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Tratamento fiscal e regulatório de ativos mantidos no exterior, seus rendimentos e eventual consumo ou repatriação (parte 2)

Direto ao ponto: Como visto no primeiro artigo da série (acesse aqui), brasileiros que mantém ativos no exterior devem atentar-se à obrigatoriedade de declaração de tais ativos tanto na DIRPF como na DCBE anuais, bem como controlar as taxas de câmbio utilizadas nas remessas para aquisição dos ativos e os valores reinvestidos no exterior. No caso de a propriedade ser detida diretamente por indivíduos, o imposto de renda brasileiro está atrelado ao proveito econômico decorrente de liquidação, resgate, amortização ou similar, independentemente de efetiva repatriação dos recursos ou sua conversão em Reais. Caso os ativos sejam concentrados em sociedade offshore, a declaração anual fica simplificada, mas cuidados adicionais são necessários: levantamento de balanço anual e correta classificação de gastos pessoais.

Como visto no nosso artigo do mês passado, apesar do tabu que até recentemente circundava o tema, a manutenção, por indivíduos brasileiros, de recursos no exterior não é proibida. De fato, trata-se de faculdade legalmente aceita para todos os brasileiros. As obrigações atreladas resumem-se às declarações anuais DIRPF (em que os ativos que não representem efetiva disponibilidade são declarados por seu custo,) e DCBE (em que sempre se declara a posição econômica em 31/dez). Os efeitos fiscais dos diferentes tipos de rendimento, inclusive o cambial, estarão atrelados à realização econômica da renda, independentemente de efetiva repatriação de valores.

Por isso, no caso de os ativos serem detidos por meio de uma sociedade no exterior (offshore), tanto a DIRPF quanto a DCBE do indivíduo contribuinte no Brasil indicarão apenas as cotas ou ações daquela entidade, pelo valor incorrido para sua aquisição. Ou seja, se houve remessa de Reais para integralização da capital social da entidade, é esta operação de câmbio que marca o custo do investimento na DIRPF. Se a capitalização se fez com ativos já detidos no exterior, a soma do custo destes, que já constaria na DIRPF, compõe o custo do investimento.

Tal valor será preservado na DIRPF do investidor enquanto não houver novos aportes ou resgates. De fato, uma vez aportados recursos ou investimentos na offshore, esta passa a ser juridicamente a proprietária de tais ativos, os quais passarão a ser assim listados no balanço patrimonial, normalmente a título de capital social (e a correspondente contrapartida no Ativo da entidade). As variações da cotação do dólar não implicarão em mudança no custo do investimento registrado na ficha de bens e direitos da DIRPF do sócio, em Reais, portanto.

Já na DCBE, o valor a ser declarado anualmente corresponderá ao valor do patrimônio líquido (“PL”) da entidade, se superior a US$100.000,00. Por isso, uma primeira dificuldade adicional (se assim podemos chamar) de investimentos do exterior serem detidos via offshore é o levantamento de balanço anual, com o correspondente custo com profissionais envolvidos nesse reporte.

Do lado fiscal, o uso de uma offshore livra o contribuinte de ter de detalhar em sua DIRPF todos os ativos mantidos fora do Brasil, já que eles são agora detidos pela entidade. Apenas as cotas ou ações emitidas pela offshore (e detidas pelo contribuinte) são indicadas na declaração anual. Outra facilidade é que, com a offshore, o contribuinte não precisa pagar impostos a cada nova disponibilidade de renda oriunda dos investimentos (juros, dividendos, pagamento de bônus por bonds, por exemplo). Ou seja, se quando os ativos financeiros são detidos diretamente pelo indivíduo o cálculo do imposto é contemporâneo à geração de renda, o uso de uma offshore permite adiar tal pagamento para o momento em que esta entidade distribui resultados (dividendos), o que via de regra ocorre quando o contribuinte assim preferir.

