sobre sua própria base, havendo alíquotas nominal e efetiva bem conhecidas pelo mercado, que contemplam em sua base o valor de PIS/COFINS, mas estas contribuições, que até agora também incidiam sobre o ICMS, passam a ser recalculadas sem o imposto estadual na base. Contribuintes que venham a ser procurados por clientes para renegociação de termos devem estar atentos ao recálculo de sua margem de lucro, pois os efeitos benéficos do julgamento da tese não deveriam ser desperdiçados sem uma consciente escolha de preço.
Por outro lado, há certo temor no mercado quanto aos efeitos da tese no custo de aquisição dos mesmos bens, eis que estes geram créditos da chamada não cumulatividade para serem oportunamente descontados tanto do ICMS como do PIS/COFINS devidos pelo próprio adquirente. Como a aquisição de mercadorias traz consigo tais créditos, mas o julgado do STF reduz PIS e COFINS devidos pelo fornecedor, há sinceras dúvidas sobre eventual impacto nesses créditos da não cumulatividade das contribuições, ou ao menos em relação à postura que fisco adotaria nesse quesito.
Contudo, a nosso ver o julgamento do STF não impactou em nada a não cumulatividade de PIS/COFINS, pois esta sequer era parte da tese avaliada na Corte. Ali se discutiu meramente o conceito de receita, eleito constitucionalmente como uma das possíveis bases de cálculo de contribuições sociais de competência da União. O julgamento se referia então à possibilidade de as leis que exerceram a competência federal alcançarem o ICMS destacado na operação de venda como receita sujeita a PIS/COFINS.
De fato, embora as normas que tratam da não cumulatividade federal tenham sido abordadas no julgamento, também o foram as normas que se aplicam ao regime cumulativo. A lide se construiu em volta do pedido dos contribuintes, que nunca se referiam aos créditos da não cumulatividade, que sequer existia quando o tema foi levado ao Judiciário pela primeira vez.
Por fim, entendemos que, ainda que o STF quisesse avaliar o tema da não cumulatividade, o veredicto não seria diferente e os créditos não seriam afetados, eis que a opção do legislador ao criar tal regime para as contribuições PIS e COFINS foi clara no sentido de ignorar o montante pago pelo fornecedor.
Diferentemente do que temos (há muito mais tempo) no ICMS, o valor agregado buscado na não cumulatividade de PIS/COFINS não se alcança mediante o uso de créditos pertinentes ao tributo pago pelas etapas anteriores da cadeia e destacado em Notas Fiscais ou documentos de cobrança, mas sim à base de cálculo potencialmente tributada pelos fornecedores.
Em outros termos: salvo poucas exceções (como nas importações realizadas pelo próprio contribuinte), nunca interessou ao contribuinte de PIS/COFINS não cumulativo o valor efetivamente gasto por seu fornecedor, pois seu crédito se refere apenas (i) à natureza da despesa pertinente à entrada (mercadorias para revenda, insumos, energia elétrica, aluguel etc) (ii) ao fato de elas terem estado sujeitas a alguma tributação de PIS/COFINS na operação de entrada (saída do fornecedor); e (iii) ao vínculo delas com vendas do próprio contribuinte passíveis de apropriar créditos. Exemplo típico é a compra de mercadorias de contribuintes sujeitos à cumulatividade, em que o revendedor sujeito à não cumulatividade tem crédito de 9,25% do valor da compra mesmo tendo sido recolhidos 3,65% pelo fornecedor.
Direto ao ponto: diferentemente do ICMS, em que a não cumulatividade segue a metodologia “imposto contra imposto”, valendo como crédito a ser descontado pelo adquirente aquele valor do tributo indicado na Nota Fiscal e efetivamente debitado no fornecedor, a não cumulatividade de PIS e COFINS busca alcançar o valor agregado pelo contribuinte, que não tem relação direta e inescapável com o valor concretamente recolhido pelo fornecedor. Para essas contribuições sociais, salvas pontuais e expressas exceções, vale como crédito a ser descontado dos tributos devidos o valor equivalente a 9,25% das compras previstas na legislação (com maior destaque, bens revendidos e insumos da operação, mas também outros custos ou despesas). Portanto, o julgamento da tese do século pelo STF, em que se reconheceu terem os contribuintes o direito de não computar como receita, base de cálculo daquelas contribuições, o ICMS destacado na venda, em nada altera o direito do adquirente, cliente desses contribuintes, aos créditos de PIS/COFINS sobre a mesma aquisição.