Por outro lado, embora a offshore permita ao contribuinte adiar o recolhimento do imposto para o momento em que a renda gerada pelos investimentos é efetivamente disponibilizada ao sócio, quando tal momento ocorrer o imposto pode ficar mais caro. Isso porque a tributação da renda ocorrerá sobre um resultado que tem natureza de dividendos da entidade, lastreados em seu lucro, o que atrai a aplicação da tabela progressiva do IRPF, com alíquota de até 27,5%, mesmo se tal lucro foi gerado por rendimentos que estariam sujeitos a “apenas” 15% de IRPF se detidos diretamente (como os ganhos com juros em aplicações de renda fixa). Em outras palavras: o IRPF devido no Brasil tende a ser mais caro nos casos em que o rendimento gerado pelo ativo agora alocado na offshore tem natureza de ganho. Apenas o ganho com a venda das cotas ou ações emitidas pela própria offshore atrairiam a aplicação das alíquotas menores (15% a 22,5%).

O indivíduo contribuinte deve atentar também para o fato de a distribuição de dividendos poder ocorrer por meio do pagamento, pela sociedade offshore, de despesas pessoais do investidor. Aqui se nota a importância do levantamento de balanço e demonstrações financeiras da entidade, pois é ali que ficará evidenciado, por exemplo, se os gastos incorridos no cartão de crédito da offshore são despesas pertinentes a seu objeto, sendo despesas da entidade, ou se representam gastos exclusivamente no interesse do sócio, representando na essência dividendos, a serem tributados no Brasil, portanto.

Por fim, por meio de “resgates” (reduções de capital), o contribuinte brasileiro possui certa flexibilidade para adiar a tributação dos resultados auferidos no exterior via offshore. Desde que a legislação do país de residência da entidade assim permita, haja PL positivo, lastro em capital social e a contabilidade dessa forma registre, o pagamento de despesas em interesse do sócio, ou mesmo a transferência de numerário em favor do sócio, para o Brasil ou para contas também no exterior, pode ser feito tendo como contrapartida a redução do custo do investimento. Isso seria possível porque o valor daquela forma recebido pelo sócio teria natureza de resgate do investimento. A tributação no Brasil só ocorreria quando o custo do capital registrado na DIRPF tiver se exaurido com resgates anteriores, ou houver variação cambial sujeita a imposto (ou seja, decorrente de investimento realizado com recursos originariamente auferidos em Reais).

Aqui, chamamos a atenção para a Solução de Consulta 3008/19, cuja ementa assim afirma: “Devolução de capital, correspondente à participação acionária regularizada no âmbito do RERCT, de pessoa jurídica situada no exterior, recebida por pessoa física residente no Brasil, transferidos ou não para o País, está sujeita à tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, e na Declaração de Ajuste Anual, calculados conforme as tabelas progressivas mensal e anual, respectivamente.”

A despeito de a ementa dar a impressão de que o fisco estaria a concluir que quaisquer resgates estariam sujeitos à tributação pelo carnê-leão – tanto que assim foi noticiado à época (aqui) – a leitura atenta do inteiro teor da publicação deixa sem dúvidas de que o fisco está se referindo apenas à parcela que superar o custo do contribuinte. Ou seja, a tributação dos resgates, no Brasil, só ocorrerá quando se tratar de dividendos assim declarados, ou quando o valor resgatado vier a superar o montante investido na offshore, tal qual registrado na DIRPF como custo da participação.

Quanto à variação cambial, valem as regras já dispostas no artigo anterior, quando analisamos investimentos detidos diretamente pelo contribuinte, com a diferença que tal resultado cambial será calculado sobre o custo de aporte na offshore, que contemplará não apenas a integralização inicial, mas os valores capitalizados oportunamente, ainda que por reinvestimento de dividendos. Novamente, propícia a recomendação para que se mantenha controle detalhado de tais momentos, para que se possa segregar a origem dos recursos entre aqueles auferidos originariamente em moeda estrangeira e os auferidos originariamente em Reais.

Direto ao ponto: Brasileiros que mantém investimentos no exterior por meio de offshore devem atentar-se à obrigatoriedade de declaração de tais ativos tanto na DIRPF como na DCBE anuais. O controle das taxas de câmbio utilizadas nas remessas e reinvestimentos na entidade é fundamental para a correta aferição do futuro imposto devido. Se por um lado a offshore simplifica o compliance fiscal, exigindo imposto apenas quando há dividendos ou resgate acima do capital registrado como custo, adiciona-se o trabalho de preparação anua de balanço e demonstrações de resultado, bem como passa a incidir a tabela progressiva quando da distribuição de quaisquer dividendos, reservando-se as alíquotas menores de ganho de capital apenas para quando as ações ou cotas de emissão da própria entidade offshore são alienadas com ganho.